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METODOLOGIA DO TRABALHO ACADEMICO

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QUESTAO 1
 Avalie as assertivas acerca do apresentado até então:
I. Atividades laborativas, ou mesmo de comunicação, necessitam de pensamento, preparação, descrição e razão.
II. A observação é uma forma de obtenção de conhecimento.
III. A observação permite produzir conhecimento.
É possível afirmar que está correta apenas: R: todas estão corretas
  
Questão 2. Acerca dos tipos de conhecimento, notadamente o filosófico e o teológico, indique a alternativa correta.
Resposta: O conhecimento religioso é impregnado de inspiração
Atividade 3
 
Leia as afirmativas e responda o solicitado. 
II. O senso comum pode ser alterado pelo desenvolvimento do processo científico, desde que tenha acesso a ele.
III. O desenvolvimento científico tem na curiosidade uma de suas molas propulsoras.
É possível afirmar que está correta apenas. R- II e III
Questão 4
 
Leia atentamente o texto a seguir.
Ela é uma dona de casa. Pega o dinheiro e vai à feira. Não se formou em coisa alguma. […]. Uma pessoa comum como milhares de outras. Vamos pensar como ela funciona, lá na feira, de barraca em barraca. Seu senso comum trabalha com problemas econômicos: como adequar os recursos de que dispõe, em dinheiro, às necessidades de sua família, em comida. E para isso ela tem de processar uma série de informações. Os alimentos oferecidos são classificados em indispensáveis, desejáveis e supérfluos. Os preços são comparados. A estação dos produtos é verificada: produtos fora da estação são mais caros. Seu senso econômico, por sua vez, está acoplado a outras ciências. Ciências humanas, por exemplo. Ela sabe que alimentos não são apenas alimentos. Sem nunca haver lido Veblen ou Lévi-Strauss, ela sabe do valor simbólico dos alimentos. Uma refeição é uma dádiva da dona de casa, um presente. Com a refeição ela diz algo. Oferecer chouriço para um marido de religião adventista, ou feijoada para uma sogra que tem úlceras, é romper claramente com uma política de coexistência pacífica. A escolha de alimentos, aqui, não é regulada apenas por fatores econômicos, mas por fatores simbólicos, sociais e políticos. Além disso, a economia e a política devem dar lugar ao estético: o gostoso, o cheiroso, o bonito. E para o dietético. Assim, ela junta o bom para comprar com o bom para dar, com o bom para ver, cheirar e comer, com o bom para viver. É senso comum? É. A dona de casa não trabalha com aqueles instrumentos que a ciência definiu como científicos. É comportamento ingênuo, simplista, pouco inteligente? De forma alguma.
Fonte: ALVES, R. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e a suas regras. 12. ed. São Paulo: Loyola, 2007, p. 13.
 
A respeito do texto de Alves, considere esta afirmativa:
Resposta
IV – O senso comum permite às pessoas agir e tomar decisões no cotidiano, mesmo que constitua um conhecimento não validado pela ciência.
Questão 5
 
Tendo o mito da caverna de Platão como fonte inspiradora, Maurício de Sousa criou esta sequência de tirinhas:
Ao perceber que os prisioneiros da caverna acreditam que o mundo é exatamente aquilo que as sombras e os ruídos revelam, Piteco: RESPOSTAS:
I – Demonstra perceber os limites dos prisioneiros em relação à percepção e à cognição (ao conhecimento) da realidade.
II – Diferencia-se dos prisioneiros: ele sabe que o mundo real contém muito mais do que as sombras e os ruídos que os prisioneiros percebem do mundo.
Questão 6
Do que foi apresentado nesta aula, é possível afirmar que:
I. A metodologia estuda o modo como as ciências se desenvolvem.
II. A curiosidade representa papel significativo para o desenvolvimento da ciência.
III. A ciência se apresenta como uma forma uniforme de achar alguma razão na observação dos fatos.
É possível afirmar que está correta apenas: R: TODAS ESTAO CORRETAS
 
QUESTAO 7
 
Quanto à escrita e produção de textos, avalie as proposições e responda o solicitado.
I. Ter boa letra da escrita à mão ajuda na comunicação e envolve escritor-leitor.
II. Mesmo com a informatização da escrita, a escolha da fonte correta para cada caso obedece à metodologia.
III. Produzir texto é algo que se conquista com exercício de leitura e escrita.
É correto o que se afirmar em: R: TODAS ESTAO CERTAS
 
QUESTAO 8 
Quanto às normas, avalie as assertivas propostas.
I. A ABNT é órgão encarregado da normatização técnica do país.
II. Regra geral, a vida cotidiana é dirigida por normas, regras.
É correto apenas o que se afirma em: I e II
QUESTAO 9 
Quanto aos recursos audiovisuais, avalie as assertivas e responda o solicitado.
I. Com o advento da informática, o uso de recursos audiovisuais por parte do aluno o auxilia na apresentação pela possibilidade de demonstrar ter domínio com recursos tecnológicos.
II. O uso de tabelas e gráficos facilita o escritor pois, por imagem e números, transmite a mesma mensagem do que o texto escrito.
III. Tabelas e gráficos, quando apresentados no corpo de um texto, falam por si só.
RESPOSTAS : TODAS ESTAO INCORRETAS
QUESTAO 10
Leia atentamente o texto a seguir.
 
O que acontece quando uma imagem microscópica produzida em laboratório não corresponde à tese que o pesquisador pretende provar? A resposta correta é: diante de novos fatos, o cientista deve repetir as experiências e, se necessário, revisar sua teoria. Acontece que, em milhares de diferentes situações, os pesquisadores simplesmente adulteram as imagens. É um método mais difícil de identificar do que o plágio textual, e tem efeitos especialmente danosos sobre a qualidade da produção acadêmica.
Mas como identificar fraudes em imagens? A pesquisadora holandesa Elisabeth Bik encontrou sua vocação precisamente nesse setor. Foi um longo caminho até ela descobrir que tinha jeito para detetive de imagens. Em sua graduação, ela se especializou em microbiologia e, no início dos anos 1990, estudou o bacilo da cólera que devastou a Índia e Bangladesh para sua tese de PhD pela Universidade de Utrecht, na Holanda. Em 2001, mudou-se com o marido para a Califórnia, onde vive desde então.
Foi só há cinco anos, já na casa dos 40, que Elisabeth descobriu que tem um talento incomum para localizar duplicações e inserções inadequadas. Desde então, já localizou mais de 1.300 artigos com indícios de fraude, identificados depois de mais de 5 mil horas de pesquisas – outras 700 pesquisas contêm duplicações, mas há sinais de que elas foram involuntárias, acidentais. Ex-diretora da companhia médica especializada Astarte, na Califórnia, e ex-pesquisadora do Departamento de Microbiologia e Imunologia da Universidade de Stanford, ela recentemente se tornou uma consultora independente.
Assumiu então, em tempo integral, a tarefa que no início era um hobby, e agora fez dela uma celebridade respeitada e temida, a de especialista em investigar casos de manipulação em imagens de pesquisas em microbiologia. E ela o faz de forma artesanal, observando artigos atentamente, por horas. Quando localiza um primeiro sinal de manipulação em alguma imagem, mergulha no paper em busca de outros indícios.
Sobre esse texto, considere as seguintes afirmativas:
III – Elisabeth Bik parte da manipulação de imagens em artigos para encontrar outras evidências de práticas acadêmicas ilícitas na produção de artigos acadêmicos.
Está correto apenas o que se afirmar em: R: III
Questão 11
 
Leia atentamente o texto a seguir.
Pesquisa inédita realizada com alunos de graduação e pós-graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostra que 87% deles chegaram à universidade sem ter noção exata do que é plágio e sem saber ao certo o que configura uma citação ou uma cópia de conteúdo em um trabalho acadêmico. Os resultados do levantamento serão apresentados nesta segunda-feira (29) à tarde.
O levantamento, “Estudo para o desenvolvimento de uma política de integridade acadêmica para a Unicamp”, foi realizado em agosto e setembro deste ano, por meio de um questionário on-line, seguido de entrevistas com amostras de estudantes. Ao todo, 958 estudantes de graduação (35%) e de pós-graduação (65%), de todas as áreas do conhecimento, responderam às questões. O trabalhofoi realizado pela consultoria acadêmica Data 14, em parceria com a empresa de software educacional Turnitin.
A pesquisa mostrou, por exemplo, que a maioria dos alunos (98,4%) considera que copiar trechos de trabalhos é algo grave ou gravíssimo. No entanto, apenas uma minoria (4,5%) acredita que o plágio seja sempre intencional. Além disso, o levantamento aponta que 36,7% dos alunos admitem já ter copiado trechos de textos sem fazer a devida citação. E oito em cada dez alunos ouvidos afirmam que ações educativas podem prevenir que alunos cometam plágio. […]
Segundo [Munir] Skaf, a Unicamp sozinha é responsável pela publicação de cerca de 4 mil artigos científicos por ano – daí a preocupação da reitoria de evitar que eles sejam questionados por supostos plágios. “Quando surge uma denúncia ou constatação de má conduta, o dano à universidade é muito grande. Por isso, é preciso que a gente estabeleça políticas bem específicas para acatar essas denúncias e mecanismos para apurá-las”, explica.
Com os resultados da pesquisa, a Unicamp pretende reunir os dados e elaborar uma política de integridade acadêmica, com normas e regras a serem seguidas para evitar casos de má conduta e, consequentemente, de fraude. Também serão estabelecidas as punições, caso a má conduta aconteça – algo inédito nas universidades brasileiras e seguindo o exemplo do que já acontece nas melhores universidades do mundo.
Sobre esse texto, considere as seguintes afirmativas:
II – Para os alunos da Unicamp, a prática de plágio pode diminuir desde que ações educativas aumentem o conhecimento dos alunos a respeito dessas práticas.
Está correto apenas o que se afirmar em: R: II
Questão 12
Leia as assertivas e responda o solicitado.
I. O desenvolvimento de um texto acadêmico é apresentado na forma de capítulos ou quebrado em seções, itens ou subitens.
II. Introdução e Conclusão, ou Considerações Finais, são, normalmente, as últimas partes a serem escritas.
III. O resumo é a paráfrase por excelência, onde o texto é de total pensamento do autor-escritor.
É correto apenas o que se afirmar em: R: I, II, III
METODOLOGIA DO TRABALHO ACADEMICO
Podemos dizer que conhecer é ter noção de algo. Assim, o conhecimento tem início com a informação sobre determinado assunto ou situação. Podemos dizer também que o conhecimento se inicia pelo vivenciar, pela curiosidade. Ele tem origem, desse modo, na curiosidade, na vontade de ir além do que se sabe, do que se está vendo ou daquilo com o que se está tomando contato. Trata-se de desvendar, decifrar, decodificar. Segundo Matallo Jr. (2000, p. 13),a preocupação com o conhecimento não é nova. Praticamente todos os povos da Antiguidade desenvolveram formas diversas de saber. Entre os egípcios a trigonometria, entre os romanos a hidráulica, entre os gregos a geometria, a mecânica, a lógica, a astronomia e a acústica, entre os indianos e muçulmanos a matemática e a astronomia, e entre todos se consolidou um conhecimento ligado à fabricação de artefatos de guerra. As imposições derivadas das necessidades práticas da existência foram sempre a força propulsora da busca dessas formas de saber.
 O conhecimento começa a ser obtido a partir da leitura, da convivência com amigos, da escola e dos grupos sociais dos quais fazemos parte. A observação, os sentidos, o raciocínio, a tradição e, por que não dizer, a família também são fontes de conhecimento. Nossas relações sociais são ainda uma excelente fonte de informação (por exemplo, o convívio familiar, afetivo, nas relações de trabalho, nos bancos escolares, nos bate-papos informais com amigos).
 
