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Tres enfoques do conceito de Estado

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TReS ENFOQUES SOBRE O CONCEITO DE ESTADO· 
1. Resumo 
ERNESTO A. ISUANI 
1. Resumo; 2. Três conceitos de Estado; 3. O Estado 
como uma associação ou comunidade; 4. As teorias do 
contrato social; 5. Conceito de Estado segundo Max 
Weber; 6. O Estado como esfera ou dimensão social; 
7. O Estado como um aparato para o governo, a adminis-
tração e a coerção; 8. O Estado: combinação de conceitos. 
Ao examinar alguns dos autores clássicos no campo da teoria política, en-
contramos três conceitos principais de Estado. 
O primeiro conceito, a teoria do contrato social e a teoria de Max Weber, 
oferece duas variantes do Estado como uma associação. Em ambas o Estado 
coincide com a sociedade e difere da instituição de governo. O Estado, assim, 
surge como resultado de um acordo feito por indivíduos (contrato social) ou 
por um grupo que se impõe sobre outros grupos sociais (Weber). O segundo 
conceito foi representado por Hegel, que propôs o Estado como uma di-
mensão abstrata abrangendo outras dimensões da sociedade. Aqui a díade Es-
tado-sociedade civil adquire significado. Finalmente, o Estado tem também 
sido conceituado como um aparato separado da sociedade, operando através 
de suas instituições governamentais, administrativas e coercitivas. Esta é a abor-
dagem dos pensadores marxistas clássicos. 
A maioria dos autores citados usou uma dessas noções de maneira consisten-
te. Contudo, alguns deles e outros tenderam a misturar noções diferentes. 
Dessa maneira, confrontamo-nos com um quebra-cabeça semântico quando 
aparece o termo Estado. O objetivo deste artigo é tomar explícitos os diferen-
tes modos pelos quais o Estado pode ser conceitualizado. 
Como muitos outros conceitos centrais nas ciências sociais, o conceito de 
Estado continua, em grande parte, intuitivo. Alguns autores tentam tomar seu 
significado explícito quando usam o termo e, é claro, as definições variam mui-
tíssimo. Outros autores, a maioria, simplesmente usam o termo. As coisas se 
tomam ainda mais complicadas quando este conceito tão intuitivo é combina-
do com outros conceitos igualmente intuitivos como poder e sociedade civil. A 
existência de diversos paradigmas nas ciências sociais contribui indubitavel-
mente para os diversos significados do termo e não é incomum encontrar um au-
tor usando um paradigma mas adotando um conceito de Estado que correspon-
• The State and social security policies toward labor: the Argentine case. Tese de dou-
torado. University of Pittsburgh, 1979. capo 1. Traduzido por Maria Teresa Macieira Sousa. 
R. C. pol., Rio de Janeiro, 27(1):35-48. jan./abr. 1984 
de a outro paradigma. Não há saída para esse labirinto semântico, exceto ado-
tar uma atitude tão crítica quanto possível. Esses conceitos tão cruciais para 
o entendimento das questões fundamentais das ciências sociais devem ser de-
finidos explicitamente. O conceito de Estado é um deles e será o objeto de aná-
lise deste trabalho. Aqui, a tentativa é sintetizar várias noções diferentes de 
Estado. 
2. Três conceitos de Estado 
Podem-se encontrar três noções básicas de Estado na literatura da teoria 
política: a) como uma associação ou comunidade envolvendo uma instituição 
do governo; b) como uma dimensão da sociedade, abrangendo ou se opondo a 
outras dimensões sociais; c) como um aparato para o governo, a administra-
ção e a coerção. 
3. O Estado como uma associação ou comunidade 
Aqui, o conceito de Estado toma-se coextensivo ao conceito de sociedade. 
Em outras palavras, as sociedades, em algum ponto de seu desenvolvimento 
histórico, existem como tais, somente em forma de Estados. Para este ponto 
de vista, o Estado abrange os habitantes de um dado território e requer insti-
tuições governamentais, administrativas e repressivas para proteger tal associa-
ção das ameaças externas e do caos interno. Esta noção admite duas variantes. 
Por um lado, existe a associação vista de "baixo", quer dizer, o Estado emer-
gindo de um acordo entre os membros de uma dada comunidade humana. Esta 
abordagem adquiriu sua mais pura formulação nas teorias do contrato social. 
Por outro lado, há a associação vista de "cima", uma associação de domi-
nação na qual certos grupos controlam outros grupos dentro de um dado ter-
ritório. O representante mais importante dessa abordagem é Max Weber. 
4. As teorias do contrato social 
Segundo os mais proeminentes teóricos do contrato social, os indivíduos con-
cordam em criar uma entidade social para vencer as desvantagens de um real 
ou hipotético "Estado de natureza". Para atingir essa meta, executam um 
contrato pelo qual um "Estado civilizado" é ocasionado. Depois da "assinatura" 
do pacto, o novo Estado torna-se uma associação compulsória.
' 
Além do ter-
mo "Estado", outros termos são usados por diferentes autores para designar 
a entidade surgindo do contrato social. Assim, Hobbes fala de "Estado civil" 
1 As teorias do contrato social vão desde os pactos entre soberanos e súditos (pactum 
subjectionis) ao pacto entre os habitantes (pactum societatis). A primeira versão é sus-
tentada principalmente nos escritos políticos do século XVI, representando um esforço de 
prover fundamento ideológico à limitação dos poderes dos monarcas. A segunda versão 
é desenvolvida da idéia da soberania popular que acompanhou a ascensão da burguesia. 
Assim, no século XVII, os dois contratos apareciam nos escritos de Grotius, Puffendorf 
e Hobbes. Mais tarde pode-se ver como o pactum societatis torna-se o fundamental, em 
Hooker e Locke. Este contrato é o único, em Rousseau, que elimina o pactum subjectionis. 
