Buscar

AUTOCOMPOSIÇÃO

Prévia do material em texto

AUTOCOMPOSIÇÃO
A autocomposição é uma estratégia de superação de conflitos baseada na autonomia e vontade das partes. Com consentimento, uma ou mais partes abdicam de seus próprios interesses – ainda que parcialmente – em favor do interesse alheio. A negociação entre duas ou mais partes, que leva a um acordo consensual, é um exemplo de autocomposição.
O objetivo último de qualquer estratégia autocompositiva é chegar a resolução de um lítigio posto entre elas, preferencialmente de maneira célere. Assim, a solução proposta na autocomposição de conflitos pode envolver obrigações de dar, pagar, fazer, ou outras.
Além disso, antes de prosseguir, é importante entender que o termo “autocomposição” abarca muitas modalidades distintas. Em todas elas, não há um terceiro – juiz ou árbitro – que decide pelas partes. Pode haver intervenção de terceiros que atuem como negociadores, mas eles não podem induzir a uma solução, ou determiná-la. Na autocomposição, os protagonistas são sempre as partes envolvidas.
Além disso, vale lembrar que ela pode se dar de forma presencial ou online. E, pode ser conduzida na esfera judicial ou extrajudicial. No caso da autocomposição realizada pelo via do judiciário, é importante entender que esse é um paradigma ainda novo. Fique conosco para entender mais sobre como se deu a popularização dessa prática no Brasil, na próxima seção.
História da autocomposição
Os conflitos são parte central da história humana, movendo civilizações inteiras. Por isso, a resolução de conflitos é também um tema antigo. Entre os historiadores que se dedicam a essa temática, não há consenso sobre quando métodos de autocomposição começaram a ser usados, mas há registro de cláusulas que tratam disso desde a Grécia Antiga.
Estratégias similares a autocomposição como conhecemos hoje eram usadas também no Império Romano e, como se sabe, o direito romano teve grande influência sobre o mundo ocidental.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, trouxe como um de seus preceitos fundamentais a garantia da legalidade e do acesso à Justiça. Conforme, no entanto, o volume de querelas levadas ao judiciário aumenta e frente a morosidade da resolução pela via jurisdicional, começam a surgir alternativas. A autocomposição é uma delas.
Autocomposição no CPC/15
Sem sombra de dúvidas, o Código de Processo Civil de 2015 é o mais importante dispositivo para a popularização da autocomposição na esfera judicial. Essa promoção se origina sobretudo no art. 190, que reforça a autonomia das partes para que decidam pelos métodos autocompositivos, como segue:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. CPC/15, grifo nosso.
Além disso, o CPC não fala apenas de autocomposição, mas também específica métodos de resolução consensual de conflitos que podem e devem ser estimulados, como se vê no art. 3º:
Art. 3º.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Formas de autocomposição
Em geral, a autocomposição está ligada ao sacrifício de interesses próprios, parcial ou totalmente, por parte de uma das partes ou de ambas. Isto não significa, necessariamente, que alguma das partes precise sacrificar direitos que possuí, mas sim que precisa ser flexível quanto aos seus interesses, para chegar a um consenso.
Renúncia
A renúncia, ou desistência, ocorre quando uma ou mais partes renunciam ao direito de iniciar ou manter um conflito. Isto é, ele se despoja de seus interesses, em favor da pacificação.
É fundamental ter em mente que, em algumas esferas, o ordenamento jurídico preconiza a irrenunciabilidade do direito. É o caso, por exemplo, dos conflitos no âmbito do trabalho. Em um lítigio envolvendo patrão e empregado, a lei brasileira preconiza que o empregado não pode desistir ou abrir mão de seus direitos, como férias ou descanso semanal remunerado, por exemplo.
Aceitação
A aceitação – que também recebe o nome de “submissão” – ocorre quando uma das partes em conflito reconhece o direito e o interesse do outro. A parte que “aceita”, portanto, abdica do seu direito de resistir e recorrer, em favor da solução consensual.
Transação
A transação é a forma e autocomposição em que ambas as partes fazem concessões, reciprocamente. Nesse modelo é que ocorrem o acordos, nos quais se estabelece uma troca ou compensação, buscando o equílibrio para todos os envolvidos.
Nesse caso, portanto, ambas as partes podem abdicar de parte de seus interesses, pela obtenção de uma solução consensual.
Diferença entre autocomposição, autotutela e heterocomposição
Embora possam soar similar, os termos autocomposição, autotutela e heterocomposição representam conceitos muito distintos – até mesmo, opostos.