Todas essas opções podem ser consideradas fontes de conhecimento e estão associadas a diferentes formas de pensar, agir e explorar ideias e assuntos.
 
1.1 Conhecimento comum
 
De acordo com Santos (1989), o conhecimento comum é elaborado a partir das nossas opiniões e daquilo que os nossos sentidos captam, não estando sujeito a qualquer tipo de crítica ou verificação. Quando alguém diz: “Acho que vai chover”, não há nesse enunciado qualquer força de verdade, qualquer compromisso com a verdade. Quando alguém diz: “Aquela estrada parece perigosa”, tampouco há nessa fala qualquer indício de certeza; aliás, o que é perigoso para mim, pode não o ser para outra pessoa. Em contrapartida, a ciência busca romper com o distanciamento entre o que é dito e a realidade à qual o dito se refere. Como afirma Santos (1989, p. 35), “o abandono dos conhecimentos do senso comum é um sacrifício difícil. A observação científica é sempre uma observação polêmica e, por isso, a teoria [é construída] contra um conhecimento anterior”.
Vejamos: para desconstruir a afirmação “Acho que vai chover”, um cientista pode apresentar o histórico de precipitações pluviais nos últimos dias, ou no mesmo período em anos passados; caso os dados mostrem uma probabilidade grande de ocorrência de chuva, ele poderá dizer: “Há X% de probabilidade de chover no dia de hoje”, ou “Há Y% de probabilidade de não chover no dia de hoje”. É possível perceber, portanto, a diferença entre afirmar que vai chover e prever chuva dentro de determinados parâmetros de probabilidade: a primeira afirmação é usual no contexto do senso comum; a segunda, no contexto do mundo científico.
Podemos realizar o mesmo procedimento em relação ao enunciado sobre o perigo da estrada. Um cientista partiria, inicialmente, da definição de perigo: o que representa perigo na estrada? Número de acidentes fatais? Número de desabamentos? Em qualquer dos dois casos, bastariam os dados de ocorrência de acidentes na estrada para confirmar ou negar a afirmação realizada no âmbito do senso comum. Aliás, essa afirmação poderia ser negada se associássemos perigo a outra variável: teríamos então uma situação em que, caso perigo fosse representado por número de acidentes fatais, seria possível afirmarmos ser a estrada perigosa; caso perigo significasse número de curvas acentuadas, poderíamos negar ser a estrada perigosa. Marconi e Lakatos (2003, p. 76) confirmam essa abordagem com outro exemplo:
 
Saber que determinada planta necessita de uma quantidade X de água e que, se não a receber de forma “natural”, deverá ser irrigada pode ser um conhecimento verdadeiro e comprovável, mas nem por isso científico. Para que isso ocorra, é necessário ir mais além: conhecer a natureza dos vegetais, sua composição, seu ciclo de desenvolvimento e as particularidades que distinguem uma espécie de outra.
Segundo Santos (2008), o senso comum é, essencialmente, um saber prático, que é gerado no fazer e que necessita ser pragmático. Ele serve para que possamos dar sentido às situações que não são apresentadas a todo momento e agir diante delas. Assim, ele resulta das experiências da comunidade – ou dos grupos sociais –, que lhe dão corpo e significado. Europeus e brasileiros têm opiniões diferentes a respeito da educação dos filhos. No Brasil, os hábitos e costumes diferem de estado para estado, de cidade para cidade. Em consequência, o senso comum não é universal, e depende das condições sociais e históricas de cada grupo social.
O senso comum é superficial. É a consciência diante dos objetos da natureza que faz com que ele seja constituído. O senso comum não se preocupa em teorizar ou apresentar provas que o ratifiquem. Agimos no dia a dia sem qualquer compromisso com a teoria, apenas guiados pelos nossos instintos e por esse saber prático que nos diz o que fazer e como fazer. Assim, o senso comum não é resultado de qualquer procedimento sistemático ou metódico. Santos (2008, p. 90) afirma:
 
O senso comum é indisciplinar e metódico; não resulta de uma prática especificamente orientada para o produzir; reproduz-se espontaneamente no suceder quotidiano da vida. O senso comum aceita o que existe tal como existe; privilegia a ação que não produza rupturas significativas no real.
 
Ao afirmar que o senso comum é produzido e reproduzido espontaneamente, Santos está dizendo que esse é um saber que não é produzido de modo intencional. Quando receitamos determinado chá para alguém queestá resfriado, de forma alguma o fazemos com base em evidências empíricas, tampouco por termos a intenção de testar se esse chá tem algum efeito curativo. Sugerimos o chá por acreditarmos que essa é uma atitude correta, não nos interessando, de maneira nenhuma, excluir algum tratamento medicamentoso. Não temos qualquer intenção de convencer alguém a fazer o mesmo em situações similares; aliás, nem sequer podemos provar qualquer efeito benéfico do chá. Tampouco pretendemos afirmar que a ingestão do chá pode gerar melhores resultados do que a ingestão de um medicamento à base de paracetamol.
Senso comum
 
Parece razoável, então, considerarmos o que Marconi e Lakatos (2003, p. 76) propõem com base em Mario Bunge (1919), físico argentino:
 
Se excluímos o conhecimento mítico (raios e trovões como manifestações de desagrado da divindade pelos comportamentos individuais ou sociais), verificamos que tanto o “bom senso” quanto a ciência almejam ser racionais e objetivos: “são críticos e aspiram à coerência (racionalidade) e procuram adaptar-se aos fatos em vez de permitir-se especulações sem controle (objetividade)”. Entretanto, o ideal de racionalidade, compreendido como uma sistematização coerente de enunciados fundamentados e passíveis de verificação, é obtido muito mais por intermédio de teorias, que constituem o núcleo da ciência, do que pelo conhecimento comum, entendido como acumulação de partes ou “peças” de informação frouxamente vinculadas. Por sua vez, o ideal de objetividade, isto é, a construção de imagens da realidade, verdadeiras e impessoais, não pode ser alcançado se não ultrapassar os estreitos limites da vida cotidiana, assim como da experiência particular.
 
Exemplo de aplicação
 
Há muita controvérsia, tanto na comunidade científica quanto na civil, a respeito das teorias sobre o aquecimento global. Alguns grupos dizem que não há qualquer evidência de aquecimento na temperatura do globo; ao contrário, afirmam existir sinais de esfriamento. Os que acreditam na elevação da temperatura estão divididos em dois grupos. O primeiro diz que há aquecimento global, mas que a atividade humana não tem qualquer participação nesse processo; para estes, o efeito estufa seria um fenômeno natural, que independeria da ação humana. O segundo diz que o aquecimento global, um fenômeno natural, tem sido potencializado e intensificado pela ação humana; para estes, são fundamentais ações que limitem a atividade predatória sobre a natureza e que assegurem a sustentabilidade da vida no nosso planeta.
Como há opiniões contrárias e inúmeros interesses políticos em jogo, a mídia, em geral, emite sinais confusos a respeito do tema. O artigo “A Terra ‘quente’ na imprensa: confiabilidade de notícias sobre aquecimento global”, de Celso Dal Ré Carneiro e João Cláudio Toniolo (2012), analisa esse cenário. Com base nele, propomos uma pergunta: quanto da opinião que você tem a respeito do aquecimento global pode ser ratificada por explicações científicas?
 
