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1 FUNÇÃO MATERNA E FUNÇÃO PATERNA 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 SUMÁRIO FUNÇÃO MATERNA E FUNÇÃO PATERNA ......................................... 1 NOSSA HISTÓRIA ................................................................................. 2 Introdução .............................................................................................. 4 Constituição Psíquica .......................................................................... 6 A função materna .............................................................................. 13 A função paterna ............................................................................... 14 Função materna e função paterna sob a ótica da psicanálise ......... 17 A importância das funções materna e paterna nos primórdios da constituição do ser humano ......................................................................... 20 REFERÊNCIAS .................................................................................... 28 file:///C:/Users/rayss/Desktop/Nova%20pasta/PSICOLOGIA%20PRÉ-NATAL/FUNÇÃO%20MATERNA%20E%20FUNÇÃO%20PATERNA.docx%23_Toc84955026 4 Introdução Ser pai e ser mãe não implica apenas na paternidade e maternidade biológicas, mas demanda, também, sentimentos e atitudes de adoção que decorrem do desejo pelo filho. A dinâmica por meio da qual se atualizam as funções materna e paterna organiza-se a partir de um interjogo de fatores conscientes e inconscientes. Desse modo, as funções materna e paterna vão além dos papéis de pai e mãe, os quais implicam em tarefas relacionadas aos cuidados físicos e à educação. Quando se fala do pai, não se trata do pai como simples agente de paternidade biológica, mas como o operador simbólico. É na dinâmica da dialética edipiana que ocorre a construção desse pai simbólico a partir do pai real e que a função paterna vai exercer influência na estruturação psíquica da criança. O pai, como função simbólica, é estruturante, de forma que o exercício de sua função impacta na estruturação psíquica da criança e no seu processo de desenvolvimento. Esse não está preso necessariamente à história cronológica, mas à história mítica. Assim, nos casos de pais separados ou ausentes, alguém precisa exercer a função simbólica de separação mãe-bebê, bem como assumir a função de retaguarda e acolhimento da mãe, para que ela possa exercer a função materna no período inicial de fusão com a criança. O início da vida da criança foi amplamente descrito por Winnicott, que privilegiou a função da mãe por entender que a figura materna constitui o ambiente primitivo do bebê. A relação inicial do bebê com a mãe é considerada a fase mais importante na estruturação da personalidade e do sujeito. A saída do estado narcisista da criança deve ser facilitada pela mãe ao propiciar a entrada em cena de um pai respeitado e valorizado. A passagem para uma triangulação edípica permitirá ao filho o reconhecimento de terceiros, possibilitando dessa forma seu ingresso nas relações sociais. O pai é quem faz a mediação entre o desejo da mãe e do filho, dá 5 continuidade à proibição do incesto, exercendo o papel do terceiro que interdita a relação. É ele o representante do pai simbólico que precisa ser também simbolizado como o objeto da falta e desejado por essa mãe, levando-a a direcionar o seu desejo para outros objetos que não o filho. Devido a fatores de ordem biológica e cultural, a relação entre a mãe e o filho é tão exclusiva que praticamente constitui um mundo à parte. Já a relação do pai com o filho é constituída num grupo em que há pelo menos três pessoas. Espera-se que o pai ensine o filho a existir em sociedade, assim como a mãe o ensinou a existir em seu próprio corpo. O vínculo que une pai e filho é diferente daquele que une a dupla mãe- filho. Estudos evidenciam a importância do envolvimento do pai no desenvolvimento da criança. A competência e capacidade do pai são similares às da mãe na interação com o filho, demonstrando ainda que o contato precoce do pai com o filho possibilita um melhor envolvimento posterior entre ambos. Merece destaque também o suporte emocional e material dado pelo marido à esposa, que favorece um maior envolvimento com a criança nos primeiros anos de vida. Espera-se que o pai seja um parceiro carinhoso, protetor e cooperativo com a mãe, desde a gestação do filho, para que ela possa se dedicar à criança num primeiro momento. Sua presença física e afetiva é fundamental para romper a relação narcisista do filho com a mãe, funcionando como uma ponte entre o mundo interno e a realidade externa da criança. Ao se afastar da mãe e se envolver com o pai, a criança desenvolve maiores habilidades exploratórias e responsividade social. Nessa etapa bem inicial, a função do pai é também a de tolerar a exclusão temporária da relação mãe-bebê e esperar pelo momento de participar mais ativamente. O pai, junto com a mãe, compõe o ambiente total em que o bebê habita. Nesse sentido, o pai participa do colo que a mãe dá ao bebê a partir da experiência real que ela tem da presença dele. No desempenho da função materna e da função paterna, entram em jogo características pessoais do pai e da mãe, bem como determinadas condições emocionais de cada um que se referem às suas vivências na infância e a suas 6 capacidades de elaboração de vivências de frustração, de separação e do complexo edípico. Assim, o exercício da função materna, tanto quanto o da função paterna, requer uma série de atributos, aptidões e tarefas, que vão se modificando de acordo com o desenvolvimento da criança. Constituição Psíquica A constituição psíquica é um processo pelo qual o bebê precisa passar para que venha a se constituir enquanto sujeito. Esse bebê, ao nascer, por sua dependência, precisa do Outro para lhe dar um lugar de existência e, para