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1 CBI of Miami 2 CBI of Miami DIREITOS AUTORAIS Esse material está protegido por leis de direitos autorais. Todos os direitos sobre o mesmo estão reservados. Você não tem permissão para vender, distribuir gratuitamente, ou copiar e reproduzir integral ou parcialmente esse conteúdo em sites, blogs, jornais ou quaisquer veículos de distribuição e mídia. Qualquer tipo de violação dos direitos autorais estará sujeito a ações legais. 3 CBI of Miami A Ciência da Análise do Comportamento: AC Lucelmo Lacerda A rigor, não existem ciências, o que existe é a ciência, um modo de produzir conhecimento sobre a realidade, que envolve a adoção de estratégias metodológicas para que possamos ter resultados tanto mais confiáveis quanto possível, isto é, que nos capacite a fazer predições sobre o que ocorre, dadas certas interações no ambiente e possamos, talvez, utilizar este conhecimento para contribuir com a sociedade, modificando nossa realidade para melhor. Esses estudos que utilizam esta lógica se dedicam a certos objetos, como os fenômenos físicos (formando a comunidade de pesquisadores e o campo de estudo que chamamos de Física), fenômenos vivos (formando a comunidade de pesquisadores e o campo de estudo que chamamos de Biologia) e assim por diante, e podemos chamar também cada um destes campos como deferentes ciências, acentuando suas premissas e metodologias. É esta, portanto, uma opção justificável em classificar a Análise do Comportamento como uma ciência, que tem como objeto o comportamento dos organismos. Esta ciência é dividida em quatro áreas, que apresento aqui brevemente para os leitores, sendo a primeira a sua filosofia, o Behaviorismo Radical, que já foi apresentado a vocês anteriormente, conformando uma visão de ser humano como parte da natureza, único em sua existência (o monismo) e não dividido entre corpo e mente e tendo como premissa o fato de que os comportamentos são parte da natureza e só podem ser causados por outros eventos naturais, fazendo com que procuremos essas relações causais, portanto, com seu ambiente. O segundo campo da Análise de Comportamento é sua interface de laboratório, a Análise Experimental do Comportamento – AEC, que é um aspecto simplesmente essencial desta ciência, sem a qual não faria o menor sentido a existência de qualquer intervenção aplicada a qualquer contexto, tal como aquela que se dedica às pessoas com Transtornos do Neurodesenvolvimento. No fim do século anterior, Edward L. Thorndike inaugurou uma tradição de pesquisa inovadora e que exerceria forte influência sobre Skinner toda a tradição da Análise do Comportamento. Thorndike publicou, em 1898, um 4 CBI of Miami importante conjunto de pesquisas que revelava uma postura diferente do que se fazia até então no campo dos experimentos com animais: a) Uma preocupação com a história pregressa dos sujeitos de pesquisa, procurando uma uniformização nesta história e culminando com a criação dos próprios animais para pesquisa, com controle rigoroso desses “passado” dos sujeitos. Ainda neste escopo, experimentos eram feitos repetidamente com os mesmos animais, cumulando esta história e produzindo um comportamento específico com esta “experiência” pregressa, isto é, apreendendo o processo de aprendizagem; b) Tratamento e apresentação quantitativa dos dados produzidos, para cálculos estatísticos que permitissem interpretações mais sofisticadas; c) Utilização de diferentes espécies na experimentação, para avaliação da generalidade das afirmações; d) Utilização de um equipamento elaborado para a experimentação, com alto controle de variáveis, especialmente a Caixa Quebra-cabeças, uma espécie de ascendente da chamada Caixa de Skinner, ou Caixa de Condicionamento Operante. Falaremos ainda mais, posteriormente, sobre o trabalho de Thorndike e sua Lei do Efeito, mas agora cabe apresentá-lo como um precursor relevante da tradição experimental, que continuou com Watson, que trabalhou exaustivamente com animais, mas também protagonizou um dos casos mais polêmicos de toda a história da Psicologia, o condicionamento respondente do Pequeno Albert. Albert era um bebê tranquilo para além da média e por isso mesmo foi selecionado como participante da pesquisa de Watson, sendo exposto a diversos estímulos, como coelhos, ratos, sons e outros, sem nenhum estranhamento. Quando Albert mostrou-se verdadeiramente amedrontado, diante de um som estridente específico, Watson passou a apresentar este som diante desses outros estímulos antes neutros, demonstrando que o mesmo processo já bem testado em animais também estava plenamente presente nos seres humanos, fazendo do Pequeno Albert um menino assustado e cuja vida posterior desconhecemos. 5 CBI of Miami Skinner foi menos apressado e desenvolveu um sólido trabalho de décadas com animais antes da Análise do Comportamento estabelecer um firme processo de experimentação com seres humanos, tal como é hoje, em laboratórios em todo o mundo, inclusive no Brasil. Uma das principais questões dos primórdios da Análise do Comportamento era a tentativa de criar processos mais objetivos de avaliação, que permitisse também uma maior replicabilidade dos processos, foi aí que falou muito alto a engenhosidade de Skinner, na criação de uma ferramenta que seria essencial para o futuro desta ciência, o que todos conhecemos como Caixa de Skinner, mas que ele mesmo, seu criador, chamada insistentemente de Câmara de Condicionamento Operante. Esta caixa é basicamente uma câmara adaptável ao tamanho da espécie estudada, para ter um espaço de sobra para que o sujeito se comporte, com algum mecanismo chamado de manipulandum, que é algum tipo de objeto cuja pressão produz um impulso elétrico, esse manipulandum também é ajustável à espécie em estudo, sendo usualmente um disco, em caso de pombos, uma barra para pressão, no caso de gatos e ratos e uma corrente a ser puxada no caso de macacos. Além disso, há também, nesta caixa, um mecanismo que libera uma pequena porção de comida, a depender de como é a programação realizada pelo experimentador. Os experimentadores usualmente programam esta caixa para liberar comida em certo esquema de consequências aos comportamentos emitidos pelos sujeitos analisados. Por exemplo, se um rato é colocado na caixa, em privação de comida, ele fará tudo o que estiver em seu alcance, comportamentos aleatórios e eles não produzirão comida, exceto um, especificamente, que é pressionar a barra, este será seguido da liberação de uma pelota de ração, que ele deve comer em seguida. A partir de então, os outros comportamentos, que não foram seguidos de qualquer consequência devem ocorrer em menor probabilidade e aquele que produziu a comida (pressionar a barra) deve ocorrer em maior probabilidade e a segunda pressão ser mais rápida do que a primeira. A segunda pressão também produzirá a mesma vantagem, enquanto os demais, sem produzir coisa alguma, continuarão diminuindo de probabilidade até 6 CBI of Miami se extinguirem, dando lugar ao único e absoluto comportamento de pressão à barra (RICHELLE, 2014). Assim foram construídos os dados que deram origem ao conceito de Reforçamento. Depois desse cenário, os experimentadores avaliaram e ainda avaliaram inúmeras possibilidades de variações e alterações nos padrões comportamentais quando, por exemplo, o comportamento passa a só ser seguido da comida quando emitido diversas vezes e não uma só, ou somente depois de um certo tempo, ou em trocentas mil diferentes situações, em diferentes espécies, demonstrando uma generalidade de certos conceitos e comportamentos e especificidades de outros. Essa é só uma pequenina parte das inúmeras possibilidades que a Caixa de Skinner possibilita,a história de pesquisa da Análise Experimental do Comportamento é gigantesca, com variações de estímulos e esquemas de reforçamento, de controle de estímulos e de mil outras coisas, criando um arcabouço consistente de conhecimentos sobre o comportamento dos organismos. Depois de certo acúmulo, desenvolveu-se também a área de pesquisa que se dedica especificamente ao comportamento humano, um campo totalmente diferente, obviamente sem as Caixas de Skinner, mas com inúmeras possibilidades fantásticas com essa espécie tão complexa. Se um dia visitar a Universidade Federal de São Carlos – UFSCar e andar pelo prédio da Psicologia, vai ver várias salas com a inscrição “Laboratório disso” ou “Laboratório daquilo” e pode entrar ou olhar pela janela um ambiente com algumas cadeiras e alguns computadores, como um escritório normal. Um pouco mais acima, há um outro prédio, chamado de Carolina Bori, em homenagem à maior figura da história da Análise do Comportamento e da Psicologia do país. Lá se encontram outros laboratórios, como o Laboratório de Aprendizagem Humana, Multimídia Interativa e Ensino Informatizado - LAHMIEI Autismo, totalmente dedicado ao Transtorno do Espectro Autista e outros Transtornos do Desenvolvimento, coordenado pelo Prof. Dr. Celso Goyos e há também o Laboratório de Estudos do Comportamento Humano – LECH, coordenado pelo Prof. Dr. Julio de Rose e a Profa. Dra. Deyse das Graças de Souza, em que se encontrará uma sala cheia de computadores, em que acontece a Liga da Leitura, onde se faz pesquisa básica e aplicada (logo 7 CBI of Miami falaremos destas questões) com Equivalência de Estímulos em alfabetização de pessoas com transtornos como