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Tema 3 - Conceito de centro e periferia na dinâmica de espaço

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13/03/2024, 16:55 Conceito de centro e periferia na dinâmica de espaço
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04608/index.html# 1/60
Conceito de centro e periferia na dinâmica de espaço
Prof. João Rafael Gualberto de Souza Morais
Descrição
O conceito de centro e periferia, a dinâmica espacial e seus contornos
políticos/societários na produção de assimetrias de poder.
Propósito
Compreender de forma histórica e conceitual a relação entre centro e
periferia na formação do espaço, indicando como ambos atravessam as
tensões geradas pelo modelo socioeconômico hegemônico e pelas
lutas políticas que se dão a partir dessas contradições.
Objetivos
Módulo 1
Espaço e poder
Reconhecer a formação social da relação centro-periferia como
forma de organização social das tensões resultantes do modelo
econômico.
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Módulo 2
Centro e periferia na dimensão internacional
Analisar a relação centro-periferia na dinâmica social/política
internacional sob uma perspectiva histórica.
Módulo 3
Centro e periferia na dinâmica social
brasileira
Identificar o panorama das relações centro-periferia na sociedade
brasileira contemporânea.
Introdução
A noção de centro e periferia constitui um dos cernes de análise
da sociologia política contemporânea. Sua análise passa
fundamentalmente pelo problema da centralização política, que
produz um centro de poder responsável por mediar as tensões
sociais comunitárias. Esse centro será objeto de disputa pelos
grupos de interesse organizados socialmente dentro do âmbito
das fronteiras do mesmo poder constituído e soberano.
Neste conteúdo, abordaremos a discussão sobre centro-periferia
em três recortes elementares: uma discussão conceitual sobre a
formação política no espaço e a disputa/centralização do poder,
que promove relações de governança e distribuição de recursos
sujeitos a disputas políticas; uma análise da conjuntura
internacional do conceito a partir da formação do mundo
moderno/contemporâneo, ou seja, uma análise das relações
centro-periferia no espaço mundial; e, por fim, um debate sobre a

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formação centro-periferia no Brasil, destacando o lugar do país
na relação centro-periferia internacional e os aspectos da
formação social brasileira que produziram as relações centro-
periferia no interior do seu território (onde observam-se
desigualdades históricas e profundas).
1 - Espaço e poder
Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer a formação social da relação centro-
periferia como forma de organização social das tensões resultantes do modelo econômico.
Espaço e centralização política:
poder, território e soberania
Política e território: uma longa
relação
Antes de mergulhar na relação de espaço e poder, vamos perceber
como a questão foi historicamente vista e construída.

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Podemos definir “espaço” não só como um recorte da superfície física e
natural da Terra, mas também como o resultado das relações humanas
que deixam suas marcas nesse recorte natural ou como uma referência
à mera localização. O vocábulo espaço definitivamente é usado em
diferentes escalas, seja um cômodo seja uma nação.
Na ciência geográfica, muito heterogênea em abordagens, o conceito é
tratado de diferentes maneiras a depender da corrente teórica. Na
geografia tradicional:
O espaço é visto como uma base
indispensável para a vida do
homem, encerrando as condições
de trabalho, sejam essas condições
naturais ou condições socialmente
produzidas. Desse modo, o domínio
do espaço transforma-se em
elemento crucial na história do
homem.
(CORRÊA, 2000, p. 18)
O poder, por sua vez, se dá a partir de relações de dominação
produzidas em dado espaço e em dado tempo. Espaço e tempo são,
como já nos diz a própria física einsteiniana, um continuum, um
combinado que não pode ser dividido.
Tempo e espaço, em suma, não podem ser reduzidos a tubos de ensaio
separados. Portanto, quando falamos aqui em “espaço”, estamos nos
referindo ao espaço humano e histórico, em que o espaço físico e o
tempo produzem um tempo histórico e uma época, que, na filosofia
alemã, convém chamar de zeigeist (ou “espírito do tempo”).
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Dessa forma, é no espaço histórico que se dão as
relações humanas, as quais são desde sempre
politicamente organizadas para produzir comunidades
pautadas por alguma forma de cultura política e
organizacional com o objetivo de orientar todas as
dimensões da vida humana segundo limites
fisicamente mensuráveis.
A tais limites, damos o nome de “fronteiras”, que compõem um
“território”, isto é, um espaço politicamente significado a partir da
instituição de um poder (dominação) soberano(a).
A centralização política, portanto, consiste na pacificação de um
território antes em disputa por alguma força vencedora da contenda,
que se instala nele e se legitima no exercício do poder sobre a
comunidade demarcada pelas fronteiras desse território.
Milenioscuro / Wikimedia Commons
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Jorge Pimentel Cintra / Wikimedia Commons
Mapa do Brasil e capitanias hereditárias (antigo e novo).
As imagens mostram os territórios das capitanias hereditárias.
Unidades politicamente concebidas e sujeitas à soberania do Império
Português, elas foram primeiras formações territoriais do Brasil. A seu
redor, é possível ver o recorte físico do continente sul-americano, ainda
fora do alcance das fronteiras políticas da soberania portuguesa.
Fronteira
O conceito de “fronteira” é uma decorrência da territorialidade, que
pressupõe um domínio político que só pode ser garantido pela
instituição de uma autoridade legítima sobre um território defensável. A
noção de fronteira revela-se fundamental para consolidar o limite entre
dentro e fora, essencial para se refletir sobre a política.
A reflexão sobre o conceito de “território” suscita a
reflexão sobre a própria soberania, que corresponde à
institucionalização de uma autoridade política
territorializada com limites claros e invioláveis.
Essa noção foi legada, em sua acepção moderna, pelo Tratado de
Westiphalia (1648), que instituiu os parâmetros legais e políticos do
sistema internacional moderno como consequência da formação do
Estado como arquétipo da centralização política moderna.
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Thomas Hobbes.
Thomas Hobbes (1974) pensou a soberania a partir da ideia
contratualista, segundo a qual os indivíduos deliberadamente e de
comum acordo cedem sua liberdade em troca da segurança a um ente
produzido pela soma de suas vontades e liberdades, chamado pelo
autor de Leviatã. A ilustração do Estado em Hobbes (1974) seria a
alegoria de um monstro marinho bíblico cuja função é garantir a
segurança baseado na imposição da lei e dos dispositivos coercitivos
necessários para garanti-la.
A soberania, a qual, em estado de natureza (o momento pré-contratual),
está em cada indivíduo, levando a uma guerra de todos contra todos,
agora se vê concentrada no Estado, que passa a reger a vida dos
indivíduos sobre um território. A definição clara sobre a função da
territorialidade, com fronteiras bem definidas e reconhecidas
reciprocamente entre os Estados, foi ratificada pelo Tratado de
Westiphalia, contemporâneo à obra de Hobbes (1974).
O exercícioda soberania requer uma autoridade sobre
um território com limites claros e tangíveis a fim de
que eles possam ser defendidos.
O espaço da política mundial, isto é, o sistema internacional, nasce da
soma dessas partes, os Estados, cujos limites entre um e outro
precisam ser muito claramente demarcados para que eles possam zelar
por suas respectivas soberanias.
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Mas tal compreensão não se esgota nas soberanias: em uma
compreensão holística, é possível dizer que o sistema internacional
possui, a partir da soma dos Estados e de seus fluxos, suas dinâmicas e
suas relações, uma ontologia própria, que produz constrangimentos
sistêmicos aos atores, além de somar ativos às suas relações.
Sistema internacional
Os Estados formam, no conjunto de suas relações, um sistema de
Estados (ou um sistema internacional). Esse sistema é caracterizado
por relações de competição e cooperação que interagem sob dinâmicas
volúveis em um ambiente sem nenhuma centralidade política.
Diferentemente dos Estados que o constituem, o espaço internacional é
carente de uma soberania mundial, sendo composto pelo conjunto das
soberanias que disputam os espaços geopolíticos em recortes físicos
do planeta. As relações geopolíticas, afinal, projetam-se para além
desses recortes naturais, ocorrendo no lastro de interesses e
capacidades econômicas, sociais, políticas e militares.
O espaço internacional é um quebra-cabeças de territórios soberanos,
dotados de força relativa e hierarquicamente dispostos segundo suas
próprias capacidades. O sistema internacional, portanto, é a
consequência do passo seguinte à centralização dos Estados, isto é, a
postura defensiva que uns assumem perante os demais, o que muitas
vezes os conduz à conquista e à expansão de territórios, recursos e
poder.
A necessidade de assegurar a defesa da comunidade e da soberania
pode justificar a busca pela potência que se materializa na guerra de
conquista. Em um mundo marcado por tensões geopolíticas
permanentes e sem garantias externas aos poderes dos próprios
Estados, não há maior garantia de segurança do que ser temido. Afinal,
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até a dissuasão, etapa anterior à aplicação concreta da força, demanda
a credibilidade dessa força, ou seja, dissuadir requer uma potência real.
Resumindo
Ao consolidarem o controle sobre o território, os Estados passaram à
especialização do emprego da violência orientada para fora,
constituindo um sistema de Estados que passou gradativamente a
observar algumas regras derivadas da premissa da anarquia sistêmica,
isto é, a ausência de uma soberania e de uma centralidade global sobre
os Estados soberanos.
Graças à intensa competição geopolítica com as forças dos demais
Estados, sobretudo aqueles vizinhos, a centralização produziu a
necessidade do desenvolvimento permanente das forças militares.
O sistema internacional contemporâneo.
O emprego da violência (guerra) ou a ameaça desse emprego tem sido a
marca da relação entre os Estados desde os primórdios do sistema
internacional. Eles devem estar sempre prontos para garantir a defesa
de seu território, de seus recursos e de sua população, assim como para
elevar a própria força na relação com os demais Estados e para diminuir,
quando possível, o poder deles.
Para tanto, os Estados podem apelar à guerra e às alianças com outras
nações, assim como a uma variedade de combinações entre essas duas
opções. Dessa maneira, a guerra é racionalizada de acordo com o
princípio da soberania e redirecionada para ambiente externo ao Estado.
Como percebeu Hobbes (1974), os Estados (soberanos) concentram a
soberania de todos os seus súditos. Por definição, eles são insubmissos
ao contrato que os tornou soberanos e estão em estado de natureza
(em guerra) com outros Estados.
A natureza da política internacional é um estado de
guerra latente, potencial e permanente que vem sendo
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mediado por ações diplomáticas e tentativas de
institucionalizar leis e códigos de conduta que
produzam mais previsibilidade e, com isso, segurança,
mitigando os riscos do emprego da violência na
política internacional.
Apesar de esforços centenários, tais dispositivos institucionais não são
capazes de eliminar a guerra das relações internacionais, mas apenas
de reduzi-la em situações determinadas. E desde a Guerra Fria eles têm
sido reforçados por um equilíbrio promovido pela dissuasão nuclear, que
tem contribuído para impor formas pacíficas de soluções de crises entre
as potências e seus aliados.
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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Considerando a relação entre território, poder e soberania, marque a
alternativa certa.
A
O poder é a capacidade de dominar um território e
impor sobre ele o direito.
B
O sistema internacional é um espaço marcado por
um poder soberano que produz centralização
política entre os Estados.
C
A soberania é caracterizada pelos limites de um
território sujeito a disputas no sistema internacional.
D
Poder e soberania dizem respeito à capacidade de
os Estados promoverem princípios e regras para a
boa convivência internacional.
E
A soberania é a instituição de uma autoridade
legitimamente reconhecida em dado território.
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Parabéns! A alternativa E está correta.
A soberania é a garantia do direito ao corpo inviolável do Estado
(território) e só pode ser assegurada pelo domínio desse território.
Questão 2
O sistema internacional moderno, em uma visão holística, é
composto
Parabéns! A alternativa D está correta.
O sistema internacional só existe a partir da relação entre seus
membros, isto é, suas “partes”. No entanto, uma vez decomposto,
ele não se constitui apenas dessas partes, mas também das
dinâmicas produzidas a partir das suas relações. Ou seja: o todo é
maior que a soma das partes.
A apenas pelos Estados.
B por Estados e outros atores internacionais.
C por Estados, ONGs e instituições.
D
pelos atores internacionais (Estados e outros) e
pelas dinâmicas produzidas a partir das relações
entre eles.
E por Estados e seus exércitos e povos.
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2 - Centro e periferia na dimensão internacional
Ao �nal deste módulo, você será capaz de analisar a relação centro-periferia na dinâmica
social/política internacional sob uma perspectiva histórica.
Colonialismo, colonialidade e
globalização
Atividade discursiva
“A Europa é indefensável”, disse Aimé Césaire em Discurso sobre o
colonialismo (2020). O que o autor martinicano quis dizer com essa
frase?
Digite sua resposta aqui
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A discussão é sobre a construção de uma legitimidade do papel
do colonizador, que acabou por criar uma estrutura política
naturalizada por pensamento e estratégias de domínio – e que
tende a romantizar o papel do colonizado.
A Europa é indefensável!
Confira agora a apresentação do professor Daniel Vainfas sobre a teoria
de periferia do mundo e os discursos preconceituosos.
O mundo contemporâneo é o produto de um processo histórico que
remonta, em médio prazo,às origens da modernidade, no século XV. A
organização desse mundo obedece a uma hierarquia de nações. De
modo esquemático, compreendemos essa hierarquia como duas
dimensões correlatas dentro de relações de poder:
Centro
Periferia
A formação desse esquema geopolítico é o produto de um processo
histórico de cinco séculos iniciado em fins do século XV. Vamos discutir
esse processo para entender a formação do conceito de centro-periferia
como categorias históricas.
No fim do século XV, o Ocidente, geopoliticamente representado por
algumas nações europeias que lograram a consolidação do Estado
moderno, se lançou em busca da exploração de outros continentes e