36 R.C.P. 1/84 
e "commonwealth";2 Locke usa os termos "sociedade política", "sociedade ci-
vil", "commonwealth", "Estado de paz", "comunidade" e "sociedade"l e Rous-
seau usa as palavras "Estado civil", "Estado social" e "Sociedade civil".4 O 
Estado não deve ser confundido com o governo. Esses dois termos, suas rela-
ções e o "Estado de natureza" são conceituados de diversas maneiras por esses 
autores. 
Em Hobbes, o Estado de natureza é descrito na conhecida frase: "Fora dos 
~stados civis, há sempre guerra de todos contra todos."s Para criar um Estado 
civil capaz de superar os perigos de uma situação na qual "naturalmente, todo 
homem tem direito a tudo", os indivíduos devem desistir de qualquer direito 
fundamental, exceto o direito à vida.6 Esses direitos são conferidos a um so-
berano, seja um indivíduo ou um órgão representativo. Assim, o ato de criar uma 
sociedade ou um Estado é o mesmo ato de criar um governo; pactum societatis 
e pactum subjectionis são duas faces da mesma moeda: 
"Isso (o bem comum) é mais do que consentir ou concordar; é uma unidade 
real de indivíduos numa só e mesma pessoa, feita por acordo entre todos os 
homens, de maneira tal, que um homem deveria dizer aos outros: 'Eu auto-
rizo e dou o meu direito de governar a este homem ou a esta assembléia de 
homens, na condição de que você ceda ao outro o seu direito e autorize todas 
as suas ações dessa maneira'. Isso, a multidão tão unida numa só pessoa, é 
chamado o commonwealth."7 
Não é uma situação permanente de guerra que preocupa Locke, mas a pro-
babilidade da interferência de certos indivíduos nos direitos dos outros. 
O Estado de natureza não é "pré-social" porque, nele, os indivíduos são guiados 
pela lei natural: 
"O Estado de natureza tem uma lei natural para governá-lo e que obriga 
a todos. E a razão, que é essa lei, ensina a toda a humanidade, que só a ela 
consultará, que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deverá prejudi-
car o outro na sua vida, saúde, liberdade ou propriedade."8 
No Estado de natureza, qualquer indivíduo tem o direito de pumr toda a 
ofensa que possa ameaçar seus direitos. :e. a injustiça vinda do fato de que 
o indivíduo é simultaneamente juiz e acusador que toma o contrato social ne-
cessário.9 Assim, quando os indivíduos concordamem desistir do seu direito 
de punir os transgressores (um direito que têm em virtude da lei de natureza) 
e estabelecem um tribunal, eles criam uma sociedade civil ou um Estado: 
"Portanto, em qualquer lugar em que houver um número de homens tão uni-
dos numa sociedade a ponto de renunciar a seu poder executivo da lei de na-
tureza em favor de qualquer um e submetê-lo ao público, aí existe e só exis-
te uma sociedade civil ou política."lo 
Z Hobbes, Thornas. Leviathan. New York, Macrnillan, 1977. capo 13, Estado civil. pte. 2, 
Commonwealth. 
, Locke, John. The second treatise of government. London, Carnbridge University Press; 
1960. capo 7, Sociedade civil ou política. capo 8, Commonwealth. capo 19, Estado de paz. 
4 Rousseau, Jean-Jacques. The social contract. New York, E.P. Dutton, 1950. livro 1, 
capo 8, Estado civil. capo 9, Estado social e Sociedade civil. 
• Hobbes, T. op. dto capo 13. p. 100. 
6 Id. ibid. capo 14. p. 103-5. 
7 Id. ibid. capo 17. p. 132. 
8 Locke, J. op. cit. cap. 2. § 6. 
9 Id. ibid. capo 2. §§ 7 e 13. 
lO Id. ibid. capo 8. § 89. 
Conceito de Estado 37 
Os indivíduos não desistem de nenhum de seus direitos fundamentais. Ape-
nas concordam em pôr limites em. suas próprias esferas de ação. Por essa ra-
zão, a burguesia ascendente tem uma base teórica para seu ataque ao absolutis-
mo e para a criação de uma sociedade à sua própria imagem. Colletti ilumina 
as verdadeiras preocupações da tradição da lei natural à qual Locke pertenc:.!: 
"Nada é acrescentado à 'condição moral', que já é perfeita no 'Estado de 
natureza', pela implantação da sociedade (através do contrato), exceto a 
proteção da lei positiva garantindo e, assim, assegurando o exercício dos 'direi-
tos originais' que o homem 'sempre possui', mas que estão expostos no Esta-
do de natureza à violência e à opressão mútua ( ... ). O contrato não cria 
realmente uma 'sociedade', mas apenas um 'Estado'. Mais precisamente, a so-
ciedade que é criada pelo contrato é somente uma sociedade 'formal', jurí-
dica, sem nenhuma associacão 'real' na sua base, sem identidade efetiva de 
interesses, mas apenas insociabilidade e competição de interesses privados. O 
momento unificador ou comum não é mais do que isso; que todos concordem 
(o contrato) que, dentro do limite da lei, todos devem perseguir seus próprios 
interesses particulares."lI 
Em Locke, o contrato para criar uma sociedade (na qual é necessária a 
unanimidade) é diferente daquele que cria um governo (no qual uma maioria 
decide). O pactum societatis é o fundamental e sua ruptura significa um re-
torno ao Estado de natureza. Por outro lado, o governo pode ser mudado 
sem alterar o Estado civilP 
Para Rousseau, nem um estado permanente de guerra entre indivíduos, nem 
a probabilidade de "excessos" no comportamento destes são características 
que definem o Estado de natureza. Ele sintetiza sua idéia do Estado de nature-
za com seus pontos de vista sobre um estado de inocência. Não atribui a esse 
Estado uma verdadeira vida histórica; é apenas um truque conceitual para en-
tender, por contraste, o Estado surgindo do contrato social. Esse aparecimen-
to do Estado proporciona aos indivíduos um caminho de auto-realização e 
esse Estado civil é uma comunidade real e não formal: 
"Se então tirarmos do acordo social o que não pertence à sua essência, des-
cobriremos que ele se reduz aos seguintes termos: 'Cada um de nós põe 
a sua pessoa e todo o seu poder em comum sob a direção suprema da von-
tade geral e, na nossa capacidade coletiva, recebemQs cada membro como uma 
parte indivisível do todo.' Imediatamente, em lugar da personalidade indi-
vidual de cada parte contratante, esse ato de associação cria um corpo moral 
e coletivo, composto de tantos membros quantos os que constituem a assembléia 
de votantes e recebendo desse ato sua unidade, sua i.dentidade comum, sua vida 
e sua vontade. Essa pessoa pública, assim formada pela união de todas as ou-
tras pessoas, antigamente tinha o nome de cidade e agora toma o de Repú-
blica ou corpo político; é chamado por seus membros de Estado quando pas-
sivo, soberano quando ativo, e poder quando comparado com outros como 
ele. "13 
Em Rousseau, a soberania reside sempre no povo. Não há transferência dela: 
é sempre delegada a funcionários autorizados que são totalmente sujeitos à 
11 CoUetti, Lucio. Rousseau as critic of civil society. In: --o From Rousseau to 
Lenin; studies in ideology and society. New York, Monthly Review Press, 1972. p. 150-67. 