TEA ou DI e dificuldades de aprendizagem. Ao fundo, ficam os escritórios e outras pequenas salas de pesquisa. Nestas pequenas salas de pesquisa, pode haver diversos tipos de arranjos experimentais para se estudar o comportamento humano, um deles é, por exemplo, por meio da configuração de um computador com certos arranjos de estímulos, em que um pesquisador apresenta para o participante da pesquisa, pede para ele responder e pode, ou não, sair da sala e deixar o participante à vontade, colocando-se à disposição em caso de necessidade de ajuda. Este é, por exemplo, o arranjo de um experimento em que fui participante, alguns anos atrás, com os pesquisadores João Henrique de Almeida e Thácita Mizael (deve haver outros, mas foi com esses que tive contato), em que respondi a estímulos arranjados para avaliar a produção de molduras relacionais derivadas de certas relações ensinadas (ok, eu sei que não dá para entender o que eu falei ainda, mas até o final do curso, vão entender – espero). No maravilhoso livro Princípios Elementares do Comportamento Humano, de Whaley e Mallot (1980), os autores contam sobre a visita a um laboratório que estudava o vício em bebida em que o participante entrava e acionava um mecanismo que produzia uma dose de whisky, cuja razão do esquema de reforçamento (a quantidade de movimentos que o participante precisava realizar para receber cada dose) aumentava de modo progressivo, a ponto de ele tomar uma quantidade irrelevante e tornar o consumo cada vez mais espaçado. O cerne do que quero dizer aqui é que estes exemplos citados são de laboratórios de estudos de comportamento humano para a realização de estudos básicos, assim como tantos outros no Brasil e no mundo, em que são estudados comportamentos de vários tipos e que podem ter diferentes configurações. Sendo bastante sintético, existem alguns diferentes tipos de estudos no campo da Análise do Comportamento, que são os estudos de revisão de literatura, que podem ser mais ou menos sistemáticos (que podem dedicar-se ao Behaviorismo Radical, à Análise Experimental do Comportamento e à Análise do Comportamento Aplicada) estudos teóricos/conceituais (que podem dedicar-se ao Behaviorismo Radical, à Análise Experimental do Comportamento e à Análise do Comportamento Aplicada) e os estudos experimentais, que são aqueles em 8 CBI of Miami que as variáveis do ambiente são manipuladas pelo cientista, um experimentador, para avaliar a relação funcional entre as variáveis, esses estudos experimentais podem ocorrem em diversos contextos, como em um laboratório, onde as variáveis são mais bem controladas ou em uma escola ou em casa ou qualquer outro contexto, onde as variáveis são menos controladas, ou seja, onde há menos controle experimental. Obviamente não há estudos experimentais filosóficos, ou seja, no campo do Behaviorismo Radical, mas sim no âmbito da Análise Experimental do Comportamento e da Análise do Comportamento Aplicada. Existem resumidamente 3 tipos de estudos experimentais sobre comportamento dos organismos, os estudos básicos, os estudos aplicados e os estudos translacionais. A Análise Experimental do Comportamento se dedica aos estudos básicos e sua característica fundamental e descobrir como funciona o comportamento dos organismos, isto é, como a ação dos organismos interage com o ambiente, quais são as “leis” do comportamento dos organismos, seja de uma espécie ou variação intraespécie em particular, seja de forma generalizada entre os organismos. Ou seja, para aquele cientista dedicado à Análise Experimental do Comportamento, não são os contextos sociais aplicados os motivadores de pesquisa e sim o funcionamento mais fundamental do comportamento dos organismos. Um cientista neste campo poderia se perguntar coisas como “Como um estímulo do ambiente ganha função evocativa sobre um comportamento?”, “Quais são os efeitos da privação na aquisição de um comportamento novo?”, “Quais os efeitos sobre a taxa de resposta de um comportamento operante de comportamentos respondentes?” entre muitos outros, que será a base para a discussão posterior e elaboração de tecnologias comportamentais para a melhoria da qualidade da vida humana, mas cuja relação aplicada não é diretamente relacionada. Na AEC nós temos, portanto, algum comportamento que pode ser descrito com um valor que pode se modificar, pode-se estudar a duração de um comportamento, sua intensidade (quilos de um soco, por exemplo), sua latência (isto é, o tempo que demora a ocorrer após um certo estímulo), sua topografia (a variação na forma que ocorre), entre outros, muito embora a medida que reina 9 CBI of Miami máxima nesta área de pesquisa seja a Taxa de Resposta, isto é, a frequência em que uma resposta é emitida em um certo espaço específico de tempo. Este comportamento medido (alguma ou mais das dimensões do comportamento que foram elencadas acima) constitui a VARIÁVEL DEPENDENTE de toda pesquisa de Análise Experimental do Comportamento, isto é, o objeto específico de estudo. Para a AEC, o comportamento não é expressão de um constructo teórico chamado mente ou de outras figuras intangíveis, ele é o objeto em si de estudo e ele constitui a variável sobre a qual se quer avaliar as diferentes formas de interação com o ambiente. Para sabermos quais os impactos do ambiente no comportamento, em sua variação, realizam-se manipulações controladas do ambiente, ou seja, aspectos do ambiente podem ser pensados em termos numéricos e podem variar, daqui que também as compreendamos como VARIÁVEIS INDEPENDENTES, ou seja, que são manipuladas de modo arbitrário para que se avalie os efeitos sobre o objeto de pesquisa. Atenção neste tópico, Variável Independente é aquilo que o cientista manipula para produzir efeitos sobre o que ele estuda e aquilo que ele estuda, seu objeto principal, são as Variáveis Dependentes. Imagine que um cientista queira avaliar os efeitos sobre o PH do estômago quando o indivíduo come um pudim, então ele pode medir este PH por algum instrumento (digamos que o PH seja X) e solicitar ao participante da pesquisa que coma um pudim (posso me candidatar para a pesquisa?)e então ele utiliza o mesmo instrumento para mensurar novamente este PH, após a ingestão e a cada certo tempo, até a digestão completa. Neste caso, a Variável Dependente, isto é, o objeto que varia que se pretende estudar, é a acidez do estômago do indivíduo e a Variável Independente, isto é, aquilo que o cientista manipula para mensurar os efeitos sobre outra coisa, é a ingestão do pudim. Mais um exemplo, veja um caso em que os níveis de glicose no sangue de um conjunto de indivíduos são medidos e aqueles que possuem um certo nível patológico que caracteriza a diabetes são medicados com um certo fármaco e depois se verifica se esses níveis caíram, subiram ou permaneceram estáveis. Faça um exercício lógico, qual é a Variável Dependente? E a Variável Independente? (conto após o próximo parágrafo). 10 CBI of Miami No caso da AEC, as Variáveis Dependentes são sempre comportamentos (pode ser uma ou mais variáveis), por exemplo, veja o caso de um experimento realizado por Skinner e publicado em 1948. O experimentador colocou um pombo na Caixa de Skinner e a programou de modo que uma porção de comida fosse liberada a cada 15 segundos, independentemente de quaisquer comportamentos que o pombo estivesse emitindo. Os organismos, em novos ambientes (como o caso desses pombos) emitem respostas aleatórias (em referência ao ambiente, mas relacionadas eventualmente com sua história particular), como se estivessem reconhecendo o ambiente e após 15 segundos, aleatoriamente, o primeiro destes pombos tinha acabado de dar uma volta brusca e a liberação contígua da comida, por mera coincidência, fez com que este pombo passasse a emitir com mais probabilidade o mesmo movimento, produzindo então mais situações em que, logo após o fazer, tenha a comida liberada, tornando-se um pombo com o comportamento completamente estereotipado de girar como uma enceradeira (essa referência os novinhos não pegam), como o Zico na Copa de 1994 (não melhorou), enfim, girava sem parar. Outro dos pombos aprendeu a fazer um movimento semelhante a uma chifrada, ou seja, cada qual com sua “superstição” particular (não se afobem, verão este tema depois). Os comportamentos que os pombos na Caixa de Skinner eram as Variáveis Dependentes da pesquisa, tal como os níveis de glicose no exemplo de pesquisa que citamos acima (isto é, aquilo que se quer avaliar mudanças), enquanto aquilo que o experimentador manipulou, para verificar seu efeito nessas variáveis dependentes, eram as Variáveis Independentes, , no caso anterior era a administração de um certo fármaco, enquanto neste caso era a liberação de comida a cada 15 segundos, independentemente de qualquer coisa, produzindo um tipo de comportamento chamado de Comportamento Supersticioso. Um aspecto fundamental desta ciência é o delineamento de sujeito-único, que é uma opção epistemológica e metodológica derivada do Behaviorismo Radical e vale para a Análise do Comportamento Aplicada, em que o comportamento de um organismo é comparado ao comportamento dele mesmo em outras circunstâncias ambientais, o que se opõe a toda a tradição da 11 CBI of Miami Psicologia e educação de até então (quando ela surgiu), que trabalhava por meio da elaboração de médias estatísticas de uma certa população. Para a Análise Experimental do