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2_10_Michel_Foucault_Trecho_do_Livro_Resumo_de_Sociologia_Juridica

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2.10 Michel Foucault 
 
Por Filippe Augusto 
Defensor Público Federal 
Professor de Humanística do Ouse Saber 
@ousesaber 
www.ousesaber.com.br 
 
Trecho do Livro Resumo de Sociologia Jurídica. 
Editora JH Mizuno (No Prelo). 
 
Michel Foucault (1926-1984), francês, graduado em História, Filosofia 
e Psicologia, foi um dos mais polêmicos e influentes pensadores do século XX, 
com um olhar crítico, teve como fio condutor de sua obra plural o estudo do 
poder e de suas manifestações na sociedade. 
 
2.10.1 Arqueologia e Genealogia dos Saberes 
 
Uma das obras centrais de Foucault, que explica bastante de sua 
metodologia de pesquisa, é Arqueologia do Saber de 1969. Nesse livro, ele 
demonstra como a construção dos saberes, ou seja, do conhecimento, ocorre a 
partir de práticas sociais e, consequentemente, das relações de poder diluídas 
nessas relações. Logo, demonstra como os saberes são formas sofisticadas de 
poder. 
 
Para melhor compreender isso, é necessário captar dois conceitos de 
Foucault: 
 
i) Arqueologia: busca descrever a constituição de um campo de 
conhecimento, entendendo-o de forma sistêmica, formada na inter-
relação dos diversos saberes nele contidos1. 
ii) Genealogia: busca a origem dos saberes, a partir de suas condições 
de possibilidades, dos fatores que interferem na sua emergência, 
permanência e adequação, em suma, das relações de poder a ele 
intrínsecas2. 
 
Nesse sentido: 
 
“Na metodologia foucaultiana, a arqueologia e a genealogia se 
constituem como dois conjuntos complementares, sendo sua 
diferença não tanto de objeto ou de domínio, mas de ponto de 
ataque, de perspectiva e de delimitação3. 
 
1 FAE, Rogério. A Genealogia em Foucault. In: Psicologia em Estudo. V. 9. N. 3. P. 409-416. Dezembro. 
Maringá, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1413-
73722004000300009&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 17.04.20. Às 10h54min. 
2 Idem. Ibidem. 
3 Idem. Ibidem. 
 
Foucault entende assim a genealogia como uma atividade de pesquisa 
criteriosa, baseada em investigação científica detalhista, buscando os saberes 
ignorados pelo discurso oficial, o que depende do estudo da história, atentando 
para seus acasos e descontinuidades, descobrindo os eventos, mesmo que 
aleatórios, que vieram a dar origem ao que hoje existe e possui valor, em resumo, 
ao que é o ser humano4. 
 
O que Foucault pretende destacar é que a formação do conhecimento 
não é apartada das demais esferas que atuam na constituição do sujeito, ou seja, 
os aspectos econômicos, sociais e políticos também interferem na construção do 
saber. 
 
2.10.2 A Verdade e o Direito 
 
Tendo em conta que as práticas sociais criam novas formas de saber e 
novos sujeitos, a ideia de verdade também não pode ser analisada isoladamente. 
Ela, em si, tem uma historicidade. 
 
Foucault, seguindo a linha Pós-Moderna, disseminada por Frankfurt, 
apesar de ele ser um crítico do que chamava de marxismo acadêmico, o que não 
deixa de ser uma visão oposta a dos frankfurtianos5, vai buscar demonstrar como 
o sujeito não é pura razão, como ele não é um ser que apenas apreende o mundo 
à sua volta, mas que é alguém banhado por uma relação dialética com a 
realidade. Assim como ele não é puramente racional, o sujeito também não é 
apenas definido pelo seu meio circundante, como pretendia o marxismo. 
 
Há aqui, portanto, uma certa dicotomia: 
 
i) O sujeito não é apenas um dominador do conhecimento; 
ii) A realidade pauta o sujeito, mas também é por ele pautada. 
 
Isso pode ficar mais claro no estudo da história e nas formas como o 
poder nela se manifesta e, mais especificamente, no estudo da história dos 
discursos ou narrativas. Por exemplo: o dia 01 de abril de 1964 é o dia da 
“Revolução Militar” ou do “Golpe Militar”? Sem entrar no cerne da discussão, o 
que se pretende ressaltar é que a forma de significação de uma ou de outra versão 
da história representa algo além da mera externalização da comunicação ou 
sistematização de termos, mas é uma dimensão ideológica. 
 
Com essas premissas, Foucault afirma a existência de duas histórias 
da verdade. A narrativa interna e a externa. A primeira com um aspecto linear, 
 
4 Idem. Ibidem. 
5 FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas. Tradução: Roberto Cabral de Melo 
Machado e Eduardo Jardim Morais. 3ª edição. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2002. P. 8. 
enquanto a segunda, como história exterior, uma forma muito mais sútil de 
dominação e significação dos tipos de saber. 
 