isso, é necessária a linguagem. Quando nasce uma criança é como se ela fosse apenas um conjunto de carne e osso, e para que nela se inscreva algo, é preciso que Outro o faça por meio de significantes. Assim, o processo do seu desenvolvimento vai ocorrer em função desse Outro que preencherá suas faltas e, que irá lhe fornecer elementos que estabeleçam um lugar de onde o bebê será capaz de iniciar o seu reconhecimento e a sua estrutura subjetiva. Esse Outro estará exercendo a função materna, e o bebê depende desse Outro para sobreviver. A posição da mãe, ou de quem exerce a função materna, é baseada primeiramente em preencher as funções que o bebê necessita, entre elas, a função da alimentação, da higiene, do suporte, de deslocamento. Mas além de fazer com que a criança sobreviva, o sujeito nesta função também está encarregado dedar significação à todas essas necessidades e inscrever um sujeito nesse bebê. Desse modo, a função materna sustenta para a criança uma imagem que serve para ela como referência para constituir-se subjetivamente. Esse Outro, ou seja, aquele que exerce a função materna vai manejar o bebê conforme determinam os significantes de sua história e também, de acordo com o lugar que esses significantes atribuem ao seu bebê. É a mãe, ou quem exerce a função materna, quem sustenta para esse bebê o lugar do Outro primordial. Desse modo, entende-se que: 7 Para Lacan, trata-se do momento da alienação do bebê capturado pelo desejo materno, introduzido na matriz simbólica dos pais, pois são estes que constroem sua história sem que o mesmo possa escolher nada dela. Isso não quer dizer que o bebê irá realizar todos os ideais dos pais, mas que esses são referências que identificam e sustentam sua constituição psíquica e impulsionam seu desenvolvimento. O lugar destinado pelos pais ao futuro do seu bebê está intimamente ligado com a maternagem, podendo ser observado a partir da escolha do nome, das fantasias dos pais e pelo discurso produzido por eles em torno do bebê. O Outro primordial (representado pela função materna) é o responsável pelo encontro com as primeiras referências simbólicas. A mãe tenta traduzir o que o bebê deseja com suas manifestações, pois ele ainda não fala. Essas suposições maternas é o que sustentam para que ele se jogue nessa relação através do vínculo que lhe é ofertado. Segundo Jerusalinsky (2004): As manifestações do bebê são interpretadas, por aquela que exerce a função materna, como demandas. 8 A construção da demanda se constitui em todos os momentos em que diante do desamparo, se manifesta e dirige-se ao Outro, e este interpreta suas manifestações. As significações dadas pelo Outro supõem um desejo ao bebê. Nesse sentido, Jerusalinsky (2002) diz que: É através da relação mãe/bebê que a criança vai se subjetivando e se tornando um sujeito desejante. Essa experiência do olhar e do toque entre a mãe e o filho são estruturantes para o psiquismo e constituição da imagem corporal. É o desejo da mãe que vai impulsionar o desenvolvimento da criança, fornecendo-lhe elementos que irão estabelecer um lugar de onde ela poderá dar início à sua subjetividade. Jacques Lacan refere-se ao Estádio do Espelho, como um momento de identificação com o discurso com o Outro, sendo fundamental que ela ocorra, pois é nela que a criança faz a conquista da imagem do seu corpo e a estruturação do “Eu”. Desse modo, compreende-se que: Lacan (1953) fala dessa passagem a partir da experiência da criança diante do espelho, que ocorre entre os seis e os dezoito meses, onde mesmo prematura já tem uma visão fragmentada de seu corpo e vive uma experiência 9 de alienação diante dos significantes maternos e que permite a ela constituir sua imagem corporal. E isso só é possível em razão do Outro que antecipa e sustenta a imagem que a criança enxerga frente ao espelho. A criança se reconhece primeiramente no olhar da mãe e através desse mesmo olhar, ela pode olhar-se da forma singular como é olhada pela mãe e reconhecida como sujeito. Lacan (1953) postula o Estádio do Espelho em três tempos ou em três momentos. O primeiro momento da fase do espelho evidencia o assujeitamento ao registro do imaginário. A criança ainda não possui recursos simbólicos, e por isso não apreende a imagem de seu corpo, mas introduz-se através da antecipação imaginária. O segundo momento constitui uma etapa decisiva no processo identificatório. Neste, ela é levada a descobrir que o outro do espelho não é um outro real, mas uma imagem e não mais procura apoderar-se dela; assim, “no geral, seu comportamento indica que ela sabe, de agora em diante, distinguir a imagem do outro da realidade do outro” (DÖR, 1990, p. 80). O terceiro momento dialetiza os dois anteriores. A criança já está segura de que o reflexo do espelho é uma imagem, e que é dela. “A imagem do corpo é, portanto, estruturante para a identidade do sujeito, que através dela realiza assim sua identificação primordial” (DÖR, 1990, p. 80). Ao se enxergar refletida no espelho, a criança volta-se para a mãe como que num pedido para que esta lhe confirme a imagem. No momento em que se situa que aquele reflexo no espelho é seu, ocorre o reconhecimento, com o qual o sujeito pode contar para posicionar-se em um lugar discursivo. O Estádio do Espelho é, portanto, o processo de subjetivação do sujeito, ou seja, a conquista da sua identidade e prelúdio do complexo de Édipo. A relação mãe-bebê não se sustenta por si só para a constituição de um sujeito na criança. É preciso ser realizada uma intervenção que possibilite a ela ser retirada desta fusão imaginária que foi constituída inicialmente com a mãe. A entrada de um terceiro, ou seja, do pai, permite que a criança saia da alienação diante dos significantes maternos, fazendo assim com que possa estar referenciada a outros significantes. Nesse sentido: 10 Conforme Jardim (2001), o reconhecimento