Comportamento, uma média estatística não representa o comportamento de nenhum organismo em particular e constitui uma medida inadequada para a avaliação de relação entre variáveis, já que também cada qual possui sua filogênese particular e sua história pessoal idiossincrática, constituindo uma comparação entre não comparáveis, assim, esta ciência se afirma como de natureza ideográfica, isto é, que persegue a história particular de um organismo e sua relação ímpar com o ambiente e não como uma ciência nomotética, que pressupõe certas variáveis ambientais em relação a grupos, representados pela média de seus comportamentos, como se faz em outras ciências que analisam o comportamento. Por conta desta enorme dissensão em relação às demais ciências e sem ainda o devido reconhecimento da comunidade científica, os cientistas da Análise Experimental do Comportamento tinham seus trabalhos rejeitados em todas as revistas científicas da época de sua fundação, de modo que em 1957 decidiram fundar seu próprio periódico, o que ocorreu no ano seguinte, a revista Journal of Experimental Analysis of Behavior - JEAB 1 , ainda hoje a mais relevante revista científica de AEC do mundo (CRUZ, 2019). A partir dos dados produzidos na Análise Experimental do Comportamento, primeiro com alguma espécie em particular, depois com outras (alguns dos conhecimentos de algumas espécies não foram verificadas em outras, sendo, portanto, não generalizáveis) e até chegar na espécie humana, foram descritas de modo sintético (lembrar do texto sobre o Behaviorismo Radical e sua perspectiva sobre a relação entre descrição e explicação da realidade) com a formulação de conceitos fundamentais como Reforçamento, Extinção, Punição, Operação Motivacional, Estímulo Discriminativo, entre tantos outros, tão fundamentais para a ciência aplicada, sem os quais não há serviço de qualidade porque seu domínio e operacionalização são imprescindíveis ao entendimento e replicação das práticas que se mostravam efetivas. 1 Acesso em: https://onlinelibrary.wiley.com/journal/19383711 12 CBI of Miami As 7 dimensões da Análise do Comportamento Aplicada – ABA Após o surgimento do Journal of Experimental Analysis of Behavior – JEAB, o periódico se consolidou como o mais fundamental da área, mas surgiu um novo conflito com pesquisadores que passaram a investigar outro tipo diferente de problema, eles não queriam saber quais são as regras fundamentais do comportamento humano, mas como utilizar esses conhecimentos essenciais para manipular o ambiente e promover a mudança de comportamentos socialmente relevantes, de modo a melhorar a qualidade de vida dos indivíduos e um objetivo diferente leva a diferentes formas de tratar a questão, o que levou à rejeição sistemática desses estudos por parte do JEAB, fazendo com que se articulassem em um novo periódico. Em 1968 veio à luz aquele que ainda hoje é o mais importante periódico científico do campo da Análise do Comportamento Aplicada, chamado de Journal of Applied Behavior Analysis – JABA2, que trouxe na primeira edição um artigo que definiu e ainda define a área estudos, sendo até hoje o guia para a aprovação de artigos naquele periódico e na maior parte dos demais que também se dedicam ao tema. O título deste artigo é Some Current Dimensions of Applied Behavior Analysis, de autoria de três dos maiores nomes da história da ABA, Donald M. Baer, Montrose M. Wolf e Todd R. Risley, disponível em língua portuguesa em uma tradução não oficial no Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento – ITCR, com revisão técnica do Prof. Hélio Guilhardi, um dos nomes mais importantes da história da Análise do Comportamento no Brasil3. Neste artigo, os autores apresentaram as 7 dimensões da ABA que devem estar presentes em todas as pesquisas que se considerem parte deste campo e que servem de baliza para avaliar sua pertinência e validade. As dimensões não são hierárquicas, mas as apresentamos aqui na mesma ordem que no artigo original, por mera questão formal. 2 Acesso em: https://onlinelibrary.wiley.com/journal/19383703 3 Disponível em: https://itcrcampinas.com.br/pdf/outros/Algumas_dimensoes.pdf 13 CBI of Miami 1. Aplicada Os estudos do campo da Análise Experimental do Comportamento se debruçam de uma dúvida fundamental, de uma curiosidade sobre um comportamento e sua relação com o ambiente, sobre a necessidade “básica” de descrever as formas com que o que o organismo faz se relaciona com o ambiente que o circunda, enquanto para que umestudo seja classificado como parte deste campo aplicado da ciência, a Análise do Comportamento APLICADA, é preciso que ele se dirija especificamente à resolução de um problema humano que, resolvido, melhore sua qualidade de vida, isto, precisa ter um COMPORTAMENTO SOCIALMENTE RELEVANTE como objeto fundamental. Um estudo publicado por Fabio Junior Alves e Colaboradores (dentre os quais este professor que vos escreve) avaliou os estudos de tecnologia assistiva que se descreviam como baseados em ABA e concluiu que a grande maioria deles não descrevia qual era o comportamento socialmente relevante que ele pretendia modificar e qual seria o efeito desta melhoria sobre a qualidade de vida dos indivíduos, de modo que a mera citação desta ciência não possa ser suficiente para que digamos que uma pesquisa nela se fundamenta, é preciso mais do que isso, que ela se atente aos princípios epistemológicos e metodológicos amplamente aceitos pela comunidade de Análise do Comportamento. Aqui temos a diferença fundamental entre a Análise Experimental do Comportamento, que tem como objeto o funcionamento dos comportamentos dos organismos para a Análise do Comportamento Aplicada – ABA, que só pode endereçar comportamentos socialmente relevantes para os seres humanos, isto tanto é válido para a esfera acadêmica quanto para a oferta de serviços, que sempre deve partir desta análise social do contexto de um indivíduo para avaliar a pertinência de qualquer intervenção comportamental. Este tópico também compreende uma reflexão ética fundamental, por exemplo, uma intervenção baseada em ABA pode endereçar a mudança de orientação sexual de um indivíduo? A resposta é não, haja vista que a pluralidade de orientações sexuais é um traço humano fundamental e terapia de conversão sexual não estão focadas em algo socialmente relevante para sua qualidade de vida, considerando que inúmeros estudos já demonstraram que nenhuma das 14 CBI of Miami diferentes orientações sexuais é a “correta” e que “traz benefícios” em prejuízo de alguma outra que fosse “a errada” ou “que traz prejuízos”, assim como não se pode tratar um comportamento porque “a professora não gosta”, “o pai implica” ou qualquer outro critério que não exclusivamente o valor social para o cliente em si, aquele a quem a intervenção é endereçada, o que é uma tarefa só aparentemente simples. Operacionalmente, esta dimensão obriga aos pesquisadores a terem e demonstrarem a clareza sobre o que operam e aos prestadores de serviço de avaliarem quais são os prejuízos que um determinado indivíduo apresenta, sendo comportamentos imprescindíveis para sua vida que estão ausentes ou comportamentos prejudiciais que estão presentes, escolher criteriosamente entre quais começar e quais enfrentar posteriormente e indicarem transparentemente aos pais e ao cliente quais são os ganhos de qualidade de vida a que eles se destinam. Lembro de um vídeo que circulava em contextos políticos de forte rejeição científica em que uma pessoa que se apresentava como diagnosticada com Autismo dizia que pedir para as crianças repetirem o gesto de colocar o dedo no nariz, que o pesquisador fazia, era um absurdo porque isso não era uma habilidade significativa, o que talvez indique que o contato desta pessoa com algum Analista do Comportamento não foi capaz de prover a informação fundamental de que a imitação é a base de quase tudo o que fazemos. Sim, eu sei que todos nós achamos muito especiais e únicos e diferente de todos, mas isso porque cada qual é uma coleção particular de imitações de inúmeras pessoas, que também ocorrem em diferentes bases biológicas e com diferentes consequências no ambiente, mas sim, realizar imitações muito minuciosas, como a imitação motora fina, que pode incluir colocar o dedo no nariz, pode ser enormemente benéfico para a pessoa com Autismo em múltiplos contextos como aprendizagem da fala, de autocuidado, de brincadeiras e de quase todos os outros comportamentos que eu possa pensar, o que demonstra que o pesquisador que se debruça sobre esses treinos e o prestador de serviço que os programa estão totalmente antenados com a dimensão aplicada da ABA. 15 CBI of Miami 2. Comportamental Mas um comportamento socialmente relevante, a que a intervenção baseada em ABA se destina a mudar, não pode ter uma descrição vaga, inespecífica, abstrata, que permite que nos confundamos e, ainda pior, confundamos e ou deixemos enganar aos clientes e seus parentes e isso constitui essa segunda dimensão. Imagine que eu diga que uma criança “está de alto astral”, o que isso quer dizer? Provavelmente se eu entregar esta expressão para diversas pessoas e pedir que elas descrevam como eu poderia conferir se a criança de fato está de alto astral levaria a definições tão díspares que se tornaria impossível qualquer mensuração mais precisa de um comportamento da criança e ainda que todos a entendessem e definissem da