Desse modo, existirão duas perspectivas de verdade: 
 
i) Uma Interna: a mera sequência dos acontecimentos, tal como se dá 
a partir da história das ciências6; 
ii) Uma Externa: socialmente construída, a partir de regras de poder 
sociais7. A frase, atribuída a George Orwell, resume esse segundo 
modelo: “a história é contada pelos vencedores”. 
 
Basicamente, o que se chama de verdade é (ou pode ser) uma mera 
versão da verdade, construída a partir das relações de poder na sociedade. 
 
Com base em Nietzsche, Foucault denuncia o processo de 
naturalização de como as noções de conhecimento são criadas, forjadas e 
impostas. Ele tenta demonstrar que o conhecimento não é inato ao homem, mas 
uma forma que o instinto conseguiu para se fazer mais adaptável ao meio em que 
vive. 
 
Assim, todo o conhecimento vai ser construído a partir de lutas pelo 
poder. Conhecer é buscar uma resposta perspectiva dentro de uma relação 
estratégica de violência entre coisas e situações. Desse modo, mudadas as 
condições, o próprio conhecer irá mudar. Por isso, ele é parcial, oblíquo e 
perspectivo. 
 
Ainda com base em sua crítica ao marxismo acadêmico, ele rejeita a 
ideia de que o indivíduo seria bom e que as relações econômicas e sociais vão o 
impregnando e o tornando deturpado. Afirma, por isso, que a ideologia não é 
imposta ao indivíduo como uma espécie de véu, mas é constituída a partir do 
próprio indivíduo e de seus instintos mais selvagens. Isso invariavelmente 
também acaba por determinar as relações de conhecimento. 
 
Direcionando essa reflexão para o Direito, perceber-se-á o fenômeno 
jurídico construído historicamente como ferramenta de saber, isto é, o 
conhecimento que vai regrar a punição dos que são considerados socialmente 
desviados ou, em muitos casos, dos “derrotados” no jogo político pelo poder 
dentro do meio social. 
 
O Direito para Foucault deve então ser analisado como uma forma de 
saber que relaciona os seres humanos e a verdade (ou as pretensões de verdade). 
Dessa relação entre Direito e verdade é que nascem, por exemplo, os conceitos de 
“responsabilidade”, “erro” e “punição”. 
 
 
6 Idem. Ibidem. P. 11. 
7 Idem. Ibidem. 
2.10.3 Sociedade da Disciplina, Biopoder e Ortopedia Social 
 
Foucault, em várias obras, sempre com base na noção de genealogia 
do saber, buscou entender na história os caminhos que trouxeram o ser humano 
até o século XX e, com isso, explicar as relações de poder na atualidade. A 
conclusão a que ele chega é que, nos dias atuais, há uma sociedade da disciplina, 
cuja origem remonta ao final do século XVIII. 
 
Essa sociedade da disciplina nasce a partir de três transformações 
ocorridas nos sistemas penais dos países europeus daquele período: 
 
i) A desconexão entre o crime e aspectos morais ou religiosos: o crime 
deixa de ser uma relação com uma falta moral ou religiosa e passa a 
ser a ruptura com a lei, esta criada por um poder político8. 
ii) A lei passa a combater aquilo que supostamente é considerado 
nocivo à sociedade: a lei penal deve simplesmente representar o que é 
útil para a sociedade, considerando repreensível o que é nocivo a ela9. 
iii) O crime passa a ser definido como um dano social: o crime deixa 
de ser algo aparentado com o pecado. Passa a ser crime algo que 
danifica a sociedade: um dano social,uma perturbação, um incômodo 
para o grupo10. 
 
Ao se alterar o conceito de crime, muda-se também a definição de 
criminoso. Este, agora, apresenta-se não mais como um pecador, mas sim como 
um inimigo da sociedade. Desse modo, a punição não é mais vista como uma 
vingança, mas como uma forma de inibir a conduta reprovável ou de reparar o 
dano sofrido pela sociedade: 
 
“Há, por conseguinte, também, uma nova definição de 
criminoso. O criminoso é aquele que danifica, perturba a 
sociedade. O criminoso é o inimigo social. Encontramos 
isso muito claramente em todos esses teóricos como 
também em Rousseau, que afirma que o criminoso é 
aquele que rompeu o pacto social. O criminoso é um 
inimigo interno, como indivíduo que no interior da 
sociedade rompeu o pacto que havia teoricamente 
estabelecido, é uma definição nova e capital na história da 
teoria do crime e da penalidade”11. 
 