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povos do globo terrestre, dando origem ao processo
contemporaneamente chamado de “globalização”. Esse processo
consiste na aproximação de espaços e territórios do planeta Terra, o que
implica uma variedade de povos organizados sob diversas formas
políticas em incontáveis soberanias e territorialidades. Pertencentes a
culturas diferentes da ocidental, tais povos e espaços foram
conquistados violentamente pelos povos europeus entre os séculos XV
e XIX.
Chegada das caravanas de Pedro Álvares Cabral no Brasil. Obra do artista Oscar Pereira da Silva,
1900.
Os europeus passaram a explorar as regiões extraeuropeias e a
submeter seus povos aos valores da cultura ocidental. Esse processo,
que chamamos de “colonialismo”, produziu as modernas relações
políticas entre os países, as quais são organizadas em um eixo centro-
periferia que tem no Ocidente geopolítico o centro e no resto, a periferia.
Assim como tudo na história, as grandes navegações europeias tiveram
uma multiplicidade de causas e razões, que, combinadas, produziram a
experiência fundadora do mundo moderno. Todos esses fatores levaram
à sistematização de relações internacionais baseadas na dominação de
diversas regiões do mundo por Estados europeus desde a conquista da
América entre finais do século XV e princípios do XVI.
O colonialismo é o processo histórico correspondente a
essa dominação. Trata-se de sua expressão não só
política, militar e econômica, mas também cultural.
O choque de culturas foi um fator a mais: relatos da conquista informam
as dificuldades dos ameríndios contra os cavaleiros europeus, já que
eles desconheciam o cavalo (animal até então inexistente no continente
americano) e interpretavam a figura do cavaleiro como uma só criatura.
Para muitos desses povos, os europeus se encaixavam em antigas
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lendas – caso dos astecas, por exemplo – sobre o retorno de deuses, o
que facilitou um primeiro contato amistoso.
Soldados escoltando “selvagens”. Obra do artista Debret, 1834.
Em outros casos, alheios à cultura belicista europeia, alguns povos
acolheram e deram os primeiros ensinamentos sobre a terra aos
europeus. Segundo o historiador Aílton Krenak (2020), os nativos
ensinaram aos europeus que caminhos tomar, que frutos comer e outras
coisas mais necessárias à sobrevivência. Todavia, em pouco tempo,
esse contato assumiria caráter de ampla resistência contra os
inconfundíveis males perpetrados pelo homem branco. Ela, porém, foi
superada pelos recursos europeus – basicamente, suas armas, germes
e aço (DIAMOND, 2001). Tais recursos levaram ao extermínio de algo em
torno de 12 milhões de nativos americanos entre os séculos XV e XVIII,
um verdadeiro holocausto!
Saiba mais
De acordo com a abordagem de autores pós-coloniais, como Aimé
Césaire (2020), Achille Mbembe (2018) e Franz Fanon (1985), a
diferença entre essa matança e aquela vivenciada por judeus e outras
minorias europeias pelas mãos nazistas durante a Segunda Guerra
Mundial é apenas o território em seu sentido cultural e étnico: enquanto
o Holocausto ocorreu dentro dos limites da Europa, o colonialismo se
deu em regiões periféricas aos limites do Ocidente “civilizado”.
Dessa forma, o mundo globalizado em que vivemos, politicamente
conceituado como um sistema internacional de Estados soberanos,
possui seus laços e suas redes sustentados na conquista colonial. A
respeito disso, podemos sublinhar um momento marcante até mesmo
para os primórdios de uma noção (colonial) de Direito Internacional: o
Debate de Valladolid.
O Direito Internacional foi criado a partir dos problemas únicos gerados
pelo encontro entre espanhóis e os indígenas. Para Dussel (2014, p. 32),
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o Debate de Valladolid é “o primeiro debate filosófico público e central
da modernidade”.
O debate apresenta duas dimensões centrais a serem analisadas
segundo o foco do tema estudado. Vamos conferir?
A discussão sobre direito natural, muito importante para todo o
desenvolvimento do pensamento liberal que marcou a cultura do
Iluminismo na Europa.
A assimilação pela esfera pública do direito e da filosofia, tanto
moral quanto política, de uma construção do Outro segundo o viés
etnocêntrico, algo que Edward Said (2007) vai chamar de
“orientalismo”, que se trata da “invenção do Oriente pelo Ocidente”.
LOREM_IPSUM
O Debate de Valladolid marca, dessa forma, um momento singular e
emblemático da construção das relações centro-periferia. Nele, dois
notórios espanhóis do século XVI discutem literalmente o que fazer com
os milhões de nativos pertencentes às Américas.
A premissa do debate é o fato consumado da conquista do território,
fato que, por sua vez, conduz à conquista dos povos que habitam nele.
Afinal, a ideia aparentemente simples de que os nativos pertencentes
aos territórios conquistados são ativos e bens também passíveis de
serem conquistados era uma decorrência histórica dos preceitos
mercantilistas que davam impulso ao movimento expansionista
europeu.
Nessa lógica, a discussão fulcral era a seguinte:
Como extrair deles o trabalho necessário para a
exploração das novas terras e qual seria o seu lugar no
novo mundo. Eram eles humanos? Será o Outro alguém
como Eu?
Retomando o conceito de colonialismo, podemos afirmar que ele
consiste em uma relação de controle sobre um território, como ilustra o
mapa do Tratado de Tordesilhas. No entanto, um território humano é
mais do que suas fronteiras, já que contém recursos e pessoas, com
suas tradições abrigadas nele.
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Dança folclórica mexicana.
Um espaço humano é, portanto, um espaço geopolítico quando
representa um lugar de cultura e tradição, assim como de costumes e
modos de vida que também precisam ser colonizados para viabilizar a
conquista e a exploração do território. Isso nos leva ao conceito de
colonialidade, que, diferentemente do colonialismo, não se limita apenas
ao domínio do território e recursos, mas também das gentes e dos seus
modos de vida, podendo inclusive transcender o próprio colonialismo
como sistema de dominação.
A relação entre a formação da modernidade, com toda
sua matriz liberal e humanística, e o brutal sistema
colonial é, portanto, uma contradição que não só está
na raiz do desenvolvimento do sistema internacional
moderno, como também estrutura a sua relação
centro-periferia.
Tendo tomado uma forma mais nítida a partir do século XX, sobretudo
após as guerras mundiais, a globalização está lastreada no sistema
colonial, isto é, na organização nuclear das relações centro-periferia
internacionais.
Em meio a esse processo, os valores capitalistas impactaram na
evolução dos Estados e das sociedades, levando a diversas revoluções
que sedimentaram ideais e valores que forneciam o espírito para o novo
sistema emergente,em oposição ao Antigo Regime, que iniciava seu
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processo de decomposição. Dessas revoluções, a inglesa, a americana
e a francesa foram as mais emblemáticas, demolindo as estruturas do
Antigo Regime na Europa e instituindo valores liberais e republicanos
baseados nas primeiras concepções modernas de direitos humanos,
sendo um franco rompimento com os valores das monarquias
absolutistas. Mas é importante destacar que toda essa revolução em
direção à ampliação de direitos estava restrita a certa concepção.
Humanismo e racismo
Em meio a esses processos políticos que culminaram em Estados
poderosos, muitos dos quais permanecem influentes e decisivos na
arena internacional até hoje, a cultura e a sociedade também mudavam.
O imaginário e a mentalidade do homem europeu do século XV era
ainda, pode-se dizer, medieval. O catolicismo era a religião dominante,
enquanto a ideia de uma Igreja Católica de poder universal era
inabalável.
No entanto, a invenção da imprensa por Gutemberg no século XV
aumentou a difusão dos textos (até dos bíblicos), ocasionando uma
ampliação do horizonte de interpretações sobre o mundo, inclusive
sobre a própria religião, fator que culminaria no início do processo
conhecido como Reforma Protestante, em 1517.
Johannes Gutenberg.
Além disso, a difusão de textos escritos alavancou também outros
domínios, como a Filosofia e as Ciências, fomentando novas ideias e