Partindo do princípio de que há perceptível diferença entre as expressões “eu acho que” e “eu sei que”, o conhecimento vulgar – comum ou popular – é aquele que as pessoas adquirem em seu cotidiano, por meio de experiências vivenciadas ou da simples observação de fenômenos do dia a dia. Por não ter preocupação com explicações científicas, ou ditas corretas, o senso comum é, na maioria das situações, limitado, incoerente e impreciso (MARTINS; THEÓPHILO, 2009), e está no nível da opinião, pois esta pode ser emitida por qualquer sujeito a partir de informações previamente armazenadas, tomadas de modo corriqueiro ou simplesmente pelo hábito de emitir opiniões sem que haja argumentação passível de comprovação (MATALLO JR., 2000). Assim,
 
o senso comum é um conjunto de informações não sistematizadas que aprendemos por processos formais, informais e, às vezes, inconscientes, e que inclui um conjunto de valorações. São informações fragmentárias e podem incluir fatos históricos verdadeiros, doutrinas religiosas, lendas ou partes delas, princípios ideológicos às vezes conflitantes, informações científicas popularizadas pelos meios de comunicação de massa, bem como a experiência pessoal acumulada (MATALLO JR., 2000, p. 18).
 
Caso não seja colocado a dialogar com o conhecimento científico, o senso comum torna-se conservador. Se na ciência moderna o grande salto qualitativo do saber se dá por meio da passagem do senso comum para o conhecimento científico, na ciência pós-moderna o salto é outro: trata-se de transformar o conhecimento científico em senso comum. “O conhecimento científico pós-moderno só se realiza enquanto tal na medida em que se converte em senso comum.” Em outras palavras, a ciência pós-moderna, “ao sensocomunizar-se, não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende que, tal como o conhecimento se deve traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida” (SANTOS, 2008, p. 90-91). No quadro a seguir, apresentamos as formas de representação a partir das quais o senso comum se manifesta.
 
Quadro 1 – Principais características do conhecimento comum e respectivas formas de representação
· Valorativo e sensitivo	baseado em crenças, valores, emoções e hábitos.
· Reflexivo, não conclusivo não pode ser tomado como verdadeiro nem representa formulações gerais.
· Reflexivo, não conclusivo não pode ser tomado como verdadeiro nem representa formulações gerais.
· Verificável e qualitativo limita-se aos acontecimentos do cotidiano, ao que se percebe no dia a dia, codificando objetos como grandes ou pequenos, doces ou azedos, pesados ou leves, novos ou velhos, belos ou feios
· Falível e inexato conforma-se com a aparência e com o que se ouviu dizer a respeito do objeto. Não permite formular hipóteses.
· Superficial conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode comprovar simplesmente estando junto das coisas (“porque vi”, “porque senti”, “porque disseram”, “porque todo mundo diz”).
 Fonte: Marconi e Lakatos (2003, p. 77).
 
 1.2 Conhecimento teológico e conhecimento filosófico
O conhecimento humano desenvolveu-se a partir da investigação da natureza por parte do homem, desejoso de interpretá-la, entendê-la e, quem sabe, dominá-la. Afinal, o homem não vive isolado. Vive no concreto, cercado pelas circunstâncias. O ser irracional não reage diante da natureza, submete-se. O ser racional coloca-se diante da natureza assumindo uma atitude de reação. Por sua capacidade intelectual, alia-se ao que o rodeia e cria coisas novas, lapida sua consciência, domina a natureza. Vivendo dentro de uma realidade que o condiciona, o humano se constrói. O que é aparentemente negativo traz riquezas. Por interpretar o que o rodeia, o que lhe possibilita o crescimento, o humano manipula as circunstâncias, transformando-as, adaptando-as, modificando-as em vista do seu crescimento. Assim, de produto do meio ele passa a ser o recriador da natureza (BASTOS; KELLER, 2000, p. 54-55).
 Com isso, percebe-se claramente certa interdependência entre o homem e a natureza,
 O homem os utiliza dependendo daquilo que quer conhecer, ou conforme sua percepção da realidade. Vejamos cada um deles.
 
1.2.1 Conhecimento teológico
 
A teologia é o estudo da natureza do divino, dos atributos do divino e das relações entre o homem e o divino. Em geral, está associada à cristandade, mas pode aplicar-se a qualquer religião. Assim, podemos falar de uma teologia cristã da mesma forma que de uma teologia judaica ou uma teologia budista. Segundo Stigar, Torres e Ruthes (2014, p. 143), a teologia problematiza o fenômeno religioso, analisa o caráter histórico do tema da construção do humano – dos valores, do sagrado e do discurso teológico – a partir de uma fundamentação baseada nos referenciais teóricos do dogma e da fé (vínculo do homem com o sagrado ou transcendente).
 
Nas universidades, e em alguns cursos, a teologia é dada como uma disciplina acadêmica, vinculada ou não a outras disciplinas. Ela é parte fundamentaldos cursos de Filosofia e Ciências da Religião e, em geral, costuma provocar polêmicas, por causa de seu tema, história, relação com outras disciplinas sobre questões religiosas e por causa da natureza das universidades que lhe dão suporte. A teologia acadêmica se distingue de teologia em geral, principalmente por sua relação com as várias disciplinas da academia.
OBSERVAÇÃO
Do ponto de vista histórico, a teologia já foi chamada de metafísica, o que justifica o fato de ela ser considerada também uma área da filosofia. Resultado da fé humana na existência de forças sobrenaturais, consideradas criadoras do universo, o conhecimento teológico, ou religioso, surge com as revelações do mistério, do oculto, por alguma manifestação divina, sagrada. Essas revelações são transmitidas por alguém, por uma tradição ou por escritos também tidos como sagrados (MARTINS; THEÓPHILO, 2009), e que, portanto, devem ser adorados e obedecidos. Conforme Demo (1985, p. 20), quando na Bíblia se montou uma história da criação do mundo e do surgimento do mal, não se pensou em fazer uma alegoria, um conto interessante ou qualquer outra coisa, mas certamente em dar uma explicação de como começou o mundo, o homem e o mal.
OBSERVAÇÃO
Os teólogos partem do pressuposto de que há um ser divino que pode ser estudado por meio das manifestações mentais, religiosas ou sociais que suas representações provocam. O mundo, a natureza, os homens, o bem e o mal foram criados por esse ser, e estudá-lo significa compreender os textos sagrados, representados, no caso do cristianismo, pela Bíblia.
 
A teologia, embora possa questionar dados ou interpretações comunicadas pela tradição, não questiona a tradição em si. Ela admite, como premissa de sua reflexão, ser a tradição uma doadora de sentido consistente. Isto é, a tradição representa uma fonte com chance de ser verdadeira por remontar a um conjunto coerente de testemunhas referenciais, por sua vez conectadas a uma origem ontológica presumida (STIGAR; TORRES; RUTHES, 2014, p. 142).
OBSERVAÇÃO
De forma genérica, os teólogos estudam as manifestações religiosas a partir da própria fé, ou seja, considerando a sua própria religião como parâmetro para entender as outras. Ainda, o teólogo busca distanciar-se de toda e qualquer descrença pessoal que tenha em relação à existência do divino ou à espiritualidade. Ao estudar a religião à qual pertence ou ao estudar outras religiões, ele deve, portanto, assumir-se como crente e como alguém que tem fé na criação do mundo por um ser superior, ser esse que possui atributos divinos. Por isso, em muitas ocasiões, a teologia é associada ao pensamento religioso ou à filosofia religiosa.
No entanto, há que diferenciar teologia e religião. Em outras palavras, distinguir o pensamento teológico do religioso, e distinguir a teologia da ciência da religião. O pensamento religioso diz respeito a uma religião específica. Em contrapartida, a ciência da religião procura estudar a religião a partir do ponto de vista da ciência. Assim, para empreender um estudo científico sobre a religião, não é requisito acreditar na existência de um ser divino. Estudam-se quais motivos levam as pessoas a entender o mundo a partir de determinados pressupostos religiosos.
 
1.2.2 Conhecimento filosófico
 
Antes do surgimento da filosofia, o ser humano, já em busca de explicações a respeito do mundo que o cercava, interpretava a realidade a partir de elaborações míticas, ou seja, elaborações mágicas que tinham força de verdade pela sistematicidade com que eram utilizadas e pela autoridade das vozes que as declaravam. A repetição e a memória estabeleciam os critérios de verdade, independentemente do quanto essa narrativa aderia à realidade. O historiador e antropólogo francês Jean-Pierre Vernant (1914-2007), no livro O universo, os deuses, os homens, resgata parte da tradição mítica que buscou compreender o mundo com base nas forças divinas e nas relações entre essas forças. Como costumava fazer ao contar essas histórias aos seus netos, ele nos traz uma interpretação da origem do mundo extremamente interessante a partir das narrativas mitológicas gregas.
 
