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Metodologia de Pesquisa em Segurança Pública SANDRA MARA BESSA 1ª Edição Brasília/DF - 2020 Autores Sandra Mara Bessa Revisor Marcelle Figueira Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário Organização do Livro Didático........................................................................................................................................5 Introdução ..............................................................................................................................................................................7 Capítulo 1 A ciência e outros saberes ..........................................................................................................................................9 1.1. Os saberes da Humanidade ..............................................................................................................................9 1.2. A ciência frente ao saber humano ................................................................................................................ 12 1.3. Os tipos de conhecimento .............................................................................................................................. 14 Capítulo 2 Do conhecimento comum à ciência ..................................................................................................................... 18 2.1. A autoridade da ciência .................................................................................................................................... 19 2.2. O que conhecer .................................................................................................................................................. 22 2.3. Como conhecer .................................................................................................................................................... 26 Capítulo 3 O debate moderno nas ciências ............................................................................................................................ 31 3.1. Pensadores e debates da Idade Média ...................................................................................................... 32 3.2. Pensadores e debates do Renascimento e Modernidade .................................................................... 36 Capítulo 4 A teoria e a observação: as bases do conhecimento científico .................................................................. 45 4.1. O método científico. Dedução e indução .................................................................................................... 45 4.2. A pergunta condutora. A hipótese científica. A delimitação do problema ...................................... 49 4.3. Delineamento de um estudo científico ..................................................................................................... 53 Capítulo 5 Pesquisa: um processo .............................................................................................................................................. 57 5.1 O que é pesquisa ................................................................................................................................................. 57 5.2. Tipos de pesquisa .............................................................................................................................................. 62 4 SuMáRIO Capítulo 6 Método quantitativo e método qualitativo na área de segurança pública ............................................ 67 6.1. Método quantitativo .......................................................................................................................................... 68 6.2. Método qualitativo ............................................................................................................................................. 69 6.3. Métodos mistos .................................................................................................................................................. 73 Referências .......................................................................................................................................................................... 77 5 Organização do Livro Didático Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Cuidado Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. Importante Indicado para ressaltar trechos importantes do texto. Observe a Lei Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem, a fonte primária sobre um determinado assunto. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. 6 ORgAnIzAçãO DO LIvRO DIDáTICO Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Gotas de Conhecimento Partes pequenas de informações, concisas e claras. Na literatura há outras terminologias para esse termo, como: microlearning, pílulas de conhecimento, cápsulas de conhecimento etc. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Posicionamento do autor Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. 7 Introdução Prezado aluno, é bom tê-lo conosco! Ao cursar esta disciplina, por meio de um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), você optou por uma forma de aprender inovadora que possibilita o desenvolvimento e o aprimoramento de competências que o ajudarão a lidar com os desafios da segurança pública nos dias de hoje. Em uma formação a distância, todo o conteúdo é elaborado para possibilitar o estudo autônomo, pois é você quem organiza a forma e o tempo de suas leituras e reflexões. Aqui, trataremos especificamente da metodologia da pequisa aplicada à segurança pública. Precisamos nos preparar para as mudanças que ocorrem a todo o momento em nossa sociedade. Essas mudanças só podem ser percebidas por aqueles que, atentos ao seu contexto, utilizam-se de pesquisas disponíveis ou são capazes de contribuir com o desenvolvimento delas ao longo de sua formação. Por isso, esse material foi construído de maneira a dar-lhe a oportunidade de refletir sobre sua própria realidade e, a partir dela, tornar-se apto a realizar pesquisas na área de segurança. Para tanto, organizamos este Livro Didático, com seis capítulos que correspondem às seis aulas interativas. Este material que apresentaremos tem uma estrutura dinâmica e interessante de maneira a ajudá-lo a compreender de fato sobre que encaminhamentose cuidados devemos ter ao realizar uma pesquisa científica. Esse material traz os conceitos mais importantes sobre o conteúdo, problematizações que permitam uma proposta de imersão reflexiva, aprofundamento com análises teóricas associadas a situações reais relacionadas à pesquisa em segurança, desafios que instiguem a busca autônoma de conhecimento e dicas de leituras e referências. Seu sucesso é também nosso sucesso! Objetivos » Co m p re e n d e r h i s t o r i c a m e n t e o s f u n d a m e n t o s d a c o n s t r u ç ã o do conhecimento científ ico, analisando as principais correntes epistemológicas e os marcos históricos que contribuíram para a estruturação da ciência. » Compreender a lógica e a linguagem da pesquisa científica e o conceito de verdade científica. 8 9 Introdução Para iniciar nossos estudos, precisamos tratar de conceitos fundamentais para a compreensão do que é a ciência. Parece irrelevante, mas, antes de qualquer coisa, há que se entender que, como seres pensantes que somos, l idamos com informação e conhecimento o tempo todo. Em nosso dia a dia , é fáci l reconhecer a necessidade de nos infor mar e de desvendarmos coisas novas a todo instante: para fazer uma receita; para descobrir um processo de atendimento; para compreender um novo direito que lhe foi conferido; para saber como funciona um novo serviço no banco... Enfim, como podemos ver, nem todo conhecimento é científico. São muitos os saberes que nos movem e conduzem em nosso dia. E é sobre esses conhecimentos que trataremos neste capítulo, diferenciando-os do conhecimento científico. Preparado? Então vamos lá! Objetivos » Diferenciar ciência de outros saberes. » Distinguir os diferentes saberes da humanidade. » Reconhecer a importância da ciência frente ao saber humano. » Identificar os diferentes tipos de conhecimento. 1.1. Os saberes da Humanidade Observe as frases a seguir sobre o conhecimento e reflita sobre o que cada uma delas diz: 1CAPÍTULO A CIÊnCIA E OuTROS SABERES 10 CAPÍTULO 1 • A CIÊnCIA E OuTROS SABERES Fernando Pessoa (1909?) afirma que “A ciência descreve as coisas como são; a arte descreve-as como são sentidas, como se sente que são. O essencial na arte é exprimir; o que se exprime não interessa”. José Ortega y Gasset (2000) são assertivos ao dizer que “A ciência consiste em substituir o saber que parecia seguro por uma teoria, ou seja, por algo problemático”. Immanuel Kant (s/d) salienta que “Ciência é conhecimento organizado. Sabedoria é vida organizada”. Neil deGrasse Tyson (s/d) ensina que “Ninguém que é curioso é idiota. As pessoas que não fazem perguntas permanecem ignorantes para o resto de suas vidas.” Da leitura dessas frases, podemos retirar algumas questões importantes para iniciar nossa reflexão. Pense! 1. A ciência é o único conhecimento válido? 2. De que modo o conhecimento científico problematiza a realidade? 3. Conhecimento científico e sabedoria são coisas diferentes? 