Tudo isso faz com que passe a existir uma série de mecanismos sociais 
e estatais de controle dessas pessoas consideradas inimigas da sociedade: 
 
 
8 Idem. Ibidem. P. 80. 
9 Idem. Ibidem. P. 81. 
10 Idem. Ibidem. 
11 Idem. Ibidem. P. 84. 
i) alastra-se o modelo de disciplina-bloco: as pessoas passam a ser 
controladas e vigiadas permanentemente. Até mesmo dentro de suas 
casas, as pessoas estão monitoradas, por exemplo, nos dias de hoje, no 
suposto combate ao terrorismo, vários governos nacionais controlam 
as pesquisas que seus cidadãos fazem na internet; 
ii) inverte-se a finalidade dos processos disciplinares: anteriormente, 
cabia o controle das populações para neutralização dos perigos, agora, 
o objetivo é aumentar a utilidade dos indivíduos, por exemplo, no 
Brasil, até recentemente, existia a tipificação penal da vadiagem, que, 
basicamente, era a punição de quem não trabalhava, sendo 
fisicamente apto a isso, o que obviamente, nos termos da lei, só se 
aplicaria aos pobres, visto que o ócio não seria ilícito se a pessoa 
tivesse renda para se manter; 
iii) ramificam-se os mecanismos disciplinares: as disciplinas se 
decompõem em processos flexíveis, por exemplo, a escola não vigia 
apenas as crianças, mas também, indiretamente, os hábitos dos pais. 
iv) estatizam-se os mecanismos de disciplina: a polícia, os hospitais, 
as escolas acabam por não apenas prestar sua atividade finalística, 
mas também, indiretamente, monitorar se as pessoas estão cumprindo 
seus papéis sociais, por exemplo, nos primeiros anos da epidemia de 
AIDS no mundo, o discurso foi todo voltado ao enquadramento social 
dos homossexuais, o que, hoje se sabe, passava ao largo de questões 
estritamente médicas. 
 
Essa sociedade da disciplina é fundada em um Biopoder, que pode ser 
conceituado como a força que a comunidade e o Estado aplicam, por meio de 
técnicas diversas, sobre os corpos dos indivíduos com o intuito de os subjugar, 
de modo que se tornem submissos aos ditames tidos como normais, o que possui, 
principalmente, um fim de os deixar aptos a realizar atividades econômicas, mas 
que também se presta ao dominador poder gozar de seu poder sobre o 
dominado. 
 
Segundo Foucault, os corpos são concomitantemente dóceis e frágeis, 
sendo possível manipulá-los facilmente, ou seja, são passíveis de dominação. 
Segundo o pensador, pode-se aplicar a disciplina para fabricar corpos dóceis, 
capazes de desempenhar as mais variadas tarefas. O objetivo de tal disciplina é 
multiplicar a existência de sujeitos laboralmente ativos e sem a menor resistência 
contra o poder. O corpo somente poderia ser utilizado como fonte econômica e 
como força útil se, ao mesmo tempo, fosse produtivo e submisso. 
 
Será visto abaixo que isso se manifesta das formas mais evidentes, 
como na posse direta dos corpos dos indivíduos, o que ocorre, por exemplo, na 
prisão, mas a ocorrência não se dá apenas de forma tão clara. Há ramificações 
múltiplas, por vezes, de modo completamente indireto, como no campo da 
estética, por meio dos padrões de beleza que impõem um referencial corporal, 
tendo as pessoas que lutar para se enquadrar em tais estereótipos pela disciplina 
adestradora do treino físico, usando drogas potencialmente prejudiciais à saúde, 
por meio de procedimentos cirúrgicos mutiladores ou correndo o risco de 
desenvolver transtornos alimentares como anorexia, bulimia etc. 
 
Revelam-se assim as chamadas violências sutis, isto é, o exercício do 
poder por meio do adestramento dos corpos, diluído em rotinas, signos e 
linguagem. Essas são as ferramentas de uma microfísica do poder12. 
 
O espaço social é, por excelência, o locus do exercício da disciplina, isto 
é, da formação de corpos dóceis: 
 
“É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser 
utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado. Os 
famosos autômatos, por seu lado, não eram apenas uma 
maneira de ilustrar o organismo; eram também bonecos 
políticos, modelos reduzidos de poder: obsessão de 
Frederico II, rei minucioso das pequenas máquinas, dos 
regimentos bem treinados e dos longos exercícios”13. 
 
A mais flagrante manifestação do biopoder é por meio da prisão. 
 
Um outro conceito foucaultiano inerente à sociedade da disciplina é o 
de ortopedia social, que, segundo o pensador, vai se manifestar no aumento da 
complexidade da sociedade e intensificação das relações humanas no início do 
século XVIII. Foucault destaca que, nesse período, vão surgir diferentes grupos 
sociais com um papel controlador e disciplinador do sujeito. Com isso, resta 
nítida a ausência de exclusividade do Estado no controle do indivíduo. Diversos 
grupos laterais, chamados por Foucault de instituições de vigilância, passam a 
igualmente realizar esse papel, gerando a ortopedia social. 
 
