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A Arte da Montagem


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O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura1
… e aliás, por que isso, fazer cinema? Acho 
isso desonroso, desonroso e démodé. O que é o 
cinema, aliás? Uma cabeça grande fazendo 
caretas em uma pequena sala. É preciso ser 
babaca pra gostar disso. Sim, sim, eu sei o que 
digo. O cinema é uma arte ilusória. 2
Literatura, cinema e histórias em quadrinhos são linguagens autônomas, cada 
uma com seus códigos e receptividade. Como artifícios criativos, passam por 
procedimentos de montagem que são mais ou menos evidentes em cada uma delas. 
Segundo Paul Ricœur, todas essas linguagens podem apresentar categorias (intriga, 
diegese, situações, temas, conflitos dramáticos, personagens) que fazem do gênero 
narrativo um modelo transversal a todas essas linguagens. Estas, por esse conjunto de 
categorias, são consideradas por ele “espécies narrativas”. Como gênero, a narrativa 
encarnaria os mais diversos sistemas semióticos, sustentando sempre o traço que lhe é 
próprio: “a arte de contar”3. 
Contar uma história pode apresentar os mais diversos níveis de realidade e 
ficção, moduladas nos mais diversos estilos4. É na montagem da história, na tradução 
dos fatos em linguagem, é que surgem os “acidentes”, os “defeitos” que, a cada nível, 
transformarão o real em criação de realidade. Destacaremos, no presente trabalho, os 
recursos narrativos de cada uma destas três linguagens e suas especificidades em relação 
à narrativa da História.
O cineasta Eduardo Coutinho costuma dizer que não lhe interessa, em um 
entrevistado, a verdade sobre sua história, mas o verossímil: aquilo que faz sentido à sua 
narrativa pessoal, expressa pela sua fala. Também a Nova História surgida nos anos 
1 Trabalho apresentado para o curso A Narrativa Fílmica, por Maria Clara Carneiro, doutoranda do 
curso de Teoria da Literatura da Faculdade de Letras/UFRJ.
2 Jean-Luc Godard, através do personagem de Jean-Paul Belmondo no curta-metragem Charlotte et son 
Jules (1958). Grifo nosso.
3 Cf. GROENSTEEN, 1999, p. 9.
4 Como bem o demonstrou Raymond Queneau em seus Exercices de Style e nas adaptações para as artes 
pictóricas realizadas pelo artista plástico Jacques Carelman. Nos exercícios de Queneau, suas notas 
foram recontadas no “presente”, “imperfeit”, em odes, haikais. Carelman fez o mesmo transportando 
as notas de Queneau para o tarô, os vitrais, objeto Dadá, a gravura...
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 1
1970, um tempo depois do nascimento do gênero documentário com Vertov, reconhece 
nessas narrativas únicas, subjetivas, matéria importante para esse novo modelo 
historiográfico, preocupado com o modo como os sujeitos constroem sua percepção da 
História. 
Da mesma forma em que o fio condutor de uma narrativa é imposto por seu 
narrador, todas estas espécies narrativas sofrerão manipulação daquele que as conta ou 
reconta. Às “falhas no discurso”, as divagações, são acrescidas as manipulações da 
filmagem, os recursos retóricos do texto, os enquadramentos e as interpretações gráficas 
do desenho. 
Num documentário você fotografa pessoas reais e histórias reais, mas 
não apenas para retratar a superfície visível do real. Na montagem, na 
justaposição de detalhes, você cria ume interpretação dessas histórias, 
disse John Grierson comentando o cinema de Robert Flaherty. Que a 
objetiva de fato vê na filmagem é a visão subjetiva do realizador que 
se organiza na montagem. (CINEMAIS, 2003)
A palavra trucagem, utilizada amplamente no cinema, significa, justamente, 
truques na montagem de um filme, visando uma ilusão ou economia. Sua origem no 
francês remonta às falsificações de móveis antigos e peças e arte. No cinema, parece ter 
sido usada pela primeira vez pelo ilusionista e cineasta francês Georges Meliès, o mago 
dos truques5. Meliès (1861-1938), ainda na primeira década do século XX, elaborou 
uma série de procedimentos com o objetivo de impressionar seus espectadores. Um dos 
primeiros a começar a recortar clichês de seus filmes, o “découpage” 6, a colorir as cenas 
e a projetá-las sobre o papel (storyboard) antes de realizá-las com a câmera. 