Assim, autocomposição e heterocomposição são formas de resolução de conflito, com a diferença que na autocomposição as partes buscam um consenso por si só. Enquanto, enquanto na héterocomposição há a participação de um terceiro, que sugere e delimita qual deve ser a resolução.
Já a autotutela é o estado de conflito em que o mais forte – ou mais poderoso, ou mais astuto – impõe seus interesses sobre o outro, até mesmo de forma violenta. Neste modelo, não há busca por um consenso, como na autocomposição. Há apenas a vontade de um sendo imposta sobre outro.
Autotutela
Popularmente, a autotutela é entendida como a ideia de “fazer justiça com as próprias mãos”. Ou seja, é o tipo de solução de conflito em que uma das partes – em geral, a mais forte – impõe sua vontade ou os seus interesses sobre o outro. Nesses casos, nem a prentenção da parte mais forte é válida, tampouco é justa a imposição sobre a parte mais fraca.
Por isso, a autotutela – essa noção de “fazer justiça com as próprias mãos” – surge, em geral, onde a ausência do Estado ou de um poder regulador.
Fica claro, por sua natureza, que a autotutela não é a maneira “adequada” de resolver conflitos, uma vez que tolhe direitos, cria situações de injustiça e desequilibra a relação entre as partes.
Heterocomposição
A heterocomposição é aquele em que há participação de um terceiro, para obter-se uma solução ao conflito. Quando um lítigio é levado à justiça, por exemplo, há uma resolução de conflito heterocompositiva.
Outros exemplos de heterocomposição são encontrados no que costumamos chamar de “métodos de resolução alternativa de conflitos”. É o caso, por exemplo, da arbitragem, em que os árbitros ocupam o papel de inteventores externos.
É importante lembrar, também, que a heterocomposição é sempre “um remédio indicado por terceiro” – analogia aplicada por muitos doutrinadores para explicar o conceito. Significa, portanto, que a solução é indicada por um agente não relacionado ao conflito. E, uma vez definida qual seja ela, precisará ser cumprido.
Tipos de autocomposição no Brasil
A autocomposição é a resolução consensual de conflitos, entre duas ou mais partes, sem a terceirização da decisão para terceiros, como juízes ou árbitros. No entanto, isso não significa que ela não possa ser conduzida em ambientes ligados ao Poder Judiciário, ou no bojo de um processo judicial já iniciado.
O CPC 15, inclusive, incentiva textualmente a adoção de métodos de autocomposição.
Por isso, é possível afirmar que a autocomposição pode ser judicial ou extrajudicial. Vamos entender quais práticas estão contempladas em cada uma dessas esferas, com exemplos, abaixo.
1. Autocomposição judicial
Embora a autocomposição esteja centrada na autonomia e autodeterminação das partes, quando ocorre a autocomposição judicial, um terceiro imparcial conduzirá as sessões, audiências ou momentos de negociação. Esse terceiro pode ser um mediador ou conciliador. Em ambos os casos, o Código de Éticade Conciliadores e Mediadores Judiciais preconiza que esses profissionais tem:
Dever de respeitar os diferentes pontos de vista dos envolvidos, assegurando-lhes que cheguem a uma decisão voluntária e não coercitiva, com liberdade para tomar as próprias decisões durante ou ao
final do processo, podendo inclusive interrompê-lo a qualquer momento. Resolução CNJ Nº 125 de 29/11/2010, Anexo III, Art. 2º, §2º.
Assim, vê-se que mesmo quando há intervenção de terceiros, o consenso entre as partes ainda deve prevalecer e os mediadores ou conciliadores não podem impor uma solução.
Autocomposição extrajudicial
A autocomposição extrajudicial é aquela que ocorre independentemente do procedimento judicial. Para que ela exista, é preciso que haja duas coisas: um conflito, e vontade das partes em negociar.
Contudo, você pode estar se perguntando, como é possível dar início a um processo autocompositivo sem o incentivo ou intervenção do estado? Em geral, a resposta é: uma das partes busca a outra, e propõem um acordo de resolução. Ou um terceiro interessado na resolução do conflito incentiva a negociação entre as partes.
Por exemplo, um conflito entre vizinhos de um mesmo prédio pode ser resolvido por incentivo do síndico. Ele pode colocar os moradores conflitantes frente a frente, e intermediar uma conversa entre ambos, que resultem em um acordo – ainda que verbal.
Agora, vejamos um exemplo que envolve também pessoas jurídicas. Uma empresa de telefonia recebe reclamações de consumidores por meio do Procon. A organização pode, então, captar essas reclamações no órgão e fazer contato com as partes reclamantes, propondo um acordo que inclua a retirada das reclamações registradas e a abdicação de seguir com um processo judicial.

Continue navegando