A ortopedia social revela a compreensão do que é o poder em 
Foucault, ponto que demonstra seu distanciamento em relação a Marx, pois, para 
o francês, o poder não pertence a classes, grupos, ou indivíduos específicos, mas 
é algo diluído no seio social e, aquele que tiver a oportunidade de usar o poder, 
o usará. Seja o pai contra o filho, o marido contra a esposa, o professor contra o 
aluno e vice-versa, pois, se for possível que ocorra a inversão de papéis, aquele 
que outrora era objeto do poder não hesitará em usá-lo contra aquele que antes 
era seu sujeito. 
 
A ortopedia social manifesta-se por meio de posturas corretivas e 
punitivas perpetradas por quem exerce o controle social sobre os indivíduos 
tidos por desviantes (a escola e os grupos religiosos, por exemplo). A ortopedia 
social, como o nome evidencia, busca o endireitamento dos corpos. Essa ortopedia 
 
12 Idem. Microfísica do Poder. 6ª edição. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2017. P. 284. 
13 Idem. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. 20ª edição. São Paulo: Vozes, 1999. P.118. 
é baseada nas práticas disciplinares e nos procedimentos de controle e de punição 
dos comportamentos dos corpos individuais. 
 
A ortopedia social é uma forma de manifestação do poder na sociedade 
disciplinar e a prisão é a instituição por excelência da ortopedia social. 
 
2.10.4 Do Suplício à Prisão. Da Prisão à Prisão sem Grades. 
 
Como vai expor Foucault, a partir de mais uma análise genealógica, a 
disciplina é assim uma evolução em relação aos antigos métodos de dominação, 
como a escravidão, a vassalagem e a domesticação, pois foca no aprimoramento 
dos atos, dos movimentos, sem com isso descuidar de estabelecer um estado 
eficaz de submissão: 
 
“Esses métodos que permitem o controle minucioso das 
operações do corpo, que realizam a sujeição constante de 
suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-
utilidade, são o que podemos chamar as ‘disciplinas’. 
Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo: 
nos conventos, nos exércitos, nas oficinas também. Mas as 
disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e 
XVIII fórmulas gerais de dominação. Diferentes da 
escravidão,pois não se fundamentam numa relação de 
apropriação dos corpos; é até a elegância da disciplina 
dispensar essa relação custosa e violenta obtendo efeitos 
de utilidade pelo menos igualmente grandes. Diferentes 
também da domesticidade, que é uma relação de 
dominação constante, global, maciça, não analítica, 
ilimitada e estabelecida sob a forma da vontade singular 
do patrão, seu ‘capricho’. Diferentes da vassalidade que é 
uma relação de submissão altamente codificada, mas 
longínqua e que se realiza menos sobre as operações do 
corpo que sobre os produtos do trabalho e as marcas 
rituais da obediência. Diferentes ainda do ascetismo e das 
‘disciplinas’ de tipo monástico, que têm por função 
realizar renúncias mais do que aumentos de utilidade e 
que, se implicam em obediência a outrem, têm como fim 
principal um aumento do domínio de cada um sobre seu 
próprio corpo. O momento histórico das disciplinas é o 
momento em que nasce uma arte do corpo humano, que 
visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem 
tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de 
uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais 
obediente quanto é mais útil, e inversamente. Forma-se 
então uma política das coerções que são um trabalho 
sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus 
elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O 
corpo humano entra numa maquinaria de poder que o 
esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma ‘anatomia 
política’, que é também igualmente uma ‘mecânica do 
poder’, está nascendo; ela define como se pode ter 
domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para 
que façam o que se quer, mas para que operem como se 
quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que 
se determina”14. 
 
As disciplinas são assim uma tecnologia moderna de dominação, que 
não necessita subjugar com uma força física contra o corpo do acusado, mas o 
domina pela ideologia e pelo convencimento, ou seja, por forças imateriais. 
Registre-se, todavia, que isso não significa que não se possa usar a força física se 
necessário for. 
 
A prisão, indubitavelmente, é o mais perceptível espaço de 
conformação de corpos dóceis. É o local de adestramento, limitação, força e 
opressão modelar. 
 
A prisão, no entanto, tem a sua própria história, nascendo com a 
reforma humanista do século XVIII, em substituição às execrações públicas 
medievais, também chamadas de suplícios, técnica diferenciada de produção de 
sofrimento, centrada no corpo do réu como meio probatório, cujo cerimonial 
judiciário supostamente traria à luz a verdade do crime. Nos suplícios, o corpo 
do acusado era o meio probatório do processo judicial. 
 