O universo, os deuses, os homens
 
O que havia quando ainda não havia coisa alguma, quando não havia nada? A essa pergunta os gregos responderam com histórias e mitos.
No início de tudo, o que primeiro existiu foi o Abismo: os gregos dizem Kháos. O que é o Caos? É um vazio, um vazio escuro onde não se distingue nada. Espaço de queda, vertigem e confusão, sem fim, sem fundo. Somos apanhados por esse Abismo como por uma boca imensa e aberta que tudo tragasse numa mesma noite indistinta. Portanto, na origem há apenas esse Caos, abismo cego, noturno, ilimitado.
Depois apareceu Terra. Os gregos dizem Gaîa, Gaia. Foi no próprio seio do Caos que surgiu a Terra. Portanto, nasceu depois de Caos e representa, em certos aspectos, seu contrário. A Terra não é mais esse espaço de queda escuro, ilimitado, indefinido. A Terra possui uma forma distinta, separada, precisa. À confusão e à tenebrosa indistinção de Caos opõem-se a nitidez, a firmeza e a estabilidade de Gaia. Na Terra tudo é desenhado, tudo é visível e sólido. É possível definir Gaia como o lugar onde os deuses, os homens e os bichos podem andar com segurança. Ela é o chão do mundo. […]
Nascido do vasto Abismo, o mundo agora tem um chão. De um lado, esse chão se eleva bem alto, na forma de montanhas; de outro, desce bem baixo, na forma de subterrâneo. Essa subterra se prolonga infinitamente, e assim, de certa forma, o que existe na base de Gaia, sob o solo firme e sólido, é sempre o Abismo, o Caos. A Terra, que surgiu do Abismo, liga-se a ele em suas profundezas. Esse Caos evoca para os gregos uma espécie de névoa opaca onde todas as fronteiras perdem nitidez. No mais profundo da Terra encontra-se esse aspecto caótico original.
Embora a Terra seja bem visível, tenha uma forma recortada, e tudo o que dela nascer também terá limites e fronteiras distintas, nem por isso ela deixa de ser, em suas profundezas, semelhante ao Abismo. Ela é a Terra negra. Os adjetivos que a definem nos relatos são similares aos que se referem ao Abismo. A Terra negra se estende entre o baixo e o alto; entre, de um lado, a escuridão e o enraizamento no Abismo, representado em suas profundezas, e, de outro, as montanhas encimadas de neve que ela projeta para o céu, montanhas luminosas cujos picos mais altos atingem a zona celeste continuamente inundada de luz.
A Terra constitui a base dessa morada que é o cosmo, mas não tem só essa função. Ela engendra e alimenta todas as coisas, salvo certas entidades […] [saídas do Caos]. Gaia é a mãe universal. Florestas, montanhas, grutas subterrâneas, ondas do mar, vasto céu, é sempre de Gaia, a Mãe-Terra, que eles nascem. Portanto, primeiro houve o Caos, imensa boca em forma de abismo escuro, sem limites, mas que num segundo tempo abriu-se para um chão sólido: a Terra. Esta se lança para o alto e desce às profundezas.
[Por meio de Éros primordial a] Terra engendra um personagem muito importante, Ouranós, Céu, e até mesmo Céu estrelado. Depois traz ao mundo Póntos, isto é, a água, todas as águas, e mais exatamente a Onda do Mar, palavra que em grego é masculina. Terra os concebe sem se unir a ninguém. Pela força íntima que tem, Terra desenvolve o que já estava dentro de si e que, ao sair dela, torna-se seu duplo e seu contrário. Por quê? Porque produz um Céu estrelado igual a si mesma, como uma réplica tão sólida, tão firme quanto ela, e do mesmo tamanho. Então, Urano se deita sobre ela. Terra e Céu constituem dois planos superpostos do universo, um chão e uma abóbada, um embaixo e um em cima, que se cobrem completamente. […]
Assim, o mundo se constrói a partir de três entidades primordiais: Kháos, Gaîa e Éros, e, em seguida, de duas entidades paridas por Terra: Ouranós e Póntos. Elas são ao mesmo tempo forças naturais e divindades. Gaia é a terra onde andamos, e ao mesmo tempo é uma deusa. Ponto representa as ondas do mar e também constitui uma força divina, à qual se podeprestar um culto. A partir daí surgem relatos de outro tipo, histórias violentas e dramáticas.
 
Fonte: Vernant (2000, p. 17-18).
 
Para certa linhagem de historiadores, o nascimento da filosofia “significa descontinuidade ou ruptura integral com a religião e os mitos. […] A filosofia nasce quando as velhas explicações míticas e religiosas da realidade já não podiam explicar coisa alguma”. Para outros historiadores, no entanto, haveria uma relação de continuidade entre mitologia e filosofia. Segundo eles, a explicação para a diferenciação entre esses dois contextos estaria não na distinção entre o campo mitológico e o campo filosófico, mas na distinção entre teogonia, cosmogonia e cosmologia:
Teogonia: narraria a geração das coisas do mundo por meio da atividade sexual dos deuses;
Cosmogonia apresentaria o surgimento do mundo ordenado a partir do caos e da genealogia de forças vitais;
Cosmologia por fim, a cosmologia trataria de despersonalizar os elementos, atribuindo a eles características naturais, embora algumas ainda de natureza divina. Buscaria a explicação da ordem do mundo por meio da “determinação de um princípio originário e racional que é a origem e a causa das coisas e de sua ordenação”.
 
 
A ordem poderia ser apreendida por meio da razão e da inteligibilidade de um princípio originário; em consequência, a filosofia “continuaria carregando dentro de si as construções míticas, mas agora de forma laica ou secularizada” (CHAUI, 2009, p. 30-37).
Independentemente das relações de continuidade ou ruptura com o pensamento anterior, a filosofia nascente buscou diferenciar-se dos mitos teogônicos e cosmogônicos que lhe haviam dado origem por meio da racionalidade e da busca de respostas, provas e demonstrações. Dessa filosofia nasceu nossa ciência, e a versão histórica hegemônica sobre o seu desenvolvimento tratou de manter afastados os terrenos da racionalidade religiosa e/ou mística e os da racionalidade da ciência.
OBSERVAÇÃO
O conhecimento filosófico tem por origem a capacidade de reflexão do homem e, por instrumento exclusivo, o raciocínio (MARTINS; THEÓPHILO, 2009). O estudo filosófico, pelo emprego da lógica, tem por objetivo a ampliação dos limites de compreensão da realidade, bem como o estabelecimento de uma concepção geral do universo. Especulativo, utiliza-se de experiências, e não de experimentações. O olhar e a interpretação da filosofia, predominantemente dedutivos, partem de ideias e relações entre conceitos que não são redutíveis à realidade material (MARCONI; LAKATOS, 2003).
A filosofia nasceu no século IV a.C. já com a pretensão de se diferenciar do pensamento vulgar. Platão (428/427 a.C.-348/347 a.C.), filósofo e matemático da Grécia antiga, havia proposto essa reflexão. Na obra A república, da qual destacamos um fragmento a seguir, Platão encena um diálogo entre Glauco e Sócrates.
 
A república
 
Imagina, pois, homens que vivem em uma morada subterrânea em forma de caverna. A entrada se abre para a luz em toda a largura da fachada. Os homens estão no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagina que esse caminho é cortado por um pequeno muro, semelhante ao tapume que os exibidores de marionetes dispõem entre eles e o público, acima do qual manobram as marionetes e apresentam o espetáculo. […]
Então, ao longo desse pequeno muro, imagina homens que carregam todo tipo de objetos fabricados, ultrapassando a altura do muro; estátuas de homens, figuras de animais, de pedra, madeira ou qualquer outro material. Provavelmente, entre os carregadores que desfilam ao longo do muro, alguns falam, outros se calam. […]. Eles são semelhantes a nós. Primeiro, pensas que, na situação deles, eles tenham visto algo mais do que as sombras de si mesmos e dos vizinhos, que o fogo projeta na parede da caverna à sua frente? […] então, se eles pudessem conversar, não achas que, nomeando as sombras que veem, pensariam nomear seres reais? […]
E se, além disso, houvesse um eco vindo da parede diante deles, quando um dos que passam ao longo do pequeno muro falasse, não achas que eles tomariam essa voz pela da sombra que desfila à sua frente? […]. Assim sendo, os homens que estão nessas condições não poderiam considerar nada como verdadeiro, a não ser as sombras dos objetos fabricados. […] vê agora o que aconteceria se eles fossem libertados de suas correntes e curados de sua desprezão. Tudo não aconteceria naturalmente como vou dizer? Se um desses homens fosse solto, forçado subitamente a levantar-se, a virar a cabeça, a andar, a olhar para o lado da luz, todos esses movimentos o fariam sofrer; ele ficaria ofuscado e não poderia distinguir os objetos, dos quais via apenas as sombras anteriormente. Na tua opinião, o que ele poderia responder se lhe dissessem que, antes, ele só via coisas sem consistência, que agora ele está mais perto da realidade, voltado para objetos mais reais, e que está vendo melhor? O que ele responderia se lhe designassem cada um dos objetos que desfilam, obrigando-o com perguntas a dizer o que são? Não achas que ele ficaria embaraçado e que as sombras que ele via antes lhe pareceriam mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora? […]
E se o forçassem a olhar para a própria luz, não achas que os olhos lhe doeriam, que ele viraria as costas e voltaria para as coisas que pode olhar e que as consideraria verdadeiramente mais nítidas do que as coisas que lhe mostram? […] E se o tirassem de lá à força, se o fizessem subir o íngreme caminho montanhoso, se não o largassem até arrastá-lo para a luz do sol, ele não sofreria e se irritaria ao ser assim empurrado para fora? E, chegando à luz, com os olhos ofuscados pelo brilho, não seria capaz de ver nenhum desses objetos, que nós afirmamos agora serem verdadeiros. […]
É preciso que ele se habitue para que possa ver as coisas do alto. Primeiro ele distinguirá mais facilmente as sombras, depois as imagens dos homens e dos outros objetos refletidas na água, depois os próprios objetos. Em segundo lugar, durante a noite, ele poderá contemplar as constelações e o próprio céu, e voltar o olhar para a luz dos astros e da lua mais facilmente que durante o dia para o sol e para a luz do sol. […] Finalmente, ele poderá contemplar o sol, não o seu reflexo nas águas ou em outra superfície lisa, mas o próprio sol, no lugar do sol, o sol tal como é. […] Depois disso, poderá raciocinar a respeito do sol, concluir que é ele que produz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível, e que é, de algum modo a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna. […]
Nesse momento, se ele se lembrar de sua primeira morada, da ciência que ali se possuía e de seus antigos companheiros, não achas que ficaria feliz com a mudança e teria pena deles? […] Quanto às honras e louvores que eles se atribuíam mutuamente outrora, quanto às recompensas concedidas àquele que fosse dotado de uma visão mais aguda para discernir a passagem das sombras na parede e de uma memória mais fiel para se lembrar com exatidão daquelas que precedem certas outras ou que lhes sucedem, as que vêm juntas, e que, por isso mesmo, era o mais hábil para conjeturar a que viria depois, achas que nosso homem teria inveja dele, que as honras e a confiança assim adquiridas entre os companheiros lhe dariam inveja? Ele não pensaria antes, como o herói de Homero, que mais vale “viver como escravo de um lavrador” e suportar qualquer provação do que voltar à visão ilusória da caverna e viver como se vive lá? […]
Reflete ainda nisto: supõe que esse homem volte à caverna e retome o seu antigo lugar. Dessa vez, não seria pelas trevas que ele teria os olhos ofuscados, ao vir diretamente do sol? […] E se ele tivesse que emitir de novo um juízo sobre as sombras e entrar em competição com os prisioneiros que continuaram acorrentados,enquanto sua vista ainda está confusa, seus olhos ainda não se recompuseram, enquanto lhe deram um tempo curto demais para acostumar-se com a escuridão, ele não ficaria ridículo? Os prisioneiros não diriam que, depois de ter ido até o alto, voltou com a vista perdida, que não vale mesmo a pena subir até lá? E se alguém tentasse retirar os seus laços, fazê-los subir, acreditas que, se pudessem agarrá-lo e executá-lo, não o matariam? […]
E agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar exatamente essa alegoria ao que dissemos anteriormente. Devemos assimilar o mundo que apreendemos pela vista à estada na prisão, a luz do fogo que ilumina a caverna à ação do sol. Quanto à subida e à contemplação do que há no alto, considera que se trata da ascensão da alma até o lugar inteligível, e não te enganarás sobre minha esperança, já que desejas conhecê-la. Deus sabe se há alguma possibilidade de que ela seja fundada sobre a verdade. Em todo caso, eis o que me aparece, tal como me aparece; nos últimos limites do mundo inteligível, aparece-me a ideia do Bem, que se percebe com dificuldade, mas que não se pode ver sem concluir que ela é a causa de tudo o que há de reto e de belo. No mundo visível ela gera a luz e o senhor da luz, no mundo inteligível ela própria é a soberana que dispensa a verdade e a inteligência. Acrescento que é preciso vê-la se se quer comportar-se com sabedoria, seja na vida privada, seja na vida pública.
Fonte: Paviani (2003, p. 60-64).
 