do lugar do pai é suposto estar presente desde o início da vida de uma criança, com a finalidade de que seja possibilitado a esse pai o exercício de sua função, que consiste em sustentar e intervir na relação mãe-bebê. Compreendemos que o pai é aquele que interdita, castra a mãe quanto à possibilidade desta “devorar” em desejo seu bebê enquanto supõe que este lhe completa, inscrevendo, assim, a lei primordial da proibição do incesto. A interdição paterna se articula como uma metáfora estruturante do psiquismo, comportando uma espécie de substituição do pai como símbolo colocado no lugar da mãe. Está aí a substituição da dimensão do desejo materno pela dimensão da lei paterna. O pai desse modo, é aquele que “defende” a criança de ser “devorada” pela mãe, possibilitando assim a separação que é de fundamental importância para que a criança se constitua como sujeito. A função paterna, por ser simbólica, opera como uma metáfora, na qual um significante vem no lugar de outro, o Nome-do-Pai é substituído pelo falo como objeto de desejo da mãe. A função significante Nome-do-Pai inscreve-se no Outro, que até então era, para a criança, ocupado somente pela mãe. É o Nome-do-Pai que vem barrar esse Outro onipotente e absoluto, inaugurando sua entrada na ordem simbólica. Conforme Coriat (1997): No momento da alienação do infans ao outro, a função paterna já se 11 encontra presente no Outro primordial, mas não opera e fica à espera de entrar em funcionamento no momento da separação, quando ocorre o corte na relação mãe- bebê, que é aí de fato que o pai começa a exercer a sua função. A relação estabelecida com as funções materna e paterna sustenta ao bebê possibilidades de se constituir psiquicamente. Segundo Lacan (1958), o Complexo de Édipo se descreve pela intervenção paterna na relação mãe-filho, intermediando a relação especular do “eu” e do Outro. Com a castração simbólica o desejo da mãe deixa de ser o que determina o desejo da criança, surgindo assim a falta e a possibilidade de realizar-se o desejo. A função do pai no Complexo de Édipo é a de ser um significante que substitui o significante materno. Este mesmo autor ainda afirma que, o Complexo de Édipo acontece em três tempos: num primeiro momento, a relação da criança é com o desejo da mãe, ou seja, a criança deseja ser o objeto do desejo materno. O objeto do desejo da mãe é o falo. É na posição de objeto de desejo (falo) que a criança se coloca como suposto completar o que falta à mãe. Desse modo, a criança se situa como único objeto de desejo da mãe, assujeitando seu desejo ao dela. A criança busca se fazer desejo do desejo, poder satisfazer o desejo da mãe. É nesse primeiro momento que a problemática situa-se sob a formada dialética do ser ou não ser o falo. No segundo momento, no plano imaginário, o pai se faz pressentir como proibidor e instaurador da lei. O pai aparece como objeto rival intermediador na relação mãe-bebê e se coloca como objeto do desejo da mãe, ou seja, como aquele que seria imaginariamente o falo. Pelo fato do falo ter se deslocado para o lugar da instância paterna, a criança se depara com a lei do pai, supondo que a própria mãe também depende dessa lei. Essa proibição é dirigida tanto à criança como também à mãe, representando um obstáculo ao instinto materno e à satisfação da criança como objeto do desejo materno. Nesse momento a mãe e o bebê estão referenciados ao Outro. E é também nesse momento que se introduz o bebê no registro da castração. 12 No terceiro momento ocorre a simbolização da lei paterna que marca o lugar exato do desejo da mãe. Lacan (1958) nos diz que: O pai passa a ser aquele que tem o falo, e não aquele que o é. A instância paterna deixa seu lugar no imaginário para advir ao lugar de pai simbólico. Assim, o bebê deseja ter o falo, pois a mãe que não o tem pode desejá-lo naquele que o detém. Segundo Lacan (1958), o que se torna estruturante do psiquismo da criança nessa passagem edipiana é o fato do falo voltar a seu lugar de origem, ou seja, ao pai, por meio da escolha da mãe, a qual irá desencadear a passagem do ser ao ter e determinará a instalação da metáfora paterna na criança. É o encontro com a falta que faz da criança, um sujeito desejante. É também, através da passagem pelo Édipo que garante a criança uma filiação, uma posição sexuada (menino ou menina) e a formação do supereu, como instância da lei, da moral e dos limites. Além de uma experiência da infância, o Complexo de Édipo é um conflito estruturante da proibição do incesto. O amor endereçado à mãe é barrado pela lei paterna. É o pai, como elemento terceiro, que faz a mãe desejar outra coisa para além do filho; este por sua vez, ao dirigir-se à mãe, percebe no seu olhar outra direção que lhe servirá de referência. É nesse momento que ocorre o final do estágio do espelho, quando um elemento terceiro entra em cena, ou do desejo do pai que separa a mãe do filho, quando o pai beija a mãe libertando-a para a vida e para o amor e ao beijar o filho o desperta do sonho onde pensava possuir a mãe, oferecendo-lhe um novo objeto para o seu amor. É a partir do processo de constituição subjetiva que o bebê se tornará 13 sujeito e será reconhecido como tal, por isso o discurso sustentado pela função materna e paterna é fundamental, tanto para a constituição do psiquismo, quanto para o desenvolvimento funcional da criança. A função materna Sublinhamos a presença materna, no sentido do desejo da mãe, como a peça chave na construção do psiquismo do sujeito. É a mãe, primeiro grande Outro, que "empresta" ao filho seu olhar, sua voz, seu seio, seus movimentos, até poder ele apropriar-se de si mesmo, da sua própria identidade e, mais tarde, de sua alteridade. Em vista da condição de prematuridade do bebê e da sua radical dependência em relação à mãe, os cuidados maternos são imprescindíveis para a sobrevivência da