Assim, se alguém é posto em uma fogueira e não arde em chamas, 
significa que Deus o considerou inocente e, por isso, estaria absolvido da 
acusação. Outro exemplo era a famosa roda medieval, que possuía variações, 
mas, normalmente, consistia em os réus serem colocados em uma roda de carroça 
com os membros esticados ao longo de seus raios compostos de robustas vigas 
de madeira. A roda então era girada vagarosamente e um grande martelo era 
usado para golpear o membro do acusado que ficava sobre o vão entre as vigas, 
despedaçando ossos e membros: 
 
 
14 Idem. Ibidem. P. 119. 
 
 
 
O suplício traz a noção inconsciente de que alguém que passa por 
aquilo, sob a tutela das instituições e da comunidade, só pode ser de fato culpado 
e merecedor do sofrimento: 
 
“O suplício penal não corresponde a qualquer punição 
corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, 
um ritual organizado para a marcação das vítimas e a 
manifestação do poder que pune: não é absolutamente a 
exasperação de uma justiça que, esquecendo seus 
princípios, perdesse todo o controle. Nos ‘excessos’ dos 
suplícios, se investe toda a economia do poder. 
O corpo supliciado se insere em primeiro lugar no 
cerimonial judiciário que deve trazer à luz a verdade do 
crime”15. 
 
 
Ainda existem suplícios na atualidade? 
 
Antes de seguir na análise do pensamento de Foucault, é importante 
fazer uma conexão entre o pensamento do autor e a atual realidade brasileira. 
Nesse sentido, é imprescindível atentar para as violências sutis (às vezes, nem sutis 
são) do contexto brasileiro, em que a análise do cárcere não se pode limitar à pena 
institucionalizada pelo Estado. 
 
Em verdade, articula-se um conjunto coordenado e integrado de 
atores que extrapola os limites da atuação legal, sabidamente, aqueles definidos 
pela lei e pela Constituição. A mídia de massa, por exemplo, protagonizada nesse 
cenário pelos programas policiais, integra um conjunto de violências estruturais 
do encarceramento (enquanto processo social). Mídia essa que tem por alvo os 
mais frágeis: menores, dependentes químicos, mulheres e homossexuais. 
 
 
15 Idem. Ibidem. Pp. 37 e 38. 
https://www.google.com.br/url?sa=i&url=https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/conheca-10-metodos-tenebrosos-de-punicao-capital.phtml&psig=AOvVaw1p_T8pCjj9YHxuV9JbC2AB&ust=1587234721920000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCMChhOOM8OgCFQAAAAAdAAAAABAD
Esses programas ditos policiais achincalham e humilham, em um 
processo de seleção arbitrária de párias sociais, contribuindo para a reprodução 
de um sistema de punição extra estatal, que se inicia antes mesmo do 
indiciamento e tem o potencial de perdurar tempos após cumprida a pena. Esse 
foi um dos motivos da inserção do Art. 28 da nova Lei de Abuso de Autoridade 
(Lei Nº. 13.869/19): “divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com 
a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou 
ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado”. 
 
Ainda nesse contexto, as ferramentas penais não detêm apenas 
funções objetivas, mas estão a todo o tempo sujeitas a ressignificações. As 
algemas, por exemplo, instrumentos de contenção, também são signos. Seu uso 
nunca é ou foi exclusivamente voltado à proteção da integridade física dos 
carcereiros ou do próprio preso, mas também ato de violência simbólica, de 
exercício do poder e de dominação institucionalizados; trata-se da primeira 
expressão de uma relação hierárquica que se desenvolverá durante um inquérito 
entre Estado e indivíduo. Assim, um indivíduo algemado em um júri, por 
exemplo, já forma no inconsciente dos jurados uma imagem de condenação. 
 
Essa é a razão de ser da Súmula Vinculante Nº. 11: “Só é lícito o uso 
de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à 
integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada 
a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e 
penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a 
que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. 
 
Dessarte, a espetacularização do processo e o uso de algemas são, por 
isso, demonstrações da força do Estado sobre o indivíduo não só para disciplina, 
mas também como mecanismos de criação inconsciente de uma noção de uma 
culpabilidade nem sempre real. Não chega ao esquartejamento físico, mas segue 
a lógica de introjeção inconsciente de que se a pessoa está passando por aquilo é 
porque merece. Algo típico da lógica do suplício. 
 