mesma forma, ainda haveria um segundo grave problema, que é o fato de que descrição não partiria, seguramente, de localizar seu “astral” e mensurar sua distância do chão (ele não está alto?), mas provavelmente seria relativo a outros comportamentos, como sorrisos, pulos, falas, expressões ditas que são compreendidas como “felizes” ou “otimistas”, ou seja, mesmo que as pessoas dissessem algo como “alto astral é definido como o comportamento de sorrir em mais de 60% do tempo, expressando exclusivamente palavras otimistas, tais como ‘as coisas estão muito boas’, ‘tudo tende a melhorar’, ou ‘as coisas estão caminhando bem’”, a descrição não coincide com o comportamento que se pretendeu definir, mas com um suposto estado mental a que seria correlato. Neste exemplo acima, o astral seria uma espécie de vibe, de estado mental geral do indivíduo. Uma pessoa de alto astral, é alguém com um estado mental de ânimo e esse estado mental se expressa através de comportamentos motores, como sorrir, ou comunicações (uma espécie de alto-falante da mente), como a fala. Mas se este estado mental não é comportamento ele é o quê? Ele vem de onde? Ainda mais grave, estas expressões seriam confiáveis? Este é o ponto preciso em que separam os Behavioristas Radicais, desde nosso ponto de vista, afirmar que alguém está de alto astral é uma expressão equivocada, porque dá um nome de um estado mental para um conjunto complexo de comportamentos, o que pode ser terrivelmente enganoso, porque os outros comportamentos, que seriam expressão deste estado mental, podem 16 CBI of Miami não ser expressão de nada, senão de um mascaramento doloroso de demérito ou até pensamentos suicidas. Mas ainda que os sorrisos e frases otimistas ocorram junto a pensamentos afirmativos sobre amor próprio e o deleite da vida, eles são todos eles simplesmente comportamento e como tal podem ser entendidos também separadamente, nos dando melhor capacidade de compreensão, predição e controle. Ou seja, mesmo que um comportamento aconteça em um lugar que não se possa ver, a não ser por quem o emite, como o comportamento de pensar ou o comportamento de sentir, ainda assim, eles não são derivados de um estado mental, eles são comportamentos em si e são derivados das relações que nós estabelecemos com o ambiente, o ambiente externo, como tudo que ocorre a nosso redor ou longe de nosso corpo e o ambiente químico e orgânico de nossas entranhas. Nosso comportamento invisível ocorre dentro da pele (guarde com carinho esta expressão), mas não por isso ele é menos real. Comportamentos dentro da pele não podem ser vistos por terceiros, mas eles frequentemente possuem outros comportamentos a que são indiretamente ligados como, por exemplo, a expressão de dor que uma pessoa pode apresentar em um parto, ao dar uma monumental topada com o mindinho na quina da mesa, ao sofrer com pedra nos rins, com uma inflamaçãono nervo trigêmeo, entre outros. Esta expressão de dor pode ser usada como uma medida indireta do comportamento de dor, em certas circunstâncias, mas é preciso sempre a clareza de que uma coisa não se confunde com a outra, eu posso fazer esta mesma expressão em uma peça de teatro, um filme ou com uma namorada chamegosa, a depender das contingências, daí que se deva saber que, como diria o filósofo, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Mas quando se realiza uma intervenção que se fundamente em Análise do Comportamento Aplicada – ABA, é imprescindível que se defina antes exatamente qual é o comportamento socialmente relevante que se pretenda modificar e como se dará tal mensuração, isto é, qual ou quais são as dimensões do comportamento constituem a Variável Dependente que iremos acompanhar. Será a taxa de resposta de estímulos comparação iguais aos estímulos modelo entre estímulos de várias cores, uma vez que se trata do ensino de discriminação de cores? Ou é o ensino da nomeação destas cores, em que o 17 CBI of Miami que será mensurada é a vocalização dos nomes de cada cor diante da instrução do aplicador e apresentação de um estímulo randomicamente disposto? Enfim, não importa, o que importa é esta clareza. Outras dimensões do comportamento também podem ser mensuradas. Assim como um móvel pode ser avaliado por sua altura, talvez seja mais relevante na verdade verificar o diâmetro e a outros interesses a largura, mas há contextos em que o penso ou a densidade sejam mais relevantes, também o comportamento pode ser avaliado por diferentes medidas nestas diferentes dimensões. Vocês verão este tema em outro tópico mais à frente, mas vale dizer aqui brevemente que um comportamento que ocorre uma só vez ao dia, sempre, não torna muito útil a medição de frequência, mas se sua variação vai de 20 minutos até 6 horas de existência, então a mensuração da duração é imprescindível, como de outros melhor seria a intensidade ou ainda a latência, que são medidas distintas que muitas vezes interessam primariamente ao Analista do Comportamento (FAGUNDES, 2015). 3. Analítica O cientista deve sempre ser cético, sempre se perguntar “mas será mesmo que é isso?”, sua profissão de fé mais profunda é com a dúvida. Digamos que eu tenha uma situação como alguma das que vou aqui apresentar: a) Uma criança, o Huguinho, que apresenta um quadro de agressividade grave, ela dá em média 5 socos por dia (dimensão comportamental) em outras crianças da escola, o que traz dano físico às demais crianças, a si mesma, que eventualmente também apanha das colegas, e social, pois ninguém quer ser seu amigo, além de gerar situações que a impedem de estar em aula e aprender a matéria, de modo que é muito importante reduzir este comportamento (dimensão aplicada) e o Analista do Comportamento elabora uma intervenção para reduzir o comportamento através de Reforçamento Diferencial (não se apoquentem, vão aprender depois o que é). De um mês a outro, o nível de socos caiu de 5 para 1. b) Um adolescente, Zezinho, xinga as colegas do Ensino Médio de “Puta”, “Vagabunda”, “Piranha” e outros termos tão pouco condescendentes quanto, tornando insustentáveis suas relações sociais (dimensão aplicada), ele se dirige todos os dias e dispara sua metralhadora verbal a uma menina específica por 18 CBI of Miami dia, em episódios que duram de 3 a 10 minutos, com uma média de 5 minutos diários (dimensão comportamental) e um Analista do Comportamento planeja e executa uma intervenção de automonitoramento em que, com ajuda de um aplicativo, o adolescente observa a seu próprio comportamento de modo a tomar outras decisões sobre sua relação com as colegas e em 3 semanas o comportamento de xingar as coleguinhas simplesmente deixa de existir. c) Um rapazinho bochechudo e alegre com Autismo, o Luizinho, não lê uma só palavra quando se avaliam suas habilidades, diante das palavras “mato”, “tomate”, “time”, “bala”, “bola”, “bota” e outras ele permanece com cara de paisagem. Um Analista do Comportamento experiente no ensino de Equivalência de Estímulos implementa um ensino de alfabetização, ainda que ele esteja vendo oração coordenada assindética na escola e 3 meses depois, voilá, ele lê palavras não treinadas com as famílias silábicas do T, B, M, P, L e V (não se fixem nesta sequência, há uma longa discussão sobre isso que vão ver mais à frente, no tema da alfabetização), desde que bissilábicas sem encontro consonantal. Impressionante! Talvez você fique impressionado com cada um desses casos, mas uma tia faladeira (que neste caso, apresenta a argúcia de um Doutor velho de guerra), pode arguir: a) “No dia tal (dia que o Analista do Comportamento começou a trabalhar), o Huguinho com certeza levou uma sova de um amigo, e algumas outras mais adiante, que parou de bater neles”. b) “Ninguém me engana, o Zezinho se apaixonou e o espírito do amor faz isso com as pessoas, por isso ele passou a respeitar as meninas e parou de xingá-las, é típico da adolescência, já vi isso muitas vezes!” c) “Sorte tem o Luizinho de conviver nesse mundo tecnológico, depois que começaram a publicar esses vídeos da Galinha Pintadinha com o alfabeto, o menino aprendeu tudinho, que coisa boa, na minha época é que não tinha isso!” Se você fosse o Analista do Comportamento responsável pelo caso, talvez estivesse furiosa, todos os seus esforços foram tomados como sem qualquer valor, a tudo a tia velha dá outra explicação e ela ainda possui um extenso arsenal como “os pais conversaram com ele e ele se conscientizou”, 19 CBI of Miami “Jesus tocou o coração dele e a agressividade desapareceu”, “O dia que a Professora conversou sério com ele, as coisas mudaram” e assim por diante. Entre a tia e você, sorry, fico com sua tia, apesar da simplicidade e da explicação esdrúxula (lá isso é verdade), o comportamento cético é sempre aquele que duvida, não o comportamento crédulo. É verdade que o menino tenha levado algumas sovas e parado de bater e coincidentemente isso tenha ocorrido ao mesmo tempo que a intervenção (não minta agora, eu não estou ouvindo seu pensamento, será uma mentira para si mesmo)? Não, não é impossível, ainda que improvável. É impossível que ele tenha se apaixonado e tenha mudado todo seu comportamento com as meninas? Na adolescência? Tempo de se apaixonar mais do que assistir Dragon Ball. Enfim, o olhar cético não é nosso inimigo, é nosso mais importante aliado, nós devemos ser os primeiros a desconfiar dos resultados que alcançamos e os expor a processos rigorosos de