12 Locke, J. op. cit. capo 19. § 220. 
13 Rousseau, J. -J. op. cit. livro 1. cap. 6. 
38 R.C.P. 1/84 
81BLIO!ECA 
PUND~ItAO GfiU .. IO ~Ai(_ 
volonté générale. Sua teoria radical de democracia direta estabelece limites cla-
ros à atividade dos delegados do povo. Não há um segundo contrato, não há 
um pactum subjectionis: 
"Os membros desse corpo (governo) são chamados magistrados ou reis, quer 
dizer, governantes ( ... ) e o corpo geral leva o nome de príncipe. Têm muita 
razão aqueles que sustentam não ser um contrato em absoluto o ato pelo qual 
um povo se submete a um príncipe. E só e simplesmente uma comissão, um 
emprego, na qual os governantes, meros funcionários do soberano, exercem em 
seu nome o poder de que ele os fez depositários. Esse poder ele pode limitar, 
modificar ou recuperar quando lhe aprouver; porque a alienação de tal di-
reito é incompatível com a natureza do corpo social e contrária ao objetivo da 
associação."14 
5. Conceito de Estado segundo Max Weber 
Para compreender a noção de Estado de Weber, alguns outros conceitos de-
vem ser preliminarmente introduzidos. O ponto de partida é seu conceito de 
"dominação".15 A existência da dominação ou a "probabilidade de uma ordem 
com um conteúdo específico ser obedecida por um certo grupo de pessoas ( ... ) 
não implica necessariamente a existência de um órgão administrativo ou sequer 
a existência de uma organização". Weber acrescenta imediatamente: "E, no 
entanto, incomum encontrá-la (a dominação) desvinculada de pelo menos uma 
delas." Em outras palavras, apesar de a dominação "depender somente da pre-
sença real de uma pessoa dando ordens aos outros com sucesso", isso é muito 
difícil de encontrar fora de organizações governantes, que quase sempre impli-
cam a existência de um órgão administrativo: 
"Uma organização que possui um órgão administrativo é sempre, em algum 
grau, baseada na dominação. Mas o conceito é relativo. Em geral, uma organi-
zação que governa eficientemente é também uma organização administrativa."16 
Daí W eber evolui para um conceito de Estado: 
"Uma 'organização governante' será chamada 'política' na medida em que 
sua existência e ordem forem continuamente salvaguardadas dentro de uma 
dada área territorial pela ameaça e aplicação de força física por parte do órgão 
administrativo. Uma organização política compulsória com operação contínua 
será chamada de 'estado' na medida em que seu órgão administrativo sustentar 
satisfatoriamente a alegação do monopólio da legitimidade do uso da força fí-
sica para proteger sua ordem.'J\7 
Segundo Weber, o Estado como uma associação política deve ser definido 
em termos dos meios e não dos fins. Apesar de o uso da força não ser o úni-
co expediente aberto ao Estado, constitui seu método particular. Entretanto, 
como o uso da força, mesmo legítimo, não é limitado a organizações políticas, 
é necessário outro elemento básico para definir o Estado - a territorialidade. 
14 Id. ibid. livro 3. cap. 1. 
15 Talcott Parson a chama "controle imperativo", de acordo com a sua tradução da pa-
lavra germânica Herrschalt. Ver: Weber, Max. The theory 01 social and economic orga-
nization. New York. Oxford University Press. 1947. p. 152. 
16 Esta e as citações anteriores em: Weber. Max. Economy and society. New York, Bed-
minster, 1968. v. 1. p. 53-4. 
17 Id. ibid. p. 54. 
Conceito de EstadoPode-se ver nos escritos de Weber que, historicamente, as organizações políti-
cas emergiram da transição entre os tipos de dominação patriarcal e patri-
monial. 
"A gerontocracia e o patriarcalismo primário são os tipos mais elementares de 
dominação tradicional, onde o senhor não tem um órgão administrativo pes-
soal ( ... ) por isso o senhor é ainda muito dependente da disposição dos 
membros em concordar com suas ordens, já que ele não tem maquinaria para 
garanti-Ias. Por essa razão, os membros ainda não são realmente súditos ( ... ) 
O patrimonialismo e, num caso extremo, o sultanismo tendem a aparecer onde 
a dominação tradicional desenvolve uma força administrativa e militar que são 
instrumentos puramente pessoais do senhor. Só então os membros do grupo são 
tratados como súditos."18 
O tipo de dominação implícita no fenômeno do Estado também requer o 
controle do governante sobre o órgão executivo e sobre os instrumentos mate-
riais da administração. No entanto, deve ser feita uma importante distinção: 
"Todos os Estados devem ser classificados segundo seu apoio ou não ao prin-
cípio da posse real pelos funcionários dos meios administrativos de administra-
ção (dinheiro, edifícios, materiais de guerra etc.)." Esse elemento dá origem 
à distinção entre "estamentos" e "Estados". No caso do estamento, os meios 
de administração são "autonomamente controlados, total ou parcialmente, pelo 
órgão administrativo dependente" (por exemplo, os vassalos na associação feu-
dal); em outras palavras, "o senhor governa com a ajuda de uma aristocracia 
autônoma e assim divide sua dominação com ela". No caso do Estado, os meios 
de administração estão sob o controle do senhor, com o apoio de um corpo de 
auxiliares. :É só no Estado moderno que "a separação do órgão administrativo 
dos meios materiais da organização administrativa é concluída" .19 Propria-
mente falando, o Estado é, no pensamento de Weber, o Estado moderno, a 
organização política que surgiu no último período medieval na Europa e ca-
racterizada principalmente pela presença de exércitos permanentes, pelo cresci-
mento da burocracia e pelo desenvolvimento das finanças públicas. 