criança, porém não podem ser resumidos às necessidades vitais. Ao interpretar os anseios do bebê, a mãe inscreve as necessidades biológicas do filho no campo da linguagem. A necessidade biológica se torna demanda quando é viabilizada através da palavra da mãe, porém sempre permanece um resto não simbolizado, ou seja, o desejo. Assim, para a criança satisfazer suas necessidades precisa lidar com as demandas do Outro. Logo, supõe o Outro como demandante e, portanto, faltante. Por sua vez, a criança procura responder aquilo que falta ao grande Outro, por isso seu desejo é o desejo do Outro. No começo, é o olhar da mãe como espelho que possibilita a criança construir a imagem com a qual estará um dia em posição de se identificar. O estádio do espelho permite à criança encontrar no olhar da mãe uma imagem unificada do seu corpo, a saber, as coordenadas para a formação do seu eu. No entanto, tal imagem não é a imagem real, mas a projeção do desejo materno em relação à criança (CABASSU, 1997). Assim, a mãe ao antecipar uma unificação corporal para o seu filho, assim como pulsionar seu corpo através dos cuidados e carinhos, tem o poder de transformar em linguagem aquilo que era o puro real13 do bebê. Mais do que a gerar algumas "libras de carne" (LACAN, 2008, p. 15), a mãe faz a "gestão" de 14 um lugar para o filho, a partir do qual poderá encontrar significantes que o representem no mundo. Na medida em que a mãe faz hipóteses ou profecias a respeito da criança, ela está designando sentidos que marcam sua existência. Por outro lado, se no início a fusão entre mãe-filho é necessária, posteriormente a entrada de uma presença terceira é fundamental para liberar a criança do aprisionamento ao desejo materno. Ao desejar algo para além do seu bebê e mostrar ser um sujeito faltante, a mãe permite a entrada do pai na relação da díade, acionando assim na criança a vivência do complexo de Édipo. A função paterna instaura uma operação fundamental para o sujeito, a castração que consiste na interdição, e esta introduz uma Lei simbólica. Essa Lei é responsável pela interdição do incesto e pelo deslocamento da criança da posição de objeto do gozo materno. Sobre isso Lacan (2008, p. 216) diz: "É a instauração do sujeito enquanto tal. Quer dizer que, por um ato verdadeiro, o sujeito surge diferente, em razão do corte, sua estrutura é modificada". Na perspectiva lacaniana, sem a experiência subjetiva da castração, não há como advir o sujeito. Assim, o "nascimento psíquico do sujeito" (DUNKER, 2008) não coincide com o momento do nascimento, pois dependendo dos modos de relação estabelecidos entre a criança e os seus pais. Muitos impasses ocorrem no exercício das funções parentais, pois desempenhá-las remete tanto o sujeito homem como a mulher a sua própria biografia como sujeito sexuado. Mais do que nunca, as "posições subjetivas" (LACAN, 2001) do ser são colocadas à prova quando os sujeitos se tornam pais. Para Jerusalinsky (1996), a função materna implica os cuidados maternos, a dupla tradução de linguagem em ação, ação em linguagem e a sustentação paterna ou edípica. Assim, a mãe ocupa para o filho um lugar de poder; porém, nem sempre a mulher tem recursos subjetivos para arcar com tais funções. A função paterna 15 O pai, num primeiro momento é denominado pai real, fica fora da relação mãe-bebê, e ainda não pode cumprir sua futura função simbólica de separação da mãe com seu filho, pois o falo é imaginariamente identificado à criança, é o momento em que ela ainda é extremamente dependente dos cuidados da mãe. Aos poucos o pai irá aparecer como um terceiro, a quem a mãe começa a se dirigir e fazer com que o filho, passe do “ser” o falo da mãe ao querer “ter” o falo para onde ela se dirige (DOR, 2011). A função paterna na psicanálise, afirma Dor (2011) é tomada no campo conceitual como um operador simbólico e a-histórico, não sendo assim um pai em si, embora também o possa ser, o que não garante que este possa legitimar o poder de intervenção estruturante do ponto de vista do inconsciente. Trata-se de uma entidade simbólica que se encarregará de uma função. É a-histórico pelo fato de não estar sujeito à ação de uma história, não ao menos em seu sentido cronológico. Desse modo, o autor aponta: A instância do Pai simbólico é antes de mais nada a referência à Lei da proibição do incesto, a qual é, portanto, prevalente sobre todas as regras concretas que legalizam as relações e trocas entre os sujeitos de uma mesma comunidade. Em consequência, é porque o Pai simbólico é apenas o depositário legal de uma lei que lhe vem de outro lugar, que nenhum Pai real pode se vangloriarde ser seu detentor ou fundador. Mas, em compensação, recai sobre ele o ter que se fazer valer de ser seu representante (DOR, 2011, p.14) Nota-se que, tendo o falo se deslocado ao pai, conforme afirma Dor (2011), a criança há de se deparar com a Lei do pai, já percebida ao descobrir que a mãe não está a sua disposição como antes, pois está em outro lugar, verifica então que a mãe é submetida ao desejo do pai. Assim, a criança percebe que esta mãe é faltante, logo a criança também o é, e o pai tem o falo e priva a mãe de seu desejo, o bebê, e priva o bebê de ser o objeto do de- sejo da mãe. A partir disso “Então, um significante, o Nome-do-Pai, vem como símbolo da ausência da mãe; ele é esse nome que carrega a causa da ausência, e substitui- se ao que foi o significante primeiro do desejo materno” (VANIER, 2005, p. 68). 