avaliação e é este o espírito da dimensão analítica, que é a introdução de esquemas de garantia de que de fato são nossas intervenções que produzem as mudanças verificadas e não outros fatores do ambiente, vou dar dois exemplos de estratégias analíticas muito utilizadas na pesquisa científica. Vamos voltar ao primeiro exemplo. Digamos que o procedimento de intervenção tenha sido desenhado da seguinte forma, Huguinho é simplesmente pirado no McDonnalds e a partir do dia em que o procedimento foi estabelecido, ele poderia escolher o que bem quisesse no MacDonnalds, pelo aplicativo de pedir comida, nos dias em que a Professora informasse que foram dados, por Huguinho “somente” 4 socos, ou menos, durante o dia de aula. O nome deste procedimento é Reforço Diferencial de Taxas Diminuídas – DRD4 e o participante recebe consequências reforçadoras por diminuir de probabilidade de emissão de certo comportamento, até que ele seja eliminado. Então após 3 dias consecutivos em que Huguinho conseguiu acesso a seus Dois Hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola, picles e um pão com gergelim (os mais velhos pegaram a referência cringe ao Big Mac), lhe é informado que dali por 4 Cf. em Cooper, Heron & Heward, 2020, p 311-312 20 CBI of Miami diante, sópoderá fazer tal pedido se o número de socos em seus colegas for 3 ou inferior, e assim progressivamente, até o nível alcançado na descrição, só um soquinho para descontrair no mês seguinte. Mas OU o Analista do Comportamento está certo e o comportamento caiu pelo Reforço Diferencial das taxas cada vez mais diminuídas de emissão daquela resposta, OU a tia velha está certa e o comportamento caiu porque a sova não foi pequena. Como saber? O Analista do Comportamento, sempre atento às 7 dimensões da ABA fez então o seguinte, conversou com a mãe e retirou o procedimento de operação, nada mais de Big Mac nem qualquer outro lance, feliz ou não, independentemente dos socos na escola, voltamos a velha e boa carne de panela e filé de frango dia sim e outro também. Qual é o nome disso? REVERSÃO, isto porque o procedimento foi revertido, eliminado, nós voltamos à mesma condição que estávamos antes do procedimento, se ele batesse a partir de então, seria tal como ele batia antes disso tudo começar, a prova começou, se ele diminuiu de bater por conta do procedimento comportamental, em sua ausência o comportamento voltaria a ocorrer, mas se fosse por qualquer outro motivo, a sova dos colegas, Jesus no coração, conscientização, ou sei lá o quê, ele não voltaria a bater. Nesta nossa hipótese, Huguinho volta a socar seus colegas, eliminando as hipóteses da Tia cética e então reintroduz-se a intervenção, fazendo a CONFIRMAÇÃO, caso o comportamento volte a cair, que é realmente o poderoso DRD, o responsável por esta mudança. No terceiro caso apresentado, do Luizinho, o caso é mais complicado, porque eu simplesmente tirar o procedimento de ensino de leitura não fará nosso camaradinha desler, trata-se de uma mudança comportamental de caráter irreversível, porque é uma aquisição de comportamento novo, mas isso nos impede de confrontar a má vontade da Tia chata? Negativo, mas precisamos aqui de outros recursos. No exemplo dado, Luizinho aprende o comportamento de ler com compreensão palavras com as famílias silábicas T, B, M, P, L e V em 3 meses. Muito malandro (digo, atento às 7 dimensões da ABA) digamos que eu tenha feito da seguinte forma. No dia 1, eu tenha avaliado a leitura de Luizinho em todas essas letras, mas tenha começado a ensinar somente as famílias 21 CBI of Miami silábicas do T e B, mas tenha continuado a avaliar continuamente também as demais. Quando, e só quando Luizinho já tinha aprendido a leitura com compreensão (muito mais à frente também vamos ensinar a vocês o que entende-se por “leitura com compreensão”) do T e do B, introduzamos os treinos com M e P, mas continuemos a avaliar palavras com todas as letras e, por fim, lá pelo terceiro mês, quando ele já faz gato e sapato do T, B, M e P, é que introduzimos o L e o V no ensino. Quando olhamos e analisamos o gráfico de aprendizagem de Luizinho de leitura das palavras com todas essas famílias silábicas que ele alcançou ao fim de 3 meses, demonstramos claramente que seu comportamento de ler só com compreensão só foi aprendido quando nosso ensino foi introduzido e não antes. A Galinha Pintadinha não apresentou progressivamente, nesta mesma ordem e temporalidade as letras T e B no primeiro mês, M e P no segundo mês e L e V no terceiro mês, mas eu sim, de modo que está dada a demonstração de que foi a intervenção comportamental e não a Galinha Pintadinha seja a responsável pela alfabetização parcial de Luizinho. Nesses dois casos explicados, utilizou-se de duas estratégias maravilhosas e altamente reputadas, O Delineamento de Reversão e o Delineamento de Base Múltipla entre comportamentos para demonstrar que a Variável Dependente (comportamentos que se pretendeu mudar – taxa de resposta de socos e leitura com compreensão) foi modificada pelas Variáveis Independentes programadas pelo Analista do Comportamento, ou seja, que há uma RELAÇÃO FUNCIONAL ENTRE AS VARIÁVEIS descritas, enquanto outras variáveis do ambiente, como o comportamento dos outros colegas ou o acesso à Galinha Pintadinha, que podem ser variáveis de confusão (principalmente para as tias com má vontade), não tiveram impacto significativo no comportamento dessas crianças e adolescente, demonstrando o poder dessas intervenções e a necessidade de acesso a esses serviços por parte desta população. 4. Tecnológica Vamos imaginar a seguinte hipótese, chega a suas mãos um estudo científico revolucionário, porque nele as pessoas com o Transtorno do Espectro Autista – TEA ganharam inúmeras habilidades de uma série de domínios 22 CBI of Miami diferentes. Você está impressionada com as possibilidades que ele te oferece e se debruça sobre o artigo pensando “vou implementar isso aqui e será incrível!” e tem uma descrição muito sintética do procedimento, baseado em realizar um esporte coletivo, de modo colaborativo, com crianças com o TEA e depois uma atividade lúdica por 30 minutos, estimulando todas as múltiplas inteligências. “MEU DEUS!”, você diz, “é só isso? Vou começar agorinha mesmo!” e na hora de fazer o esporte coletivo “de modo colaborativo”, você escolhe um esporte não competitivo, digamos que o frescobol e depois, na parte das atividades lúdicas, faz uma atividade com cada uma das múltiplas inteligências, colocando o indivíduo em uma situação-problema e esperando que ele resolva ou ajudando- o a resolver. Ao final do dia, você sente que está no caminho certo, agora você não é mais como aqueles profissionais de meia-tigela, você está agora no trilho da ciência e pode ler um livrinho na rede com um ar de intelectual que fica até um pouco arrogante. É quando recebe uma visita de uma outras duas pessoas que trabalham em outras instituições de pessoas com Transtorno do Espectro Autista e que leram o mesmo artigo e que também começaram a praticar justamente no dia de hoje (ok, eu sei que a hipótese é esdrúxula, mas vão ver que é bem didática). A amiga 1 fez a replicação usando o futebol como jogo, no qual todas as vezes em que havia uma falta, o que a praticou precisava pedir desculpas àquele a quem violentou e no qual todos, vencedores e derrotados dividiam os benefícios pós-jogo, “estimulando o espírito colaborativo” e depois ela contou uma narrativa em que o protagonista enfrentava diferentes desafios, a serem enfrentados cada qual com o uso de uma das múltiplas inteligências e os alunos compartilhavam suas soluções e dialogavam coletivamente sobre elas. A amiga 2 pensou e implementou de modo diferente, ela colocou os alunos para jogarem xadrez entre si (sim, xadrez é esporte), com dupla contra dupla, de modo que as jogadas eram sempre uma decisão compartilhada e após o esporte os alunos fizeram uma prova envolvendo situações-problema em que fossem necessárias as várias inteligências múltiplas e depois realizou a correção coletivamente. 