Meliès é considerado o inventor dos efeitos especiais e tornou-se referência para 
muitos autores, notoriamente o americano D.W. Griffith, (1875-1948). Este, por sua vez, 
considerado pelo cineasta russo Serguei Eisenstein (1898-1948) “um mágico da perícia 
e da montagem”, que realizaria com perícia e criatividade. Segundo Eisenstein, Griffith 
teria avançado no transporte da mecânica narrativa da literatura para a narrativa 
5 Cf. Atilf ( In : http:// atilf.atilf.fr ) LITTRÉ: Trucage [...] Terme presque d'argot désignant cette industrie borgne qui 
consiste à faire payer très-cher à des amateurs passionnés pour l'antique des objets fabriqués la veille et savamment 
habillés d'un vernis d'ancienneté); 2. 1876 (Lar. 19e: Trucage [...] Argot. Emploi de trucs, de moyens adroits et peu 
délicats pour arriver à ses fins, particulièrement pour tromper le public); 3. a) 1907 cin. (MÉLIÈS, V. Cin., A.G.I.P., p. 
369 ds GIRAUD 1956, s.v. truc: Toute une série de procédés dont l'ensemble ne peut porter un autre nom que celui de 
« truquage », nom peu académique), cf. aussi Lar. mens. t. 5 1920, p. 122, col. 1: ,,le public, trop habitué à ne voir 
dans le cinéma que du truquage``; p. 123, col. 1: ,,Tous ces effets [...] sont le résultat de trucs ingénieux``; b) 1929 
cin. « procédé donnant l'illusion d'une réalité » (Lar. 20e, s.v. cinématographe, pl. II, n
o
 5 [illustration se trouvant 
ds Lar. univ. t. 1 1922 sans l'appellation trucage]). Dér. de truc
1
* et de truquer*; suff. -age*. Fréq. abs. Littér.: 29. 
6 Que vem a ser o trabalho de divisão do roteiro em cenas, sequências, criando a ordem narrativa.
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 2
http://atilf.atilf.fr/
http://atilf.atilf.fr/
cinematográfica. Como ele cita a Senhora Griffith:
Quando o Sr. Griffith sugeriu que a cena de Annie Lee esperando pela volta do 
marido fosse seguida de uma cena de Enoch naufragado numa ilha deserta, foi 
mesmo muito perturbador. “Como pode contar uma história indo e vindo deste 
jeito? As pessoas não vão entender o que está acontecendo.”
“Bem”, disse o Sr. Griffith, “Dickens não escreve deste modo?”
“Sim, mas isto é Dickens, este é um modo de se escrever um romance; é 
diferente.”
“Oh, não tanto; escrevemos romances com imagens; não é tão diferente!” 
(Mrs. D.W. GRIFFITH apud EISENSTEIN, 1990, p. 180). 
Eisenstein ainda comenta essa percepção de Griffith da obra de Charles Dickens: 
“Não nos interessávamos pela técnica de composição de Dickens: para nós isso não 
existia” (EISENSTEIN, 1990, p. 180). Não percebemos. A estrutura do texto literário, 
ou melhor, sua composição, é muito menos perceptível aos olhos de seu espectador que 
o cinema ou os quadrinhos aos olhos dos seus. A montagem literária seria praticamente 
invisível. Podemos identificar os parágrafos, os capítulos, as páginas dando a ordem de 
seu progresso. Mas ainda há mais, toda a rede de referências, a mecânica da tomada de 
decisões de um autor que desaparecem nas páginas; a diagramação do texto, a escolha 
do papel, da tipografia, no processo de montagem de um livro. Toda essa mecânica 
começa a tornar-se evidente na literatura do século XX, com os concretos relendo 
Mallarmé, os estudos da aplicação da combinatória pelos membros do OuLiPo, a análise 
do discurso. 