16 Pelo processo de acesso ao simbólico, Lacan nos mostra que a criança irá se constituir como sujeito, pela operação da metáfora paterna e seu mecanismo correspondente, o recalque originário, o qual evidencia que ela renunciou ao objeto inaugural de seu desejo, que se tornou inconsciente para ela (DOR, 2011). Dessa maneira, Dor (2011) salienta que, auferindo o pai como causa das ausências da mãe é que a criança realiza a passagem do “ser ao ter” o falo, agora ela entende que o pai mobiliza o desejo da mãe, associando o significante novo, Nome-do-Pai, ao falo. O pai, passou de pai real, onde não existia ainda para a criança, para pai imaginário, este se apresentando como um rival, que a faz renunciar ao objeto fundamental de seu desejo e depois passará à pai simbólico. Afirma então que, além disso, “ fazendo-a advir como sujeito desejante, essa renúncia traduz explicitamente a expressão de sua própria castração. “ O advento do Pai simbólico como Nome-do-Pai atesta, com efeito, o reconhecimento de um Pai castrador pela criança, não apenas em razão da atribuição fálica que lhe é conferida, mas ainda pelo próprio fato de que a mãe é suposta encontrar junto a ele o objeto de- sejado que ela não tem” (DOR, 2011, p. 51-52). A citação acima reforça o que escreve Jerusalinsky (2014) sobre o inconsciente do bebê ser construído na relação com o Outro, uma vez que em seu exercício ma- terno, a mãe passou pela resolução edípica, logo, o primeiro pai que contará para o bebê é aquele que está inscrito pela função paterna na própria mãe, a qual leva a fantasia de que o bebê seja a suposta completude de sua falta. Portanto, não há função materna sem referência ao Nome-do-Pai que também lhe foi inscrito e é transmitido à criança por meio do simbólico. Desta forma, por efeito da metáfora paterna, portanto, a mãe não é totalmente proibida à criança. Não é proibida enquanto mãe, só é proibida enquanto mulher. Isto, porque, na qualidade de mulher, de esposa, só pode desejá-la aquele homem que está investido da característica de marido, ambos se constituindo como objeto de desejo (sexual inclusive) um do outro (NETTO, 2011, p. 111). 17 Assim, num primeiro momento a relação da mãe e bebê é quase de enlace, relação de completude, em que a criança deseja constituir-se enquanto falo materno, e o pai não media a relação. Somente em um segundo momento quando oscila a posição da criança entre ser ou ter o falo, o pai ocupa a dimensão imaginária, por meio do discurso da mãe é que irá aparecer e sob a forma de privação, mediando a relação mãe-criança-falo. No terceiro momento do complexo de Édipo, se dá o seu declínio, o pai intervém como aquele que tem o falo e não mais aquele que o é, marca a simbolização da lei. A criança sai da dimensão do querer ser o falo, para ter o falo, já que é a ele que o desejo da mãe se direciona (DOR, 1989). Segundo Freud (1996), o complexo edípico instaura a lei paterna e se dá pela ameaça de castração no menino e na menina o processo é mais simples, ela reconhece não possuir o pênis como o menino e o renuncia como forma compensatória ao desejo de ter um bebê, desejo este que permanece em seu inconsciente e a prepara para sua função posterior. Função materna e função paterna sob a ótica da psicanálise A psicanálise tem um olhar peculiar para com as funções materna e paterna. São funções consideradas necessárias para a estruturação e desenvolvimento do psiquismo da criança. São funções de ordem prática que possuem uma série de diferentes atributos de acordo com a fase de desenvolvimento da criança e são exercidas por adultos tutelares (mãe e pai, biológico ou adotivo). Ser pai e ser mãe na ótica psicanalítica não implica apenas paternidade biológica; demanda também, sentimentos e atitudes de adoção que decorrem do desejo pelo filho (DOLTO, 1996). A dinâmica por meio da qual atualizam-se as funções materna e paterna organiza-se a partir de um interjogo de fatores conscientes e inconscientes. Portanto as funções materna e paterna vão além 18 dos papéis de pai e mãe. Neste sentido a psicanálise aponta para fatores da função materna e da função paterna que têm relação com aspectos reais, imaginários e simbólicos, pela visão de Lacan, Dor e Hurstel. Lacan (1999 apud BACCARIN, 2000, p. 179- 180) refere-se ao real, ao imaginário e ao simbólico como três registros da experiência do pensar. O registro real tem relação com o corpo e com as experiências pelas quais passamos no contato corporal. O registro do imaginário refere-se ao âmbito das fantasias, da capacidade imaginativa, à uma área do psiquismo onde as coisas ganham representação, a partir das experiências. O registro simbólico pressupõe uma capacidade de elaboração maior, isto é, um nível mais evoluído da capacidade de pensar, em relação ao registro do imaginário, e refere-se à capacidade de ir além das representações, dando novos sentidos. Inspirada na ideia destes três registros nomeados por Lacan (2008), coloco no âmbito das funções materna e paterna fatores relativos ao real, ao imaginário e ao simbólico. Como fatores reais, podemos citar os cuidados físicos, o contato, aspectos relacionados à capacidade dos pais de percepção da criança dentro de suas necessidades fisiológicas, entre outros. Com isso a capacidade sensorial dos pais de percepção dos movimentos da criança; das variações de seu choro; da percepção da sensibilidade epidérmica da criança, como tato, temperatura; de sua sensibilidade auditiva, entre outros são fatores que devem ser considerados nos cuidados com a criança em relação ao ambiente. Os fatores imaginários referem-se aos aspectos ligados à capacidade de sonhar dos pais, a tudo o que se refere às expectativas dos pais em relação à criança, mescladas com expectativas socialmente esperadas. A capacidade imaginativa dos pais os ajuda a compreender o que se passa com a criança; por exemplo, se o choro se refere a dor, ou a fome; assim como sua capacidade lúdica, sua capacidade de entrar em contato com o mundo de fantasias das crianças e compreender sua comunicação. Os fatores simbólicos referem-se a questões psíquicas, relativas à possibilidade de dar sentido às experiências vividas e à nomeação destas experiências pelos pais. Estas têm profunda 19 relação com a introdução do animal humano