Com efeito, Foucault demonstrará como, a partir do século XVIII e, 
especialmente, do XIX, o suplício foi substituído pela prisão. Foucault deixa claro, 
no entanto, que o movimento do reformismo penal do século XVIII não refletiu 
de modo detido sobre a prisão, mas de modo acidental. Assim, esta foi 
incorporada de modo intenso, quase sem justificação teórica: 
 
“Esta ideia de aprisionar para corrigir, de conservar a 
pessoa presa até que se corrija, esta ideia paradoxal, 
bizarra, sem fundamento ou justificação alguma ao nível 
do comportamento humano tem origem precisamente 
nesta prática”16.16 Idem. Ibidem. P. 84. 
Nos mesmos moldes, recentemente, Élcio Arruda afirmou: 
 
“O paradoxo do cárcere, a despeito de secular, ainda 
subsiste inextricável: preparar o preso para a liberdade 
sob clausura, em condições de não liberdade”17. 
 
Não obstante isso, a prisão substitui o suplício, reproduzindo aquela 
o sentimento de morte típico deste. Resta a ausência para quem vai ao cárcere 
assim como para quem fica. Além disso, e, aí, sua grande vantagem, em termos 
de lógica de dominação, a prisão ainda possibilita o controle sobre o corpo do 
preso. A possibilidade de disciplinar seu corpo, torna-lo dócil, adestrá-lo, enfim, 
“ressocializá-lo”, o que, em boa medida, significa fazê-lo apto ao trabalho. 
 
Na visão de Foucault, isso explica o triunfo da prisão enquanto 
método punitivo na modernidade. Trata-se do prolongamento da disciplina, 
aplicado sobre os corpos, pensado exclusivamente para a observação e vigilância. 
 
Nesse contexto, destaca-se o modelo máximo de vigilância prisional 
na visão de Foucault: o Panóptico. 
 
O Panóptico pode ser imaginado como uma prisão com estrutura 
arquitetônica circular (quadrangular, hexagonal, octogonal etc.) em que as celas 
são dispostas ao redor de um observatório, de modo que o carcereiro pode 
observar todos os prisioneiros, sem que estes saibam se estão ou não sendo 
vigiados naquele exato momento, o que ocasiona uma sensação de vigilância 
permanente. 
 
 
 
 
17 ARRUDA, Élcio. Prisões Federais. Revista do Tribunal Regional da 1ª Região. V. 22. N. 7. Jul. 
Brasília, 2010. Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/34737. Acesso em: 
17.04.2020. Às 16h19min. P. 2. 
O Panóptico maravilhou pensadores importantes do século XVIII, 
como Jeremy Bentham. Inclusive, é conhecido como Panóptico de Bentham. Seu 
efeito mais importante é induzir no observado (no detento, em sua cela) um 
estado consciente e permanente de visibilidade que assegura a operacionalização 
automática do poder. Trata-se de fazer com que a vigilância seja permanente em 
seus efeitos, mesmo se não é contínua em sua manifestação. É a perfeição do 
poder, pois domina constantemente mesmo quando não está sendo exercitado. 
 
Nas palavras do autor: 
 
“É uma forma de poder que se exerce sobre os indivíduos 
em forma de vigilância individual e contínua, em forma 
de controle de punição e recompensa e em forma de 
correção, isto é, de formação e transformação dos 
indivíduos em função de certas normas”18. 
 
O panóptico transcende assim a questão de uma estrutura física. Trata-
se de uma estrutura arquitetônica com repercussões políticas e uma estrutura 
política de expressão arquitetônica. 
 
Houve várias prisões no mundo com formato Panóptico, mas o 
panoptismo extrapolou o mundo prisional, sendo adotado em hospitais, escolas, 
fábricas, escritórios: 
 
“Uma forma de arquitetura que permite um tipo de poder 
do espírito sobre o espírito; uma espécie de instituição 
que deve valer para escolas, hospitais, prisões, casas de 
correção, hospícios, fábricas, etc.”19. 
 
Além disso, com o desenvolvimento tecnológico, as ruas passaram a 
ser vigiadas por centenas de câmeras, seja de segurança pública ou privada, há 
controle por satélite, geolocalização nos celulares etc. A sociedade da disciplina é 
uma sociedade panóptica, em que o ser humano é permanentemente vigiado. 
Cada passo é gravado e analisado por indivíduos desconhecidos, mas que 
exercem sua autoridade sobre o sujeito, que sabe estar sendo monitorado, mas 
adestra-se e naturaliza este processo. 
 
 
Outros Panópticos Contemporâneos relacionados à restrição de 
Liberdade: 
 
Hodiernamente, é perceptível a semelhança entre o panoptismo e o 
monitoramento eletrônico. Esse último tem se tornado cada vez mais comum no 
contexto da execução penal brasileira, na qual os indivíduos são liberados da 
 
18 Idem. Ibidem. P. 103. 
19 FOUCAULT, Michel. Verdade e suas Formas Jurídicas. P. 87. 
prisão em regime fechado por meio da progressão de pena e passam a circular 
na sociedade com a popularizada “tornozeleira eletrônica”. 
 
Esse aparelho é dotado de um localizador que transmite em tempo 
real para as autoridades penais a localização do apenado, de maneira a impedir 
fugas e controlar o acesso a determinados lugares que porventura tenham seu 
acesso vedado. 
 