hipóteses sobre um mundo que estava em transformação por todos os
lados. A descoberta de novas terras e civilizações impactou uma
sociedade que já vivia suas próprias transformações internas e ofereceu
oportunidades para estudiosos de muitas áreas ampliarem seus
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conhecimentos e inundarem a Europa com diversas impressões até
então inimagináveis sobre o mundo.
A tais processos que revolucionaram as Artes, a
Ciência e a Filosofia, inclusive a filosofia política, dá-se
o nome de Renascimento!
O termo advém da busca por referenciais clássicos em uma tentativa de
refundar o mundo anterior à Idade Média, o mundo clássico de gregos e
romanos, povos que estabeleceram alguns dos principais pilares da
modernidade que então emergia.
Em oposição à acomodação da cosmovisão medieval restrita ao
universo dos dogmas da Igreja, os emergentes valores humanistas
estimulavam tanto a curiosidade científica e intelectual quanto a
iniciativa e o desejo pela exploração do mundo. É preciso enfatizar que o
Renascimento, ainda que originalmente amparado pela ideia do retorno
aos valores da Antiguidade Clássica (Grécia e Roma), não se limitava a
isso, até porque nenhuma cultura renasce fora de seu próprio tempo.
Além disso, o homem renascentista estava profundamente marcado
pelo universo do cristianismo, e foi nesse universo que o próprio
movimento se viu gestado. Todo homem e mulher, assim como todos os
movimentos e valores sociais, são necessariamente produtos de sua
época e de seu espaço-tempo.
A criação de Adão, obra renascentista criada pelo artista Michelangelo para compor o teto da
Capela Sistina, 1512.
Uma das características centrais desse novo conjunto de valores era o
rompimento com os horizontes medievais, sobretudo com o “dualismo”
que marca a visão de mundo daquele período. De acordo com essa
ótica da realidade, a existência das coisas está profundamente
dominada por polaridades.
Exemplo
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Corpo e alma, aparência e essência ou bem e mal.
Foi do rompimento com esses padrões que emergiam novas formas de
pensar o mundo que culminariam no resgate da Filosofia fora dos
estertores da Teologia e da ciência moderna, caracterizada
principalmente pela observação crítica, pela formulação de hipóteses e
pela experimentação. A despeito da ruptura com essas visões que
marcaram o homem medieval em direção a um novo conjunto de
valores, os homens que invadiram e conquistaram as Américas, dando
início ao colonialismo que vertebra a modernidade, eram
essencialmente medievais, sendo dominados pelos antagonismos da
visão dual da realidade.
Foi essa forma de ver o mundo (legitimada pela Igreja) que viabilizou,
em primeiro lugar, a conquista. Mas como era possível pacificar a
contradição entre os valores humanos renascentistas – alçados depois
ao Iluminismo na forma dos direitos universais defendidos pelas
revoluções liberais – e toda a violência da exploração colonial, com a
escravidão de milhões de nativos das Américas, Ásia e África?
Direitos universais defendidos pelas revoluções liberais
Tais como o Bill of rights inglês e estadunidense ou a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa.
Qual elemento ou variável permite equacionar
elementos tão contraditórios na cultura e no senso
comum do cidadão francês ou inglês, por exemplo, em
meados do século XIX? O racismo!
Os direitos humanos e toda a arquitetura filosófica da modernidade e do
liberalismo consideram a humanidade segundo um viés limitado,
eurocêntrico, e foi essa a ideologia que permitiu e legitimou a barbárie
do sistema colonial – e que ainda hoje estrutura as relações centro-
periferia nas relações internacionais.
Ora, é nesse contexto que a raça
emerge como um conceito central
para que a aparente contradição
entre a universalidade da razão e o
ciclo de morte e destruição do
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colonialismo e da escravidão
possam operar simultaneamente
como fundamentos irremovíveis da
sociedade contemporânea.
(ALMEIDA, 2019, p. 28)
Assim, para Almeida (2019, p. 31), a noção de raça ainda é politicamente
instrumentalizada para legitimar sistemas de dominação e violência
contra populações e “grupos sociologicamente considerados
minoritários”. Segundo o autor, o conceito de raça opera como:
Característica biológica
A identidade racial é atribuída por algum traço físico, como a cor da pele
ou tipo de cabelo, por exemplo.
Característica étnico-cultural
A identidade racial é associada à origem geográfica, à religião, à língua
ou a outros costumes, ou seja, a certa forma de existir.
O mundo contemporâneo, portanto, é o produto dos fluxos
internacionais promovidos pelos impulsos de conquista europeus.
Raça e racismo são produtos do
intercâmbio e do fluxo internacional
de pessoas, de mercadorias e de
ideias, o que engloba,
necessariamente, uma dimensão
afro-diaspórica. Assim, o que
chamamos de modernidade não se
esgota na racionalidade iluminista
europeia, no Estado impessoal e nas
trocas mercantis; a modernidade é
composta [não só] pelo tráfico, pela
escravidão, pelo colonialismo, pelas
ideias racistas, mas também pelas
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práticas de resistência e pelas
ideias antirracistas formuladas por
intelectuais negros e indígenas.
(ALMEIDA, 2019, p. 103-104, grifos do autor)
Com isso, as estruturas do mundo contemporâneo remontam
profundamente a experiências coloniais que deixaram marcas dolorosas
nas nações periféricas. No próximo módulo, vamos observar
atentamente os impactos desse legado na formação social brasileira a
fim de entender a dinâmica entre centro e periferia no Brasil.
A modernidade produziu as relações centro-periferia segundo o padrão
“Ocidente-resto”, sendo demarcado pelo poder militar que se traduz em
dominação política (soberania, imperialismo) e domínio sobre a
produção dos saberes, produzindo, por fim, uma hegemonia.
Essa hegemonia capitalista-liberal-ocidentalproduz
um imaginário universal cartesiano segundo o qual o
Ocidente (centro) é o padrão teleológico de
desenvolvimento para toda a humanidade, uma
espécie de “farol”, como ilustra a alegoria da doutrina
do “destino manifesto” dos EUA.
Ainda de acordo com esse viés, os demais povos e nações seriam
subdesenvolvidos, precisando, assim, ser conduzidos rumo ao
desenvolvimento sob a tutela das nações tidas como “desenvolvidas”.
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O Colosso de Rhodes por Edward Sambourne. Caricatura do imperialista britânico Cecil John Rhodes.
Essa construção normativa das relações internacionais foi estruturada
pelo poder que o Ocidente teve de impor seu domínio político sobre as
demais regiões do globo, definindo-as segundo sua perspectiva
(ocidental). Tratava-se daquilo que Said (1995) chamou de orientalismo,
isto é, a definição do Outro (resto) pelo Ocidente. O poder determina a
capacidade de produzir o saber. E saber é poder. Eis o circuito fechado
da hegemonia.
As relações centro-periferia no
século XXI
Atualmente, a literatura de relações internacionais traduz o conceito
centro-periferia em duas novas expressões: “norte” e “sul” global (centro
e periferia, respectivamente). Ambas são empregadas para expressar
mais amplamente os respectivos conjuntos de nações inseridos em
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dinâmicas e fluxos de poder segundo essa organização herdada do
sistema colonial.
Por um lado (norte), esses recortes são compostos pelas nações mais
industrializadas (ou “desenvolvidas”, segundo a terminologia
dominante); por outro (sul), pelas nações menos industrializadas (ou
“menos desenvolvidas”). Seria essa a configuração geopolítica, em
âmbito global, da relação centro-periferia na ordem internacional.
Em vermelho, os países que podem ser considerados sul global; em azul, os países que podem ser
considerados norte global.
Com o intuito de compreender o atual estado dessas relações, faremos
uma retrospectiva breve sobre as estruturas do sistema internacional
contemporâneo, circunscritas ao período que definimos como “pós-
Guerra Fria”. Correspondendo ao recorte da segunda metade do século
XX, após o término da Segunda Guerra Mundial, tais estruturas serão
analisadas sob duas dimensões básicas da política internacional:

Cooperação

Competição
A partir desses eixos, poderemos visualizar com mais clareza o modus
operandi das relações entre norte e sul global (ou centro e periferia),
contando com o indispensável respaldo da perspectiva histórica. A
primeira das dimensões que analisaremos será a estratégica, pautada
por relações de competição a partir de ameaças.
A competição estratégica também fomenta sistemas de cooperação via
alianças. A Guerra Fria, afinal, foi organizada conforme duas alianças
em disputa diametral: países capitalistas e socialistas (primeiro e
segundo mundos, segundo a terminologia daquela era). Por fora, restava
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o terceiro mundo (ou países em disputa pelos dois blocos, normalmente
periféricos e ex-colônias).
Durante a Guerra Fria, a guerra convencional foi contingenciada pelos
arsenais nucleares, que produziram uma doutrina estratégica baseada
na dissuasão. A dissuasão nuclear alterou profundamente as relações
políticas e estratégicas. Se antes dela a guerra era um recurso
comumente empregado pelas potências em busca dos seus objetivos
políticos, depois disso algumas circunstâncias passaram a ser
cuidadosamente observadas.
Guerra Fria: tanques soviéticos enfrentam tanques norte-americanos no Checkpoint Charlie,
1961.
Fundamentalmente, o emprego do poder militar em um contexto de
“destruição mútua assegurada” pode significar a quebra da
racionalidade que faz da guerra um ato da política. Afinal, a própria
destruição não pode ser um objetivo político (ou um risco político
aceitável).
Esse novo panorama estratégico levou a uma relativa moderação nas
disputas entre as grandes potências, abrindo caminho para níveis de
estabilidade até então inéditos no centro do sistema internacional, o
qual, até 1945, estava marcado por persistentes guerras de grande
amplitude e intensidade. Foi esse o terreno que ajudou a promover a
experiência das instituições internacionais – notadamente, o sistema
das Nações Unidas (ONU).
Nas periferias do sistema, por outro lado, os conflitos se intensificaram
com guerras de relativa baixa intensidade (conflitos irregulares, isto é,
assimétricos, como as guerrilhas, por exemplo, inclusive no âmbito das
lutas de descolonização). Isso alimentava conflitos “por procuração”
entre potências rivais que não podiam entrar em confronto direto por
conta da dissuasão nuclear.
Atenção!
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As armas nucleares tiveram um papel muito importante: garantir a
manutenção do status quo, embora seu uso militar paradoxalmente
pudesse ser considerado ilógico do ponto de vista estratégico. Trata-se,
afinal, de armas para não serem usadas. A ascensão delas trouxe uma
limitação à guerra; com isso, cada contencioso e intervenção militar
passavam a ser minuciosamente observados tanto por militares quanto
por estadistas.
O risco da escalada ditava o tom das ações, gerando conflitos entre
lideranças militares e políticas. Depois da experiência das guerras
mundiais, em que destruir o inimigo demandava esforços de natureza
ampla e praticamente irrestrita (a “guerra total”), os tempos da Guerra
Fria impunham a necessidade de extrema cautela no uso do poder
militar, que passou por uma inversão drástica:
Do extremo emprego no campo de batalha para a limitação
do uso como ameaça, ou seja, como elemento dissuasório.
Evitar a “Terceira Guerra Mundial” foi do interesse de todos – e não há
um responsável específico pela paz que vem marcando o centro do
sistema internacional (ou seja, as relações entre as potências) ao longo
das últimas décadas. A pacificação entre as grandes potências se deve,
até o presente momento, em primeiro lugar a essa condição estrutural
proporcionada pelo advento das armas nucleares.
Com o fim da ordem bipolar, um sistema de empregos múltiplos da
violência por parte de diversos atores não estatais passou a dar
contornos complexos à ordem pós-Guerra Fria. Segundo Payne e Walton
(2002), a “segunda era nuclear” é marcada pelo fim da deterrence e pela
proliferação horizontal, isto é, a difusão dessas armas para atores fora
do círculo tradicional das grandes potências. Isso poderia incluir até
mesmo atores não estatais, o que desafia a racionalidade do jogo
político de acordo com o viés clausewitziano.
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Nuvem produzida pelo bombardeio atômico nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, 1945.
Nessa perspectiva, não é possível basear políticas internacionais
referentes à questão das WMDs apenas na dissuasão, pois seria pouco
seguro lidar com Estados cuja racionalidade pudesse estar
comprometida com valores e interesses desconhecidos pelo Ocidente.
O temor das grandes potências era que a política da dissuasão
característica da primeira era nuclear tivesse sido favorecida por líderes
responsáveis que, a despeito de antagonismos ideológicos, dispunham
de um diálogo de racionalidade recíproca. Na segunda era nuclear,
porém, não se poderia contar com a mesma “sorte”. Esse temor levou a
iniciativas para simplesmente cercear os acessos a tais armas.
WMDs
Em tradução livre, armas de destruição em massa.Andrei Gromyko, da União Soviética (ao centro), aperta as mãos de Sir Geoffrey Harrison, da Grã-
Bretanha, enquanto o embaixador dos EUA Llewellyn Thompson observa o ato da assinatura do
Tratado de Não Proliferação Nuclear em 1968.
Portanto, podemos considerar o tratado de não proliferação (TNP) um
mecanismo de congelamento de poder que tem sido violado
sucessivamente pela proliferação horizontal (FREEDMAN, 2004). O
enfraquecimento da MAD também ocorre em função da ascensão dos
EUA como potência detentora da primazia nuclear, muito distante de
seus adversários mais próximos (Rússia e China).
MAD
Mutual assured destruction, tradução de possibilidade de destruição mútua.
Resumidamente, era esse o sistema da Guerra Fria, que produziu uma
ordem de relativa estabilidade entre as grandes potências (centro) e
deslocou a violência para as periferias do sistema internacional. Essa
estabilidade aumentou as possibilidades de cooperação no centro.
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Durante a primeira metade do século XX, a ascensão dos EUA injetou
um novo modus operandi na política internacional, buscando moldá-la
com princípios consolidados em instituições. Mas isso não aconteceu
de uma hora para a outra.
Os 14 Pontos de Wilson, que confrontavam a política baseada em
equilíbrio de poder das nações europeias (realpolitik), enfrentaram a
resistência de um sistema habituado aos jogos de poder. Com isso, a
resistência doméstica norte-americana – àquela época, ainda muito
orientada para uma postura isolacionista na política externa – levou o
Congresso a não ratificar a Liga das Nações, condenando o projeto de
Wilson a ter de esperar quase três décadas.
Presidente Wilson.
Enquanto isso, nas relações centro-periferia, em franca continuidade
com o século XIX, ainda predominava o sistema colonial. As potências
europeias, afinal, mantinham grandes territórios coloniais conquistados
e assegurados com violência.
A retórica do sistema colonial correspondia à lógica darwinista e às
“teorias raciais” predominantes na época, que balizaram desde impérios
coloniais até a visão de mundo do nazifascismo, uma versão mais
extrema do “racismo científico”.
Para Aimé Césaire (2020), o nazismo seria uma versão
do próprio colonialismo europeu, pois as atrocidades
nazistas não diferiam daquelas praticadas pelos
europeus nas periferias do mundo.
Todas essas atrocidades foram francamente toleradas pelas
sociedades do Iluminismo e harmonizadas com o seu espectro de
direitos limitados, constata-se, a uma concepção restrita de humanidade
– notadamente, uma concepção ocidental e branca. Nessa medida, a
barbárie nazista seria a própria barbárie colonial introjetada entre os
europeus.
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Nova ordem nas relações
internacionais
Com a tragédia da Segunda Guerra e a própria natureza da luta aliada,
baseada em uma retórica liberal e humanitária antagonizando com a
“barbárie” e a autocracia das potências nazifascistas, o sistema colonial
se tornava incoerente e insustentável. Tanto a devastação na Europa
quanto o processo de descolonização, em suma, demandavam uma
nova ordem.
Assinatura da Carta das Nações Unidas na Conferência de São Francisco em 1945.
As Nações Unidas surgiram sob forte comoção após a tragédia
humanitária de 1939-1945. Daquele contexto nasceram os termos
“holocausto” e “genocídio”, que vão marcar o Direito Internacional e
pautar a carta da ONU segundo uma nova dimensão da segurança, que
passa a se ater ao indivíduo e à garantia e à proteção dos direitos
humanos.
Além disso, era necessário reconstruir as regiões do mundo devastadas
pela guerra. A ONU é criada, assim, sob a necessidade de livrar as
futuras gerações do flagelo do conflito violento e promover a
cooperação entre os Estados. Dito isso, restam algumas questões:

As instituições são promovedoras da paz e do bem-estar internacional?

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A que papel elas respondem nessa ordem?

Qual é a relação delas com a disseminação horizontal da violência que
vem marcando o sistema internacional desde a Guerra Fria?
Para Mearsheimer (1995), as instituições são um conjunto de regras
segundo o qual os Estados devem cooperar e competir entre si. Tais
regras pretendem, com isso, transformar o sistema internacional por
meio de valores, como, por exemplo, a paz e a cooperação.
Posto isso, cumpre observar que o núcleo duro do sistema internacional,
a balança de poder, segue ditando as regras do jogo, ainda que nem
sempre o faça em primeira instância. Essas regras devem prescrever um
conjunto de ações desejáveis e indesejáveis, assim como aceitáveis e
inaceitáveis, para as relações entre os atores do sistema ou comunidade
internacional.
No entanto, as instituições acabam instrumentalizadas pelos interesses
dominantes e se tornam instrumentos de ação política dentro de jogos
determinados pela força relativa entre os atores.
Exemplo
Inúmeros casos dão provas da primazia dos interesses singulares sobre
segurança coletiva, como Ruanda (1994) e Iraque (2003), entre outros,
quando as grandes potências do centro atravessaram as normas do
Direito Internacional e o interesse público para garantir seus interesses.
A diplomacia norte-americana liderou o processo de institucionalização,
pautando uma ordem baseada na cooperação intermediada por regras
claras e recíprocas em substituição ao velho equilíbrio de poder.
Contudo, o sucesso de iniciativas de cooperação, como o da União
Europeia, seria resultado mais da proteção norte-americana à Europa (o
“guarda-chuva americano”), que terceirizou a segurança europeia e
eliminou históricas tensões fronteiriças, do que propriamente das
disposições recíprocas em buscar a paz pela via da cooperação.
Trata-se, portanto, de uma circunstância histórica da era bipolar. Mas
isso está se encerrando. As instituições internacionais acabam
instrumentalizadas em grande medida como vigilantes dos interesses
das nações hegemônicas, servindo para:

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Legitimar velhas práticas com novas aparências.