na cultura, iniciada pela introdução da linguagem e os vários sentidos aos quais ela está vinculada. Há uma interação entre estes fatores na vivência e desenvolvimento da função materna e da função paterna. Hurstel (1999) defende que as contribuições de Lacan provocaram uma ruptura epistemológica sobre a abordagem da paternidade, pela qual, vai ser dada importância ao sentido que o pai tem na vida da criança. Hurstel (1999) utiliza os fatores reais, imaginários e simbólicos em sua relação com o exercício das funções paternas. O termo função implica uma função propriamente humana, tanto simbólica quanto real, que pressupõe uma posição assumida por uma pessoaque deseja a criança. Hurstel (1999) salienta que a questão do desejo está diretamente ligada ao exercício da função paterna e, a meu ver, podemos pensá-la também relacionada à função materna. O termo “função” utilizado por Bion (1973) foi retirado da matemática, implicando uma articulação entre fatores, sem perder as associações com o significado biológico de função de um órgão. Função materna e função paterna implicam, portanto, adultos que desejam a criança e que são continentes de determinados atributos que os tornam capazes de exercer cuidados físicos e psíquicos para com o bebê. Dor (1991), ao falar sobre função paterna, informa-nos que ela está associada não apenas ao agente de paternidade comum mas ao operador simbólico. Os agentes de paternidade comum, pai e mãe presos à historia cronológica são os vetores da função. Neste sentido o pai real tem a tarefa de representação desta função. E acrescenta que pais reais desempenham melhor sua função de embaixadores da função paterna por poderem estar mais próximos da linguagem do desejo dos protagonistas (mãe e filho). Diante desta ideia podemos refletir sobre as funções materna e paterna como funções cujo desempenho depende de adultos que possam ser operadores das mesmas. No entanto este fato pode, ou não, ocorrer, dependendo das vicissitudes do vivenciar a maternidade e a paternidade. 20 O exercício das funções, materna e paterna também têm suas variantes de acordo com as condições psico emocionais dos pais, as demandas do bebê e as etapas de desenvolvimento da criança. As atribuições e significações das funções materna e paterna são diferentes em cada etapa de seu constituir-se, começando a partir do desejo de ter um filho, desenvolvendo-se durante a gravidez, após o nascimento da criança e a cada período do desenvolvimento desta. A importância das funções materna e paterna nos primórdios da constituição do ser humano Um dos primeiros fatores a se considerar no constituir da função materna e da função paterna está o desejo pelo filho. O lugar que o filho tem ocupado no desejo dos pais é um aspecto significativo e importante para a observação, sob o ponto de vista da psicanálise. E, é um dado bastante atual diante das inúmeras exigências do mundo pós- moderno. Este lugar do filho no desejo dos pais pode- nos informar como a função materna e a função paterna estabelece-se, a partir do desejo consciente ou não de cada mulher e homem que se tornam pais. Winnicott (1999) também nos diz sobre as expectativas e desejos dos pais em relação à criança como aspectos importantes para um bom desenvolvimento desta. A função materna e paterna parece ser necessária, bem mesmo antes do nascimento do bebê, através do desejo no qual o casal insere o filho. Winnicott (1999) ressalta a importância da harmonia do casal no desenvolvimento da criança. A união dos pais e seus cuidados mantêm para a criança um contexto através do qual ela possa encontrar a si mesma (seu eu), o mundo, e uma relação entre ela e o mundo. O contexto do lar onde a criança vai ser gerada, a harmonia e a forma de convivência do casal são fatores que vão influenciar nas possibilidades de desenvolvimento das funções materna e paterna. 21 Lebovici (2004) nos fala que a gravidez vai estimular o narcisismo primário dos pais e é este fato que lhes permite tornarem-se bons pais. Entendo por este aspecto de “narcisismo primário” o sentido de valorização, um período em que os pais sentem-se abastecidos pela capacidade de gerar, comprovado pela gravidez. E que o gerar filhos tem o sentido para os pais de serem capazes e valorizados psíquica e socialmente. Um dos aspectos desta valorização refere- se ao homem no sentimento de que é varão e à mulher, que é fértil. Neste sentido, o gerar filho e filhos saudáveis proporciona aos pais sentimentos de capacidade e valorização. Além de reativarem nos pais as lembranças da criança que foram, olhados e admirados narcisicamente pelos pais. Ao poderem gerar, na vida adulta, são os sentimentos de terem sido amados e olhados que são transmitidos aos filhos. Para Lebovici (2004) tudo fica bem com o bebê quando ele é objeto de desejo dos pais. Outro aspecto importante a se observar, relacionado ao desejo dos pais, diz respeito à relação que a mãe e o pai fazem com o bebê inicialmente no registro do imaginário, o bebê que sonham ter. Com estes aspectos é essencial salientar a importância do registro imaginário na relação dos pais com a criança. Primeiramente, através do “ser pai e ser mãe”, a partir das vivências com os próprios pais (genitores, ou tutores). Estas lembranças de vivências da criança que foram, são fatores que determinam experiências de contato com as crianças tais como: a capacidade de amorizar a criança através dos cuidados, do olhar que percebe desenvolvimentos, da nomeação de seus gestos. Adultos, que não tiveram estas experiências de cuidados afetivos e efetivos, têm dificuldades ao cuidarem e amorizarem suas crianças. Na clínica, estas situações são reveladas no temor de homens e mulheres de não serem capazes de cuidar ou demonstrar afeto pelo filho, devido ao fato de não terem experienciado esta vivência com seus próprios pais enquanto crianças. Ou, ainda, no