O discurso é definido em geral como uma “série de enunciados significativos 
que expressam formalmente a maneira de pensar e de agir e/ou as circunstâncias 
identificadas com um certo assunto, meio ou grupo”, ou, ainda, “raciocínio que se 
realiza por meio de movimento sequencial que vai de uma formulação conceitual a 
outra, segundo um encadeamento lógico e ordenado”7. Sendo assim, o discurso seguedeterminadas restrições a priori: do respeito a uma ordem (a sintaxe de uma língua), a 
uma forma, a um contexto, assim como um “movimento sequencial” para ser realizado. 
É preciso levar em conta, também, o respeito a regras, a um código, aqui compreendido 
de acordo com a definição de Greimas:
uma estrutura formal (1) constituída por um pequeno número de 
categorias sêmicas (2) cuja combinatória é suscetível de dar conta, 
sob a forma de sememas, do conjunto de conteúdos investidos que 
fazem parte da dimensão escolhida do universo mitológico. 
(GREIMAS, 1976 p. 73)
7 HOUAISS, edição eletrônica. 
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 3
O cinema e as histórias em quadrinhos, duas artes que precedem o século XX, 
inaugurando-o, podem, por outro lado, ter sua arquitetura facilmente desvelada. É 
possível identificar “saltos” na montagem, ausências, erros de continuação no cinema, 
assim como identificar no rolo de filmagem a manipulação realizada pelo editor. As 
histórias em quadrinhos, pelo seu próprio caráter, dispõem sua constituição página a 
página. Consideradas “artes sequenciais”, predominantemente de caráter narrativo, o 
cinema e os quadrinhos evidenciam em seu discurso, muito mais do que em qualquer 
outra arte, a importância da organização deste, da montagem. Apesar de ser possível 
analisar apenas um frame ou sentenças isoladas de um texto, é o resultado final, a 
montagem, a linha que costura o objeto fílmico, quadrinístico ou literário, que dará 
sentido ao texto. Como Roland Barthes afirma, analisando A Carta Roubada de Poe, 
além do “conjunto horizontal de relações narrativas” em uma obra literária, é preciso 
também ler uma obra “verticalmente”, a partir das relações paradigmáticas construídas 
ao longo de uma obra: “a significação não está 'ao cabo' da narrativa, ela a atravessa” 
(BARTHES, 1976, p. 26). 
Não será por acaso que a literatura do século XX e XIX recorre ao “desmonte” 
como processo de sua fabricação. O século XIX vira nascer a Fotografia e a 
Historiografia, nascimentos vistos como paradoxais por Roland Barthes8 em sua 
Câmara Clara. A essência de ambas é romântica, buscam a totalidade, a Verdade, essa 
dama fugidia e sempre tão idealizada. Os modernos serão menos ingênuos (que sais-
je ?), abrindo as portas para a criação de verdades, isto é, de novas realidades ficcionais 
sem a ambição de que esta seja a única realidade possível. Como afirmamos, a 
montagem e a trucagem tornam-se ferramentas aparentes da criação literária.
A trucagem, apesar de, no senso comum, carregar ainda a conotação de 
falsificação, engano, sendo até objeto de leis no que tange à utilização de imagens de 
pessoas públicas9, é uma das bases do cinema de ficção. Ela acompanha a montagem da 
cena, mas a segunda operação, mesmo que possa “alterar” a cronologia desta, 
respeitaria, por si só, a integridade da mesma. Na literatura, é a manipulação de outros 
textos, o pastiche e a paródia que poderiam ser artifícios considerados análogos à 
trucagem cinematográfica. 
8 Cf. BARTHES, 1980.
9 Cf. Lei das Eleições 8713/93 | Lei no 8.713, de 30 de setembro de 1993, art. 66, inciso II: “Art. 66. A 
partir da escolha de candidatos em convenção, é vedado à emissora, na sua programação normal: II - 
utilizar trucagem, montagem [grifo nosso]ou outro recurso de áudio ou vídeo, ou produzir ou veicular 
programa, que possa degradar ou ridicularizar candidato, partido ou coligação.”