O que o mito da caverna nos ensina? Platão mostra que as sombras podem nos enganar, que a visão parcial ou deturpada da realidade pode nos levar a conclusões equivocadas, que devemos sair da caverna para ver o mundo exposto à claridade e que precisamos permitir que a luz nos mostre os objetos em todos os seus detalhes. 
A filosofia é, portanto, a área do conhecimento que se ocupa em “não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores e os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido” (CHAUI, 2000, p. 12).
Tratemos de refletir um pouco mais sobre isso. Imagine que, de repente, você encontre um amigo que não via há anos. Como se não houvesse transcorrido tempo algum, vocês retomam a conversa do ponto em que haviam parado, riem das mesmas piadas de antes, comportam-se como se tivessem se visto no dia anterior. Tal situação pode gerar estranheza, em especial se você se questionar a respeito do significado do tempo:
Sobre o tempo
 
É provável que você jamais tivesse refletido antes sobre o significado do tempo. No entanto, a situação favorece que a pergunta seja formulada. Se, há poucos minutos, você imaginava ter uma resposta pronta a essa questão, agora, após uma experiência específica, está refletindo a respeito da realidade e do que você imaginava certo a respeito dessa realidade. Para Chaui (2000), inclusive, a distância entre o que se crê e o que efetivamente é abre espaço para a crítica e para a descoberta, o que se define aqui como atitude filosófica.
Passamos por uma árvore e dizemos que ela é bela; no entanto, jamais paramos para refletir a respeito do significado de beleza. Se algo é belo para uns, será belo para todos? O que define a beleza? O que significa liberdade? Quais os atributos daquilo que é justo? Beleza, liberdade, justiça: todos esses temas, a respeito dos quais, na vida cotidiana, imaginamos ter o conhecimento necessário, podem se tornar objeto de reflexão filosófica. É a essa reflexão, a que fazemos sobre fatos ou conceitos sobre os quais temos a impressão de tudo saber, que damos o nome de atitude filosófica.
A reflexão filosófica ocorre a partir de dois momentos cruciais. No primeiro, por meio da atitude crítica, rejeitamos o conhecimento do senso comum, aquilo que pensamos saber.
Rejeitamos o “eu acho”, “eu penso”, e colocamo-nos na posição de quem nada sabe. No segundo, questionamo-nos a respeito do real significado das coisas e dos fenômenos. Colocamo-nos na posição de uma criança que descobre a sua própria mão, que vê tudo pela primeira vez e para quem o mundo é surpreendentemente novo. Digamos de outra forma: rejeitamos o julgamento parcial, as opiniões pessoais que temos em relação aos objetos, afastamo-nos da subjetividade; em contrapartida, buscamos a objetividade, a percepção do mundo mais isenta possível.
Nossos sentidos podem nos enganar, nossas opiniões podem ter se formado a partir de erros de observação ou erros de apreensão de causalidade – no nosso cotidiano, podemos afirmar que A causou B. É evidente que não há percepção totalmente isenta, não há como, na nossa apreensão do mundo, isolarmos a influência do que somos, do que pensamos, do que gostamos. Vemos o mundo a partir de lentes que podem ampliar, reduzir ou deformar nossa visão da realidade.
A filosofia oferece a possibilidade de nos distanciarmos da avaliação subjetiva dos objetos.
 
Pensar sobre o pensamento significa não apenas estar disposto a conhecer o mundo, mas também a si mesmo.
A atitude filosófica nos permite compreender melhor como pensamos e formulamos opiniões a respeito das coisas, como construímos o conhecimento, como agimos a partir desse conhecimento. Tornamo-nos melhores porque nos interrogamos e nos questionamos a respeito das formas pelas quais construímos nossa visão de mundo.
LEMBRETE
Como conquistar esse autoconhecimento por meio do pensar sobre o pensamento? Parece claro que o método que usamos para conhecer e agir no nosso cotidiano não serve para a reflexão filosófica. Precisamos, inicialmente, utilizar palavras e conceitos claros. Depois, devemos empregar a nossa razão para formar um conjunto lógico de princípios e encadeamento de ideias.
O quadro a seguir sistematiza as principais características do conhecimento filosófico, bem como suas respectivas formas de representação.
 
Principais características do conhecimento filosófico e respectivas formas de representação
· Valorativo: O ponto de partida são hipóteses que não podem ser submetidas à observação. O conhecimento emerge da experiência, e não da experimentação.
· Não verificável os enunciados das hipóteses filosóficas não podem ser confirmados nem refutados, mas são logicamente correlacionados.
· Sistemático. Suas hipóteses e enunciados visam à representação coerente da realidade estudada, na tentativa de apreendê-la integralmente.
· Infalível e exato: seus postulados e hipóteses não são submetidos ao teste da experimentação. Há um esforço da razão pura, com a finalidade de questionar os problemas humanos e discernir entre o certo e o errado. A filosofia emprega o método racional, em que prevalece a coerência lógica.
2 CONHECIMENTO CIENTÍFICO, PESQUISA TEÓRICA E PESQUISA EMPÍRICA
 
Vimos, anteriormente, o conhecimento comum, o teológico e o filosófico. Falemos, agora, do conhecimento científico. Comecemos com o surgimento da ciência.
Muitas das perguntas mais elementares que os seres humanos se propõem podem ter dado origem a estudos científicos. Em outras palavras, a ciência desenvolveu-se a partir de perguntas feitas pelos homens em relação ao que os cercava. Evidentemente, no início, muitas das respostas às perguntas que os seres humanos se faziam (por exemplo: “Por que chove?”, “O que são estrelas?”) tinham fundamentação nas explicações míticas e religiosas. Tratava-se, simplesmente, de explicações para alguns fenômenos naturais. Distanciando-se dessa visão, o valor da ciência variou bastante ao longo da história, até chegar ao status atual.
O conhecimento científico resulta de investigação metódica e sistemática da realidade. Utilizando-se do intelecto, o homem procura respostas para as causas dos fatos; a partir de classificações, comparações e análises – enfim, de métodos –, pode chegar a leis gerais que os regem. O processo de investigação, descoberta e expansão do conhecimento faz do ser humano sujeito ativo em relação a fatos e objetos (MARTINS; THEÓPHILO, 2009).
O conhecimento é uma adequação do sujeito ao objeto
É importante destacar que o sujeito não conhecetudo de todas as coisas, e que o pesquisador, o cientista,
 procura tratar seu objeto dentro de certos rituais reconhecidos como importantes. De modo geral, evita a credulidade, assume atitude distanciada, cita autores, usa uma linguagem estereotipada, quase um dialeto, busca definir os termos da forma mais precisa possível, emprega técnicas complexas de quantificação, confia apenas em testes rigorosos, e assim por diante. Pratica-se uma forma de treinamento voltada […] a uma visão crítica da realidade, uma atitude mais objetiva, um domínio de autores e teorias, uma produção argumentativa insistente […]. Há um rol de cuidados específicos que, uma vez seguidos, parecem produzir o resultado imaginado, a saber, a ciência (DEMO, 1985, p. 33-34).
 
Desse fragmento, pode-se depreender que o desenvolvimento do conhecimento científico passa por um ritual, por uma espécie de culto ou práticas consagradas pelo uso de alguma norma. Deve ser guiado por uma sequência de atitudes que faz dele, então, um ritual. O pesquisador não crê com facilidade nos fatos que analisa, mas toma-os como condicionantes exteriores às suas crenças. É, portanto, não crédulo.
Uma das principais características dos pesquisadores, enquanto disseminadores do conhecimento científico, é que sua crença não se confunde com os objetos investigados. Os cientistas não os julgam por valores nem os tomam por crença, mas os assumem simplesmente como fatos a serem analisados, explicados e, por que não dizer, teorizados. Assim, o conhecimento científico é formado por atitudes distanciadas da ocorrência dos fenômenos. O cientista não se aproxima do objeto a ser estudado por paixão, mas sim pelo próprio estudo, pela análise, pela compreensão, pela possibilidade de dissecar, explicar a ocorrência dos fenômenos. Quanto mais for investigado, maior será o distanciamento entre o conhecimento científico e o fenômeno analisado, porém maior será a aproximação da ocorrência do fenômeno.
Isso somente é conseguido depois de muito treino.
 