23 CBI of Miami As 3 amigas fizeram coisas completamente diferentes como replicação para o mesmo estudo e seguramente chegarão a 3 resultados completamente diferentes, o que é um grande problema do ponto de vista científico. Quando fazemos os celulares, não se faz cada um do seu jeito e se Deus quiser você compra o que funciona, quando fazemos uma cirurgia neurológica, o foco não pode ser na criatividade do neurocirurgião, ou seja, uma replicação não é uma inspiração, ela é, bem, uma REPLICAÇÃO. Mas por que este estudo foi tão mal replicado por essas amigas? Elas não eram competentes o suficiente? Nada disso, ocorre que minha esdrúxula hipótese é que os estudos eram tão inespecíficos que criaram esta situação, ao apresentar que se realiza um “esporte colaborativo” como antecedente, o estudo estabeleceu que 600 mil coisas diferentes pudessem ser feitas, com resultado brutalmente distintos entre elas, o que foi uma péssima descrição. Quando propôs uma “atividade lúdica” (pensa numa palavra que o povo adora demorrer), abriram-se as portas de Caixa de Pandora para qualquer coisa praticamente que o replicador quisesse inventar e “estimular” as inteligências não é menos inespecíficos, porque estímulo é qualquer mudança física do ambiente percebida pelos órgãos dos sentidos, de modo que se um menino tomar um tapa na orelha, isso é um estímulo (proprioceptivo), mas alguém pode também dizer que “estimulou” a Inteligência Cinético-Motora, outros podem dizer que levou a uma reflexão X, Y ou Z e estimulou a Inteligência Interpessoal ou até Intrapessoal, entre muitas outras pirações, ou seja, nenhuma profissional estava errada, o estudo sim. Denunciado seu oposto, quando lemos um estudo que se fundamente em ABA, a descrição é bastante distinta, pois os procedimentos utilizados são descritos para serem entendidos e replicados exatamente como propostos por qualquer pessoa. Ao invés de dizer que “estimulou a inteligência cinético motora”, o Analista do Comportamento pode descrever que se aproximou a cerca de um metro da criança e estendeu a ela a palma de sua mão, paralelamente a seu rosto com uma distância aproximada de 30 centímetros e olhou para os olhos da criança, implementando o procedimento que prevê que, caso a criança não estenda também sua própria mão e toque palma com palma, com um atraso de 5 segundos se introduza progressivamente as dicas que se seguem: a) 24 CBI of Miami instruir a criança dizendo “toca sua mão na minha, faz um toca-aqui”; b) utilizar o outro braço para tocar no cotovelo da criança; c) pegar no antebraço da criança e dar ajuda física total, conduzindo sua mão até realizar o toque em sua própria mão. Esta descrição acima é difícil de ser replicada com variações importantes e o tanto de variação que ainda pode ser possível consiste em defeito da própria descrição, que deve ser clara o suficiente para que qualquer pessoa compreenda operacionalmente e repita o mais igualmente possível cada um dos passos, esta é a dimensão tecnológica, que nos permite um grau de tecnicidade na implementação que dá consistência ao serviço oferecido pelo Analista do Comportamento. Este talvez seja o principal diferencial da Análise do Comportamento para as outras áreas, o fato de que as pesquisas acontecem, endereçam comportamentos socialmente relevantes muito bem descritos e mensurados de uma forma tão bem descrita, usando expressões tão diretas, tão claras, que eu consigo fazer em meu consultório ou em uma minha escola, no interior do Brasil, de uma maneira consistente com aquela que foi extensivamente pesquisada. Digo mais, que uma criança é avaliada e um planejamento de ensino é realizada, por um Supervisor, com base em uma leitura extensiva e minuciosa da literatura científica, e os programas são tão bem escritos que os pais leem e conseguem reproduzir, que uma pessoa iniciante da área lê e diz “entendi o que é para fazer” e realmente entendeu, essa é a impressão clara que temos, por exemplo, ao ler os Programas de Ensino do livro Ensino de Habilidades Básicas para Pessoas com Autismo, da Camila Gomes e Analice Silveira, em que elas levaram tão a sério esta dimensão que sabe quando a pessoa diz “Mas você não entendeu? Quer que eu desenhe?”? Então, elas se adiantaram e fizeram desenhos de como cada passo deve ser realizado. 5. Conceitual Como já bastante bem argumentado até este momento, a ciência possui 4 objetivos básicos, o de a) descrever a realidade; b) explicar a realidade (sintetizar as descrições em forma de conceitos articulados entre si – teoria); c) predizer fenômenos; e d) controlar fenômenos. O atendimento à dimensão 25 CBI of Miami Conceitual implica em que o Analista do Comportamento deva ser Conceitualmente Sistemático, como afirma o artigo de origem, isto é, apresentar uma consistência teórica com o campo de pesquisa. Isto quer dizer que ao analisar o comportamento do cliente e ao propor intervenções para modificação deste comportamento, o Analista do Comportamento não pode descrever estes processos tendo o senso comum como base ou realizar uma leitura que se baseie, por exemplo, em um constructo teórico muito popular, que é a Mente, sendo assim inconsistente com a perspectiva Behaviorista Radical de que uma pessoa é uma coisa única, um humano se comportando, e que este comportamento é parte da natureza e deve ser explicado como parte desta mesma natureza. Quando o Analista do Comportamento, na esfera aplicada, olha para o comportamento e imediatamente procura suas correlações com o ambiente, ele está sendo conceitualmente sistemático e isto não é relevante porque deseja-se “resguardar a área”, “valorizar os autores” ou nenhum objetivo formal sem relevância de fato, mas para que esta coerência nos permita ter maior probabilidade de predição de fenômenos e, portanto, que nosso planejamento também tenha maior probabilidade de efetividade (controle de fenômenos). E quanto maior e mais sólido o lastro deste Analista do Comportamento na literatura científica prévia, tanto maior a probabilidade de efetividade de seu trabalho. Podemos dar um exemplo lamentavelmente clássico sobre o tema. Imagine que alguém que se apresente como Analista do Comportamento seja contratado para a intervenção em certo comportamento, que está descrito na hipótese abaixo: Antecedentes Resposta Consequência Privação da atenção do pai (Operação Motivacional Estabelecedora) + Presença do pai (Estímulo Discriminativo) Criança grita Pai vai até a criança e dá bronca, diz para parar e explica que é falta de educação 26 CBI of Miami Diante desta situação, que digamos que tenha sido bem avaliada pelo profissional, opta-se para se realizar um procedimento chamado de Extinção, em que uma consequência que mantém um comportamento é retirada, ela deixa de existir a partir de uma reorganização do ambiente propositalmente para que o comportamento acabe, ele seja extinto. Há diversas questões e considerações a se realizar sobre este procedimento e a utilização solitária da Extinção neste contexto poderia ser considerada um equívoco, mas ainda que não nos debrucemos sobre isso, imaginemos ainda que após a implementação do procedimento, verifique-se os números do comportamento tal como apresentado abaixo: Ocorrências Linha de Base Dia 1 Dia 2 Dia 3 Dia 4 10 X X 9 X 8 X 7 6 X X 5 4 3 2 1 Percebe-se que, com a introdução do procedimento de Extinção, o comportamento que visava-se eliminar, porque traz prejuízo à qualidade de vida do indivíduo e este é um objetivo, portanto, socialmente relevante para ele (dimensão aplicada), na verdade aumentou de frequência. O comportamento de gritar foi devidamente descrito de modo operacional e mensurável e as oportunidades em que ocorre estão sendo registradas (dimensão comportamental) e a constituição de uma Linha de Base, uma aferição antes da intervenção, servindo justamente para uma avaliação específica do impacto da intervenção (dimensão analítica) demonstrou claramente isto. Considerando que o procedimento foi descrito de modo bem claro e o pai o esteja aplicado de modo 27 CBI of Miami consistente com o que foi planejado, já que não restou qualquer dúvida após a leitura do programa e o treinamento para ele (dimensão tecnológica), é altamente provável que esta situação leve a uma desistência do programa, que os pais ou profissionais de Análise do Comportamento que NÃO SEJAM CONCEITUALMENTE SISTEMÁTICOS digam algo como “pra ele não funciona”, “acho que fizemos errado”, porque ocorreu um fenômeno que, na verdade, é perfeitamente esperável e já foi muito bem descrito por inúmeras pesquisas anteriores, que é chamado de Explosão da Extinção. Quando um comportamento é colocado em extinção, muitas vezes (não somosainda capazes de descrever quando vai ocorrer ou não, exatamente) ele primeiro sobe nas dimensões da frequência (ocorre mais vezes), intensidade (ocorre com mais força, mais energia) e variabilidade (ocorre com diferentes formas antes não apresentadas). Neste caso descrito acima, o desconhecimento profundo da teoria da Análise do Comportamento prejudicou enormemente a capacidade do profissional de fazer boas predições sobre as múltiplas possibilidades de interação entre as variáveis e o fez planejar um procedimento de modo equivocado e tomar uma decisão profundamente infeliz no curso da intervenção, prejudicando enormemente o cliente em questão, não só porque o comportamento combatido não foi eliminado, a despeito dos pais terem se comportado para isso, contratando um profissional que apresentou-se como alguém que implementa as intervenções com a melhor evidência para o Transtorno do Espectro Autista – TEA, como porque, após um acontecimento como esse, o comportamento se tornaria mais intenso, frequente, variável e resistente à extinção no futuro, por ter sido colocado em um esquema de reforçamento intermitente, que não vamos explicar agora o que seja, mas cujo apontamento serve para exemplificar ao leitor como que o conhecimento da teoria nos permite fazer afirmações sobre o futuro e tomar decisões e implementar práticas muito mais efetivamente. 