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 4
A sequência narrativa tradicional do cinema e dos quadrinhos, como vimos, 
obedece a sucessão de planos, “células de montagem” e “exatamente como as células, 
em sua divisão, formam um fenômeno de outra ordem, o organismo ou o embrião, do 
mesmo modo, no outro lado do salto dialético, a partir do plano, há a montagem 
(EISENSTEIN, 1990, p. 206)”, também considerada por ele como “a expansão de um 
conflito intraplano (ou, contradição), em primeiro lugar do conflito de dois planos que 
se encontram lado a lado” (p.206). 
O espectador poderá perceber essas alterações pela simples progressão da 
história, mas o ritmo das sucessões lhe é imposto. O cinema, como mecânica, é uma 
linguagem que comanda os olhares. “Pode-se decompor um plano, mas não é possível 
reduzi-lo”10, 
No caso das histórias em quadrinhos, o leitor pode observar a multiplicidade dos 
enunciados narrativos. O plano poderia ser até comparado, mas não é para seu Spectator 
o mesmo que sua unidade ou a página inteira, a qual o historiador e pesquisador Thierry 
Groensteen (1999) chama de “multicadre” [multiquadro]. No cinema o plano ou 
fotograma podem ser considerados a unidade base de sua linguagem (a “palavra-
sentença”, como lembra Eisenstein) e sua sucessão no tempo o seu código. Nos 
quadrinhos é o quadro a sua unidade sêmica, e sua organização destes na página como 
próprio desta linguagem. Groensteen chama tal organização de código espaço-tópico; 
uma linguagem geográfica por excelência, no que tange à importância de levar-se em 
conta a distribuição de seus elementos no espaço para compreensão de sua narrativa.
Como podemos ver, ainda em Tintin (figura 1.a), a própria subdivisão da página 
dará o ritmo à narrativa, ao mesmo tempo que seu conjunto cria um novo desenho, um 
segundo nível narrativo, constituindo relações hierárquicas de gradação ou clímax 
partindo dos diferentes tamanhos dos quadros. Eisenstein lembrava que o close-up, teria 
importância ideológica, ligado ao valor do que é visto. No formato tradicional das 
histórias em quadrinhos, os closes e os diferentes tamanhos dos quadros também são 
recurso de valoração11. 
Tomemos por exemplo o trabalho executado pelo francês Jochen Gerner, autor 
de quadrinhos e artista plástico, que “mixou” o Tintin de Hergé (1.c). Recortou e colou 
elementos da obra original do belga; apagou, colorindo de negro boa parte de suas 
páginas, criando novos pictogramas da história. O resultado foi seu livro-exposição TNT 
10 METZ, apud. GROENSTEEN, 1999, p. 33.
11 Nos anos 1990, principalmente na chamada nouvelle bande dessinée francesa, há cada vez mais a 
implosão da sequência, da tira e do quadro.
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 5
en Amérique (2.a), uma paródia do clássico franco-belga, transcriando-a em uma obra 
que investiga a potencialidade da montagem em quadrinhos, ao mesmo tempo em que 
executa um trabalho erudito de reconstituição de um clássico da tão jovem Nona Arte.
Uma grande diferença entre a percepção do espectador da Sétima para o da 
Nona arte, aliás, seria que aos primeiros não existe uma necessidade de ordenarem a 
sucessão dos planos, enquanto a compreensão da narrativa dos quadrinhos prescinde a 
operação de recolher os quadros distribuídos para a apreensão do sentido. O Spectator 
rege a câmera, exercendo também o papel de Operator, quem dirigirá a visão sobre o 
papel. A leitura visual, mesmo que regida por alguns códigos culturais (da esquerda para 
a direita nas línguas alfabéticas europeias, da direita para a esquerda nos mangás 
japoneses), depende do leitor, que poderá demorar-se sobre um quadro, iniciar a leitura 
pelos textos ou pelo desenho, apreender o conjunto para depois deter-se no texto e vice-
versa.