Congelar os arranjos de poder entre centro e periferia segundo os
estertores do processo colonial.
Nesse contexto, as intervenções humanitárias podem ser
instrumentalizadas para a defesa de interesses poderosos. Na prática,
as missões de paz têm sido um importante instrumento de projeção de
poder nas relações internacionais.
Para as potências, as missões de paz oferecem novas formas de
legitimação de operações militares, as quais, de outra forma, seriam
vetadas pelo Direito Internacional posterior a 1945. Outras instituições
voltadas para o desenvolvimento humano e social, como o Banco
Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), também podem servir
como poderosos instrumentos políticos para a manutenção de velhos
arranjos de dominação centro-periferia.
Reuniões de Primavera do FMI/Banco Mundial na sede do FMI em Washington, DC, 2015.
Atadas aos valores liberais emergentes, as nações europeias viram o
sistema colonial desgastar-se interna e externamente. O cenário
ideológico favorecia a emancipação dessas nações, exigindo a
elaboração de novas estratégias de legitimidade que se deram sob o véu
da ajuda humanitária a fim de viabilizar as relações de controle sobre as
colônias, agora formalmente independentes.
A partir de uma imposição de valores, as nações
periféricas foram rotuladas como o “terceiro mundo”.
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Detentoras do “ápice civilizacional”, as grandes potências ocidentais
estariam em condições de guiar as nações menos desenvolvidas na
direção de um “destino” melhor, fator que permitiu o estabelecimento de
relações de influência em continuidade com o domínio colonial.
Resumindo
As instituições internacionais voltadas para a cooperação internacional
para o desenvolvimento (CID) têm sido instrumentalizadas a favor dos
interesses das potências. É esse basicamente o contexto das nações
periféricas na ordem pós-1945 vis a vis as nações mais poderosas
integrantes do centro do sistema internacional.
Hoje, enquanto acompanhamos uma guerra convencional entre duas
nações do centro geopolítico desse palco (Europa), as tendências desse
sistema se desenrolam diante de nós, testemunhas oculares da história.
A ascensão de China e Rússia como grandes potências (ou seu
“renascimento”, pois ambas já foram nações poderosas por longos
recortes históricos) acelera uma transição sistêmica que confronta a
hegemonia dos EUA e abre uma nova era de fricções geopolíticas a
questionar a lógica neoliberal que pavimentou as últimas décadas,
durante o pós-Guerra Fria, pautando-as como livres do conflito e
pacificadas pela integração/cooperação econômica.
Nesse cenário de mudanças radicais e perigosas na ordem
internacional, as relações centro-periferia assumem uma nova
intensidade.
Nações centrais
Acirram suas rédeas sobre os instrumentos internacionais de controle
que garantem sua posição hegemônica.
Nações periféricas
Buscam estratégias para alcançar o tão almejado desenvolvimento que
lhes garanta a soberania.
China e Rússia, nesse contexto, representam nações do sul global, pois
sua posição contra-hegemônica as condiciona ao lugar de
pertencimento geopolítico das nações menos favorecidas na ordem
liberal vigente. Iniciativas como a dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China
e África do Sul) e das outras alianças entre os países do sul, como o
IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), referendam as nações da periferia
global a reclamar posições mais justas na distribuição dos fluxos de
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poder, sempre engessados pela concentração de riquezas, de
desenvolvimento tecnológico e de poder nas instituições internacionais.
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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
“Podemos dar conta boa e certa que, em quarenta anos, pela tirania
e ações diabólicas dos espanhóis, morreram injustamente mais de
doze milhões de pessoas…”
(Bartolomé de Las Casas, 1474 – 1566)
“A espada, a cruz e a fome iam dizimando a família selvagem.”
(Pablo Neruda, 1904 – 1973)
As duas frases lidas colocam como causa da dizimação das
populações indígenas a ação violenta dos espanhóis durante a
conquista da América. Pesquisas históricas recentes apontam
outra causa além dessa. Trata-se de
A
incapacidade de as populações indígenas se
adaptarem aos padrões culturais do colonizador.
B
conflito entre populações indígenas rivais
estimulado pelos colonizadores.
C
passividade completa das populações indígenas
decorrente de suas crenças religiosas.
D
ausência de técnicas agrícolas por parte das
populações indígenas diante de novos problemas
ambientais.
E
série de doenças trazidas pelos espanhóis, como
varíola, tifo e gripe, para as quais as populações
indígenas não possuíam anticorpos.
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Parabéns! A alternativa E está correta.
A chegada dos europeus ao continente americano trouxe um fator
biológico que foi mortal para os indígenas: as doenças contagiosas.
Os historiadores estimam que cerca de ¾ da população nativa
tenha perecido vítima de tais doenças. A varíola foi a pior delas,
tendo castigado os astecas durante as lutas contra os espanhóis.
Atribui-se isso à falta de imunidade do nativo, pois essas doenças
não existiam no continente americano até a chegada europeia.
Questão 2
“O encontro entre o velho e o novo mundo, que a descoberta de
Colombo tornou possível, é de um tipo muito particular: é uma
guerra – ou a conquista –, como se dizia então. E um mistério
continua: o resultado do combate. Por que a vitória fulgurante, se os
habitantes da América eram tão superiores em número aos
adversários e lutaram no próprio solo? Se nos limitarmos à
conquista do México - a mais espetacular, já que a civilização
mexicana é a mais brilhante do mundo pré-colombiano -, como
explicar que Cortez, liderando centenas de homens, tenha
conseguido tomar o reino de Montezuma, que dispunha de
centenas de milhares de guerreiros?” (TODOROV, 2010, p. 31).
A partir da citação, marque a alternativa que melhor explica a
conquista.
A
Os europeus tinham técnicas de combate
superiores e eram mais evoluídos intelectualmente
em decorrência das transformações do
Renascimento.
B
Os europeus tinham armas baseadas no uso da
pólvora, desconhecida entre os nativos, além de
estratégias que articulavam as rivalidades entre os
povos nativos para dominá-los. Eles ainda traziam
da Europa germes potencialmente letais para os
indígenas.
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Parabéns! A alternativa B está correta.
Os europeus tinham armamentos pesados para a época, além de
armaduras e cavalos, o que ofereceu vantagens compensatórias
contra a superioridade numérica dos nativos. E o mais importante:
eles souberam explorar as divisões entre os povos para conquistá-
los.
3 - Centro e periferia na dinâmica social brasileira
Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car o panorama das relações centro-
periferia na sociedade brasileira contemporânea.
C
Os nativos acreditavam que os europeus eram
deuses e se entregaram pacificamente à conquista.
D
Os europeus tinham amplos recursos a serem
oferecidos em troca do trabalho e da submissão
dos povos originários.
E
A civilização europeia encontrava-se em um estágio
superior de desenvolvimento, o que tornava a
conquista inevitável.
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Formação social da desigualdade
brasileira
A formação nacional brasileira tem fundamentalmente dois eixos:

Casa-grande

Senzala
Dentro da colônia, a formação colonial reproduz a matriz de dominação
colonial em escala internacional, na qual a casa-grande corresponde ao
espaço de quem domina (centro) e a senzala, ao espaço de quem é
dominado (periferia). Essa relação produziu a sociedade brasileira e
seus primeiros pavimentos. A partir dela, desenvolveram-se todos os
demais aspectos da vida nacional.
A escravidão, portanto, é o aspecto central da
formação social brasileira – e dele resultou um
racismo estrutural de difícil superação até nossos dias.
Obra do artista Jean-Baptiste Debret.
Fruto do sistema colonial e profundamente marcado por quase quatro
séculos de escravidão, o Brasil carrega um legado muito visível desse
período em seus problemas contemporâneos. Tendo marcado os índios
– principalmente nos primórdios da colonização –, a escravidão marcou
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ainda mais os negros trazidos da África e os seus descendentes,
acentuando com muita violência o processo de conquista da terra.
Durante os primeiros momentos da empresa colonizadora, o sistema de
feitorias foi viabilizado pela exploração dos povos nativos. Com o
esgotamento da escravidãodos indígenas, recorreu-se cada vez mais
aos africanos.
Feitorias
Podem ser resumidas em uma monocultura baseada no latifúndio e no
escravismo.
Comentário
Somando quase cinco milhões de indivíduos no decorrer de três séculos
e meio, os africanos foram a principal energia edificadora do Brasil. Se o
país fosse um corpo, seu sangue seria sobretudo negro e africano.
A chegada de gente de diversas regiões e culturas africanas fez do
Brasil praticamente uma “nova África”. Em 1584, o país tinha “25 mil
brancos, 18 mil índios domesticados e 14 mil escravos negros.
Vivíamos, pois, quase numa Roma negra: um êxodo forçado cujos
número e proporção superavam tudo que até então se conhecera”
(SCHWARCZ, 2015, p. 206).
Homens e mulheres transportados em navios nas mais insalubres
condições eram desapropriados de sua condição humana e trazidos de
outro continente para produzir um novo mundo com sua força de
trabalho. O Brasil, segundo Schwarcz (2015, p. 11), “tem uma história
muito particular, ao menos quando comparada à de seus vizinhos latino-
americanos. Para cá veio quase a metade dos africanos e africanas
escravizados”.
Apesar de a escravidão ser sistematicamente constatada em diversos
lugares e períodos da história, inclusive entre os europeus, “nada foi tão
volumoso, organizado, sistemático e prolongado quanto o tráfico
negreiro para o novo mundo” (GOMES, 2019, p. 25). As características
desse novo mundo carregam de forma indelével a marca dessa
experiência.
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Obra do artista Johann Moritz Rugendas que retrata o interior de um navio negreiro.
Os indivíduos escravizados foram trazidos após a quase completa
destruição dos indígenas, aniquilados pela violência, pelas doenças e
pelo esgotamento físico do trabalho escravo, do qual muitos fugiram,
buscando o interior do continente. Essa condição original – de
mercadoria, de tração animal – marcou profundamente o processo de
inserção desses seres humanos e dos seus descendentes na ordem
política e social.
Atenção!
É preciso, pois, haver um esforço de desconstrução dos mitos de
formação nacionais dotadores de um imaginário de conciliação e
harmonia de povos na construção do Brasil – resistente até os dias
atuais – a partir de uma suposta relação de negociação entre o indígena
e o colonizador – e, depois, entre o senhor e o escravizado. Esse
imaginário (mais bem cunhado na expressão “democracia racial”,
originalmente proferida por Artur Ramos) foi, em grande parte,
expandido nas interpretações da obra de Freyre e constitui até hoje um
complexo obstáculo para o tratamento das desigualdades brasileiras
(MUNANGA, 2019).
A sociedade brasileira tem como principal pilar organizacional a
propriedade senhorial voltada para a exportação e com mão de obra
escrava, ou seja, as primeiras fundações do país foram orientadas para
atender aos interesses do mercado externo e da metrópole portuguesa.
Não havia, afinal, um projeto civilizatório português para as terras
brasileiras.
Durante os primeiros 150 anos, o Brasil foi um imenso arquipélago de
grandes capitanias (latifúndios) voltadas para a monocultura de
exportação e organizadas com mão de obra escrava. Isso significa que
o país tem o espaço privado como essência de sua formação em razão
de suas primeiras teias de relações sociais terem se dado na relação
entre a casa-grande e a senzala dentro do âmbito dos latifúndios, que
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eram espaços autossuficientes economicamente e, portanto, isolados
uns dos outros.
Dessa maneira, não se forma um espaço público no Brasil
imediatamente, uma “praça”, em que a liberdade possa ser exercida
publicamente, desenvolvendo-se uma cultura cívica. Em Casa-grande &
senzala (FREYRE, 2001), vemos as estruturas da formação social
brasileira no binômio da propriedade senhorial com o espaço dos
homens e mulheres escravizados: a senzala.
A síntese de Gilberto Freyre para os conflitos entre
senhores e escravizados seria a miscigenação,
aproximando os dois polos de uma relação baseada no
escravismo – ou seja, na completa desapropriação
daqueles que trabalham, que produzem, de sua
condição humana –, em uma mistura que seria mais
harmônica do que tensa.
A ideia sobre a “harmonia racial” foi bastante fecunda em boa parte da
literatura e do imaginário posterior sobre a escravidão.
Ilustração do livro de Gilberto Freyre.
Legou-se a ideia de que a escravidão no Brasil foi mais “dócil” na
comparação com o sistema adotado na América do Norte. Dizia-se que,
enquanto lá o sistema se encaminhou para uma guerra que dividiu o
país, aqui os senhores e os escravizados dividiam suas relações de
forma abrandada pela cordialidade, pelo “jeitinho”, pelas relações dentro
de um universo de intimidade entre os dois lados, como sugerem
inúmeras passagens do livro de Gilberto Freyre.
Essa narrativa tornou possível um ideário de um país que,
diferentemente dos EUA imersos em “ódios sócio-raciais”, vivia um
“paraíso racial”.
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No imaginário das elites brasileiras de meados do século XIX, aspirantes
ao liberalismo que admiravam nos EUA e na Europa pós-revoluções
liberais, o negro acorrentado tornava-se incompatível com o mundo
liberal em ascensão, ao mesmo tempo que o negro liberto era uma
ameaça à ordem. Desse dilema, desenvolveu-se uma sociedade que
jamais verdadeiramente desejou e digeriu a abolição, tão tardia – e nada
por acaso – por aqui.
Tal sociedade, aliás, jamais reservou um lugar para os libertos na ordem
social pós-abolicionista. Do ponto de vista estrutural, seu lugar
permaneceu pouco alterado:

Distantes dos acessos à educação e da mobilidade social.

Reféns das atividades mais servis, em que as camadas médias e altas
eram e permanecem indispostas, e com remunerações mais baixas.
As bases da sociedade política
nacional
A construção de uma sociedade
marginalizante no pós-abolição no
Brasil
Confira agora a sociedade pós-abolição no Brasil.

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A libertação da escravidão formal fez com que os libertos fossem
lançados na sociedade como incômodos e indesejados. A partir da lei
contra a vadiagem (Decreto-Lei nº 3.688, de 1941), eles passaram a ser
convertidos em inimigos da ordem. Considerados um estorvo e o custo
da modernidade, continuavam a ter seus costumes proibidos e
perseguidos.
Totalmente marginalizados, os libertos começaram a ocupar as
periferias e os morros das cidades que suas mãos construíam, dando
contornos literalmente geográficos à exclusão que sentiam na pele, já
que eles formaram as periferias das grandes cidades brasileiras. Esses
territórios podem ser considerados as senzalas modernas, sendo
alheios aos direitos constitucionais mais básicos até hoje – inclusive o
direito à vida.
Com efeito, a pobreza e a marginalidade na sociedade brasileira têm
uma cor predominantemente negra e a origem na senzala. Negras e
mestiças, as populações pobres e marginais carregam tal estigma
pesado, e essa é a chave para a desumanização que torna natural sua
eliminação pela violência do Estado até hoje.
Tais populações permaneceram informalmente reféns da condição do
escravizado, sendo dignas de vida apenas dentro dos limites de suas
utilidades braçais e da subordinação à ordem.
Junto com o problema da escravidão, base da formação social
brasileira, é preciso acentuar o patrimonialismo na gênese política do
país. A formação do Estado brasileiro remonta a 1650, ano da chegada
do primeiro governo geral da colônia.
1650
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Trata-se da primeira referência de “coisa pública” após 150 anos de
colonização. Esse problema é tratado pela sociologia clássica brasileira
como “o problema institucional brasileiro”.
Para Vianna (1973), o Brasil é dotado de uma
singularidade – que, em especial, seria seu “pecado
original” – explícita em uma organização social em
que, na sua formação, o movimento para a constituição
de um espaço de sociabilidade não propiciou
condições para gerar laços de solidariedade. O país
conta apenas com latifúndio, monocultura e
escravismo como eixos civilizatórios.
Desse modo, a sociabilidade brasileira constitui um espaço privado.
Com a afirmação dessas forças centrífugas, o desenvolvimento dela ao
longo dos séculos deu origem a uma organização de caráter
essencialmente privado: a família patriarcal, constituída a partir de laços
de consanguinidade e de intimidade ou proximidade.
Atenção!
Trata-se de uma instituição que configurava a identidade dos homens:
não uma identidade em função da personalidade individual, e sim do
pertencimento à família e do culto ao personalismo. Essa dinâmica
produziu uma outra tensão que é fecunda até os nossos dias: um
conflito entre a esfera privada e a esfera pública.
A realidade colonial nos primórdios do Brasil foi organizada em função
dos interesses privados. Assim, quando o Estado finalmente se
constituiu, colocou-se diante dessas famílias a necessidade de construir
um espaço público que pudesse se organizar em torno da consciência
do interesse privado, e não do público.
O Estado brasileiro, portanto, nasce comprometido em responder a tais
interesses, originando um espaço público organizado em torno daqueles
de ordem privada. Nesse sentido, a construção normativa da sociedade
política nacional, para Vianna (1974), trazia uma questão:
Não havia uma sociedade organicamente capaz de
expressar essas instituições políticas modernas.
Tendo isso em vista, a democracia liberal encontraria no Brasil solo
refratário, e sua consolidação permanece até hoje como um desafio
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histórico. Nossa constituição de 1891, pós-abolição e republicana, foi
praticamente emulada do modelo federalista norte-americano –
sintomático disso é o próprio nome adotado para o país à época,
“Estados Unidos do Brasil”.
Formalmente, nosso país era uma república federativa e uma
democracia liberal. Todavia, desde o princípio, a república brasileira
ganhou contornos oligárquicos.
Repressão contra estudantes no período da intervenção militar no Brasil. São Paulo, 1965.
A república oligárquica propriamente dita (também conhecida como
república velha ou república dos governadores) só foi interrompida por
uma intervenção militar (1930) que marcaria uma das mais importantes
clivagens da história brasileira: a consolidação da instituição militar
como ator político. A partir daí, diversos episódios de interferência
militar na política conduziram os generais ao poder em 1964, iniciando
um regime que durou 21 anos.
Como se percebe nesse resumo, a marca mais frequente da república
brasileira é o autoritarismo, seja pelo protagonismo das oligarquias
regionais seja pela ação direta da instituição militar. É uma ordem em
constante disputa por forças centrífugas e centrípetas, marcadas, cada
uma a seu modo, por um viés autoritário.
Inclusão/exclusão e os desa�os da
democracia brasileira
Para Quijano (2012), o conceito de colonialidade dá sentido a uma
hierarquia de poder desenhada e desenvolvida durante o período
colonial e que segue em continuidade com o colonialismo, fazendo-se
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presente nas relações de poder contemporâneas. Segundo Lynch
(2013), no Brasil, as elites:
Consideraram seus produtos
intelectuais mais ou menos
inferiores àqueles desenvolvidos na
Europa e nos Estados Unidos, em
consequência de uma percepção
mais ampla do caráter periférico do
país.
(LYNCH, 2013, p. 730)
Dessa forma, uma das consequências do colonialismo, que já configura
uma marca da colonialidade em si, é o que Nelson Rodrigues chamou de
“complexo de vira-lata”, isto é, essa presença constante nas
mentalidades das nações periféricas do mito da superioridade das
nações centrais. A própria lógica centro-periferia é sintoma ideológico
dessa construção, cujo léxico pode ser traduzido nas relações de poder
consumadas (e discutidas no módulo anterior) pela conquista europeia
do mundo.
DUma das consequências desse “viralatismo” é a dificuldade em pensar
um projeto independente e autônomo de país, já que a percepção de que
o único caminho civilizatório possível é aquele induzido pelo colonizador
configura uma marca profunda da colonialidade.
A colonização é notadamente um processo de
conquista violenta que, além da coerção física, baseia-
se na violência simbólica (MORAIS, 2022).
Promover desenvolvimento e democracia em meio às realidades da
periferia do capitalismo é uma das dificuldades subsequentes dessa
relação histórica inserida na colonialidade, pois o conceito de
democracia é lido e interpretado conforme a experiência dos países
centrais, que obviamente é inteiramente diversa daquela observada nos
países colonizados.
Uma das características mais fundamentais do colonialismo – e,
portanto, da colonialidade – é o racismo, responsável por estruturar as
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relações de poder que legitimaram a escravização e o genocídio de
milhões de nativos mundo afora pelos mesmos europeus que
produziam o humanismo/iluminismo.
Como dissemos, essa aparente contradição poderá ser entendida se
considerarmos que a definição de “ser humano” na equação
civilizacional ocidental é restrita ao homem branco e cristão.
O resultado disso é que a experiência da democracia contemporânea
está profundamente associada à questão racial, já que ela foi produzida
pela civilização ocidental (Europa/EUA) e se desenvolveu de modo
concomitante à formação do sistema colonial, cuja ferocidade em terras
brasileiras foi notória.
[...] a democracia não pode ser
definida independentemente dos
excluídos; o despotismo exercido
sobre os bárbaros, obrigados à
obediência absoluta própria dos
escravos e às infâmias da expansão
e do domínio colonial, lança uma luz
inquietante sobre os Estados
liberais, e não só no que respeita à
sua política internacional. Essa não
é um elemento estranho da
estrutura político-social interna. É
elucidativo o exemplo dos Estados