OBSERVAÇÃO
A observação e as investigações não são efetuadas sem critério. Muito pelo contrário: é preciso estabelecer certos procedimentos e, entre eles, escolher as melhores alternativas. Nesse aspecto, a investigação recorre ao que foi efetuado anteriormente, não obstante a abstração e a observação. Lembramos aqui os escritos existentes sobre a ocorrência de fenômenos, bem como as explicações já formuladas acerca da realidade. O uso de teorias já consagradas propostas por autores reconhecidos é de elevada importância no processo investigativo. Devemos ter em mente que a ciência é algo inacabado, que o conhecimento científico está em permanente construção e que um mesmo fenômeno ou uma mesma realidade podem ser verificados de formas distintas. Portanto, o uso de autores, teorias e conhecimentos desenvolvidos anteriormente muito contribui para o conhecimento presente e o futuro.
Quando se desenvolve o conhecimento científico, o recurso a autores e teorias proporciona a possibilidade de crítica. Como vimos, o senso comum não permite críticas, apenas opiniões. Não significa que inexista opinião crítica no conhecimento vulgar, porém esta, se existe, na maioria das vezes não está fundamentada em estudos, em abordagens teóricas, mas em hábitos, preconceitos, tradições, costumes. O conhecimento científico não admite opiniões desse tipo. Ele possibilita argumentos solidamente construídos pela crítica. Mesmo assim, não se trata de crítica pela crítica em si, como censura, condenação. Entende-se aqui a existência do criticar em sua forma analítica, examinada, julgada a partir de determinados parâmetros técnicos, não necessariamente complexos, mas qualificados e, se necessário, quantificados. A crítica permitida ao conhecimento científico é a do comentário e da apreciação teórica, assumindo o papel de renovação, afirmação ou negação do que se estuda, do que se analisa. Assim, o sujeito torna-se ativo no processo. O conhecimento científico não se apresenta somente como repetição do já existente. Procura ir além do que existe. Nesse aspecto, o cientista dialoga com autores, “briga” com teorias, refuta ou aceita ideias tomadas como certas.
De acordo com Santos (2008, p. 17), o conhecimento científico que temos hoje é herdeiro da Revolução Científica dos séculos XVII e XVIII, a qual produziu uma racionalidade que defendeu serem “mais científicas” as ciências naturais, comparativamente às sociais e humanas, e que buscou distinguir-se do senso comum. Não é uma ciência que se outorgue o direito de revelar grandes verdades. Ao contrário, “estamos de novo perplexos, perdemos a confiança epistemológica; instalou-se em nós uma sensação de perda irreparável, tanto mais estranha quanto não sabemos ao certo o que estamos em vias de perder”.
 
OBSERVAÇÃO
O conhecimento científico resulta da observação e da experiência empírica, que ocorrem posteriormente à seleção de fatos por meio da dedução e do esforço teórico. Tende-se a quantificar, pressupondo-se que a mensuração pode ser uma garantia de certeza. O rigor científico exige medições e, portanto, “o que não é quantificável é cientificamente irrelevante” (SANTOS, 2008, p. 28).
O conhecimento científico, portanto, é um conhecimento causal que aspira à formulação de leis, à luz de regularidades observadas, com vista a prever o comportamento futuro dos fenômenos. A descoberta das leis da natureza assenta, por um lado, e como já se referiu, no isolamento das condições iniciais relevantes (por exemplo, no caso da queda dos corpos, a posição inicial e a velocidade do corpo em queda) e, por outro lado, no pressuposto de que o resultado se produzirá independentemente do lugar e do tempo em que se realizarem as condições iniciais (SANTOS, 2008, p. 29).
 
Evidentemente, ser capaz de formular leis significa acreditar que o mundo pode ser compreendido por meio delas, quer dizer, que o mundo tem uma ordem natural passível de ser conhecida – que o mundo funciona como uma máquina, cujos movimentos e funcionamento são previsíveis (ao menos, em condições normais). Por isso mesmo, mais do que explicar, o conhecimento científico permite que operemos no mundo, que o transformemos, que o dominemos.
Espera-se que o conhecimento científico seja capaz de explicar a realidade. Espera-se que, por meio dele, possamos formular leis simples que deem conta de apreender a complexidade que nos cerca, e essa também será uma marca das ciências sociais e aplicadas que surgem a partir do século XIX. Como ocorre nas ciências naturais, acredita-se que a sociedade possa ser investigada com o objetivo de abstrair leis gerais que expliquem os fenômenos sociais, culturais, psicológicos e econômicos.
Pelo exposto, entendemos ser a ciência constituída por conhecimentos sobre um objeto passível de estudo e expressa por linguagem própria, precisa. As conclusões a que chega, além de totalmente independentes de juízo de valor, devem ser passíveis de verificação para posterior explicação ou teorização. Quanto ao cientista, este se utiliza de fatos para produzir conhecimento, cuja elaboração dá origem a teorias que deverão ser novamente submetidas à realidade para conferir sua validade.
 
A ciência se apresenta como uma maneira uniforme de achar alguma razão na observação dos fatos. Sua estrutura permite a acumulação do conhecimento de forma organizada e fundamentada em sistemas lógicos, sempre sob a direção de um elenco de procedimentos da metodologia científica. A classificação das diversas ciências é importante porque é uma preocupação que, ao longo do tempo, tem se tornado uma problemática intelectual do ser humano (FACHIN, 2003, p. 15).
 
Santos (2008, p. 14) observa:
 
E de tal modo é assim que é possível dizer que em termos científicos vivemos ainda no século XIX e que o século XX ainda não começou, nem talvez comece antes de terminar. E se, em vez de no passado, centrarmos o nosso olhar no futuro, do mesmo modo duas imagens contraditórias nos ocorrem alternadamente. Por um lado, as potencialidades da tradução tecnológica dos conhecimentosacumulados fazem-nos crer no limiar de uma sociedade de comunicação e interativa libertada das carências e inseguranças que ainda hoje compõem os dias de muitos de nós: o século XXI a começar antes de começar. Por outro lado, uma reflexão cada vez mais aprofundada sobre os limites do rigor científico combinada com os perigos cada vez mais verossímeis da catástrofe ecológica ou da guerra nuclear fazem-nos temer que o século XXI termine antes de começar.
 
Por sua vez, Lungarzo (1990, p. 15) afirma:
 
A ciência é uma parte da cultura dos povos modernos, como a religião, a arte, a literatura etc. Mas nem sempre a palavra “ciência” é usada com um único significado. Frequentemente, entende-se por ciência a atividade científica em geral. Eis alguns exemplos desse uso: sociedade científica, homem de ciência, visão científica da vida […]. Outras vezes, “ciência” tem o significado mais específico de conhecimento científico. […] ainda, a ciência é usualmente identificada com o conjunto ou sistema organizado de conhecimento científico. […] A ciência, considerada como conhecimento, tem forte relação com métodos e técnicas de descoberta […]. Considerada como teoria, sua relação mais importante é com a estrutura lógica e linguística.
 
Complementando, Ferrari (1982, p. 2) define: “A ciência é todo um conjunto de atitudes e atividades racionais dirigidos ao sistemático conhecimento, com objetivo limitado, capaz de ser submetido à verificação”.
É possível agora sintetizar as características do conhecimento científico, conforme mostra o quadro a seguir.
 
Quadro 3 – Principais características do conhecimento científico e respectivas formas de representação
Real- Lida com fatos concretos, com ocorrências.
Contingente- Proposições ou hipóteses são validadas ou falseadas pela experiência, e não simplesmente pela razão.
Sistemático- Segue uma ordem precedida por ideias concebidas em teorias.
Verificável- Procura, a partir de uma situação-problema, de uma dúvida, trabalhar com hipóteses, as quais poderão se mostrar verdadeiras ou falsas.
Falível- é um produto inacabado, não definitivo, absoluto ou final.
Aproximadamente exato- aceita reformulações interpretativas e teóricas.
 
A partir de Fachin (2003), Lungarzo (1990) e Marconi e Lakatos (2003), é possível proceder à classificação e à divisão da ciência. É o que vemos na figura a seguir.
Divisão das ciências e suas classificações
As ciências formais são aquelas que lidam com dados não concretos, com abstrações cujos teoremas e argumentos dispensam experimentos. Trabalham sobre a forma do conhecimento, e não sobre seu conteúdo. A exemplo da matemática e da lógica, trabalham com ideias. Já as chamadas factuais procuram lidar com situações reais, baseadas em fatos. A existência de seus objetos independe de nossa mente, e suas características são geralmente perceptíveis aos sentidos. As ciências factuais, que também podem ser designadas como experimentais ou empíricas, são divididas em duas grandes áreas, em razão das diferenças entre os objetos de investigação, bem como entre os métodos de investigação, análise e conclusão.
As ciências factuais naturais são aquelas relacionadas à astronomia, à biologia, à física, à geologia e à química, para listar algumas. Operam com os dados fornecidos pela natureza. Exemplos:
Astronomia: estudo dos astros, das estrelas.
Biologia: estudo dos seres vivos, a fim de conhecer o funcionamento dos organismos.
Física: estudo da natureza em seus aspectos mais gerais.
Geologia: estudo das ciências da Terra, no que diz respeito à sua composição e estrutura.
Química: estudo das substâncias da natureza, dos elementos e suas características.
As ciências factuais humanas preocupam-se, em sentido mais amplo, com fenômenos e atividades relacionadas com o homem. Assim, a antropologia, o direito, a economia, a história, a política, a psicologia social e a sociologia fazem parte dessa divisão. Podem ainda ser designadas como ciências sociais ou, simplesmente, humanas. Tratam do homem, de seu comportamento, de sua vida grupal.
As ciências estão divididas exclusivamente para fins didáticos. Lungarzo (1990, p. 38-39) observa:
 