Groensteen retoma o “sentido obtuso” abordado por Barthes (1990), “sentido 
nascido de uma leitura 'leitura interrogativa' ou 'apreensão poética' que se apoia por 
excelência nos 'acidentes dos significantes'” (GROENSTEEN, p. 34). É na diferença dos 
diferentes quadros e em sua conjunção que se opera o sentido; os truques nos 
quadrinhos estão ali, expostos, e são eles que compõem esse “sentido obtuso” da 
linguagem. 
Tomemoscomo exemplo a figura 1.b, extraída do álbum clássico, tradicional, do 
belga Hergé. Nele, estão justapostas duas tiras, divididas em três quadros cada, recurso 
comum nas histórias em quadrinhos (chamadas de bande dessinées [tiras desenhadas] na 
França). Ele utiliza os mesmos recursos narrativos em cada um deles na primeira tira 
(A); a saber: os balões de fala, os dois personagens, Tintin e Milou, o cavalo, signo de 
movimento, que é “trocado” no último quadro pela fogueira, signo de repouso. 
A passagem de tempo e, por conseguinte, a progressão narrativa, é operada 
através da mudança do cenário, cujo enquadramento permanece o mesmo em todos os 
quadros seguintes. Na segunda tira, (B) o elemento coesivo com a anterior são os semas 
de noite, fogueira, compondo ainda o semema de noite e repouso. O personagem Tintin 
é substituído pelo seu “inimigo”, em um cenário análogo, mas diferente. As montanhas 
foram substituídas por barracas estilo “índio americano”. A ideia de disputa entre os 
dois personagens está expressada, também, por esse corte nos quadros, por essa 
alternância, pela imposição de Tintin entre os quadros inimigos. Sua figura irrompe 
entre os dois quadros da tira (B). A irrupção marcando, mais uma vez, a passagem do 
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 6
tempo: o segundo quadro de cada tira funciona dentro de um mesmo paradigma, com 
uma ligeira alteração no cenário (A +cavalo; B -cavalo; A �B tons de cores, B +fumaça).
Como tal linguagem, com sua mágica tão exposta ao leitor, poderia enveredar-se 
para o registro documental? A ideia de cinema verdade (Kino Pravda), tal como 
postulou Dziga Vertov (1896-1954) poderia ser vista como impraticável para uma 
linguagem que consiste na recriação de cenários, personagens. 
Mas, assim como
… não há desenho, por mais “exato” que seja, cuja exatidão não represente, 
ela própria, um estilo (“verista”); não há cena filmada cuja objetividade não 
seja lida como o próprio signo da objetividade. (BARTHES, 1990, p. 13)
E da mesma forma que a câmera, de acordo com Vertov, seria um 
aperfeiçoamento das retinas humanas para apreensão da realidade, a literatura e as 
histórias em quadrinhos podem ser usadas como documentos, suporte para 
documentários. 
É a partir deste paradigma que o maltês Joe Sacco (1960-) fundamentou seu 
trabalho. Vivendo em Seattle, nos Estados Unidos, viaja pelo mundo desde 1988, tendo 
se especializado no jornalismo em quadrinhos. Sua obra vem sendo traduzida no mundo 
inteiro, recebendo prêmios pela importância histórica de seu relato, sobretudo em defesa 
da Palestina. 
Assim como em um documentário fílmico tradicional, Sacco seleciona seus 
personagens, realiza uma série de entrevistas, registradas, por sua vez, com gravadores e 
máquinas fotográficas. Seu livro Notas sobre Gaza (SACCO, 2010) foi escrito após ter 
trabalhado na área, como enviado especial da revista Harper's, ilustrando a história ao 
lado do colega jornalista Chris Hedges, que ficou a cargo do texto. Descontente com 
alguns trechos omitidos pela revista, decide voltar à Gaza e realizar sua busca pessoal 
sobre a história recente vivida pelos palestinos da cidade de Khan Younis, notoriamente 
histórias pessoais em torno da Crise do Canal de Suez (1956), soterradas pelas 
sucessivas guerras na região. 