Recapitulando, Weber considera o Estado um tipo particular de organização 
política governante, caracterizada pelo elemento da territOrIalidade e pela exis-
tência de um órgão administrativo que monopoliza o uso legítimo da força. 
O Estado como associação política, seja surgindo de "baixo" (teorias do 
contrato social) ou "de cima" (Weber), é a forma na qual a sociedade existe 
num determinado estágio do desenvolvimento da humanidade. O Estado tam-
bém inclui uma instituição de governo; assim. Estado e governo não são idên-
ticos segundo essa abordagem. 
6. O Estado como esfera ou dimensão social 
Nesta noção, o conceito de Estado não coincide mais com o conceito de so-
ciedade: o Estado agora torna-se uma esfera ou dimensão que ora abrange, 
18 Id. ibid. p. 231. 
19- Todas estas citações em: Weber, Max. Politics as vocation. In: Gerth, H.H. & Mi\ls, 
C.W. From Max Weber: essays in sociology. New York, Oxford University Press, 1967. 
p. 81-2. 
40 R.C.P. 1/84 
()fa se opõe a outras esferas SOCIaIS. ~ nesta abordagem de Estado que a díade 
sociedade civil-Estado toma-se significativa. 
Esta noção atinge desenvolvimento completo no trabalho de Hegel.20 O c.on-
ceito de sociedade civil, usado pelas teorias do contrato social para designar 
a sociedade que surge do Estado de natureza através de um contrato, adqui-
re um novo sentido nas obras de Hegel. A sociedade civil é contraposta ao 
Estado e à família, e estas três "esferas" tomar-se-'ão os três momentos da 
vida ética.21 As razões para esta mudança no significado devem ser encontra-
das nas novas realidades que surgiram na ascensão do capitalismo, às quais 
Hegel reagiu de maneira crítica. Estas novas realidades eram: 
1. Individualismo. Com a ascensão do comércio e da indústria burgueses, o 
indivíduo tomou-se cada vez mais preocupado com seus interesses privados. 
Assim, o interesse particular foi acentuado e oposto, por um lado, aos inte-
resses particulares de outros indivíduos e, por outro lado, ao interesse comum. 
Por causa da necessidade de atender ao interesse comum e assim evitar uma 
completa fragmentação da sociedade, a diferenciação entre o público e o pri-
vado tomou-se uma característica da sociedade "moderna". Como salienta He-
gel, "a criação da sociedade civil é a realização do mundo modemo".22 Esta 
sociedade civil não existiu no passado: "No Estado da antigiiidade, o objetivo 
do sujeito simplesmente coincidia com a vontade do Estado. Nos tempos mo-
dernos, entretanto, nós reivindicamos julgamento privado, vontade e consciên-
cia privadas. Os antigos não tinham nenhuma dessas reivindicações, no seIl' 
tido moderno; o fundamental para ele era a vontade do Estado."23 
2. Aumento da desigualdade. A dinâmica do mercado tende a aumentar as di-
ferenças em bens, colocando as massas em perigo de inanição: "Este poder con-
dena uma multidão a uma vida dura, à apatia no trabalho e na pobreza para 
que os outros possam acumular fortunas."24 
Estas realidades levaram Hegel a estabelecer uma nova noção de sociedade 
civil. O que Hobbes viu no Estado de natureza, ou seja, bellum omnium con-
tra omnes, é exatamente o que Hegel viu na sociedade civil da tradição da 
Lei natural (Locke, Hooker): um reino de competição, de homens hostis a ou-
tros homens, a primazia do interesse privado, particular. Hegel é explícito quan-
to a isso: 
"Na sociedade civil cada membro tem em sua pessoa o seu próprio fim, 
o resto não é nada para ele ( ... ). Os indivíduos, na sua competência de ci-
dadãos, neste estado da sociedade civil, são pessoas privadas cujos fins são 
20 Além da variante de Hegel desta noção, existe também uma versão "estruturalista". 
Althusser e especialmente Poulantzas, em suas primeiras obras, identificam o Estado com 
o "político" e isto constitui uma instância ou nível estrutural dentro de um modo de 
produção diferente de outras estruturas (ideológica e econômica). Ainda assim, dado qu~ 
no meu ponto de vista outras noções de Estado estão implícitas no trabalho de Poulantzas, 
ele será abordado em outro item. 
li Hegel, G.W.F. Phylosophy of right. New York, Oxford University Press, 1977. § 157. 
22 Id. ibid. Aditamento ao § 182. 
23 Id. ibid. Aditamento ao § 261. 
24 Hegel, G.W.F. Realphilosophie 11. Apud: Avineri, ShIomo. Hegel's theory of th,! 
modem state. New York, Cambridge University Press, 1972. p. 96. 