É perceptível a semelhança entre o monitoramento eletrônico e o 
panoptismo. Assim como no último, inexiste uma vigilância física constante ao 
lado do indivíduo, mas há a sensação de ininterrupta fiscalização de seus passos, 
além do estigma da exposição do aparelho. Desse modo, o apenado é 
disciplinado pela opressão da vigilância, devendo adotar os comportamentos 
dele exigidos pelas autoridades, sob pena de retornar ao cárcere. 
 
Foucault analisará então a prisão no cenário atual da sociedade 
capitalista. Para o autor francês, o aprisionamento só tem sentido em relação a 
uma possível correção, e a uma utilização econômica dos criminosos corrigidos. 
A combinação trabalho/isolamento é fundamental nesse contexto. 
 
A prisão domina o corpo, o que fica claro no estabelecimento das 
funções das prisões por Foucault: 
 
i) A dominação do tempo de vida e sua transformação em tempo de 
trabalho; 
ii) Controle do corpo com adestramento e disciplina; 
iii) Criação de um poder polimorfo (o biopoder). 
 
Considerando isso, seu objetivo é moldar o indivíduo para que se 
torne uma máquina de trabalho que gere resultados econômicos, é preciso 
instituir regras e regimes de atividades meticulosamente organizados e sob 
permanente vigilância, de maneira a disciplinar o apenado. Foucault, então, 
apresenta as principais técnicas de organização das disciplinas: 
 
i) Distribuição espacial: o local deve ser constituído por ambientes 
fechados, cercado e heterogêneo; 
ii) Quadriculamento: cada indivíduo ocupa um desses lugares, não 
sendo aceita a divisão entre dois ou mais pessoas. O objetivo é 
individualizar ao máximo a atividade; 
iii) Localizações funcionais: o espaço deve relacionar-se à 
produtividade, proporcionando a máxima produção por cada um dos 
apenados; 
iv) Dinamicidade de classificações: há uma divisão em filas, 
repartidos mediante uma classificação hierárquica entre os 
disciplinados. 
 
Tais técnicas visam a contribuir para a ideia de economia de tempo e 
esforços inerente ao exercício da disciplina. Produção máxima em menor tempo. 
Além disso, facilitam sobremaneira o controle da produtividade de cada um dos 
indivíduos, sendo possível cobrar daqueles que menos produzem a fim de 
padronizar a produção. 
 
O tempo é outro fator essencial, ressaltando Foucault a importância 
do horário, enquanto aproveitamento ótimo da disposição do corpo à disciplina. 
Não é, contudo, apenas uma macro divisão do tempo que impressiona o autor, 
mas também as micro divisões que se alastram nas disciplinas. 
 
Destarte, mediante o controle das atividades e do tempo, maximizado 
pela situação de encarceramento do sujeito, em que se torna mais fácil a 
imposição de regimes disciplinares e a fiscalização, ocorre a produção do 
indivíduo destinado a produzir riqueza, sob o manto de uma suposta 
recuperação do criminoso e transformação em cidadão produtivo, logo, em um 
sujeito (ou seria objeto?) interessante ao modelo capitalista de produção. 
 
Foucault sempre ressalta o processo de adestramento existente nas 
prisões, processo sempre acompanhado de observação permanente 
(panoptismo). O adestramento é o fim almejado por esses técnicos do 
comportamento, engenheiros da conduta, ortopedistas da individualidade. Fabricam 
corpos dóceis e capazes, por meio do controle cronológico dos trabalhos e 
exercícios físicos. Tudo a estimular uma produtividade do preso. 
 
É possível que, neste ponto, eventualmente, não se consiga reconhecer 
esse regime de disciplina nas trevas do mundo carcerário brasileiro, que,reconhecidamente, vive em um estado de coisas inconstitucional. Sobre este 
ponto, algumas reflexões devem ser empreendidas. 
 
Em primeiro lugar, Foucault escreveu a partir de uma visão europeia, 
portanto, com um olhar de como esse processo ocorre no capitalismo central. No 
Brasil, periferia do capitalismo, obviamente, as condições estruturais terão suas 
peculiaridades. Ainda assim, é válido registrar, como segunda reflexão, que no 
Brasil o modelo disciplinar nos estritos termos foucaultianos existe em vários 
locais como, por exemplo, no Sistema Penitenciário Federal, marcado por um 
rigor disciplinar nos termos relatados pelo pensador francês. O terceiro aspecto 
a ser frisado é que aqui, periferia do capitalismo, se há um cenário sombrio no 
sistema carcerário de um modo geral, isso não significa que não exista uma lógica 
própria nesse processo. O terrível sistema de execução penal brasileiro possui 
uma rede intrincada de relações econômicas que dele se alimenta. Há uma 
empresa sendo desenvolvida dentro da máquina carcerária brasileira, que 
fomenta o tráfico de drogas, o estelionato, a corrupção dos atores do sistema. 
Todo esse empreendimento é lucrativo, por isso, se mantém. 
 