O autor conviveu com jornalistas experientes cobrindo a Faixa de Gaza, amigos 
de outros trabalhos. Logo no início, mostra o encontro destes em um restaurante, todos 
um tanto blasés com o ritmo da história. A narrativa da cena “real” é entrecortada pelo 
monólogo interior. Na ilustração, o cardápio do restaurante é “tomado” pelos conflitos 
cotidianos da região.
Eles balançam a cabeça. Reviram os olhos. É sempre a mesma coisa. 
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 7
Garçonete! O que tem no cardápio? Atentados! Assassinatos! Incursões! Eles 
poderiam usar a mesma matéria do mês passado – ou até do ano passado – e 
quem perceberia? Porque já escreveram tudo que podiam sobre a Segunda 
Intifada, já fotografaram o choro de todas as mães, já citaram todos os porta-
vozes mentirosos, já descreveram todas as humilhações – e para quê?
Sabemos ainda no começo da história que o caráter de seu trabalho, apesar de 
sua desenvoltura e conhecimentos do meio, “não se enquadra” junto a seus colegas. Seu 
pedido de credencial de jornalista para a Faixa de Gaza foi recusado: ele não se 
“encaixaria” na categoria de “cobertura em tempo real” (Figura 3.b), o que não o 
impediu de prosseguir nas entrevistas, acompanhado por seu intérprete. 
A apresentação dos “atores” da história se dá da forma mais tradicional possível 
no que tange o jornalismo investigativo e ao documentário. Os entrevistados são 
apresentados falando ou trabalhando, com suas “vozes” em off, ou melhor, sobrepostas 
às suas imagens, nas legendas (quadros de texto ou filacteras, do francês phylactère) 
(figura 2.a). 
A catalogação bibliográfica desse livro é assim apresentada:
1. Conflito árabe-israelense – Histórias em quadrinhos 2. Conflito 
árabe-israelense – 1948-1967 – Palestinos – Narrativas pessoais 3. 
Egito – História – Intervenção, 1956 – Histórias em quadrinhos 4. 
Egito – Palestinos – Narrativas Pessoais – Histórias em quadrinhos 5. 
Entrevistas – Faixa de Gaza – Khan Younis 6. Entrevistas – Faixa de 
Gaza – Rafah 7. Khan Younis – História – Século 20 – Histórias em 
quadrinhos 8. Massacres – Faixa de Gaza – Khan Younis – História – 
Século 20 – Histórias em quadrinhos 9. Rafah – História – Século 20 
– Histórias em quadrinhos 10. Repórteres e reportagens 11. Violência 
– Faixa de Gaza – Rafah – História – Século 20 – Histórias em 
quadrinhos
Totalizando: a) Histórias em quadrinhos: 7 aparições; b) História: 4 aparições; c) 
Termos ligados ao conflito árabe-israelense: 20 aparições; d) Narrativas pessoais: 2 
aparições; e) Entrevistas: 2 aparições; f) Século 20: 4 aparições. 
Os índices de “real” são mais frequentes. A ordem em que são elencadas cada 
uma das onze categorias de palavras-chave signifiquem uma hierarquia de 
categorização, o primeiro elemento de cada sentença sendo o mais relevante para cada 
uma. O livro é amparado, ainda, por apêndices contendo entrevistas, referências 
bibliográficas, histórico da pesquisa e alguns detalhes do processo explicados pelo autor, 
que também apresentara suas motivações em seu prefácio. Cada página é assinada e 
datada, indicando, também, a coincidência autobiográfica autor-narrador-personagem 
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 8
registrada a cada página, como um documento, uma rubrica, que, pela data, confirma-se 
como um documento, assim como nos assinala a frequência da produção do autor.
Quanto às imagens dos entrevistados, trabalhei a partir de fotografias 
na maior parte dos casos. Quando as pessoas pediam para não ser 
identificadas, em geral eu desenhava alguns esboços rápidos para 
retratar suas feições de forma aproximada, de tal maneira que não 
fosse possível identificá-las. Quando o nome é indicado sem nenhuma 
imagem, a explicação mais provável é o mau funcionamento da 
minha câmera fotográfica. 