Conceito de Estado 41 
seus próprios interesses ( ... ) A sociedade civil é o campo de batalha onde o 
interesse privado individual de cada um encontra os interesses dos outros."25 
No entanto, no pensamento de Hegel, a sociedade civil não deve ser con-
fundida com o Estado, como aparece nas teorias da lei natural: "Se o Estado 
é representado como uma unidade de pessoas diferentes, como uma unidade 
que é somente uma sociedade, então fala-se de sociedade civil apenas."26 Ao 
contrário, o Estado é a "realidade da idéia ética",27 o momento da universa-
lidade, do comum, onde a atomização e fragmentação da sociedade civil é 
transcendida, onde os homens tornam-se unidos num só corpo. O Estado 
é o mais alto momento da vida ética, onde o universal e o particular se 
reconciliam, onde reinam a solidariedade e a identidade, onde o homem está 
pronto a se sacrificar pelo bem dos outros. Contudo, deve-se notar que o 
Estado não exclui a sociedade civil: "Os interesses particulares não devem, 
de fato, ser postos de lado ou completamente suprimidos; ao contrário, devem 
ser postos em correspondência com os interesses universais e, desse modo, 
tanto os particulares como os universais são mantidos."28 A sociedade civil 
é também um momento de vida ética; o Estado contém e transcende a socie-
dade civil: "O Estado é real e sua realidade consiste nisso:o interesse do 
todo é realizado em e através de objetivos particulares."29 
Desta forma, o Estado inclui o individualismo e transcende-o. Isso requer 
uma classe de pessoas devotadas ao interesse público, a "classe universal", 
os funcionários do Estado: "A classe universal, ou mais precisamente, a classe 
dos servidores civis, deve, puramente em virtude de seu caráter universal, ter 
o universal como objeto de sua atividade essencial."30 Além disso, a pobreza 
será aliviada através da "intervenção" da classe universal para mitigar as con-
seqüências da sociedade civil. Desta maneira, Hegel estabelece um precedente 
interessante para as teorias de bem-estar social: 
"O governo tem a tarefa primordial de atuar contra a desigualdade e a des-
truição geral proveniente dela. Isto pode ser feito diretamente, dificultando 
a aquisição de altos lucros; e quando (o governo) abandona uma parte dessa 
classe ao trabalho mecânico e industrial e a deixa em seu estado desigual, 
deve de qualquer maneira preservar toda esta classe em algum tipo de con-
dição viável.'>3l 
Com Hegel, o conceito de Estado perde a referência mais imediata que tinha 
na primeira noção apresentada - o Estado como uma associação. O Estado 
não é governo nem sociedade, mas uma dimensão altamente abstrata de so-
ciedade. 
7. O Estado como um aparato para o governo, a administração e a coerção 
Uma terceira noção vê o Estado como um aparato governamental, admi-
nistrativo e coercitivo dentro de uma dada sociedade. Como na segunda noção, 
2S Hegel, G.W.F. Phylosophy of right, cito Em aditamento aos §§ 182, 197 e 289. 
26 Id. ibid. Aditamento ao § 182. 
11 Id. ibid. § 257. 
Z8 Id. ibid. § 261. 
29 Id. ibid. Aditamento ao § 283. 
30 Id. ibid. § 303. 
31 Hegel, G.W.F. Schriften zur Politik. Apud: Avineri, S. op. cito p. 100. 
42 R.C.P. 1/84 
o Estado não coincide com o conceito de sociedade. Difere da concepção 
de Hegel no sentido em que o Estado não é uma dimensão social abstrata, 
mas uma instituição concreta, separada do resto da sociedade. :e nesta noção 
que conceitos como o da "autonomia" do Estado ou o da "intervenção" do 
Estado são significativos. 
Este é o ponto de vista sustentado pelo pensamento marxista clássico (Marx, 
Engels, Lênin). Os primeiros escritos de Marx contêm uma crítica ao con-
ceito de Estado de Hegel. Para ele, a teoria do Estado contida na filosofia 
do direito é uma ilusão idealista, uma abstração. O Estado, como a sociedade 
civil transcendente e universal, é apenas um mito. Não pode haver tal mo-
mento enquanto na base real da sociedade (sociedade civil) persistir a desi-
gualdade. O Estado político é uma ilusão porque a igualdade formal do ci-
dadão coexiste com o fato de que a sociedade é baseada na desigualdade 
sócio-econômica de seus membros. 
Hegel observou que a separação entre o Estado e a sociedade civil foi 
um produto moderno. Para Marx, o verdadeiro produto moderno foi a abs-
tração desses dois termos: "A abstração do Estado não nasceu antes dos 
tempos modernos. A abstração do Estado político é um produto moderno."32 
Contudo, segundo Marx, dizer que o Estado é uma abstração não quer dizer 
que ele é irreal. Os princípios da Revolução Francesa são formais e abs-
tratos, mas têm a existência que a lei lhes confere.33 A emancipação humana, 
não obstante, tenciona eliminar esta abstração: 
"Somente quando o homem individual, real, retomar o cidadão abstrato 
e como um homem individual se torne um 'ser-espécie' na sua vida empírica, 
no trabalho individual e nas relações pessoais, somente quando o homem 
reconhecer e organizar suas forces propres como forças sociais, de tal modo 
que a força social não seja separada dele na forma de força política, só 
então será concluída a emancipação humana."34 
Nos primeiros escritos de Marx há a noção de que esta comunidade polí-
tica abstrata desaparecerá quando a igualdade e a cooperação reinarem na 
sociedade. Aí não haverá nem um Estado formal nem uma sociedade civil; 
os interesses privados e públicos serão os mesmos. 
Esta discussão já apresentou o suficiente da crítica de Marx ao conceito 
de Estado de Hegel.15 O conceito marxista de Estado implica o fato de que 
é uma organização que se diferencia da sociedade. Na Crítica à filosofia do 
direito de Hegel, esta noção já está presente: 
"Os representantes da sociedade civil constituem uma 'assembléia' e é só 
nesta assembléia que a 'existência e vontade política' da sociedade civil 
tornam-se 'reais'. A separação de Estado político da sociedade civil toma 
a forma da separação que existe entre os representantes e seus eleitores. A 
sociedade simplesmente delega elementos próprios para transformá-los em sua 
existência política. Existe aí uma contradição duplicada: 1) uma contradição 
formal: os representantes da sociedade civil são uma sociedade que não é 
32 Marx, Karl. Critique to Hegel's doctrine of the State. In: --o Early writings. 
New York, Vintage, 1975. p. 90. 