Unidos; aqui, é no próprio território
nacional que residem as raças “na
menoridade”, de cuja condição,
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porém, não se pode prescindir nem
sequer quando se trata de analisar
países como Inglaterra ou a França
ou a Itália. Na tradição liberal, a
teorização ou celebração da
liberdade avança a par e passo com
a enunciação de cláusulas de
exclusão, pelo que a liberdade em
última análise acaba por se
configurar como privilégio.
(LOSURDO, 2020, p. 20)
Historicamente, a democracia liberal e o colonialismo, nesse sentido,
compõem dois lados da mesma moeda. A experiência da democracia
contemporânea decorrente das revoluções liberais na Inglaterra, nos
EUA e na França foi produzida em meio à acumulação primitiva de
capital sustentada justamente na exploração colonial. Ainda segundo
Losurdo (2020, p. 78), “o triunfo do liberalismo coincide com a vitória da
expansão colonial, na qual, para falar como Tocqueville, ‘a raça europeia’
submete ‘ao seu impérioou influência todas as outras raças’”.
Não apenas Tocqueville, mas também diversos outros autores
proeminentes da tradição liberal, como é o caso de Stuart Mill,
dissertaram sobre os benefícios da colonização. Todos partiram de
premissas notadamente racistas e eurocêntricas para delegar à Europa
seu papel de civilizar os “bárbaros” (MORAIS, 2022).
Há diversas formas de definir o conceito de democracia. Trata-se de um
conceito polissêmico. Como nenhum contexto social é idêntico a outro,
nenhuma forma de regime existe conforme um padrão universal, isto é,
um tipo ideal. A realidade se impõe à teoria e ajuda a construir
experiências que, a partir de suas especificidades, sempre se mostram
singulares do ponto de vista histórico.
O problema da democracia, de acordo com o contexto
brasileiro, tem a ver fundamentalmente com a
inclusão. Essa é a questão central!
Uma vez ignorada a inclusão, não pode haver disputa e negociação pelo
poder, bem como respeito às regras na mediação dos conflitos sociais.
A exclusão social é fonte permanente de tensões, o que nos remete a
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uma assertiva importante: sem inclusão, não há pacificação ou
democracia (MORAIS, 2022).
Centro e periferia no Brasil
contemporâneo
A formação social brasileira se deu no lado “avesso” da democracia
liberal, isto é, da própria experiência colonial. O Brasil é fruto de uma
iniciativa predatória, carregando até hoje em boa parte de suas elites e
do povo essa tendência à autofagia colonial que constitui um grande
óbice à democracia.
Se olharmos atentamente a desigualdade social brasileira, veremos um
traço claro de colonialismo: as favelas são totalmente excluídas dos
limites da polis, constituindo o abrigo (as senzalas contemporâneas)
dos trabalhadores menos valorizados, mais depauperados e menos
dignificados na hierarquia social.
Embora sejam imprescindíveis para uma economia de forte lastro
colonial – concentradora, desigual e especialmente perversa com o
trabalhador braçal –, essas pessoas ao mesmo tempo são indesejadas
na ordem social, em que são vítimas de um cotidiano de forte repressão
e controle por parte do Estado.
O princípio de um mínimo de igualdade econômica é necessário para
fazer valer a igualdade política. O problema da democracia no Brasil,
afinal, está associado ao da exclusão social.
A simples garantia do voto não assegura o acesso das
massas às instituições.
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Exemplo
Vamos estabelecer uma comparação entre as “fotografias” do povo –
em sua maioria, não branco e pobre, além de ser composto por mais
mulheres do que homens – e as dos seus representantes, que
correspondem a uma imensa maioria de homens brancos e ricos. Tal
comparação é uma evidência empírica de um imenso abismo entre a
classe política eleita e os interesses que deveriam se fazer
representados pelo voto.
A desigualdade observada nas grandes cidades do país, notória como
uma das mais graves do mundo, se forma a partir da exclusão social
das camadas mais pobres em relação aos direitos conquistados
durante a modernidade. Essas pessoas – em sua maioria, negras –
foram submetidas ao estigma do trabalho braçal.
A desigualdade nas grandes cidades brasileiras, com destaque para o
Rio de Janeiro, compõe uma geografia peculiar na qual condomínios de
luxo ficam ao lado de comunidades paupérrimas. Socialmente, essa
linha tênue – a qual, geograficamente, mais aproxima do que separa
ricos e pobres – não é nada tênue, tendo a espessura de uma muralha. E
esse paradoxo – tão perto e tão longe – é que aprofunda a violência.
A proximidade com bens de consumo ao mesmo tempo cobiçados e
inacessíveis e o ressentimento proveniente da exclusão social e da forte
repressão necessária à manutenção dessa linha divisória criam
circunstâncias favoráveis para que atividades criminosas prosperem.
Favela da Rocinha, localizada na zona sul do Rio de Janeiro.
Dados do Ipea coletados entre 1993 e 2007 informam que o grupo de
homens brancos em torno de 60 anos de idade passou de 8,2% para
11,1%, ao passo que o de negros da mesma faixa etária teve um
aumento menos significativo: 6,5% para 8% (INSTITUTO DE PESQUISA
ECONÔMICA APLICADA, 2008).
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Os dados da violência são ainda piores: em 2010, a taxa de homicídios
entre brancos foi da ordem de 28,3 a cada 100 mil, enquanto a de
negros ficou em 71,7 para a mesma proporção (INSTITUTO DE
PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2008, p. 23). Segundo a Anistia
internacional, um jovem negro tem 2,5 vezes mais chances de ser
assassinado no Brasil do que um branco.
Da escravidão ao racismo: o fio condutor da formação social brasileira. Capa do jornal Extra de 8 de
julho de 2015, vencedora do Prêmio Esso de Jornalismo.
Esses dados revelam que nos tornamos uma nação desigual e com
altos índices de violência contra negros e pobres. Tais índices
demonstram “como o racismo ainda se agarra a uma ideologia cujo
propósito é garantir a manutenção de privilégios, aprofundando a
distância social” (SCHWARCZ, 2015).
Observe agora outra fala desse autor:
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Sendo assim, e se o racismo, faz
tempo, deixou de ser aceito como
uma teoria científica, ele continua
plenamente atuante, enquanto
ideologia social, na poderosa “teoria
do senso comum”, aquela que age
perversamente no silêncio e na
conivência do dia a dia. A
escravidão nos legou uma
sociedade autoritária, a qual
tratamos de reproduzir em termos
modernos. Uma sociedade
acostumada com hierarquias de
mando, que usa de uma
determinada história mítica do
passado para justificar o presente, e
que lida muito mal com a ideia da
igualdade na divisão [não só] de
deveres, mas de direitos também.
(SCHWARCZ, 2015, p. 35)
A abolição não conseguiu mudar a percepção sobre os escravizados e
seus descendentes, que ainda carregam esse fardo, esse baixo valor,
esse estigma. Do ponto de vista econômico, o modo mais eficiente de
perpetuar tais camadas sociais na pobreza – e, não raro, na miséria – é
a desvalorização do trabalho braçal, destinado a elas na ordem social
que se perpetuou. Não é natural que um faxineiro ganhe tão menos que
um médico: isso é fruto justamente de uma construção social que
começa no binômio casa-grande x senzala e se torna a responsável por
formar as relações centro-periferia na realidade brasileira.
Turma de garis da
Comlurb no RJ
Formatura de medicina
da UFSC

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A desvalorização do trabalho braçal perpetua, assim, a degradação
social dessas camadas mais pobres, mantendo-as próximo das
senzalas das quais foram formalmente libertas, além de não permitir
que elas se emancipem e alcancem um status social verdadeiramente
dignificante e igual.
Impede-se ainda a emergência de um sujeito individual, livre das
amarras da relação senhorial. E esse sujeito é fundamental para a
sociedade democrática moderna.
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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Segundo o texto, a democracia brasileira enfrenta um grande
desafio. Esse desafio é
Parabéns! A alternativa C está correta.
A inclusão social e política dos mais pobres e negros permanece
como o maior desafio para o desenvolvimento democrático do
Brasil, já que a democracia

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