A divisão entre os dois campos está definida pela natureza que umas e outras estudam. Por exemplo, não há nenhuma ciência da natureza dedicada ao estudo dos conflitos sociais, dos hábitos de tribos, clãs, grupos familiares etc., da direção da história e de outros problemas específicos do homem. Essas propriedades específicas das ciências humanas têm algo diferente das propriedades relevantes para as ciências naturais. O homem é um ser pensante e afetivo: ele tem uma forma “superior” de inteligência, tem emoções que influem em suas atividades e tem a capacidade de transformar o mundo. O homem não é um objeto “passivo” como as forças, a energia, a luz, as células, os planetas ou outras entidades que fazem parte das ciências naturais. […] as atividades humanas são bem mais difíceis de predizer. Um astrônomo pode predizer com exatidão quando terá lugar o próximo eclipse do Sol. Pelo contrário, ninguém pode predizer, nem com uma aproximação razoável, quando acontecerá uma nova guerra mundial.
A pesquisa teórica, de forma simplificada, tem a intenção de enriquecer teoricamente a ciência; em contrapartida, a pesquisa empírica é aquela que busca um resultado prático. Por isso, as pesquisas teóricas são chamadas de puras, e as empíricas, de aplicadas.
 
OBSERVAÇÃO
Uma teoria, em ciência, é um conjunto de hipóteses que permite que formulemos explicações gerais.
 
Evidentemente, essa hipótese foi gerada a partir de muitas observações. Logo, caso um aluno afirme estudar no campus/polo X, posso dizer que ele provavelmente fez essa escolha pela proximidade com a casa ou com o trabalho. A conclusão geral a que cheguei por meio de observações me permite explicar casos particulares, mesmo que não os conheça a fundo. As teorias, portanto, têm valor explicativo e são utilizadas para explicar fenômenos, ainda que não estudados individualmente. Mais: além de explicativas, elas generalizam e sintetizam o conhecimento.
A pesquisa teórica, desse modo, tem o objetivo de avançar na formulação teórica, complementando-a ou confirmando-a, ou modificar uma teoria já existente. São exemplos de pesquisa teórica: a elaboração de um artigo científico a respeito do comportamento social em situações de estresse intenso, o estudo sobre a história da física no que respeita à transição entre o geocentrismo e o heliocentrismo, a análise dos indicadores de desempenho da economia, a investigação sobre as principais causas de acidente de trânsito nas capitais do país etc. Como é possível perceber, em geral, essas são pesquisas documentais ou bibliográficas. É importante ressaltar que a pesquisa teórica, embora não tenha esta meta como objetivo central, pode gerar aplicações práticas.
Em oposição, a pesquisa empírica preocupa-se em oferecer uma solução prática para determinado problema. Por isso, ela é também chamada de aplicada, já que os métodos científicos são postos em ação – ou seja, são aplicados – com a intenção de obter um resultado prático. São exemplos de pesquisas empíricas: o teste de uma nova vacina, o estudo do fluxo de processos numa fábrica para diminuir o tempo de manipulação da matéria-prima na linha de produção, a realização de entrevistas com os funcionários de uma empresa para a elaboração de uma nova matriz de promoção salarial, a diminuição da luminosidade em uma sala de aula para verificar o aumento do desempenho dos alunos etc. Vale uma ressalva: o fato de essas pesquisas terem uma natureza prática não significa que elas dispensem a teoria; ao contrário, todas elas devem ter nascido de reflexões teóricas a respeito de medicamentos, de logística, de relações organizacionais e de práticas de ensino e educação, por exemplo. No entanto, dizemos que elas são empíricas porque: a) elas coletam dados empíricos, quer dizer, dados que resultam da experiência; b) elas devem atender a objetivos práticos e pragmáticos. Como é possível perceber, grande partedas pesquisas empíricas é realizada em laboratório.
LEMBRETE
Há muita controvérsia a respeito da importância de cada uma dessas modalidades de pesquisa. Há quem defenda que, por serem escassas, as verbas para pesquisa devem priorizar estudos empíricos/práticos. Segundo essa corrente, as pesquisas teóricas, por não apresentarem resultados práticos imediatos, são de pouca serventia, especialmente no caso de economias em desenvolvimento que sofrem com problemas crônicos de miséria, fome e epidemias. No entanto, é importante lembrar que, muitas vezes, pesquisas teóricas acabaram por resultar em aplicações práticas extremamente úteis. Além disso, o desenvolvimento da ciência depende da reflexão teórica.
 
SAIBA MAIS
Na mesma direção, há conflito entre os cientistas sociais que pretendem que as ciências sociais e humanas tenham como base os mesmos procedimentos e métodos das ciências naturais e os cientistas que defendem para as ciências sociais uma metodologia própria, que prescinda do empirismo e da evidência empírica.
De forma resumida, os que advogam o menor valor científico das ciências sociais usam como principais argumentos os fatos de que as ciências sociais não dispõem de teorias explicativas que lhes permitam abstrair do real para depois buscar nele, de modo metodologicamente controlado, a prova adequada; as ciências sociais não podem estabelecer leis universais porque os fenômenos sociais são historicamente condicionados e culturalmente determinados; as ciências sociais não podem produzir previsões fiáveis porque os seres humanos modificam o seu comportamento em função do conhecimento que sobre ele se adquire; os fenômenos sociais são de natureza subjetiva e como tal não se deixam captar pela objetividade do comportamento; as ciências sociais não são objetivas porque o cientista social não pode libertar- se, no ato de observação, dos valores que informam a sua prática em geral e, portanto, também a sua prática de cientista (SANTOS, 2008, p. 36).
 
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Em contrapartida, os que defendem o caráter científico das ciências sociais argumentam que não há como pretender, para estas, a objetividade alcançada por experiências em laboratório ou medições instrumentais. Ao contrário: considerando-se que o objeto das ciências sociais é o homem e suas realizações, seus atos, seu trabalho e seu comportamento, há que ponderar que a subjetividade é elemento indissociável das variáveis que serão estudadas. Por isso mesmo, são necessários métodos específicos, diferentes daqueles utilizados no campo das ciências naturais. Ou no campo das ciências sociais, ou no campo das ciências naturais, conclui-se que o conhecimento científico depende, para a sua produção, de normas, procedimentos e métodos. Em suma, de metodologia.
 
2.1 Algumas relações entre ciência, filosofia e religião
 
Segundo Brooke e Numbers (2011), do ponto de vista histórico, a religião e a ciência estabeleceram relações de conflito, de tensão e, não raras vezes, de hibridização entre seus elementos.
LEMBRETE
A epistemologia estuda o conhecimento, as etapas para o alcance dele e os limites do conhecimento alcançado. Quando Santos (2008) fala de confiança epistemológica, ele faz referência às normas e regras aceitas como legítimas para a construção do conhecimento científico.
Henri Atlan, médico e biólogo associado à Faculdade de Ciências de Paris e à Universidade Hebraica de Jerusalém, em entrevista à jornalista científica francesa Guitta Pessis-Pasternak, alerta: não é possível misturar os conteúdos de um e de outro campo. Para Atlan, constituiria um “erro ver alusões à mecânica quântica em uma tradição hindu, do mesmo modo que é um erro ver alusões aos antibióticos no Talmud, ou procurar uma consciência ao nível de uma célula viva. Isso implica confusão de gêneros, de níveis e de vocabulários” (PESSIS-PASTERNAK, 1993, p. 53).
Para Atlan (1994), não faz sentido tentar construir uma unidade fundamental do universo por meio da conjunção entre os elementos da reflexão religiosa e os do fazer científico. Embora ambos sejam fruto do desejo de racionalização, eles têm conteúdo totalmente distinto. Tanto um quanto o outro fazem uso da razão como instrumento, e é possível que os dois modos de reflexão se alimentem mutuamente (em especial no contexto de descoberta de ideias e teorias). No entanto, apesar das semelhanças e do fato de serem ambas escolhas do mesmo sujeito cognoscente (ou seja, do sujeito que faz uso da cognição para compreender o mundo), ainda assim eles pertencem a terrenos distintos e incomensuráveis, sendo a intercrítica a melhor forma de diálogo entre eles (PESSIS-PASTERNAK, 1993). Segundo Atlan (1994), dialogar implica a delimitação dos domínios de legitimidade de cada campo, para que as diferentes regras dos jogos (o da investigação científica e o da iluminação religiosa) não se confundam.
Atlan (1994) observa ainda que o distanciamento entre a reflexão religiosa e o fazer científico pode ser explicado no contexto da história da ciência e das ideias: construiu-se um ideal científico com base na objetividade, deslocando-se a subjetividade para o terreno das ilusões. Mais: a suposta “irracionalidade” da experiência mística e religiosa teria sido percebida como contrassenso (ou seja, má utilização da razão), embora ela se constituísse muito mais como uma tentativa de antirrazão – portanto, ainda um movimento que fazia uso da razão.
De acordo com Brooke e Numbers (2011), a religião e a ciência não estabeleceram, necessariamente, uma relação excludente do ponto de vista histórico. Mesmo as ideias de Isaac Newton, símbolo da Revolução Científica, ainda traziam as marcas da intersecção da ciência com a religião. Para ele e para pensadores contemporâneos a ele, o campo da ciência incluía a discussão sobre Deus e sua relação com a natureza, bem como sobre os atributos divinos materializados na natureza. Outros exemplos podem vir de comunidades na Europa e na América do Norte, nas quais são perceptíveis as ligações entre tratamentos médicos e rituais religiosos, e das cosmologias africanas pós-coloniais, nas quais é possível identificar uma profunda conexão entre conhecimento médico e cosmologia ancestral.
As ideias de Isaac Newton, símbolo da Revolução Científica, ainda trouxeram as marcas da intersecção da ciência com a religião. Para ele e para pensadores contemporâneos a ele, o campo da ciência incluía a discussão sobre Deus e sua relação com a natureza, bem como sobre os atributos divinos materializados na natureza
 