33 Id. ibid. p. 129. 
34 Marx, Karl. The Jewish questiono In: --o Early writings. cit. p. 234. 
35 Ver o excelente artigo de McGovem, Arthur F. The young Marx on the State. 
Science and Society, 34(4), Winter 1970. 
Conceito de Estado 43 
ligada a seus eleitores por nenhuma 'instrução' ou comlssao. Têm uma auto-
ridade formal, mas, logo que se toma real, deixam de ser autorizados. Deviam 
ser representantes mas não são. 2) Uma contradição material com respeito aos 
interesses reais. Mais sobre este último. Aqui se dá o inverso. Eles têm auto-
ridade como representantes dos assuntos públicos, enquanto na realidade re-
presentam interesses particulares."36 
Desse ponto em diante, o Estado toma-se uma instituição de governo se-
parada do resto da sociedade.37 :É interessante notar que as duas noções do 
"definhamento" do Estado podem ser extraídas do pensamento de Marx: 
a) quando a sociedade se tornar livre e igualitária, não haverá necessidade 
então de uma comunidade política abstrata; é esta abstração que desaparece; 
b) quando o Estado é conceituado como um órgão governamental separado, 
então o "definhamento" do Estado significa "converter o estado de um órgão 
sobreposto à sociedade em um órgão completamente subordinado a ela" .38 
Engels e Lênin desenvolveram mais sistematicamente a noção de Estado 
como um órgão separado da sociedade. Eles generalizaram isso a todos os 
tipos de sociedades de classe. Engels afirmou na Origem da família, da pro-
priedade privada e do Estado que este foi o produto da divisão da sociedade 
em classes sociais e surgiu "da necessidade de refrear o antagonismo de classe". 
Contudo, esta instituição que se retira da sociedade e a ela se opõe não é, 
"absolutamente, um poder de fora posto à força na sociedade". Ela parece 
pairar sobre a sociedade mas em todas as ocasiões é "exclusivamente o Es-
tado da classe governante e em todos os casos continua sendo essencialmente 
uma máquinª para refrear as classes exploradas e oprimidas", ou "o Estado 
é uma organização da classe dominante para a sua proteção contra a classe 
dominada". Essa máquina (que Engels também chama de "poder público" ou 
"poder do estado") "consiste não só de pessoal armado, mas também de 
materiais acessórios, prisões e instituições de repressão de todos os tipos". 
Finalmente, Engels argumenta que o Estado, essa instituição de governo e 
repressão, tendo origem histórica nas sociedades de classe, não vai durar 
para sempre: "A sociedade que organizar a produção com base numa asso-
ciação livre e igualitária dos produtores, colocará toda a engrenagem do 
Estado onde ela pertence: no Museu de Antigüidades, ao lado da roda de fiar 
e do machado de bronze."J9 
Em Estado e revolução, Lênin, seguindo em grande parte as idéias de 
Engels citadas, explicitou que o Estado é "um órgão de dominação de classe 
( ... ) criado pela classe dominante", um "instrumento para a exploração daclasse oprimida", uma "especial força repressiva", sendo a burocracia e o 
exército permanente "as duas instituições mais características dessa máquina 
do Estado".40 
36 Marx, Karl. Critique ... cit. p. 193-4. 
J7 ColIetti observa que a "sombra" de Rousseau está presente na crítica a Hegel de Marx 
e na sua crítica à democracia indireta ou representativa, como pode ser claramente visto 
na passagem que acabamos de citar. Ver ColIetti, L. op. cit. p. 187·39. 
J8 Marx, Karl. Critique of the Gotha Programo In: Tucker, R. C. The Marx-Engels 
reader. New York, W.W. Norton, 1972. seção 4. 
39 Engels, F. The origin of the family, private property and the State. In: Tucker, R.C. 
op. cit. p. 652, 653, 655 e 657. 
40 Lênin, J. The State and revolution. In: Connor, J. S. Lenin on politics and revolu-
tion, selected writings. New York, Bobbs-Merrill, 1968. p. 186, 189, 191 e 200. 
44 R.C.P. 1/84 
Em suma, para Marx, o Estado era basicamente um órgão separado da 
sociedade. Este "órgão" foi descrito mais concretamente por Engels e Lênin, 
qu~ declararam ser o Estado idêntico às instituições governantes, administrati-
vas e coercitivas da sociedade. 
8. O Estado: combinação de conceitos 
Apesar de a maioria dos teóricos discutidos aqui ter usado um dos três 
conceitos de Estado mais ou menos consistentemente, alguns usaram mais 
de um, com a conseqüência que nem sempre é fácil entender ao que se 
estão referindo. Por exemplo, Engels (que sustenta a terceira concepção do 
Estado) algumas vezes usa o termo para indicar um agregado humano, uma 
sociedade.41 Ele nos diz: "Ele (o poder público) torna-se mais forte, no en-
tanto, à proporção que o antagonismo de classe, dentro do Estado, se torna 
mais agudo e à proporção que os estados adjacentes se tornam maiores e 
mais populados." Afirma também: "Este poder público existe em todos os 
estados." Nestas duas passagens, Engels está usando o termo para significar 
sociedade, de outro modo os estados adjacentes tornando-se mais "popula-
dos" não faria sentido. Além disso, o poder público, a engrenagem da opres-
são, que foi também chamado o Estado ou poder do Estado, agora "existe 
em todos os estados" e ameaça "devorar toda a sociedade e até o estado". 
Dado que sua noção básica de Estado se refere ao aparato de governo e 
coerção, distinto da sociedade, essa falta de rigor no seu uso do termo "Es-
tado".pode ser explicada por uma falha semântica. Mas Engels não está só. 