temor de transmitirem aos filhos comportamentos semelhantes aos dos próprios pais, ao terem experienciado situações de pouco afeto, ou, ainda, experiências com pais agressivos. Aspecto relevante, relacionado à importância do registro do imaginário na 22 relação dos pais com a criança, refere-se a questões ligadas à transmissão transgeracional. Para Lebovici (2004), ter filhos tornou-se um processo muito fácil, atualmente, devido aos avanços da ciência. No entanto, a parentalidade (termo utilizado pelo autor) vai além do fator biológico e está relacionada à aceitação do que herdamos de nossos pais no âmbito das experiências transmitidas transgeracionalmente. Este autor vai nos dizer de uma herança psíquica. Este processo de transmissão intergeracional começa durante a gravidez, na criança que a mãe imagina que vai dar ao marido. No âmbito do registro do imaginário, a escolha do nome da criança também está presente com inúmeras representações como, por exemplo, nomes de parentes admirados ou nomes dos avós, carregados de expectativas. Nomes percebidos pela família como nomes “fortes” ou que representam valores admirados pelo grupo familiar como, por exemplo, nomes de músicos, compositores, presidentes. Assim, o nome vem já permeado de significados e expectativas. A escolha do nome, sexo e aspectos imaginados pelos pais estão permeados pela história transgeracional. Como exemplo, recordo-me de ma paciente cujo nome continha expectativas ligadas a uma irmã que havia falecido antes dela representando o desejo e a esperança de que fosse uma menina agradável, perfeita, sem defeitos, como os pais expectavam com relação à falecida. Lebovici (2004) traz-nos um dado da atualidade, no qual o fato de se decidir o número de filhos (cada vez mais reduzido) e quando tê-los torna as exigências relacionadas aos filhos cada vez maiores. O sentido dado pelo autor refere-se ao fato de que ao terem filhos mais tardiamente, ou em menor número, aos filhos recai a sobrecarga dos desejos dos pais. Fato que leva a maiores expectativas relacionadas aos filhos e ao aumento de idealizações por parte dos pais. Winnicott (2000) destaca que as interações com o bebê começam antes do seu nascimento. Ele nos informa que a mãe gestante tem para com o bebê a função de um ambiente suficientemente bom. Isto é, um ambiente que possibilite ao bebê que este alcance a cada etapa de desenvolvimento as satisfações, 23 ansiedades e conflitos inatos e pertinentes a seu desenvolvimento. A mãe é para o bebê em gestação o ambiente suficientemente bom, numa espécie de“relacionamento simbiótico”, no qual a mãe está condicionada a perceber as necessidades de seu bebê. Fato, curioso, muitas vezes, mencionado por obstetras é que gestantes têm “desejos” de se alimentar de determinados alimentos que possuem em sua constituição elementos que naquele momento se referem às necessidades do feto como ferro, cálcio, etc. Se podemos observar estes dados referentes a aspectos orgânicos, também podemos fazê-lo em relação a aspectos de conforto, segurança. É possível observar em algumas gestantes o cuidado de evitar lugares com incidência de muito barulho ou movimento, lugares que colocariam em risco o bebê e sua estabilidade. Winnicott (2000) vai-nos dizer de uma identificação consciente e também inconsciente da mãe com o bebê, necessária para a sobrevivência do mesmo. Para este autor, o bebê inicialmente não tem desejos mas necessidades num período muito primitivo de vida. Dolto (1996) menciona que num período bem inicial de vida o bebê não separa necessidades de desejos e são vividos como um aglomerado. A função materna nos primórdios da vida da criança é estabelecer condições apropriadas para que o bebê possa se desenvolver. Winnicott (2000) considera o ambiente de forma relevante para o desenvolvimento e estruturação da personalidade do indivíduo. O ambiente deve ser favorecedor de condições para que o verdadeiro “self” do indivíduo se desenvolva. O verdadeiro “self” para Winnicott (2000) é o desenvolvimento de um eu genuíno, respeitando as características próprias do sujeito, resultado de uma relação com a mãe que aceita e reconhece os gestos espontâneos da criança. O contrário disso é uma falha na função materna na qual o lactente não tem por parte da mãe sustentação para ter experiências e ir constituindo seu eu. O que ocorre é que o bebê começa a construir seu eu baseado nas irritações do meio. Winnicott (2000) salienta que muitas mulheres conseguem ser boas mães em vários aspectos, produtivas e criativas mas não têm a capacidade de 24 desenvolver o estado de preocupação materna primária. Ou, ainda, que algumas mães conseguem desenvolver este estado com um filho mas, não, com outro. Podemos perceber que o vivenciar da função materna tem suas vicissitudes de acordo com as características de cada mãe, e de cada filho, de acordo com seu desenvolvimento emocional e psíquico, e com as condições ambientais propícias. Fato que nos leva a refletir sobre a especificidade de cada relação mãe-bebê. E abre também espaço, para o questionamento sobre mulheres que têm um grande número de atribuições e exigências como as demandas do mercado de trabalho as exigências com a estética e com a sexualidade. Winnicott (2000) salienta que por parte da mãe deve haver o aspecto da identificação e por parte do bebê numa fase bem inicial, a dependência. A figura do pai tem um papel importante neste momento como favorecedor de condições para que a mulher possa se tornar mulher-mãe. O pai tem como função favorecer que este estado mental de preocupação materna primária possa ocorrer. Podemos pensar que por condições favorecedoras Winnicott (2000) denomina condições ambientais e psíquicas. Por condições ambientais, parece sugerir, condições de segurança; de acolhimento e de não interferência, que o pai possa inicialmente proporcionar à mãe