6. Eficaz Uma intervenção que se fundamente em Análise do Comportamento Aplicada precisa mostrar a que veio, ela tem que ser capaz de mudar o 28 CBI of Miami comportamento que motivou a queixa e a intervenção, do contrário, ela não pode continuar existindo e tomando o tempo e recursos do cliente e suas famílias. Dizer que ABA é uma ciência e não um método quer dizer muitas coisas, e uma delas é que a intervenção não é uma coisa padrão, mas trata-se do conhecimento das regras que regem o comportamento humano e a alteração do ambiente para que as coisas caminhem para a construção de um repertório mais adaptativo para cada cliente. Mas como não conseguimos, nem em nossos sonhos mais lindos, um controle total de todas as variáveis, é fundamental que acompanhemos a evolução dos repertórios, passo a passo, por isso que todas as intervenções são registradas em cada tentativa, em cada resposta correta independente ou com ajuda, em cada erro ou omissão. A partir desses dados gerados dia após dia é que o Analista do Comportamento toma decisões, que podem ser de múltiplas naturezas. Imagine que um Analista do Comportamento estabeleceu um programa de ensino para ensinar o comportamento de um adolescente com Autismo de dizer “Bom dia” às pessoas que encontrasse no elevador ou outros contextos sociais em que adentrasse, durante o dia. Digamos ainda que na Linha de Base, isto é, na avaliação da habilidade antes do ensino, ele já desse este “Bom dia” em 20% das oportunidades apropriadas. Nesta nossa hipótese, trata-se de um treino naturalístico, arranjado com o apoio de confederados (pessoas com quem combinamos antes), mas que o adolescente não apresente qualquer aquisição do comportamento, mesmo após o treino sistemático diário por 2 semanas. Diante de um gráfico, assim tão xoxo, o Analista do Comportamento tem algumas possibilidades a considerar: • O registro está incorreto e não é consistente com o repertório real do cliente; • O treino foi elaborado corretamente, mas implementado incorretamente pelo AT; • O treino requeria algum pré-requisito que não estava presente; • O treino não foi bem elaborado e não é adequado para o ensino desta habilidade; • O treino é normalmente efetivo, mas para este adolescente não é uma boa opção, em decorrência da interação com outros fatores de seu repertório; 29 CBI of Miami • O treino é adequado e implementado corretamente, mas fora do contexto de intervenção, há outros atores criando outras interações que ensinam coisas opostas (às vezes é a escola, a família, uma tia, uma vó, outros terapeutas, entre outros). A hipótese que está fora de questão é “ele não aprende”, simplesmente porque isto não existe, daí que a dimensão da efetividade nos leve a sempre considerar que é preciso que uma intervenção esteja funcionando, isto é, esteja mudando o repertório do indivíduo em favor de sua qualidade de vida e, mais do que isto, que está melhora não seja insignificante, é preciso que ela seja em um nível suficiente para que melhore o dia a dia do indivíduo, o que também nos leva à última das dimensões apresentadas. 7. Generalidade A intervenção comportamental pode acontecer em múltiplos lugares e contextos, na clínica, em casa, na escola, entre outros e vai produzir mudanças, registrá-las e tomar decisões em torno delas. No entanto, a mudança fundamental que deve ocorrer não é na presença do Analista do Comportamento ou do AT, mas no contexto de vida que justificou, antes de tudo, a procura por um profissional para apoio. Uma mãe procurou a intervenção de um Analista do Comportamento porque a criança brincava somente sozinha no parque (entre outras questões que ela apresentou) e o Analista do Comportamento caprichou na Brincadeira Independente e também na Brincadeira Social e nos Operantes Verbais e o fundamental que esperamos não é que a criança gabarite em tudo isso na clínica, mas que isso se reverta em ela ir ao parque e brincar com os amiguinhos, transformando sua qualidade de vida (percebeu a articulação desta dimensão com a anterior?). Se um adulto com Asperger procurou um Analista do Comportamento para uma Psicoterapia de Habilidades Sociais Conjugais porque tem brigas diárias com a esposa ou esposo, é preciso não somente que ele tenha um bom domínio formal das Habilidades Sociais que sustentam uma relação conjugal, mas que as brigas não ocorram mais a todo tempo, que essas habilidades 30 CBI of Miami apresentadas na sessão se GENERALIZEM, isto é, ocorram no ambiente natural em que são requeridas para verdadeiramente transformar a qualidade de vida dos atendidos. A Generalização dos repertórios não é uma tarefa fácil, é na verdade provavelmente o maior desafio na intervenção em Autismo e o fundamental a ser dito sobre isso é que a generalização não é algo que se espera e lamenta, do tipo “Ih caramba, não generalizou, comigo ele vai super bem”, mas algo que se planeja e ensina. Existem inúmeros estudos especificamente sobre isso, que realizam variações nos aplicadores, nos locais de aplicação, nos estímulos de treino e muitas outras possibilidades, fazendo desta dimensão uma tarefa imperativa para os Analistas do Comportamento. Quais são os Passos da Intervenção Baseada em ABA Devemos começar dizendo que provavelmente você já deve ter ouvido falar em “Método ABA”, em caso positivo, lamentamos, mas “Método ABA” não existe. Um método é um modo de fazer, uma espécie de receita de bolo que se deve seguir e não é isso o que ocorre em uma intervenção baseada em ABA. A Análise do Comportamento é, na verdade, uma ciência, mas o que isso quer dizer? Que ela não é um conjunto de técnicas, mas um conjunto de princípios de conhecimentos validados por meio de pesquisa. Digamos que tenhamos uma criança com atrasos no desenvolvimento com a qual estejamos realizando uma intervenção baseada em ABA e que esta criança goste muito de cócegas. Avaliando esta criança, verificamos que ela fala “mamã”, mas com uma frequência muito baixa, isto é, mais baixo do que o adequado para sua própria qualidade de vida. Podemos, por exemplo, em um caso como este, instruir a mãe a, quando a criança chamar “mamã”, ela dar atenção e fazer cócegas nela pois é possível que esta consequência que ela deu aumente a probabilidade de ela falar “mamã”, talvez passando de 1 vez por semana para 4 ou 5 (o que seria um ganho incrível), isso seria uma estratégia baseada em ABA. Mas esta estratégianão é “a ABA”, a ciência é um conhecimento mais abstrato, de que o comportamento aumenta ou diminui conforme as 31 CBI of Miami consequências que o seguem, ou seja, o comportamento não “vem de dentro” das pessoas, mas de uma relação da pessoa com o ambiente em que ela vive. O comportamento então deve ser analisado considerando 3 coisas, o ambiente em que ocorre, a forma do próprio comportamento e as consequências que se seguem a ele, vou procurar dar alguns exemplos: 1. Ambiente – na rua, 12h, sentindo fome Resposta – entro em um restaurante, olho o cardápio e peço o Prato do Dia. Consequência 1 – afasta minha fome, a comida é gostosa e preço bacana; ou Consequência 2 – a comida está com um gosto estranho e o valor do prato é muito alto para a média da região. Possível resultado da consequência 1: alta probabilidade de outro dia, com fome, no mesmo horário e no mesmo local, eu entrar e almoçar no mesmo restaurante; ou possível resultado da consequência 2: baixa probabilidade de se repetir o comportamento de comer naquele restaurante. 2. Ambiente – todo dia, das 8 às 17h, no prédio em uma certa empresa Resposta – um indivíduo trabalha conforme instruído pelo chefe Consequência 1 – recebe o salário no fim do mês, além de outros benefícios e promoções; ou consequência 2: o salário atrasa, é insuficiente para o custo de vida daquele indivíduo e seu superior direto o humilha continuamente. Possível resultado da consequência 1: alta probabilidade de se manter neste trabalho e realizá-lo com presteza; ou possível resultado da consequência 2: baixa probabilidade de o empregado continuar no trabalho e executar seu serviço adequadamente. 3. Ambiente – no bar, à noite Resposta – um rapaz chega em uma moça e pergunta “Posso te pagar uma bebida?” Consequência 1 – a moça diz “claro”, trava uma conversa interessante e eles mantêm um prazeroso intercurso sexual no fim da noite; ou Consequência 2: a moça diz “se enxerga, seu idiota!” e se afasta. 32 CBI of Miami Possível resultado da consequência 1: alta probabilidade de outro dia, privado sexualmente, abordar outras moças de modo semelhante; ou possível resultado da consequência 2: a probabilidade de o rapaz voltar a abordar outras moças da mesma forma no mesmo ambiente diminui de probabilidade. Em todos os casos que simulamos é possível ver que o que faz um comportamento acontecer ou não são as consequências que o seguiram no passado. Algumas consequências fazem o comportamento diminuir de probabilidade e outros fazem com que ele aumente de probabilidade. Quando uma consequência faz um comportamento aumentar de probabilidade, a chamamos de “reforçadora” ou simplesmente de “reforço”, isto pode ser algo de comer, mas também pode ser atenção, um carinho, algo que o indivíduo sinta, a possibilidade de fazer algo, entre outros. Quando uma consequência faz diminuir a probabilidade de um comportamento acontecer, a chamamos de “punidora” ou simplesmente “punição”, mas esta punição não é ao indivíduo, mas ao comportamento que diminui de probabilidade. Observem que escrevemos que estas consequências produzem estes “possíveis resultados” porque cada um de nós reage de forma diferente à mesma consequência. Um estímulo como “dor” pode ser extremamente punitivo para um organismo e diminuir a probabilidade de que certos comportamentos que o provoquem voltem a ocorrer, como pode ser extremamente reforçador para um organismo e aumentar a probabilidade de comportamentos que o produzam (o sucesso de 50 tons de cinza não me deixa mentir). Estas diferenças de sensibilidade às mesmas consequências podem variar conforme a história daquele indivíduo e conforme sua própria sensibilidade ao mundo. Por exemplo, vamos ao rapaz que passou uma cantada na moça e teve uma noite de sexo com ela. Digamos que ele não esperasse aqui, que este desenvolvimento foi inesperado já que ele é rapaz religioso e comedido e que (acreditem, acontece) ele ficou extremamente preocupado com sua salvação e então ele não voltou nunca mais aos xavecos de bar. Isto é, apesar de uma consequência ser aparentemente reforçador (como o sexo normalmente é), isto não é válido para todas as pessoas, daí a importância de que tudo seja estritamente individualizado. 