Weber diz em Política como vocação: 
"O Estado moderno é uma associação compulsória que organiza a domi-
nação. Tem tido sucesso na busca de monopolizar o uso legítimo da força 
física como meio de dominação num território. Para esse fim o Estado ajus-
tou os meios materiais de organização às mãos de seus líderes, e isso extra-
ditou todos os funcionários autônomos dos estamentos, que antes controlavam 
esses meios, como prerrogativa própria. O Estado tomou suas posições e 
hoje está na posição mais alta.'>42 
Esta é uma passagem muito ambígua. Se Weber se apOla basicamente num 
conceito de Estado como associação, é s6 em termos figurativos que uma 
associação política pode estar "na posição mais elevada" ou ter "sucesso" 
no monopólio do legítimo uso da repressão. Weber parece estar usando aqui 
o termo Estado para designar as instituições governamentais. 
Outro exemplo é o trabalho de Antonio Gramsci. Como demonstra Perry 
Anderson numa excelente análise do trabalho desse autor,43 o marxista ita-
liano muda diversas vezes o significado de "Estado". Algumas vezes abrange 
a sociedade civil, outras vezes se opõe a ela, e até mesmo, por vezes, os 
dois são idênticos. 
41 Engels, F. op. cit. p. 652-3. 
42 Weber, Max. Politics as vocation. cit. p. 82-3. 
43 Anderson, Perry. The antimonies of Gramsci. New Lelt Review, (100), 1976/77. 
Conceito de Estado 45 
Uma certa literatura antropológica situa-se entre o primeiro e o terceiro 
conceitos de Estado. Esta literatura44 preocupa-se com a origem do Estado, 
que considera ter sido estabelecido no momento em que um aparato de go-
verno apareceu na sociedade primitiva. Independentemente do aparato de 
governo ser o resultado de conquista estrangeira ou de mudança interna, a 
presença do Estado implica uma diferenciação e estratificação social em grau 
bastante elevado.4S Oppenheimer46 é um dos mais importantes representantes 
da teoria da formação do Estado através da conquista externa. Ele argumenta 
que o Estado surge da conquista dos camponeses pelos pastores, por motivos 
de subjugação econômica. Primeiro, os pastores matam os camponeses (pas-
tores agem como "ursos"). Num segundo estágio, os pastores controlam os 
excedentes produzidos pelos camponeses e os protegem das ameaças externas 
(os pastores agem como "criadores de abelhas"). Nesse ponto, surge uma 
certa solidariedade entre senhor e súdito e a associação de dominação assim 
formada - o Estado - adquire estabilidade. Krader acha que, apesar de 
esta teoria ter sólidos fundamentos, o fato de o Estado ter aparecido a partir 
de uma diferenciação interna inicial dentro de uma determinada sociedade 
deve ser levado em conta como um caminho alternativo da formação do 
Estado. Em outras palavras, uma diferenciação entre senhor e súdito surge 
quando certos grupos começam a adquirir recursos que lhes proporcionam 
a dominação sobre outros grupos. De acordo com Krader, o antigo Egito é 
um exemplo desse tipo de desenvolvimento.47 :É interessante notar que esta 
visão antropológica da formação do Estado é aliada à tese de Weber de 
que o Estado é a organização política dirigente que surge da transição da forma 
patriarcal de dominação para a forma patrimonial, assim como se alia à 
tese de Engels, que diz que um aparato de governo e coerção surge quando 
as divisões de classe caracterizam uma determinada sociedade. 
A ambigüidade do conceito antropológico de Estado é claramente ilustrada 
pelo trabalho de Krader, onde o conceito de Estado oscila entre o Estado 
como organização governamental e o Estado como associação política num 
dado território, sobre o qual o governo exerce sua dominação. O problema 
é levantado quando tem que se explicitar se os súditos são parte ou não do 
Estado. Se eles são, o Estado é a associação política que inclui um aparato 
de governo. Como afirma Krader na passagem: 
"Se vocês quiserem saber o que é um Estado, olhem ao seu redor. O 
mundo é dividido em unidades políticas bem definidas, cujos limites são 
objeto de preocupação constante; negociações internacionais, defesa militar etc. 
O Estado é a autoridade central (reinado, presidência) exercida sobre um 
povo dentro de um território estabelecido."48 
Mas Krader também pensou que o Estado fosse o governo: 
"O Estado não é uma coisa independente, mas é a instituição da socie-
dade na qual o poder político está concentrado e monopolizado ( ... ) O Es-
44 Para uma revisão das contribuições a uma teoria antropológica do Estado, incluindo 
autores como Robert Lowie, R. Maclver e R. Thurnwald, ver Krader, Lawrence. The 
formation of the State. New Jersey, Prentice Ha!I, 1968. 
4S Id. ibid. p. 3. 
46 Oppenheimer, Franz. The State. New York, 1926. 
~ Krader, L. op. cito capo 4. 
48 Id. ibid. p. 6-10. 
46 R.C.P. 1/84 
tado é a instituição política que definimos como uma instituição de governo 
( ... ) O Estado é uma instituição da sociedade, o órgão da lei central ( ... ) O 
Estado é a instituição que unifica, defende e controla a sociedade expli-
citamente."49 
No ponto de vista do autor, a ambigüidade desse tipo de abordagem antro-
pológica é uma ilustração das tensões entre as noções de Estado weberianas 
e marxistas, as quais, em grande parte, são complementares: não há asso-
ciação política sem instituições governamentais, administrativas e coercitivas 
e estas não existem sem pessoas sobre as quais exercer as competências gover-
namentais e repressivas.Uma contribuição contemporânea à conceitualização de Estado é. aquela 
feita por Nicos Poulantzas. Este autor, num de seus primeiros trabalhos,5O 
adotou o ponte de vista de Althusser, que afirma que as estruturas política, 
ideológica e econômica (objetos formais-abstratos, segundo Poulantzas) cons-
tituem os diferentes modos de produção (também objetos formais-abstratos). 