gestante. Ao pai, cabe a função de uma espécie de “agente protetor” para a mulher nos últimos meses de gestação e durante o período de amamentação. Esta função de estar na retaguarda, mencionada por Winnicott, consiste numa espécie de cobertura que tem a função de poupar a mãe de voltar-se para fora para lidar com o mundo que a cerca num momento em que necessita voltar-se para seu bebê. No entanto, para a possibilidade de desenvolvimento dos seres humanos em geral, as funções materna e paterna podem ser exercidas, enquanto funções simbólicas, não apenas pelo pai ou mãe “real” (genitores) mas por quem as assume efetiva e afetivamente (DOR, 1991). Isto abre espaço para a questão a ser pensada de como têm sido exercidas as funções materna e paterna nos casos em que mãe ou pai não estão presentes fisicamente. Se o exercício das funções na ausência de um dos pais (mãe ou pai) é suficiente, ou não, para o desenvolvimento da criança. No que se refere ao aspecto simbólico das funções Dor (1991) parece afirmar que sim. No entanto, há outros fatores relacionados 25 às funções dos pais, e neste momento, este não é o foco de minhas investigações. Dor (1991), ao comentar sobre a função do pai em Psicanálise, esclarece que não se trata do pai, como agente de paternidade comum, mas o operador simbólico. Este operador simbólico não está preso necessariamente à história cronológica mas à história mítica. Neste sentido convida-nos a pensar como tem ocorrido o exercício da função paterna no caso de pais separados e ou ausentes. Nestes casos pressupõe-se pela posição Dor (1991), que alguém exerça a função paterna. O autor parece-nos dizer que alguém precisa exercer a função simbólica de separação mãe bebê. E podemos pensar, que também a função de retaguarda e acolhimento da mãe para o exercício da função materna no período inicial de fusão com a criança. Nos casos de separação ou ausência do pai, fica vacante a função de retaguarda e acolhimento da mãe para que alguém que possa exercê-la. Alguém que assuma a função de separação da fusão mãe bebê no final de seu período, alguém que guie e introduza a criança na cultura. Após o nascimento, segundo Winnicott (1982), é preciso um período de adaptação entre mãe-bebê para que se reconheçam e se adaptem. O bebê, que antes era hóspede do corpo da mãe, agora passa a ser hóspede em seus braços. Para este autor, no início da vida o bebê não tem desejos mas necessidades corporais, como mencionado anteriormente, que devem ser supridas, por alguém que se identifique com esta criança para saber, de fato, do que ele precisa. Desta forma, o fato do bebê estar em um estado de dependência não implica que haja por parte da mãe uma identificação. A falta e a inadequação de alguém que supra estas necessidades do bebê no início da vida gera distorção de seu desenvolvimento, segundo Winnicott (1980). O exercício da função materna no período inicial de vida do bebê é crucial para sua existência. Ao nascer, o filho se encontra num estado prematuro de “desamparo”. O amparo da mãe é uma necessidade para o ser humano constituir-se. Berenstein (1996) nos informa que no desamparo originário da criança há uma dupla incapacidade: psíquica e motriz para lidar com o excesso de 26 excitação provocado pelas necessidades elementares relacionadas aos instintos de auto-conservação. Esta tarefa de lidar com estes estímulos deve ser cumprida, segundo Berenstein (1996) por um adulto assistente e é sobre esta função que se instala a interpretação das necessidades do bebê, sua nomeação e significado. Para este autor o exercício da função materna está nas bases da nomeação e significação das necessidades do bebê, indicação e assinalamento de lugares mentais, do outro. Desde a gestação, o bebê já tem percepções sonoras do ambiente em que vive embora não possua aparelho mental suficiente para compreensão e distinção de suas percepções. De acordo com Dolto (1996) o bebê percebe os sons do ambiente e ao nascer tem já conhecimento dos sons emitidos pelos entes da família, como a mãe o pai e os irmãos. A linguagem no dizer de Dolto (1996) está presente para o ser humano, durante a vida fetal, de início, auditivamente e pelas sensações de prazer e desprazer. Além disso o bebê percebe os movimentos da mãe já dentro do útero. Dolto (1996) menciona que talvez tenha surgido daí o ritmo pendular de ninar as crianças européias, a partir da intuição das mães, em devolver aos bebês, o ritmo conhecido de sua deambulação e atividades,que lhes proporciona calma e recuperam um estado conhecido, quando estavam dentro do útero. Quando o bebê nasce os adultos já começam nomear suas mímicas e expressões. A autora cita, o sorriso, como exemplo dos momentos iniciais de nomeação dos gestos e mímicas da criança. Para Dolto (1996) o sorriso é uma expressão mímica inata na criança, que busca comunicação e contato. A mãe ao se referir ao sorriso da criança e expressar satisfação sinaliza e nomeia o gesto. O bebê ao encontrar-se com os fonemas produzidos pela mãe, responde com o gesto. Em seguida é só se referir a um sorriso que a criança se abre em expressá-lo. É, a partir da nomeação dos gestos da criança, para Dolto (1996), que se estabelece o início da linguagem e da simbolização. A função simbólica, é percebida pela psicanálise no dizer de Dolto (1996), como a função fundadora do ser humano. É por intermédio da função simbólica que o ser humano pode se desenvolver, à partir de sua vulnerabilidade e 27 impotência e de uma relação de extrema dependência dos adultos provedores para uma futura independência. O primeiro sorriso da criança, bem antes da mamada é entendido por Dolto (1996) como uma “potencialidade” para a linguagem, e não se trata de um desejo ligado à necessidade alimentar mas e sim de uma comunicação psíquica. 28 REFERÊNCIAS ACSELRAD, C. 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