4. A ciência é fruto da curiosidade humana? É muito comum quando conhecemos pessoas mais velhas ou mesmo algumas pessoas muito especiais em seu modo de se expressar, comentarmos: como fulano é sábio. Pense quantas pessoas já encontrou em sua vida que considerou inteligentes, ponderadas, capazes de opinar sobre as mais diversas realidades... Pois bem, nem todas elas têm uma escolaridade considerável, não é? Leia o poema a seguir de Patativa do Assaré que vai ajudá-lo a opinar sobre isso. O Poeta da Roça Sou fio das mata, cantô da mão grosa Trabaio na roça, de inverno e de estio A minha chupana é tapada de barro Só fumo cigarro de paia de mio Sou poeta das brenha, não faço o papé De argum menestrê, ou errante cantô Que veve vagando, com sua viola Cantando, pachola, à percura de amô 11 A CIÊnCIA E OuTROS SABERES • CAPÍTULO 1 Não tenho sabença, pois nunca estudei Apenas eu seio o meu nome assiná Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre E o fio do pobre não pode estudá Meu verso rastero, singelo e sem graça Não entra na praça, no rico salão Meu verso só entra no campo da roça e dos eito E às vezes, recordando feliz mocidade Canto uma sodade que mora em meu peito (Fonte: http://www.culturaecoisaetal.com.br/2013/03/o-poeta-da-roca-patativa-do- assare.html). Há, sem dúvida, um valor l i terário no sentimento transmitido pelo poeta ao falar de si mesmo e de sua poesa. Repare que ele mesmo aponta que não tem saber escolarizado, é trabalhador rural e sua poesia não tem espaço nos salões socialmente privilegiados. No entanto, percebe-se o ritmo, a rima e o conteúdo rico do poema. Assim como acontece com esse poeta, acontece em nosso cotidiano. Que saberes valorizamos de fato? Apenas o conhecimento científico é capaz de responder às necessidades humanas de expressão de sua essência? Quando, por exemplo, tomamos um ônibus ou escolhemos uma rota para ir a determinado lugar, precisamos recorrer a um conjunto de informações de que dispomos, tais como endereço, mão das avenidas, regras de trânsito vigentes, rota menos tumultuada e mais curta, entre tantos outros. As frases que selecionamos nos dão alguns indicativos bem interessantes sobre estes saberes da humanidade, inclusive o saber científico. Em primeiro lugar, precisamos ter claro que não existe apenas o conhecimento advindo da ciência. Vamos ver logo mais que há outros tantos conhecimentos que compõem os saberes da humanidade. Em segundo lugar, precisamos compreender que estes saberes se caracterizam de forma diferenciada, a depender, inclusive, de seu objetivo, utilidade ou contexto. Daí Fernando Pessoa falar da perspectiva de expressão do sentimento de que a arte é capaz. Outra questão é pensar na possibilidade de a ciência problematizar o conhecimento: pensar sobre como ele é produzido e como podemos divulgá-lo ou mesmo como 12 CAPÍTULO 1 • A CIÊnCIA E OuTROS SABERES fazê-lo chegar até os que precisam desse conhecimento. Veja que de nada adianta produzir conhecimento se ele não tiver impacto social. A ciência (episteme) é entendida por Aristóteles como um conhecimento demonstrativo, isto é, um tipo de saber que pode ser expressado por um discurso (logos) dedutivo fundado em premissas necessárias. ( TROSTER, 2016). Dito de outra forma, a ciência, nessa perspectiva, lida com o conhecimento das causas pelas causas, podendo ser demonstrado. São três os componentes que norteiam esse fazer científico: observação, experimentação e leis. O que se deseja é promover a união de conhecimento teórico, prática e técnica. Extrapola o exercício de suposições em direção à construção sistemática do conhecimento por meio de um método. Vamos analisar agora a ciência frente ao saber humano. 1.2. A ciência frente ao saber humano Você consegue imaginar como era visto o mundo antes da teoria da relatividade, sistematizada por Albert Einstein? Como será que as pessoas explicavam a relação entre espaço e tempo? Pense em quantos séculos a humanidade viveu sem essa noção. Por que será que demorou tanto tempo para que os cientistas chegassem a essa teoria? Essa reflexão é válida para muitas outras teorias e descobertas. A visão de mundo que as pessoas têm, incluindo crenças e princípios os mais variados, determina, em muitas situações, a maneira como elas enxergam o mundo e como compreendem os fenômenos e fatos que acontecem ao seu redor. Já antes de Cristo, as teorias científicas são formuladas e sofrem constantemente o processo de revisão. Embora tenham sido consideradas verdades absolutas durante longo período de tempo. Veja o exemplo da teoria heliocêntrica. Ela já existia na Grécia Antiga. Depois foi substituída pela teoria geocêntrica para ser futuramente retomada e permanecer até hoje. Sugestão de estudo Teoria da Relatividade. Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-e-a-teoria-da- relatividade-2/. 13 A CIÊnCIA E OuTROS SABERES • CAPÍTULO 1 Quantas vezes, na história da humanidade, ascrenças, os valores, mesmo apoiados por teorias científicas, influenciaram os filósofos e cientistas em geral para não enxergarem outras possibilidades? Quantas vezes essas teorias permaneceram entre nós mesmos depois de alteradas ou substituídas? Quantas pessoas, a despeito das comprovações científicas, teimam em acreditar em teorias estapafúrdias, sem qualquer fundamento? Podemos, com certeza, perceber isso em nosso cotidiano. Um exemplo está em nossa alimentação. Quantos de nós não ouvimos de nossos pais e avós que comer mais do que dois, três ovos por dia fazia um mal imenso? No entanto, vemos hoje essa teoria superada e muitos nutricionistas receitando muito mais do que isso para quem pratica atividades físicas e quer resultados mais rápidos. Perceba que todas estas questões visam levar você a refletir sobre o sentido da ciência e a relação desta com outras áreas da nossa vida. Tantas e tantas vezes, inventos deixaram de ser divulgados em função de disputas políticas ou questões econômicas como as patentes de remédios, por exemplo. Percebe que a ciência não é neutra? Pelo simples fato de ser construída e exercida por homens e mulheres imersos em diversos grupos sociais, ela é impactada por decisões permeadas de interesses. Temos muito o que pensar, não é? Para que você reflita sobre essa questão da ética científ ica, proponho que pense sobre a necessidade de compatibil izarmos a necessidade de fazer avançar o conhecimento e o compromisso e responsabilidade social envolvidos nesse avanço. Sugestão de estudo Teorias Cientícas superadas. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/educacao/infograficos/voce-sabia- teorias-cientificas/. Saiba mais A neutralidade científica é considerada hoje um mito e trata-se de considerar a ciência imparcial, e o pesquisador não se envolveria emocionalmente com o tema abordado. Sabemos, no entanto, que somos movidos por crenças, valores e princípios, os quais mobilizam, por sua vez, interesses, prioridades, olhares... Veja que interessante esse artigo que trata do tema. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-31662008000100005. 14 CAPÍTULO 1 • A CIÊnCIA E OuTROS SABERES 1.3. Os tipos de conhecimento O que diferencia o ser humano dos outros animais é a sua capacidade de pensar logicamente. Nesse sentido, não podemos prescindir de explicar o funcionamento d o s f e n ô m e n o s. É i n e re n t e à h u m a n i d a d e a d e t e r m i n a ç ã o d e s i m p l i f i c a r o mundo, e arrumar maneiras de explicá-lo é uma forma de simplificá-lo, de tornar compreensível a dinâmica das coisas que nos rodeiam. E o que precisamos explicar especificamente no mundo? Tudo! Absolutamente tudo nos perturba, tudo demanda de nós compreensão e explicação. Morte, amor, casamento, doenças, curas, nascimentos, gravidez, Deus, trabalho, amigos, raiva, inveja, vida, fracassos, êxitos, enfim o que mais se possa listar que nos toca ao longo da nossa vida, nos faz ter de produzir explicações. E para fazer sentido para todos nós, muitas dessas explicações são coletivas. Explicamos o mundo e compartilhamos esses significados com diversos grupos, de modo que seja possível um diálogo coletivo. Certamente, cr iamos nossas próprias teorias sobre o mundo e sobre nós mesmos. Figura 1. Pensando o mundo. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/flat-line-design-website-banner-exchanging-389760997. No entanto, elas não se tornam públicas, não são coletivas. Logo, estão numa esfera privada e, geralmente, compõem o entendimento de temas muito subjetivos e pessoais. Não é desse t ipo de explicação que tratamos nesse momento, as quais são amplamente analisadas por psicólogos, terapeutas e psicanalistas. Remetemos às mais distintas formas de explicar o que nos rodeia, seja por meio da espiritualidade, do senso comum, da ciência e de qualquer outro saber. 15 A CIÊnCIA E OuTROS SABERES • CAPÍTULO 1 E será o conhecimento científico a forma mais “certa” de explicar o mundo? A resposta é: seguramente, não! A ciência é só mais uma possibilidade de ver a realidade e explicar os fenômenos naturais e sociais. Não é o único conhecimento, não é o melhor, não é o mais verdadeiro, nem o mais importante e não desfruta de posição superior aos outros. Os conhecimentos sobre o mundo se distinguem, principalmente, segundo o método que utilizam e o tipo de fenômeno que buscam explicar. Por exemplo, enquanto a ciência procura investigar os fatos de ordem prática, como doenças e a violência social, por exemplo, a religião se debruça sobre a explicação de acontecimentos da ordem do sagrado. Os principais tipos de conhecimento são: senso comum, filosófico, teológico e científico. Esses conhecimentos associados trazem a ideia de uma rede com unidades particulares que, juntas, são capazes de prover boa parte das explicações de mundo que precisamos para nos manter vivos e equilibrados. Possivelmente, como já dissemos, há outros tipos de conhecimentos. O importante é ressaltar que essa teia forma uma complexa rede de explicação para o mundo e que essas unidades da teia se complementam nessa explicação. Não há relação de subordinação e nem de hierarquia entre os conhecimentos. É mais fácil que cada pessoa ou grupo busque nessa teia relações de complementaridade, considerando que nenhuma das unidades pode sozinha dar conta de simplificar o mundo. Figura 2. Explicando o mundo. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/abstract-artificial-intelligence-technology-web- background-728178127. Vamos falar um pouco sobre cada um deles? 16 CAPÍTULO 1 • A CIÊnCIA E OuTROS SABERES Senso comum ou empírico: Todos os dias de manhã você sai de casa. Acorda, toma banho, escova os dentes, toma o café da manhã, pega o seu carro e se dirige ao trabalho. Enfrenta o trânsito, l iga o rádio, ouve uma notícia e pensa na vida. Estaciona o carro, pega o elevador e, finalmente, inicia a sua jornada de trabalho. Bom, certamente, sobre todas as coisas que aconteceram nesse lapso de tempo você tem uma explicação. Nesse caso específico, é provável que a maior parte da sua compreensão venha do senso comum. Ou seja, da experiência, da capacidade de observar os fenômenos e a partir de métodos baseados na observação para dar significado a eles. O senso comum, ou vulgar, é obtido por meio da experiência cotidiana e se dá independentemente de pesquisas, reflexões ou métodos rigorosos. Ao contrário, o método é simples e muitas vezes os resultados não são confiáveis. Todavia, é preciso ressaltar que o senso comum é base do conhecimento científico. Isto porque se trata da primeira forma que o homem utilizou para interpretar a realidade. Filosofia: Qual o sentido da vida? Por que estamos vivos? O que devemos realizar? Quem pode responder a essas perguntas? Bom, certamente, elas não são fáceis. Você, provavelmente, já se fez essas indagações e deve ter ido beber na fonte dos filósofos para compreendê-las melhor. Pois é, nem a ciência, nem o senso comum, nem a religião se dispõem a explicar (ou são suficientes para tanto) o sentido geral do universo. É conhecimento filosófico que executa essa tarefa a partir de métodos baseados puramente na reflexão e raciocínio lógico. O conhecimento teológico: A realidade é interpretada de modo muito particular, porque, em regra, não se buscam os fenômenos de ordem prática. Não se explica, por exemplo, como funciona a engrenagem do seu carro, com o qual você vai todos os dias trabalhar. A área de atuação é o divino, o sagrado, o oculto. São explicações tão importantes quanto as anter iores porque contr ibuem para a nossa sobrevivência, visto que, como já argumentamos, explicar o mundo é um modo de nos manter vivos e equilibrados. São os conhecimentos adquiridos a partir da fé religiosa. Ciência: como já afirmamos, essa é mais uma possibil idade de interpretar a realidade e se diferencia das citadas anteriormenteporque se baseia em métodos rigorosos, capazes de serem reproduzidos por outros pesquisadores e, portanto, chega a resultados mais conf iáveis. Enquanto o senso comum se baseia na observação da realidade, a ciência mergulha na investigação metódica e rigorosa. Não basta apenas perceber, por exemplo, que o sol nasce e se põe todos os dias. Isso atende ao senso comum, mas não atende aos objetivos do conhecimento científico que vai atrás de entender a rotação da Terra para explicar que não é o sol que gira em torno dela e sim ela que gira em torno do sol. 17 A CIÊnCIA E OuTROS SABERES • CAPÍTULO 1 Veja a tabela a seguir para entender ainda melhor como funciona essa divisão: Tabela 1. Os tipos de conhecimento. Empírico Científico Filosófico Teológico O que é Esse tipo de conhecimento surge a partir da interação do ser humano com o ambiente que o rodeia. Engloba informações e fatos que foram comprovados, tendo como base análises e testes científicos. É o conhecimento que surge das reflexões que o homem faz sobre as questões imateriais e subjetivas. Acredita que a fé religiosa possui a verdade absoluta e apresenta todas as explicações para justificar esta crença. Valor valorativo, apoiando- se nas experiências pessoais. Factual, lida com fatos e ocorrências. valorativo, pois lida com hipóteses que não podem ser observadas. valorativo, apoiando- se nas doutrinas sagradas. Verificação É verificável. É verificável. Não é verificável. Não é verificável. Exatidão Falível e inexato. Falível e aproximadamente exato. Infalível e exato. Infalível e exato. Sistema Assistemático, pois é organizado com base nas experiências de um sujeito, e não em um estudo para observar o fenômeno. Sistemático, pois é um saber ordenado logicamente. É sistemático, pois busca uma coerência com a realidade. Conhecimento sistemático do mundo. Fonte: https://www.diferenca.com/conhecimento-empirico-cientifico-filosofico-e-teologico/. Alguns autores ainda destacam como tipos de conhecimento o saber das artes (a observação sensível ligada às emoções, ao belo, ao estético), o saber mítico ou transcendental (ligado às explicações intuitivas, naturais e sobrenaturais para os fenômenos da realidade) e o saber técnico (diz respeito ao conhecimento que permite o domínio operacional de determinado fazer). Cuidado Estas classificações só fazem sentido para um efeito didático, pois o importante é compreender que faz parte do percurso humano conciliar os diferentes conhecimentos e valores essenciais que lhe permitam a fruição estética, a sensibilidade popular, o bom senso e a sabedoria na tomada de decisões, as vivências pessoais e profissionais, a espiritualidade, os princípios éticos etc. O conhecimento pressupõe relação com o outro e com o mundo, requer a comunicação e a interação com diferentes modos de ver a realidade. Sintetizando Vimos até agora: » O que é o conhecimento científico e como se diferencia de outros conhecimentos. » O conhecimento científico não é mais importante que os outros conhecimentos advindos de outros tantos saberes necessários aos seres humanos. » A neutralidade científica é um mito, pois somos todos imbrincados por conceitos, valores e interesses que levamos conosco quando realizamos uma pesquisa. 18 Introdução Vimos em nosso primeiro capítulo que somos formados por interações com as pessoas e com o mundo que geram conhecimentos os mais variados. Segundo a Filosofia, o conhecimento comum é o primeiro passo para se chegar à ciência. Observando a realidade, as demandas sociais e a partir da curiosidade do homem é que se faz o conhecimento avançar. Abordaremos neste capítulo a ciência como fonte segura que, embora fal ível , deve ser considerada como conhecimento legít imo que traduz o esforço da humanidade, ao longo de sua histór ia, de buscar expl icar o que lhe cerca e responder às necessidades humanas de remédios e tratamentos, de tecnologias, entre tantas outras. Vamos ainda analisar como devemos buscar esse conhecimento, tendo em vista que, ao chegar à educação superior, precisamos compreender como lidar com os dados e pesquisas disponíveis, assim como produzir dados e pesquisas em nossas áreas. No que diz respeito à segurança pública, é fundamental instigarmos a produção de conhecimento na busca de soluções, especialmente nos locais em que nos inserimos. Objetivos » Diferenciar o conhecimento comum da ciência. » Reconhecer a autoridade da ciência como fonte segura do conhecimento. » Definir o que é conhecer e as fontes adequadas de conhecimento. » Identificar como se deve buscar o conhecimento. 2 CAPÍTULO DO COnHECIMEnTO COMuM À CIÊnCIA 19 DO COnHECIMEnTO COMuM À CIÊnCIA • CAPÍTULO 2 2.1. A autoridade da ciência Vamos iniciar retomando e esclarecendo melhor esse conceito de conhecimento. Você já deve ter ouvido a expressão “conhecimento é poder”. E, hoje, de fato, isso é muito real, pois vivemos a era do conhecimento. Anteriormente, os homens eram valorizados por sua força física e o poder que exerciam em função dela. Hoje, a força é obtida facilmente por meios tecnológicos. Logo, tem poder quem domina essa tecnologia. Dizendo de outra forma, o poder está com quem detém esse conhecimento tecnológico. Além disso, o conhecimento amplia nossa visão de mundo, abrindo novos horizontes, despertando a consciência e ampliando as possibilidades de interação com o outro, já que impacta também em como utilizamos nosso discurso. No dicionário Houaiss (2008), temos os seguintes conceitos: 1. Cognição, percepção. 2. Fato, estado ou condição de compreender; entendimento. 3. Domínio, competência, experiência. 4. Coisa ou pessoa conhecida. 5. Erudição, sabedoria, cultura. Figura 3. nuvem de palavras relacionadas à ciência. Fonte: Elaborada pela autora. Saiba mais Leia o texto a seguir sobre essa sociedade do conhecimento em contraposição à sociedade da informação. Disponível em: https://www.baguete.com.br/colunas/claudio-de-musacchio/26/07/2014/sociedade-da-informacao-x- sociedade-do-conhecimento. 