O objeto concreto-real é a formação social, que é a combinação de diferentes 
modos de produção. O Estado é a estrutura política.51 À questão, "quais são 
as características específicas do Estado/político?", Poulantzas respondeu: suas 
funções. Em outras palavras, seguindo uma abordagem estrutural-funcional, 
o Estado é essa estrutura, instância ou fator que mantém a coesão de uma 
formação socialY De acordo com Poulantzas, esta função geral admite vá-
rias e diferentes subfunções - política, ideológica e técnico-econômica - e 
são desempenhadas pelos aparatos de Estado.53 
Ao definir o Estado por suas funções, Poulantzas, inspirado por Gramsci, 
deu um passo inovador em relação aos marxistas clássicos. Este novo passo 
foi sua afirmação de que o fator ideológico também mantém o coesão so-
ciaI.54 Assim, não apenas o governo, o exército, a polícia, o poder judiciário, 
a administração civil, mas também a Igreja, o partido político, os meios de 
comunicação, as associações e, de um certo modo, a família fazem parte 
do aparato de Estado.55 Como ressaltou LacIau, Poulantzas efetuou uma mu-
dança sutil: o Estado como fator de coesão na sociedade transformou-se na 
idéia de que tudo que contribui para a coesão social da sociedade é, por 
definição, o Estado.56 O que Poulantzas deixou de lado, no seu conceito 
de Estado, foi a estrutura econômica. Apesar de admitir que existem tam-
bém aparatos econômicos, estes não pertencem ao Estado, no seu ponto 
de vista. Mas se, como foi exposto no parágrafo precedente, Poulantzas visse 
o Estado possuindo funções econômicas, em que se basearia para excluí-Ias 
do aparato de Estado? Sua resposta estaria novamente centrada no aspecto 
fundonal: "O principal papel do aparato econômico em relação às massas 
49 Id. ibid. p. lO, VII, 107 e 108. 
50 Poulantzas, Nicos. Poder político y c1ases sociales en el Estado capitalista. México, 
Siglo XXI. 1969. 
51 Id. ibid. p. 35. 
52 Id. ibid. p. 43-4. 
53 Id. ibid. p. 139-42. 
54 Id. ibid. p. 265. . 
55 Poulantzas, Nicos. The problem of the capitalíst State. New Lelt Review, (58), Nov.! 
Dec. 1966, § 5; Fascism and dictatorship. London, New Left, 1975. p. 302. 
56 Laclau, Ernesto. The specificity of the polítical. In: --o Politics and ideology 
in marxist theory. London, New Left, 1977. p. 67-9. 
Conceito de Estado 47 
é explorá-las."S7 ~ importante notar que Poulantzas falou sobre a função do 
fator econômico em relação à classe operária, não em relação à formação 
social, como fez no caso das estruturas política e ideológica. Uma explanação 
plausível seria a de que Poulantzas teve que excluir o aspecto econômico 
do Estado porque se pode argumentar que o fator econômico também man-
tém a coesão social,58 tudo se reduziria ao aparato do Estado. Em outras 
palavras, Estado e sociedade seriam a mesma coisa. 
Após uma série de críticas à sua abordagem estruturalista, Poulantzas, 
em seus últimos trabalhos ,59 rejeitou a conceitualização de Estado em ter-
mos de estruturas e dependeu muito menos do termo "função" para definir 
o Estado. Em vez disso, escolheu outro caminho, definindo o Estado como 
"uma relação", ou mais explicitamente "uma relação de força entre as classes 
sociais que condensa, materializa-se em instituições ou aparatos".t~) Esta mu-
dança trouxe os mesmos problemas básicos que tinham ocorrido anterior-
mente. O Estado é agora todos aqueles aparatos nos quais há uma relação 
de poder entre as classes sociais, em poucas palavras, onde há luta de classes. 
Dessa forma, de um ponto de vista diferente, ele manteve sua concepção 
de Estado, como o que inclui aparatos ideológicos: não apenas nas institui-
ções tradicionais do Estado (governo, administração) existe a luta entre classes 
sociais, mas também na Igreja, meios de comunicação, associações e mesmo 
na família. Não é mais a função que define o aparato do Estado, mas sim as 
relações de luta entre as classes. Qualquer instituição que materialize as re-
lações de classe é, por definição, um aparato de Estado.61 
Novamente Poulantzas deixa de fora o fator econômico e mais uma vez 
pode-se argumentar que os aparatos econômicos também materializam rela-
ções de força entre classes sociais. Apesar de Poulantzas se considerar um 
marxista, na verdade trabalha com, pelo menos, duas das noções de Estado 
aqui apresentadas: o Estado como uma estrutura da sociedade (segunda no-
ção) e o Estado como um aparato (terceira noção). Além disso, a fragilidade 
do argumento pelo qual tenta eliminar o aspecto econômico do Estado deixa-o 
próximo à primeira noção, o Estado coincidindo com a sociedade. 
'i1 Poulantzas, Nicos. Fascism... cit. p. 304. 
58 Se tivermos dúvidas sobre isso, temos apenas que olhar para o impacto da crise econô-
mica nas relações sociais. 
59 Poulantzas, Nicos. La crisis dei Estado. Barcelona, Península, 1977; The capitalist 
State: a reply to Miliband and Laclau. New Left Review, (95), Jan./Feb. 1976. 
60 Poulantzas, Nicos. La crisis dei Estado. cit. p. 54 (tradução nossa). 
61 Desde Poder político y c/ases sociales até crisis dei Estado, Poulantzas fala da "inter-
venção" do Estado. Este conceito é difícil de conciliar-se com o seu conceito de aparato 
de Estado. O que quer dizer intervenção do Estado se o Estado é tudo menos o aspecto 
econômico? A menos que o autor surja com a exótica idéia de intervenção de um aparato 
de Estado em outros aparatos do Estado, o leitor deverá entender que ele se refere a todos 
os aparatos de Estado, intervindo mais no econômico e assim ignorando outras dimensões 
importantes onde o Estado também intervém. Mas mesmo no caso de essa intervenção 
ocorrer apenas no campo econômico, só faz sentido se os aparatos "ideológicos" estão 
eliminados. A insistência de Poulantzas num conceito amplo do aparato de Estado o impe-
de de falar significativamente da intervenção do Estado. 
48 R.C.P. 1/84

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