Nesses termos, o sistema carcerário brasileiro não deve ser visto como 
uma disfunção. Pelo contrário, deve-se buscar compreender qual a lógica por trás 
desse aparente caos. A hipótese que aqui se sustenta, com base no pensamento 
foucaultiano, é que o terror das prisões brasileiras tem como objetivo fortalecer 
na sociedade brasileira o efeito que a prisão causa sobre o corpo social, ou seja, 
sobre quem não está atrás das grades, o que será tratado agora abaixo. 
 
Com efeito, possivelmente, o mais importante efeito da prisão 
demonstrado por Foucault seja o impacto que exerce sobre todo o corpo social, o 
que pode ser chamado de princípio da relativa continuidade da quantidade de 
instituições-totais que se complementam (hospital, orfanato, refúgio, cidade 
operária, prisão). 
 
“Nesta sociedade panóptica, cuja defesa onipresente é o 
encarceramento, o delinquente não está fora da lei; mas 
desde o início dentro dela, na própria essência da lei ou 
pelo menos bem no meio desses mecanismos que fazem 
passar insensivelmente da disciplina à lei, do desvio à 
infração”20. 
 
Isto é, para Foucault, a difusão dos mecanismos de disciplina na 
sociedade permite entender a prisão como uma de suas instituições, distinta 
apenas em grau das outras instituições-totais que fomentam esse sistema: 
 
“Entre a última das instituições de ‘adestramento’ onde a 
pessoa é recolhida para evitar a prisão, e a prisão aonde 
ela é enviada depois de uma infração caracterizada, a 
diferença é mau e mal perceptível (e deve ser)”21. 
 
Vejam-se, por exemplo, as casas de internação de adolescentes, que 
são juridicamente distintas da prisão, mas que, na prática, muito se assemelham 
àquele aparato punitivo. A prisão acaba sendo o arquétipo de uma sociedade que 
pune quem a ela não amolda; que está sempre em busca de reprimir aqueles que 
não são bons meninos. 
 
E quem seriam os bons meninos? Em regra, aqueles que trabalham; que 
seguem os padrões produtivos do modelo capitalista; aqueles que não 
questionam o sistema posto. 
 
A sociedade da disciplina, punitivista, pode ser compreendida como 
um continuum carcerário (expressão utilizada por Foucault). Todos estão presos 
permanentemente. Os violadores do modelo produtivo estão efetivamente atrás 
das grades. Os demais estão presos ao modelo produtivo em si mesmo. 
 
 
20 Idem. Vigiar e Punir. P. 89. 
21 Idem. Ibidem. 
Afirma o filósofo: 
 
“Portanto, se há um desafio político global em torno da 
prisão, este não é saber se ela será não corretiva; se os 
juízes, os psiquiatras ou os sociólogos exercerão nela mais 
poder que os administradores e guardas; na verdade ele 
está na alternativa prisão ou algo diferente da prisão. O 
problema atualmente está mais no grande avanço desses 
dispositivos de normalização e em toda a extensão dos 
efeitos de poder que eles trazem, através da colocação de 
novas objetividades”22. 
 
Disso tudo, podem ser extraídas as conclusões de Foucault a respeito 
dos impactos da prisão sobre o corpo social: 
 
i) A prisão inocenta todas as outras instituições de serem prisões; 
ii) O sistema capitalista se incrusta na existência humana. Para haver 
sobre-lucro é necessário haver sub-poder; 
iii) O sub-poder cria saberes. 
 
A prisão inocenta todas as outras instituições de serem prisões, pois 
ela é modelada para ser tão cruel e disciplinadora que cria a sensação de que 
qualquer coisa é melhor do que a prisão, mesmo a realidade miserável em que a 
maioria da população vive. 
 
Isso gera a ideia de que é melhor ser um sujeito produtivo, que não 
questiona o sistema econômico e as regras políticas, do que acabar aprisionado. 
Encrusta-se assim no espírito a dominação, o que é interessante a quem se 
beneficia nesse sistema. Essa dominação ao nível psicológico é o que se pode 
chamar de sub-poder, que, nitidamente, é muito interessante ao sistema de 
produção capitalista, gerando os sobre-lucros de seus grandes mandatários, o 
que é bastante coerente mesmo com o cenário brasileiro. 
 
Tudo isso leva a perceber que o sistema carcerário atual - na versão 
disciplinadora ou como um estado de coisas inconstitucional - não é um acaso, 
mas uma engenharia de poder no sistema capitalista. 
 
 
 
22 Idem. Ibidem.

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