20 CAPÍTULO 2 • DO COnHECIMEnTO COMuM À CIÊnCIA É o conhecimento que nos permite estar no mundo e interagir com ele. São os saberes q u e a d q u i r i m o s p o r v i a d e n o s s a s e x p e r i ê n c i a s q u e n o s p e r m i t e m o s e n t i m e n t o d e p e r t e n ç a e d e i n s e r ç ã o n a re a l i d a d e. É , e n f i m , p e l a v i a d o c o n h e c i m e n t o q u e n o s p o s i c i o n a m o s d i a n t e d a s m a i s d i v e r s a s q u e s t õ e s q u e n o s s ã o c o t i d i a n a m e n t e a p re s e n t a d a s, s e j a m e l a s a d v i n d a s d a re l i g i ã o, d a p o l í t i c a , d o s v a l o re s q u e a d o t a m o s s e g u n d o n o s s a i n t e r p re t a ç ã o p e s s o a l d o m u n d o. O conhecimento não existe por si só, mas se constitui por meio das pessoas que o elaboram continuamente, a partir dos seus pontos de vista e vivências. Leonardo Boff (1999, p. 9-10) afirma: Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é a sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer, como alguém vive, com que convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação. Sendo assim, fica evidente que cada leitor é coautor. Porque cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita. E quando falamos de leitura aquiestamos remetendo à leitura de mundo, ao modo como lemos a vida, as coisas, as pessoas.. . É como diz Paulo Freire (1986) “A leitura do mundo antecede a leitura da palavra”. Pois bem! Você já percebeu que todos os tipos de conhecimento são importantes para a nossa formação como seres humanos. Agora, vamos discutir a relevância do conhecimento científico. Por que o conhecimento científico é tão importante? O conhecimento cientí f ico surge da necessidade de o homem não assumir uma posição meramente passiva, de testemunha dos fenômenos, sem poder de ação ou controle dos mesmos. Cabe ao homem, otimizando o uso da sua racionalidade, propor uma forma sistemática, metódica e crítica da sua função de desvelar o mundo, compreendê-lo, explicá-lo e dominá-lo. (KOCHE, 2006, p. 29). Co m o s e p o d e p e rc e b e r, o c o n h e c i m e n t o c i e n t í f i c o ve m n o s d a r re s p o s t a s mais assertivas sobre determinados aspectos da vida de forma mais sistemática. Daí sua relevância como saber humano. É a partir das constatações científicas que 21 DO COnHECIMEnTO COMuM À CIÊnCIA • CAPÍTULO 2 o conhecimento avança tanto em ter mos tecnológicos, como em ter mos de atendimento a demandas que emergem das novas formas de viver e agir das pessoas. A evolução humana é marcada pela evolução da inteligência da espécie, a qual passou por três fases determinadas pela forma como o homem percebe os fenômenos da natureza. São elas: » a fase do medo; » a fase do misticismo; e » a fase da ciência. Quando não conseguiam compreender os fenômenos naturais, ainda em sua fase primitiva, o homem temia tudo o que não conseguia explicar. Sua impotência diante de fenômenos como mudanças climáticas, tempestades, trovões, raios e terremotos. Como não controlava esses fenômenos, o homem apenas reagia a eles de maneira defensiva como forma de sobrevivência. Em uma segunda fase, o ser humano tenta explicar estes fenômenos por meio de pensamentos abstratos e associativos, recorrendo ao transcendente, à mágica, às crendices e às superstições. Veja os exemplos: os terremotos seriam resultado da ira divina; uma boa colheita seria resultado de uma bênção dos deuses e as chuvas viriam depois de um ritual de dança. Embora estes saberes sejam considerados inócuos, são muito importantes na perspectiva da evolução do pensamento humano e de sua linguagem simbólica, por meio do uso de metáforas. Em uma terceira fase, o homem foi capaz de dar encaminhamento à evolução de seu pensamento, por meio da busca sistemática e metódica de explicações para os fenômenos naturais e sociais. Sai, então, das explicações mágicas e sensoriais para Provocação Antes de continuarmos, vamos pensar sobre algumas questões: A autoridade científica é aceita por todos? Em que medida e com base em que as pessoas questionam o saber científico? O fato de a ciência ser falível contribui para que se questionem suas verdades? Como as pessoas lidam com o conhecimento científico nesse momento de tanta desinformação veiculada pela internet? O que estabelece a autoridade científica nas explicações sobre as relações do homem com a natureza e com os outros? 22 CAPÍTULO 2 • DO COnHECIMEnTO COMuM À CIÊnCIA a formulação lógica do pensamento, para a ciência. Daí é que a ciência passa a ter autoridade sobre os demais saberes humanos quando se trata de conhecimento racional, sistemático e verificável. Muito bem! Trataremos, a partir de agora, do conhecimento científico na perspectiva do que precisamos conhecer. 2.2. O que conhecer Saiba mais Figura 4. A autoridade da ciência. Fonte: Podcast disponível em: http://oxigenio.comciencia.br/47-tematico-autoridade-da-ciencia/. Provocação Para iniciar nossa discussão, leia o texto O que é a ciência? de Paul Davies (2015): “A ciência tem de envolver mais do que a mera catalogação de factos e do que a descoberta, através da tentativa e erro, de maneiras de proceder que funcionam. O que é crucial na verdadeira ciência é o facto de envolver a descoberta de princípios que subjazem e conectam os fenómenos naturais. Apesar de concordar completamente que devemos respeitar a visão do mundo de povos indígenas não europeus, não penso que coisas como a astronomia maia, a acupuntura chinesa etc., obedeçam à minha definição. O sistema ptolemaico de epiciclos alcançou uma precisão razoável ao descrever o movimento dos corpos celestes, mas não havia qualquer teoria propriamente dita subjacente ao sistema. A mecânica newtoniana, pelo contrário, não apenas descrevia os movimentos dos planetas de modo mais simples, conectava o movimento da Lua com a queda da maçã. Isto é verdadeira ciência, pois revela coisas que não podemos saber de nenhuma outra maneira. 23 DO COnHECIMEnTO COMuM À CIÊnCIA • CAPÍTULO 2 Esse texto no faz refletir sobre como nossos valores e interesses determinam o que consideramos científico ou não; o que consideramos que deve ser pesquisado ou não; o que deve ser valor izado ou não. . . Durante muito tempo, a cultura eurocêntrica se sobrepôs às outras culturas, inclusive no meio científico. Com a globalização, vemos o quanto isso tem mudado e evoluído. São possíveis trocas de informações e conhecimentos compartilhados gerarem novos conhecimentos e avanços técnico-científicos. Quando determinamos O que conhecer, subtítulo de nossa aula, estamos todos impregnados de todo um processo cultural que traz em seu bojo nossas vivências, nossas crenças, nossas hipóteses. Por exemplo, quando lemos textos e pesquisas que tratam de violência urbana, percebemos subliminarmente quais os posicionamentos filosóficos e políticos dos autores, pois, a depender deles, os dados são apresentados e analisados de maneira diversa, embora partam de um mesmo fato. É a interpretação que damos aos dados que os diferencia. Isso depende da forma como encaramos a realidade. Veja a história a seguir para compreender melhor o que estamos dizendo: Num tempo em que os homens ainda não se alimentavam da carne de animais, um incêndio consumiu um bosque onde havia inúmeros porcos. Alguém que por ali passava, após a extinção das chamas, resolveu Terá a astronomia maia ou a acupuntura chinesa alguma vez conduzido a uma previsão que não tenha falhado nem seja trivial e que tenha conduzido a novos conhecimentos sobre o mundo? Muitas pessoas tropeçaram no facto de que certas coisas funcionam, mas a verdadeira ciência consiste em saber por que razão as coisas funcionam. Tenho uma atitude de abertura em relação à acupuntura, mas se tal coisa funcionar, apostaria muito mais numa explicação baseada em impulsos nervosos do que em misteriosas correntes de energia cuja realidade física nunca foi demonstrada. Por que razão nasceu a ciência na Europa? Na época de Galileu e Newton a China era muito mais avançada tecnologicamente. Contudo, a tecnologia chinesa (como a dos aborígenes australianos) foi alcançada por tentativa e erro, refinados ao longo de muitas gerações. O boomerang não foi inventado partindo da compreensão dos princípios da hidrodinâmica para depois conceber um instrumento. A bússola (descoberta pelos chineses) não envolveu a formulação dos princípios do magnetismo. Estes princípios emergiram da (verdadeira, segundo a minha definição) cultura científica da Europa. Claro que, historicamente, surgiu também alguma ciência de descobertas acidentais que só mais tarde foram compreendidas. Mas os exemplos mais óbvios da verdadeira ciência – tais como as ondas de rádio, a energia nuclear, o computador, a engenharia genética – emergiram, todos eles, da aplicação de uma compreensão teórica profunda que já existia – muitas vezes há muito tempo – antes da tecnologia que se procurava. As razões que determinaram que tenha sido a Europa a dar à luz a ciência são complexas, mas têm certamente muito a ver com a filosofia grega e a sua noção de que os seres humanos podiam alcançar uma compreensão do modo como o mundo funciona por intermédio do pensamentoracional, e com as três religiões monoteístas – o judaísmo, o cristianismo e o islamismo – e a sua noção de uma ordem na natureza, ordem essa que era real, legiforme, criada e imposta por um Grande Arquitecto. Apesar de a ciência ter começado na Europa, é universal e está agora à disposição de todas as culturas. Podemos continuar a dar valor aos sistemas de crenças das outras culturas, ao mesmo tempo em que reconhecemos que o conhecimento científico é algo de especial que transcende a cultura.” 