33 CBI of Miami As diferenças também podem ocorrer conforme a sensibilidade diferenciada de cada pessoa. Isto é especialmente importante para pessoas com autismo, por exemplo, no caso descrito do restaurante, apesar da comida poder ser deliciosa, talvez seu cheiro seja demasiado forte para uma pessoa com autismo e o olfato mais aguçado e talvez, apesar de tudo de bom, o comportamento de comer neste restaurante seja punido, isto é, diminua de probabilidade. A intervenção Bom, de posse desses conhecimentos sobre as consequências dos comportamentos, o primeiro elemento fundamental em uma intervenção com uma pessoa com autismo, por exemplo, é verificar quais são os comportamentos em excesso, ou seja, aqueles que prejudicam a pessoa, como por exemplo gritar, bater a cabeça, arranhar, cuspir, entre muitos outros. Digamos que verificamos que uma criança emite o comportamento de cuspir em alta frequência. É claro que isto traz um prejuízo significativo a ela, pois os amigos acham feio, os parentes desprezam e os pais acabam limitando enormemente as experiências sociais daquela criança. Mas como já sabemos por meio do domínio desta ciência, que os comportamentos são determinados por suas consequências, nos perguntamos, que consequência tem tido o comportamento de cuspir para que ele continue ocorrendo? Existe um processo para descobrirmos por que um comportamento existe, trata-se do que chamamos de “análise funcional”, em que descrevemos em diversas oportunidades o que ocorre antes e depois de sua emissão. No caso de comportamentos inadequados, as funções normalmente são bem representadas pelo acrônimo SETA. Sensorial – a pessoa pode sentir algo que seja a consequência reforçadora do comportamento. Esquiva – a pessoa pode conseguir se livrar de uma lição ou uma situação que ela não goste sempre que se comporta daquela forma. Tangível – alguém pode dar alguma coisa de comer ou brincar quando a pessoa faz o comportamento observado. 34 CBI of Miami Atenção – as pessoas podem estar dando atenção para a pessoa quando o comportamento ocorre. Após descobrir para que serve o comportamento de cuspir, como é o exemplo em que estamos trabalhando, o profissional irá escrever um programa para eliminá-lo. Digamos que cuspir seja um comportamento com a função de atenção. Então o programa poderia prever, por exemplo, que as cuspidas, de agora por diante, fossem ignoradas e que fosse dada muita atenção para quando ele não estivesse cuspindo. Mas além de avaliar comportamentos inadequados, é preciso avaliar os comportamentos adequados, as habilidades do indivíduo, para saber que habilidades o indivíduo possui e quais são seriam importantes para sua vida, mas ele não possui. Para isso normalmente se usa um instrumento padronizado, que é escolhido a partir do perfil e necessidades da pessoa a ser atendida. Vamos apresentar aqui alguns dos principais instrumentos de avaliação com uma visão pessoal de seu maior acento: • Inventário Portage Operacionalizado – ideal para bebês, permite saber quais são as áreas prioritárias para estimulação e a relação com os marcos do desenvolvimento. • VB-MAPP – Baseado também nos marcos do desenvolvimento esperado para crianças com desenvolvimento típico e com forte acento na comunicação, também permite avaliar as barreiras de aprendizagem e um acompanhamento gráfico da evolução da criança. • ABLLS-R – Os comportamentos são mais “quebrados em pequenas partes”, em relação ao VB-MAPP, ideal para crianças um pouco mais velhas e com pouco repertório verbal, até a adolescência.• AFLS – tem a mesma estrutura do ABLLS-R, mas voltado para as habilidades funcionais, muito utilizado para o fim da adolescência e vida adulta. • PEAK – protocolo de avaliação de linguagem, em 4 cadernos de avaliação e intervenção, sobretudo em autismo leve (em minha opinião). • Socially Savvy – voltado para o processo de avaliação e intervenção em Habilidades Sociais, que é o ponto principal de apoio às pessoas com autismo leve, verbais, mas que têm muita dificuldade em socialização. 35 CBI of Miami • Essential for Living – voltado especialmente para autismo mais severo. A partir destas ou outras avaliações (existem inúmeros protocolos), sabemos o que o indivíduo já possui de habilidades (e então podemos valorizá- las e não subestimar esta pessoa) e aquilo que podemos ensinar neste momento. A partir de então são escritos objetivos comportamentais para este sujeito e para o alcance desses objetivos, diversos programas para o ensino desses comportamentos. Uma criança pequena, por exemplo, de baixo repertório de habilidades, talvez possa começar, por exemplo, com 4 programas: 1) contato visual; 2) rastreio visual; 3) imitação motora grossa; e 4) sentar e esperar; isso pode ser muito pouco para alguns, mas para outros pode representar uma melhora de qualidade de vida inimaginável. É claro que se estivermos falando de pessoas mais velhas, com mais habilidades, não se poderá jamais usar estes programas que mencionamos. Na verdade, trata-se de um verdadeiro artesanato para cada pessoa, tudo isso se encaixa com a sua individualidade, nada serve para duas pessoas. E as possibilidades são imensas, pode se escrever programas para, por exemplo: a) fazer a própria higiene menstrual; b) ir ao cinema; c) pegar ônibus ou metrô sozinho; d) lidar com o barulho de sala de aula; d) lidar com os colegas de trabalho; e) aprender a manter uma conversa ... enfim, tudo aquilo que uma pessoa pode precisar aprender para ter melhor qualidade de vida. É decorrente desta definição de programas que definimos a intensidade da intervenção, isto é, do tempo semanal em que ela deve ocorrer. Muito se fala da intervenção de 40h semanais, isto é, da pesada carga de 8h diárias, mas o que os dados mostram é que esse tempo é dividido entre muitas oportunidades de ensino, não exatamente o que chamamos de “terapêutico”. A escola, especialmente, poderia utilizar sua carga horária como ao menos parte deste processo. Mas também o referencial de 40h é simbólico, na verdade outros indivíduos têm diferentes necessidades de apoio e podem precisar, por exemplo, de 15h, 20h ou muitas outras possibilidades, sempre individualizadas. 36 CBI of Miami Assim como na avaliação, durante a implementação da intervenção, há muitos critérios, técnicos, científicos e éticos a serem atendidos. Seria muito difícil descrever isso aqui, em tão pouco espaço, mas vamos salientar apenas alguns aspectos. Quem Faz Quem planeja uma intervenção baseada em ABA é um profissional a que chamamos de “Analista do Comportamento”. Trata-se de uma profissão regulamentada em diversos países, mas não no Brasil. Apesar da falta de regulamentação, consideramos como um Analista do Comportamento, alguém que tenho um curso extensivo do tema, normalmente uma pós-graduação e que atue sob supervisão de alguém mais experiente, normalmente com Mestrado e/ou Doutorado. No entanto, esta é a pessoa que avalia e planeja, não a pessoa que aplica (imagina o quanto ficaria o custo em um sistema de 40h, por exemplo). O aplicador normalmente é uma pessoa com Ensino Médio, ou estagiário, que é treinado especificamente para aquilo, em um curso de no mínimo 40h e mais o treinamento específico para os programas de cada cliente. Em algumas circunstâncias, este aplicador pode ser um professor de apoio ou os próprios pais podem assumir este papel (embora haja uma enorme exigência emocional, nem sempre alcançável). Uma intervenção baseada em ABA exige um domínio profundo da ciência da Análise do Comportamento e utiliza os conceitos desta ciência, muito bem fundamentados, para ajudar pessoas com autismo (e muitas outras) a viverem com melhor qualidade de vida. Mas não se enganem, não basta fazer um cursinho breve, dar uma olhada na internet ou algo assim, é importante ter uma formação sólida, naturalmente construída em anos de esforço árduo. Com esta formação sólida, existe um extenso processo de avaliação dos indivíduos para um planejamento adequado para seu desenvolvimento e este planejamento deve ser composto por medidas claras em um objetivo comum, tudo sendo definido e realizado em uma verdadeira simbiose entre intervenção e família. 37 CBI of Miami Referências Bibliográficas SELLA, A.C., RIBEIRO, D.M. (ORGS) Análise do Comportamento Aplicada ao Transtorno do Espectro Autista. Curitiba: Appris SIDMAN, Murray. Táticas da Pesquisa Científica. São Paulo: Brasiliense, 1976 WHALEY, D.L. MALOTT, R. Princípios Elementares do Comportamento. São Paulo: EPU, 1980 CRUZ, Robson N. B.F. Skinner: uma biografia do cotidiano científico. Belo Horizonte: Artesã, 2019 RICHELLE, Marc N. B.F. Skinner: uma perspectiva europeia. São Carlos: EDUFSCar, 2014 MILLENSON, J.R. Princípios da Análise do Comportamento. Brasília: Editora de Brasília, 1967 BAER, D.M.; WOLF, M.M.; RISLEY, T.R. Some current dimensions of applied behavior analysis. 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