A China oferece outros exemplos de diálogo entre os contextos científicos e religiosos. No período pré-colonial, sinos de bronze eram utilizados como indicadores de integridade moral e força política, ao mesmo tempo que funcionavam como símbolos religiosos. Do século III a.C. ao século XVI, é possível perceber traços da influência do islamismo e do cristianismo na cultura local, traços esses visíveis nas práticas médicas, que estabeleciam relações com ciclos naturais, e nas experiências alquímicas, que buscavam materializar a conexão entre macro e microcosmo.
Como exemplo de diálogo conflituoso, Brooke e Numbers (2011) fazem referência aos astrônomos chineses, que demonstraram estranheza em relação à indiferença ocidental a respeito de saberes que estabeleciam conexão entre os eventos da natureza e o destino do homem. Como exemplos de hibridização, Brooke e Numbers (2011) mencionam: a adoção dos numerais hindus pelos matemáticos muçulmanos; a transmissão de saberes médicos e astronômicos entre a Índia e o islã; a disseminação dos ideais científicos na Índia pós-independência, tanto para fins de desenvolvimento quanto para efeito de erradicação da pobreza; a preservação da cultura grega pelos árabes; o diálogo entre islamismo, judaísmo e cristianismo dos séculos IX a XI; e as contribuições da cultura muçulmana nas áreas de cartografia, geografia e astronomia.
Como exemplo de relações ambíguas entre ciência e religião (ou seja, situações nas quais esses dois contextos se opuseram, embora em outras se colocassem ladoa lado), Brooke e Numbers (2011) assinalam os efeitos da teoria de Darwin (1809-1882) nos ambientes científicos e religiosos. Afinal, para alguns pensadores cristãos, o darwinismo não se opunha ao cristianismo de maneira radical, já que considerava a possibilidade de uma ancestralidade comum e de um processo de evolução como superação do sofrimento. Nesse mesmo sentido, as ideias de Darwin foram absorvidas na Índia em razão da possível analogia entre a teoria da seleção natural e o crescimento e desenvolvimento espiritual como movimento de evolução. A mesma receptividade positiva surgiu na comunidade religiosa judaica, uma vez que Darwin nada mais fazia senão reconhecer a associação entre o texto sagrado e sua teoria de evolução, que incluía a ideia da criação do homem a partir da matéria inanimada.
Também podemos identificar inúmeros pontos de contato entre a teologia e a filosofia. Na Idade Média, e até o século XIX, a teologia tinha conexões profundas com a filosofia natural, caracterizando-se como um conhecimento tão legítimo quanto aquele relativo aos fenômenos da natureza. Vejamos, por exemplo, os períodos da Patrística (do século II ao século VIII) e da Escolástica (do século IX ao século XVI), momentos nos quais a conexão entre religião, filosofia e teologia se aprofundou.
Reflitamos primeiro sobre o caso da Patrística. Naquele tempo, o cristianismo ocidental se dedicava a deter as práticas pagãs e a converter os infiéis. Ainda, tinha que se proteger dos ataques que, dentro da própria Igreja, se dirigiam a Roma. Como uma das formas de se preservar, o catolicismo buscou fundamentar suas crenças no arsenal filosófico existente. Era necessário que, além das verdades reveladas aos cristãos pelos pregadores da mensagem de Jesus, os preceitos teológicos pudessem ser confirmados pela filosofia. Assim, para dotar o cristianismo de um arcabouço filosófico, a Patrística foi buscar inspiração na obra dos filósofos gregos e de seus sucessores. Esse material acabou permitindo a construção de uma verdadeira filosofia cristã, capaz de provar os principais fundamentos da nova religião que se estruturava. Entre os fundamentos filosóficos cristãos elaborados pela Patrística, destacam-se:
· a existência de apenas um Deus;
· a criação do mundo a partir do nada, por vontade de Deus;
· a existência do homem como centro do mundo;
· a crença em Deus como a fonte e a origem da moral, o que impunha obediência aos seus mandamentos;
· a crença na salvação por meio de Deus;
· a fé na história como caminho capaz de levar os homens à salvação e à realização no reino de Deus.
Os filósofos cristãos também buscaram explicar a existência do mal: se tudo havia sido criado por Deus, puro, perfeito e bondoso, como era possível que o mal existisse? A elaboração de uma resposta a essa questão ficaria a cargo de Santo Agostinho, responsável por explicar “a ideia de ‘homem interior’, isto é, da consciência moral e do livre-arbítrio, pelo qual o homem se torna responsável pela existência do mal no mundo” (CHAUI, 2000, p. 44).
No caso da Escolástica, também temos o contato entre a filosofia e a religião, porém por caminhos distintos daqueles percorridos pela Patrística. Enquanto a Patrística se servira da filosofia para dotar a religião de fundamentos éticos e morais, a Escolástica procurava comparar os dois terrenos, evidenciando que ambos concordavam na interpretação do mundo e da natureza. Assim, a Escolástica, escola de pensamento filosófico desse período, bebeu da fonte das obras clássicas e buscou conciliar fé e razão.
Nos monastérios, monges trataram de acolher e traduzir os textos gregos, romanos, árabes e judaicos, adaptando-os à teologia cristã. O Corpus aristotelicus (o conjunto de obras de Aristóteles), por exemplo, ao ser traduzido para o latim, foi alvo de correções e ajustes (ALFONSO-GOLDFARB, 1994).
 
Enquanto houver seres humanos procurando dar sentido ao mundo e às coisas, teremos áreas de convergência entre as diversas formas de apreender a realidade e atribuir significado ao que vemos e vivemos
 
Finalmente, podemos refletir sobre as relações entre a teologia e a ciência da religião, relações essas que estão longe de serem harmônicas – afinal, as duas competem em espaços muito semelhantes, e ambas se recusam a abrir mão da sua epistemologia e da sua área de atuação (STIGAR; TORRES; RUTHES, 2014).
A ciência da religião, como o próprio nome diz, é uma área do saber que, com base no conhecimento científico e no método científico, investiga a religião. Enquanto área da ciência, pretende objetividade diante do seu objeto de estudo. Assim, a fé ou a descrença do pesquisador em relação a determinada religião, ou em relação a todas as religiões, são irrelevantes.
 
O objetivo da ciência da religião é estruturar um inventário especializado, o mais abrangente possível. Para tal, espera-se do cientista da religião uma suspensão de juízo, também chamada de “ateísmo metodológico”, que deixe sua crença pessoal entre parênteses. Em outras palavras, espera-se um compromisso ético-científico do pesquisador para com o objeto (STIGAR; TORRES; RUTHES, 2014, p. 142).
 
Não é função da ciência da religião determinar a verdade existente em qualquer religião. Em vez disso, ela busca apenas compreender, a partir da epistemologia e da metodologia consagradas pelo fazer científico, as manifestações religiosas do ponto de vista histórico, social e cultural. A teologia, ao contrário, não tem a intenção de ser ciência. Ela pretende investigar a fé e a revelação, e a partir da perspectiva de quem crê. Por isso, o mundo acadêmico recusa atribuir à teologia o estatuto de ciência de Deus, porque esse termo caracterizaria uma contradição: a fé e as verdades religiosas são objeto de investigação científica apenas no que respeita às suas manifestações, jamais em relação ao seu conteúdo de verdade.
A investigação entre ciência e religião continua sendo uma área para a qual converge a atenção de cientistas e filósofos e na qual são frequentes os conflitos de opinião. Segundo Atlan (1994, p. 27), em Versalhes, em 1974, Brian Johnson, Prêmio Nobel de Física, causou furor ao sugerir, como bibliografia inicial para a compreensão do seu trabalho, “uma lista de obras de referência [que ia] do Bhagavad Gita aos ensinamentos de Maharishi. Em segundo, [falou] dos resultados de experiências de meditação transcendental”. Em Córdova, em 1979, no colóquio Ciência e Consciência, cientistas, filósofos e psicanalistas junguianos encontraram-se para renovar um diálogo, interrompido há vários séculos, entre, por um lado, a procura de explicações racionais para o mundo e as suas últimas consequências sobre a ciência do século XX e, por outro, os ensinamentos das tradições místicas no que diz respeito aos aspectos ocultos da realidade do mundo (ATLAN, 1994, p. 28).
 
É possível que ainda tenhamos muito debate e conflito a respeito das relações entre ciência e religião, entre filosofia e teologia. Afinal, aquilo que é caracterizado como pensamento teológico em determinado período histórico pode ser considerado científico em tempos posteriores, e vice-versa. Enquanto houver seres humanos procurando dar sentido ao mundo e às coisas, teremos áreas de convergência entre as diversas formas de apreender a realidade e atribuir significado ao que vemos e vivemos.
3 O PAPEL DA CIÊNCIA NA SOCIEDADE ATUAL
 O que representa a ciência nos dias de hoje? Ela nos garante um conhecimento seguro e confiável a respeito do mundo e dos fenômenos da natureza? Em caso positivo, há um método científico que assegure a verdade e a certeza? A respeito disso, Woodcock (2014) propõe uma discussão extremamente relevant
O método científico apropriado
 
O próprio autor responde à pergunta feita: do ponto de vista histórico, inúmeros métodos já foram defendidos como únicos e legítimos em relação ao fazer científico. Assim, a ideia de que exista um único método capaz de distinguir o campo científico do não científico nada mais é que uma narrativa construída para dar conta de explicar o que não se

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