24 CAPÍTULO 2 • DO COnHECIMEnTO COMuM À CIÊnCIA experimentar aqueles porcos assados e descobriu que eram palatáveis. Logo a notícia se espalhou e os homens passaram a comer porcos assados, que eram então preparados da maneira original, isto é, reuniam-se os animais num bosque e ateava-se fogo à vegetação. Esta instituição de cozimento de porcos foi crescendo e começaram a surgir especialistas: especialistas em tipos de bosques, em ventos, em atear fogo no setor norte, no setor sul, leste, oeste, especialistas em reflorestamento, especialistas no ponto da mata em que os animais deveriam ser colocados etc. Enfim, toda uma parafernália para fazer progredir e aperfeiçoar a instituição foi criada. Realizavam-se então congressos anuais onde técnicas e inovações dentro de cada especialidade eram apresentadas e discutidas. Até que um dia um indivíduo procurou o presidente da organização e apresentou-lhe uma proposta que implicaria uma radical mudança na instituição, talvez no seu fim: bastaria que os porcos fossem mortos e colocados numa grelha, sob a qual se acenderia uma pequena fogueira. Imediatamente o presidente fez-lhe ver o absurdo de sua proposição, pois que ela geraria o desemprego para milhares de especialistas, além de abalar a confiança que o restante da sociedade manifestava com relação ao saber que eles detinham. Mostrou-lhe ainda que, pensando daquela maneira, revelava-se um perigoso elemento subversivo que poderia levar a sociedade ao caos, ainda mais ao propugnar métodos violentos que implicavam os homens matarem os animais com suas próprias mãos. O presidente então, num rasgo de “generosidade”, disse ao dissidente que daquela vez ele seria perdoado, mas com a condição de nunca revelar a ninguém aquela ideia tão herética. E assim os homens continuaram a atear fogo nos bosques e a instituição foi mantida. (DUARTE JÚNIOR, 2004, pp. 60- 61). A história lida nos mostra o quanto a cultura pode ser um fator interveniente ao se conduzir uma nova forma de ver ou de fazer da sociedade. Ao produzirmos conhecimento, precisamos, o mais objetivamente possível, observar os fatos de maneira a interpretá-los com a maior isenção possível. Para isso, é preciso que desenvolvamos o que chamamos aqui de espírito científico. Tal espírito implica uma predisposição do pesquisador na busca de soluções, a partir da seleção de métodos adequados para o problema que enfrenta. Essa postura se traduz por uma atitude aberta ao novo, objetiva, crítica e racional. A habilidade de julgamento, discernimento, análise e crítica é condição essencial para se alcançar a objetividade necessária para a escolha do tema a ser pesquisado. Essa consciência implica o rompimento com posicionamentos pessoais ou interpretações mal fundamentadas oriundas do senso comum. A pessoa do pesquisador, nesse contexto, fica em segundo plano, pois o que interessa é a definição do problema a ser pesquisado e o método para se alcançar a solução. 25 DO COnHECIMEnTO COMuM À CIÊnCIA • CAPÍTULO 2 O pressuposto é que qualquer pesquisador pode repetir a mesma experiência, em qualquer tempo, obtendo o mesmo resultado. Portanto, ao definir o que buscaremos como conhecimento científico, precisamos considerar algumas questões importantes, como: » a relevância do que queremos pesquisar; » a nossa responsabilidade social ao propor determinado estudo; » a importância de estarmos motivados a conhecer determinado tema; » o impacto social, profissional e para nossa formação; a impessoalidade e a ética no trato com o tema. E aí? Aproveite para ir pensando sobre o tema que lhe interessa e como seria bom conhecer mais sobre ele. Você, como operador da segurança pública, será chamado muitas e muitas vezes a buscar soluções para os problemas mais diversos. Aprenda a buscar as informações e os dados disponíveis em favor de sua prática. Todo bom Saiba mais Observe que a nossa realidade determina o que somos e o que pensamos. Como operador da segurança pública, é preciso, muitas vezes, se despojar desse nosso modo de ver para respeitar o modo de ser do outro. Isso traz implicações sérias não só como pesquisadores, mas em nossa atuação prática direta. Leia o trecho a seguir para compreender melhor do que estamos falando: Há uma dimensão ética imediata que é problema da realidade. A pergunta “em que mundo você vive?” não está relacionada apenas ao conhecimento. A maneira como vemos o mundo está ligada diretamente ao modo como vamos agir nele e ao nosso comportamento em relação aos outros. A visão que tenho do mundo influencia a maneira como vou situar as outras pessoas nele, como vou interpretar suas ações em relação a mim e aos outros. A equivalência entre “realidade” e “visão da realidade” costuma ter consequências práticas, isto é, interfere diretamente na relação com o outro. [...] Em geral, pauta-se a Ética a partir de noções que se têm da realidade. Uma visão dessa realidade composta por conhecimentos e classificações de um determinado tipo pode levar a valores éticos igualmente específicos. As mudanças nesses valores, no sentido oposto, costumam estar ligadas a mudanças nessa visão de mundo. (Isso é o que torna a Filosofia uma prática: ela pode não mudar diretamente o mundo, mas muda a visão que temos dele e, por tabela, nossa maneira de agir). Uma visão da realidade que encaixa um grupo como inferior abre brecha para que esse grupo seja maltratado – em último caso, eliminado. É possível delinear uma explicação para isso. As “visões de mundo” geralmente não são pensadas como tais, mas como a “realidade” em si. A essa primeira equivalência segue-se outra: equivaler “realidade” e “normalidade”. Desse modo, naturalizam-se valores arbitrários que passam a ser considerados “normais” dentro de uma visão de mundo que não se reconhece como tal. (MARTINO, s.d, p. 3). 26 CAPÍTULO 2 • DO COnHECIMEnTO COMuM À CIÊnCIA profissional é curioso e insatisfeito com a sua realidade. E é essa insatisfação que leva a humanidade à descoberta e à inovação. Nosso desafio é descobrir que caminhos trilhar para alcançar esse objetivo. 2.3. Como conhecer Quando pensamos em conhecimento, devemos imediatamente pensar em como obter esse conhecimento. A forma como escolhemos o tema com que queremos trabalhar, o modo como vamos obter os dados e como vamos tratá- los são determinados pelo modo como vemos a realidade. Lembre-se de como falamos sobre isso anteriormente, certo? Ao conjunto de informações, valores e princípios que norteiam as escolhas que fazemos chamamos de paradigma (sistema que usamos como modelo, padrão para realizar uma pesquisa). Para isso, precisamos ter consciência das premissas, ou seja, qual o conjunto de pressupostos de que eu parto para realizar o meu estudo. Os paradigmas se alteram ao longo do tempo segundo o que a comunidade científica considera como razoável para determinar o padrão/modelo de pesquisa em determinada época. Mais adiante em nossas aulas, verificaremos alguns desses paradigmas no decorrer da história. Importante Um mesmo objeto ou fato pode ser visto de uma forma diferenciada. Por exemplo, um crime, se visto por um familiar da vítima, é considerado numa perspectiva passional; se visto pela perícia, sob a perspectiva dos detalhes; se visto por um jornalista, sob a perspectiva das histórias ali suscitadas... Enfim, a depender de quem quer produzir o conhecimento, o prisma será diferente. Atenção Para Thomas Kuhn (1989, apud MENDES, 2010),por outro lado, a comunidade científica seria integrada por indivíduos que, além de compartilharem do mesmo paradigma (no seu sentido amplo, um sem número de crenças, valores, técnicas – definidos cognitivamente, que em determinado momento são adequados para a resolução do conjunto de problemas existentes), estariam comprometidos com uma maneira coletiva de se praticar ciência. Em outras palavras, segundo Kuhn, é impossível desenvolver a prática científica de modo solitário. A ciência só existe se existe uma comunidade científica. 27 DO COnHECIMEnTO COMuM À CIÊnCIA • CAPÍTULO 2 A busca por conhecer é, dessa forma, uma atividade coletiva por vários motivos, entre eles: » recorremos ao conhecimento construído até então como ponto de partida para a proposição de novos estudos; » uti l izamos o paradigma adotado pela comunidade científ ica naquele determinado momento histórico; » podemos compartilhar dados, soluções e questões que vão surgindo ao longo do estudo; » todo conhecimento produzido só toma vida quando partilhado, vivemos hoje em um mundo em rede. Observe o esquema a seguir com as vantagens de se trabalhar de maneira colaborativa em busca do conhecimento: Figura 5. A comunidade científica: a diversidade importa. A diversidade equilibra preconceitos e distorções A diversidade fortalece a resolução de problemas A diversidade facilita a especialização Fonte: Elaborada pela autora. Outro aspecto fundamental a que se deve estar atento ao se buscar o conhecimento científico é o que chamamos de ética na produção acadêmica. Toda busca por gerar conhecimento científico gera relatórios de pesquisa. Estes documentos devem estar Sugestão de estudo Veja um texto que detalha melhor o esquema anterior. Disponível em: https://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/ artigos/comunidade-cientifica-02.php. 28 CAPÍTULO 2 • DO COnHECIMEnTO COMuM À CIÊnCIA alinhados com as normas para a produção de textos, como com os valores éticos de respeito aos direitos autorais. No tocante à construção de textos acadêmicos, você precisa compreender que esta é uma atividade relacionada diretamente à capacidade argumentativa do autor, o que implica o estabelecimento de relações, confronto de ideias, análise, problematização e criticidade. Assim como no ato de leitura, a aquisição dessas habilidades é um processo paulatino e que exige, portanto, a prática insistente de exercícios que instiguem o raciocínio e oportunizem a maturação intelectual. Essas atividades pressupõem autoria. Quando não nos apropriamos devidamente d e s s e p r o c e s s o, c a r a c t e r i z a - s e o p l á g i o, a p r o p r i a ç ã o i n d e v i d a d e t re c h o s d e t e x t o s d i s p o n í v e i s n o s l i v r o s , n o s p e r i ó d i c o s o u e m o u t r o s m e i o s d e comunicação, sejam eles f ísicos ou virtuais. Ao copiarmos textos (sejam apenas c ó p i a s d e t re c h o s o u c ó p i a s i n t e g r a i s ) s e m i n d i c a r s e u a u t o r, c o m e t e m o s p l á g i o e n ã o n o s p o s s i b i l i t a m o s a m a d u r e c e r c o m o p r o d u t o r e s d e n o s s o s p r ó p r i o s t e x t o s. Usar as ideias de outrem, sem lhe conferir o crédito a que tem direito ou deixando de citá-lo como fonte de pesquisa é, portanto, uma ação grave e que fere os princípios éticos que tanto preconizamos nas comunidades científicas. Lembre-se de que a qualidade comunicativa do seu texto está irremediavelmente ligada a todo um trabalho consciente e ético. Portanto, fique atento e aproveite a produção de seus trabalhos e a participação nos fóruns para aprender. Com certeza, isto fará toda a diferença para sua formação pessoal e profissional. Como forma de evitar a utilização de plágio, é possível usar citações e referenciá-las d e m a n e i ra a f a z e r j u s à a u t o r i a d o s t re c h o s u t i l i z a d o s. Pa ra t a n t o, d e v e m o s re c o r re r às normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT ). Observe a lei Você sabia que o plágio é considerado crime? Veja na Lei no 9.610, sancionada em 1998. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%209.610%2C%20DE%2019%20DE%20 FEVEREIRO%20DE%201998.&text=Altera%2C%20atualiza%20e%20consolida%20a,autorais%20e%20d%C3%A1%20 outras%20provid%C3%AAncias.&text=Art.,os%20que%20lhes%20s%C3%A3o%20conexos. O autor que foi plagiado pode recorrer à Justiça por ter seus direitos autorais violados. Sugestão de estudo Conheça as Normas da ABNT para citações e referências. Disponível em: https://www.normasabnt.org/. 29 DO COnHECIMEnTO COMuM À CIÊnCIA • CAPÍTULO 2 Importante Você deve ter verificado que não é fácil fazer as referências bibliográficas exigidas ao final dos trabalhos acadêmicos, não é? Pois bem, segue uma ferramenta incrível para ajudá-lo a fazer suas referências. Basta colocar as informações e ele gera automaticamente a referência. Disponível em: http://www.more.ufsc.br/. Percebeu que conhecer, no que diz respeito à produção científica, é um processo complexo pautado em intencionalidades as mais diversas? São fatores que determinam essa intencionalidade, entre outros: 1. os interesses sociais da pesquisa; 2. os interesses pessoais da pesquisa; 3. os interesses econômicos das agências de fomento. Para alcançar os objetivos da pesquisa, devemos considerar as intencionalidades presentes e planejar desde a escolha do tema, sua problematização até a redação final do estudo em pauta. Nesse fazer é preciso considerar também a seleção adequada de fontes de pesquisa. Seguem algumas indicações interessantes que podem ajudá-lo nesse processo: Google Acadêmico (Por meio de palavras-chaves você tem acesso a artigos – publicados em periódicos, congressos, seminários e outros – e e-books). Disponível em: http://scholar.google.com.br/. Scielo Brasil (Biblioteca eletrônica que indexa periódicos brasileiros). Disponível em: http://www.scielo.br/. WebQualis (Indexa as mais importantes revistas científicas do País. Você pode fazer a busca por área de conhecimento ou pela avaliação da Capes, “A” e “B” são as melhores avaliações). Disponível em: http://qualis.capes. gov.br/webqualis/. 16 sites de pesquisa. Disponível em:https://bibliotecaucs.wordpress.com/2018/02/23/16-sites-de-pesquisa- academica-que-farao-voce-esquecer-do-google/. Na área de Segurança Pública, é importante considerar ainda as fontes de pesquisa específicas tais como: Atlas da Violência no Brasil. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/. FLACSO. Disponível em: http://flacso.org.br/?project=mapa-da-violencia. CRISP. Disponível em: https://www.crisp.ufmg.br/. Estes são indicativos, mas há muito o que pesquisar. Procure selecionar sempre fontes confiáveis, de maneira a dar credibilidade aos dados e às informações que apresentar. Afinal, é para dar autoridade aos seus textos e as suas ideias que se busca citar outras fontes e outros autores, o que possibilita a comparação, tanto para confirmar similitudes como para confrontar resultados discrepantes. Saiba mais Para saber mais sobre o tema desta aula, leia o artigo Para uma demarcação entre ciência e pseudociência. Disponível em: https://criticanarede.com/fil_paraciencia.html. 30 CAPÍTULO 2 • DO COnHECIMEnTO COMuM À CIÊnCIA Sintetizando Vimos até agora: » O conceito de conhecimento como uma possiblidade de estar no mundo. » A complexidade de conhecimentos com que lidamos cotidianamente conformam uma rede que nos possibilita nossa intervenção no mundo. » A ciência é fruto de um trabalho sistemático e metódico. » Ao considerarmos o que conhecer e como conhecer, estamos imbrincados por valores, princípios e responsabilidades. 31 Introdução Nos capítulos anteriores, você pôde refletir sobre a ciência e sua relação com os saberes humanos e, especialmente, o seu lugar em meio a outros tantos tipos de conhecimento. Viu também que, ao longo dahistória, trabalhamos com diferentes paradigmas. Et imologicamente, paradigma se or igina do grego paradeigma, remetendo a modelo ou padrão a ser seguido. O paradigma é, portanto, uma teoria, um princípio, um exemplo ou um conhecimento adotado pelos pesquisadores em determinado campo científico. O debate sobre o que é científico ou não e mesmo sobre qual é o melhor caminho a ser seguido para se fazer ciência mobiliza pesquisadores desde a antiguidade. Neste capítulo, vamos fazer uma viagem pelas ideias que nortearam os paradigmas científicos ao longo do tempo para que você compreenda como chegamos ao que consideramos ser o paradigma contemporâneo. Para isso, vamos relembrar o que alguns pensadores, a partir da Idade Média, trouxeram de importante para o fazer científico em sua época e a influência que têm sobre a forma como se faz ciência atualmente. Está preparado? Então sigamos! Há muito o que aprender! Objetivos » Refletir sobre o debate moderno nas ciências. » Reconhecer os pensadores e debates da Idade Média na aquisição do conhecimento científico. » Reconhecer os pensadores e debates do renascimento e modernidade na aquisição do conhecimento científico. 3CAPÍTULO O DEBATE MODERnO nAS CIÊnCIAS 32 CAPÍTULO 3 • O DEBATE MODERnO nAS CIÊnCIAS 3.1. Pensadores e debates da Idade Média Ao analisarmos os estudos da ciência, muitos imaginam que ela tenha surgido apenas na Idade Moderna (nos séculos XVI e XVII). Daí surgiu também a visão equivocada de que a Idade Média foi a ideia das trevas como se não houvesse qualquer produção do conhecimento ou ref lexão que merecesse um olhar mais a t e n t o. Ma s m e s m o a n t e s n a A n t i g u i d a d e, p o r e x e m p l o, j á s e p e rc e b i a u m grande desenvolvimento nos saberes produzidos sobre os fenômenos naturais e a própr ia Fi losofia. As discussões sobre a ciência na Idade Média é que abriram espaço para que se alcançasse novas perspectivas na Idade Moderna. Especificamente no que diz respeito à ciência que se desenvolveu no mundo medieval, não se pode deixar de considerar a grande influência que o Cristianismo exerceu. Crenças, valores e princípios religiosos influenciaram fortemente o conhecimento humano ao longo da história. Na Idade Média, em especial, o domínio da Igreja Católica determinou o que, para quê e como se dariam a produção e a divulgação do conhecimento. À exceção do clero, ninguém tinha acesso ao saber e à sua produção, já que todos os documentos para consulta ficavam circunscritos aos mosteiros de suas ordens religiosas. Isto comprova o que hoje ouvimos na fala popular: conhecimento é poder. Por aí já dá pra você imaginar que a ciência foi mudando no decorrer do tempo... Vamos focar nossos estudos a partir da Idade Média, pois não temos como estudar profundamente a ciência desde a sua origem. Antes disso, o conhecimento científico se confundia com o conhecimento filosófico e até com a religião ou a arte. Nesse período, havia um caráter mais especulativo, contemplativo... A Idade Média, que durou por volta de mil anos, foi equivocadamente conhecida como a Idade das Trevas. Esse título adveio do domínio da Igreja, do qual falamos há pouco, que restringiu o desenvolvimento científico e filosófico ao clero, o que ratificou as formas de pensar a ciência como veio da Antiguidade. A Idade Média foi marcada ainda pelo embate entre dois grupos de estudiosos: o clero e os livres pensadores. Esse conflito se confundia com a luta pelo poder na época e, portanto, foi marcado por violência e repressão, especialmente por parte da Igreja. O clero valorizava os estudos teológicos, filosóficos, literários, entre outros, sempre na perspectiva da religião. Os pensadores livres foram taxados de bruxos, magos, alquimistas e buscavam conhecer os fenômenos naturais por meio da experimentação. Eram perseguidos e punidos, por isso trabalhavam sempre em segredo, tendo em vista que os resultados de suas pesquisas nem sempre corroboravam o que estava nas Sagradas Escrituras. 33 O DEBATE MODERnO nAS CIÊnCIAS • CAPÍTULO 3 Todo e qualquer conhecimento que não se alinhasse com a teologia católica era considerado profano e, consequentemente, herético. Em um movimento claramente teocêntrico, buscava-se discutir a vida espiritual do homem, o sentido da vida e os caminhos para se alcançar a salvação. Dessa forma, todo conhecimento tomava como ponto de partida a Fé. Isso significa que todo conhecimento deveria ser passado por aqueles que tinham condições de compreendê-lo por meio de suas crenças, desconsiderando os sentidos e as percepções. Ao final da Idade Média, surgiram dentro da própria Igreja algumas correntes em que pensadores propunham uma leitura menos rígida, em que seria possível o diálogo entre Fé e Razão. Tais mudanças vinham em resposta também à necessidade de desenvolvimento econômico e aprimoramento de técnicas naquele momento histórico. São Tomás de Aquino, por exemplo, defende que fé e razão não são dicotômicas, mas complementares e se originam de Deus. Para além do que pregava São Tomás de Aquino, outros pensadores, como Guilherme de Ockham, Roger Bacon, Duns Scotus defendiam que o conhecimento não estava ligado à fé, mas que podia ser adquirido por meio de nossas percepções, de nossos sentidos. Dessa forma, as vivências, as observações e as experiências geravam conhecimento. A percepção de que os experimentos poderiam indicar os caminhos para entender as coisas é o marco que determinou o empirismo. Figura 6. São Tomás de Aquino. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bartolom%C3%A9_Esteban_Murillo_Santo_Tom%C3%A1s_de_Aquino.jpg. Estes pensadores trouxeram à luz a ideia de que o conhecimento da realidade de Deus e da realidade dos homens é distinta, pois derivam de mundos diferentes que precisam ser estudados de maneira diversa. A fé continua fundamentando as explicações sobre o mundo de Deus, mas a realidade terrena é explicada por meio da experimentação sensorial. Como você pode perceber, aqui já está o início da ciência moderna. 34 CAPÍTULO 3 • O DEBATE MODERnO nAS CIÊnCIAS Figura 7. Roger Bacon. Fonte: http://frasesdofilosofo.blogspot.com/2013/01/frases-do-filosofo-roger-bacon.html. Bacon propunha, para isso, o método indutivo: O método de conhecimento científico deve seguir a ordem de pesquisa iniciada pela observação da natureza, depois o observador deve levantar hipóteses para entender o fenômeno da natureza e por último deve buscar comprovar suas hipóteses através da experimentação. O processo observação, hipótese e experimentação não têm fim e é aplicado em cadeia de acontecimentos que se relacionam e criam o conhecimento científico. A verdade da ciência se baseia na repetição dos fenômenos observados e para que isso possa ser feito todo o processo tem que ser detalhadamente descrito. A verdade científica vai surgir através do trabalho de muitas pessoas e vai levar o tempo que esse trabalho demorar. Os erros anteriores serão eliminados pelas pesquisas posteriores e assim a ciência alcança seu progresso. (SÓ FILOSOFIA, 2020). Figura 8. guilherme de Ockham. “Não se deve recorrer à pluralidade sem necessidade.” Guilherme de Ockham Fonte: https://www.slideshare.net/nilodemetrio/guilherme-de-ockham-62356631. 35 O DEBATE MODERnO nAS CIÊnCIAS • CAPÍTULO 3 Ockham já defende que o todo é formado pela soma de diversos conhecimentos que não têm necessariamente ligação entre si. E as diferentes partes isoladas e eventuais é que são o objeto da ciência: A prioridade que o autor dá ao indivíduo faz com que também tenha prioridade a experiência e é nela que ele coloca a base do conhecimento, que pode ser intuitivo ou abstrativo. O conhecimento intuitivo é que vai demonstrar se algo existe concretamente. A compreensão intuitiva da realidade do mundo é o que origina todos os outros entendimentos que o conhecimento nos possibilita, é nele que inicia todo conhecimento experimental.No conhecimento intuitivo não existem intermediários entre o objeto conhecido e o indivíduo que vai conhecer esse objeto. O conhecimento abstrativo é a totalização, a soma dos diversos conhecimentos intuitivos individuais e não necessita para sua formulação da existência concreta do objeto do conhecimento. (SÓ FILOSOFIA, 2020). Figura 9. Scotus. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/subtle-doctor-vintage-engraved-illustration- magasin-444244654. Scotus afirma que se deve considerar a essência, a individualidade do ser: Um homem possui várias formas, como a humanidade, a animalidade, a racionalidade etc., e, por fim, possui uma forma que lhe é única, que lhe permite ser distinto, ser ele mesmo. Esta é a distinção formal a parte rei (à parte da coisa), à qual Scotus dá o nome de haecceitas, a “estidade” do ente, a qualidade dele ser “esta coisa” (haec res) e não ser outra, ou seja, a sua individualidade. (SÓ FILOSOFIA, 2020). 36 CAPÍTULO 3 • O DEBATE MODERnO nAS CIÊnCIAS 3.2. Pensadores e debates do Renascimento e Modernidade Quando estudamos a evolução do conhecimento na Idade Moderna, devemos compreender que se trata do período histórico em que as monarquias europeias se constituíram e se fortaleceram, ampliando o seu poder para os cinco continentes do mundo em função das grandes navegações iniciadas no século XV. Esse período foi chamado de Renascimento por defender causas como humanismo e racionalismo, contrapondo-se aos ideais cristãos. E isso se deve ao fato de que, à revelia das teorias que tenham surgido desde a Antiguidade até o início do Renascimento, todas reconhecem que o homem precisa conhecer sua realidade. São grandes as transformações preconizadas pelo Renascimento, entre elas: 1. a dissociação de fé e razão, que vai impulsionar o desenvolvimento do método científico no estudo de ciências naturais; 2. o antropocentrismo, em contraponto ao teocentrismo, o qual determina a razão humana como fundamento do saber; 3. a ênfase no saber ativo, contrapondo-se ao saber contemplativo, o qual possibilita a verificação das mudanças da natureza e o desenvolvimento das técnicas de observação e experimentação. No tocante às mudanças, adotam uma nova forma de se abordar a busca por conhecimento. Além de se refletir sobre o objeto de pesquisa, aquele que se quer conhecer, questiona-se ainda sobre o sujeito do conhecimento, o sujeito-pesquisador. Até onde se pode aferir acertos e erros? Que métodos podem ser utilizados para garantir os resultados obtidos? Como garantir que esse conhecimento é verdadeiro? Toda essa mudança na forma de ver o mundo traz implicações claras para a forma de se fazer ciência. Desvincula-se, assim, a razão da fé; o divino do humano; o geocentrismo do heliocentrismo... Incorpora-se, então, uma visão moderna do mundo em que a ciência se faz a partir de fatos observáveis. Atenção Método dedutivo: parte de um princípio geral, um axioma fundamental, aceito sem crítica e, possivelmente, fundamentado na fé ou na necessidade. Tal princípio pode ser Deus ou qualquer fenômeno ordenador da realidade que, dada sua universalidade, termina por determinar todos os fenômenos que lhe são intrínsecos. Assim, a função do pesquisador seria a de realizar uma descida gradativa desde os cumes daquele princípio universal até os fenômenos mais singulares, encontrando as razões que estabeleceriam a concordância entre o singular e o universal. Método indutivo: faz o caminho contrário. Sai das sensações e das coisas particulares, de observações específicas, para encontrar leis intermediárias, que, combinadas, podem gerar leis cada vez mais gerais, axiomas gerais, ascendendo contínua e gradativamente, até alcançar os princípios de máxima generalidade. Tal axioma geral deve, uma vez verificado mediante prova ou exame, corresponder aos fatos particulares dos quais foi extraído. 37 O DEBATE MODERnO nAS CIÊnCIAS • CAPÍTULO 3 Copérnico apresenta sua teoria heliocêntrica. Em seguida, Johannes Kepler nos traz suas leis sobre as órbitas dos planetas. Já Galileu Galilei nos brinda com suas leis sobre a queda dos corpos em sua teoria gravitacional e indica que o tamanho do universo seria bem maior que a expectativa daquele momento. Assim, eles trazem cada um a seu modo, contribuições fundamentais para os avanços dos saberes sobre a Física, a Matemática e a Filosofia, os quais foram sintetizados por Isaac Newton numa perspectiva moderna do mundo. Figura 10. nicolau Copérnico. Nic “Assim, uma vez que nada impede que a terra se mova, sugiro que devemos considerar também se adequar várias moções, de modo que ela pode ser considerada como um dos planetas. Pois, não é o centro de todas as revoluções.” “A ciência é filha da verdade e não da autoridade.” Fonte: http://blogdoeliomar.com.br/2013/05/24/ha-470-anos-morria-o-astronomo-matematico-jurista-e-medico-nicolau- copernico/. Essa maneira de enxergar o mundo com o olhar da modernidade configura-se como uma interpretação do universo que se baseia na Geometria, na Matemática e na Física. Galileu dizia que o mundo era um livro escrito em linguagem matemática e em caracteres geométricos. Descartes e Bacon passam nesse momento a valorizar o conhecimento baseado nessas disciplinas, refletindo sobre os seus resultados. Figura 11. galileu galilei. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:F%C3%A9lix_Parra_-_Galileo_Demonstrating_the_New_Astronomical_ Theories_at_the_University_of_Padua_-_Google_Art_Project.jpg. 38 CAPÍTULO 3 • O DEBATE MODERnO nAS CIÊnCIAS Percebeu que, desde o final da Idade Média, nascia uma nova forma de pensar e de ver o mundo? Os pensadores, como Galileu Galilei, passaram a criar instrumentos que os ajudassem a ver o mundo e o universo! Não é fantástico esse poder criador do ser humano? Que limites podem impor a uma mente criativa e inovadora? Eles, nesse momento, passam de uma postura contemplativa, observadora, passiva a uma postura investigativa, ativa e transformadora. Dominar os conhecimentos da matemática, da geometria e das leis naturais contribui para essa evolução... Dentre os grandes pensadores desse período, destaca-se Francis Bacon que inst i tuiu e disc ipl inou as prát icas invest igat ivas dos c ient is tas dos séculos XVII , XVIII e XIX. Foi e le quem pr imeiro esboçou uma metodologia racional para a pesquisa cientí f ica. Em seus estudos, preocupa-se pr incipalmente da m e t o d o l o g i a c i e n t í f i c a e d o e m p i r i s m o, s e n d o p o r i s s o c o n s i d e r a d o c o m o fundador da ciência moder na. Figura 12. O empirismo inglês. O Empirismo inglês David Hume Thomas Hobbes Francis Bacon John Locke (pai do liberalismo e do empirismo) George Berkeley Fonte: https://cursoenemgratuito.com.br/francis-bacon/. Francis Bacon elaborou a teoria dos ídolos, responsáveis pelos erros que se cometia ao fazer ciência. Identificou quatro diferentes ídolos que impediam, segundo ele, o homem de chegar à verdade: ídolos da tribo (inerentes à natureza humana que tende a generalizar, omitindo o que contraria o que é visível de forma geral); ídolos da caverna (preconceitos que resultam da própria educação e da pressão dos costumes); ídolos da vida pública (aqueles que se relacionam à tirania das palavras); ídolos do teatro (advindos da subordinação à autoridade). 39 O DEBATE MODERnO nAS CIÊnCIAS • CAPÍTULO 3 Sobre o método baconiano, “o conhecimento verdadeiro é resultado da concordância e da variação dos fenômenos que, se devidamente observados, apresentam a causa real dos fenômenos.” (SÓ FILOSOFIA, 2020). Essa proposição foi o ponto de partida do método científico que será mais bem desenvolvido por René Descartes, um século depois, ao indicar os passos para que se produza o conhecimento científico, que foi chamado de Método Experimental-dedutivo ou Cartesiano. No final do século XVI, havia uma onda de ceticismo em que as pessoas perdiama fé nas explicações dadas pelo cristianismo. Descartes vem resgatar os pressupostos humanistas, salientando a possibilidade de se alcançar o conhecimento e chegar a verdades cientificamente comprováveis. Para isso, Descartes propõem uma ação sistemática, metódica, baseada em um percurso que tinha na dúvida o princípio do trabalho científico. Nesse contexto, a dúvida é vislumbrada como imperfeição, enquanto o conhecimento é esclarecedor. Descartes propõe que se duvide de tudo, das coisas, do mundo, até do próprio corpo com o qual se percebe o mundo. Tornou-se famoso pela frase “Penso, logo existo ou duvido, logo existo”, em que salienta a importância do pensamento racional. Essa afirmação é crucial para a compreensão plena da filosofia moderna, tendo em vista que traduz a instalação da razão como portadora da capacidade de conhecimento humano, motivo essencial de sua existência. Figura 13. René Descartes. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Frans_Hals_-_Portret_van_Ren%C3%A9_Descartes_(cropped).jpg. Veja como é interessante a diferença do pensamento moderno em relação à filosofia contemplativa da Idade Média? Evidencia-se a presunção de que o racionalismo trará as respostas ao homem, baseado em fatos, dados matemáticos, experimentações. 40 CAPÍTULO 3 • O DEBATE MODERnO nAS CIÊnCIAS Em seu discurso sobre o método, Descartes compara o mundo a um relógio e isso já nos indica o caminho tomado a partir de então: o mecanicismo, em que o mundo funciona como uma máquina e nós devemos compreender como opera essa máquina e como podemos dominá-la a partir do conhecimento das leis gerais que a regem. Como se faz com uma máquina, é preciso dividir o todo em suas partes, classificando-as e reconhecendo as relações que se estabelecem entre cada uma delas. Até o final do século XIX, prevalecem como resposta a essa visão o mecanicismo e o materialismo. Conhecer significa, então, analisar cada uma das partes que constituem essa máquina, separando-as para observar como esse todo se constitui. Resumidamente, os cientistas que representam de forma significativa o Renascimento Científico foram: Tabela 2. O renascimento científico. Cientista Representação Nicolau Copérnico Astrônomo e matemático polaco, considerado o “Pai da Astronomia Moderna”, foi criador da Teoria Heliocêntrica (sol como centro do universo), na qual contradiz a Teoria geocêntrica medieval (adotada pela Igreja Católica), em que a Terra seria o centro do universo. Galileu Galilei Astrônomo, físico, matemático e filósofo italiano, foi defensor da Teoria Heliocêntrica de Copérnico, sendo considerado um dos fundadores da geometria moderna e da física. Além disso, aperfeiçoou o telescópio, inventou o microscópio com duas lentes e o compasso geométrico. Johannes Kepler Astrônomo, matemático e astrólogo alemão, aprofundou suas teorias sobre mecânica celeste inspiradas no modelo heliocêntrico, apresentando estudos sobre as eclipses lunar e solar. Andreas Vesalius Médico belga, considerado o “Pai da Anatomia Moderna”, foi um dos precursores dos estudos sobre anatomia e fisiologia, após dissecar corpos de humanos e escrever sua principal obra, um atlas de Anatomia Humana intitulado “Fábrica”. Para refletir A preocupação em compreender a natureza ocorre desde os primórdios da humanidade. Sociedades de épocas distintas elaboraram e adotaram determinadas ideias sobre a natureza, por isso, o conceito de natureza não é natural, mas inventado e instituído pelos seres humanos. A partir da ideia de natureza, os seres humanos estabelecem sua existência, constituída por práticas sociais, produtivas e simbólicas. Em nossa sociedade, a natureza foi definida em oposição à cultura. O ser humano entendido como ser de razão e possuidor de cultura passou a se perceber como ser superior, capaz de controlar e dominar a natureza. Este domínio implica o controle da inconstância e do imprevisível, ou melhor, significa para o ser humano dominar o natural em si próprio. Segundo Andery e outras autoras (1988:16-17), produzir ciência é uma tentativa de entender e explicar racionalmente a natureza, buscando leis gerais que regem os fenômenos e permitam uma atuação humana. Pelo caráter histórico da ciência, o próprio significado para entender e explicar o racional altera-se. Em determinado momento histórico podem existir diferentes interesses e necessidades, que conduzem a determinadas concepções de homem, de natureza, de conhecimento e desta forma, distintos métodos para conhecer. (Fonte: https://jondisonrodrigues.blogs.sapo.pt/10097.html). 41 O DEBATE MODERnO nAS CIÊnCIAS • CAPÍTULO 3 Cientista Representação Francis Bacon Filósofo, político e alquimista inglês, foi o criador do “Método Científico” (nova maneira de estudar a natureza), sistematizando o conhecimento humano, sendo considerado o fundador da “Ciência Moderna”. René Descartes Filósofo, físico e matemático francês, segundo seus estudos foi considerado o “Pai do Racionalismo e da Matemática Moderna” e ainda, o fundador da Filosofia Moderna. Sua obra mais representativa é o “Discurso sobre o Método”, tratado filosófico e matemático propondo as bases do racionalismo. Isaac Newton Filósofo, físico, matemático, astrônomo, alquimista e teólogo inglês, foi considerado o “Pai da Física e da Mecânica Modernas”, do qual desenvolveu diversos conhecimentos nas áreas da matemática, física e filosofia natural. Estudou o movimento dos corpos propondo as três “Leis de newton”. Leonardo da Vinci Inventor, matemático, engenheiro e artista italiano, foi considerado um dos mais proeminentes gênios do Renascimento e da história da humanidade. Avançou em diversos estudos sobre a anatomia humana, e inventou o paraquedas, a máquina de voar, o submarino, o tanque de guerra, dentre outros. Fonte: https://centrodemidias.am.gov.br/storage/lessons_content/19J1HIS0011.2.pdf. Sugestão de estudo O advento da ciência moderna: conhecimentos válidos para uma nova ordem. Disponível em: https:// jondisonrodrigues.blogs.sapo.pt/10097.html. Cultura, Religiosidade e Tecnologias na Modernidade Ocidental. Disponível em: https://centrodemidias.am.gov.br/ storage/lessons_content/19J1HIS0011.2.pdf. Saiba mais Para aprofundar mais sobre as características da ciência moderna, leia o pequeno texto “O Nascimento da Ciência Moderna”, de Me. Cláudio Fernandes: A Ciência Moderna, isto é, a ciência que conseguiu articular o método de observação e experimentação com o uso de instrumentos técnicos (sobretudo o telescópio e o microscópio), começou a se desenvolver, propriamente, na Europa do século XVI. O nascimento dessa ciência nova é tido por muitos historiadores como uma revolução, haja vista que no mundo antigo e no mundo medieval as investigações sobre fenômenos naturais (terrestres e celestes), organismos vivos, dentre outras coisas, não se valiam do uso da técnica e não concebiam o universo como algo composto de uma mesma matéria uniforme, suscetível à corrosão e à finitude. O universo, melhor dizendo, o mundo, para os antigos e medievais, era um sistema fechado, com estrutura muito bem definida e harmônica, grosso modo: um cosmos. Havia, segundo a terminologia aristotélica, o mundo sublunar (abaixo das esferas celestes e da Lua), isto é, terreno e finito – cheio de imperfeições, e o mundo supralunar, cujos corpos celestes não poderiam ter as mesmas imperfeições que os terrenos. Tal concepção foi absorvida pelos doutores da Igreja Católica em uma complexa e muito fértil combinação da doutrina da criação e investigação da natureza. Soma-se a essa combinação a perspectiva cosmológica desenvolvida por Ptolomeu, que concebia a Terra como sendo o centro desse cosmos harmônico. Com o chamado Renascimento Cultural, que se deu em várias regiões da Europa entre os séculos XIV e XVI, houve um intenso intercâmbio de conhecimento a respeito de antigos tratados sobre astronomia e física, bem como o aperfeiçoamento de instrumentos de navegação, como a luneta
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