No que diz respeito à linguagem, tentei ser fiel às palavras que as 
pessoas usaram quando foram entrevistadas, ainda que às vezes isso 
significasse reproduzir algumas construções um tanto estranhas. Nas 
ocasiões em que isso poderia representar um obstáculo à compreensão 
do leitor, eu arredondei um pouco a linguagem, mas apenas o 
necessário. (SACCO, 2010, p. 416; grifo nosso)
Por mais “manipulador” que seja o ato de fotografar e montar posteriormente 
uma história, Sacco salienta que tudo o “dito” e “mostrado” em sua obra são reais, 
fazendouso das expressões “forma aproximada”, “fiel” e o uso da fotografia como signo 
de veracidade. 
Como explica o jornalista e crítico Siegfried Kracauer, ao falar de uma fotografia 
de “avó”: esta só poderia ser identificada como tal pelos seus netos; nada na foto, por si 
só, o diria. “The meaning of memory images is linked to their truth content”, ao 
conteúdo “real” passível de ser identificado por aqueles que partilham determinada 
realidade (KRACAUER, 1995, p. 51). Nos desenhos de Sacco, vemos personagens sem 
“netos” que poderão reconhecer, neles, o seu significado. Suas fotografias da Palestina 
não encontrariam ressonância afetiva junto ao público a qual se destina: o americano, o 
europeu, os que “desconhecem” a história recente das pessoas que vivem em Khan 
Younis. Por isso tais imagens serão por ele manipuladas e acrescidas do texto que lhes 
trará significado, traduzindo aquelas memórias para os que a desconhecem, estrangeiros 
a tais situações. 
Assim como em um documentário filmado, as entrevistas são as condutoras da 
história. Ao editor/autor, cabe acrescentar as informações criadoras de memória. O 
trabalho de Sacco tornou-se referência para diversos outros autores, inserindo-se na 
geração de quadrinistas que alçou a linguagem a uma maior aceitação pelas mídias 
tradicionais. Sua interpretação das realidades que analisou, mais que denúncias e 
registro histórico, são obras narrativas em que também podem apresentar funções 
análogas à funções exercidas pela literatura, tais quais as funções postuladas por 
Jacobson. 
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 9
O “poético” de Sacco estaria ali onde ele perverte a narrativa, no que ele apaga, 
no que ele escolhe dizer. São os desvios da realidade que distanciam uma obra narrativa 
de um simples testemunho. A começar pelo seu próprio autorretrato (figura 3.b), nem 
tão “fiel” assim, tomando emprestado da caricatura o uso do exagero de alguns traços 
que servirão de identificação com o autor-personagem (figura 3.c). A ilusão tão evidente 
no trabalho de cineastas como Meliès, também está presente nessas obras que buscam 
“a verdade”. 
É a verossimilhança, não o verdadeiro, que nos interessa como leitores; senão 
nos contentaríamos com fotografias sem qualquer intervenção – postulado impossível: a 
manipulação da história não começaria desde o momento em que posicionamos a 
câmera? 
Apesar de inovador no conteúdo e no formato final, em quadrinhos, também é 
herdeiro dos cadernos de viagem, dos diários de bordo, elementos que constituíram, 
durante muito tempo, a base documental dos estudos da História. À diferença de outros 
autores em quadrinhos, mais que trabalhar suas qualidades artísticas, é a História ela 
mesma que lhe interessa. O francês Olivier Ladeuix, por exemplo, fez uso dos seus 
cadernos de viagem como um exercício de estilo, transformando cada cena registrada 
pela máquina fotográfica e esboçado no papel em modulações poéticas das impressões 
causadas por sua viagem a Madagascar. O procedimento utilizado por ambos, da 
adaptação das notas de viagem para uma narrativa fluida (no caso de Ladeuix, seu 
caderno também foi transportado para o cinema, no formato de animação)12. Mas 
enquanto Ladeuix “aparece” em seu trabalho em poucas ocasiões (quase não vemos o 
rosto ou ouvimos o seu autor), Joe Sacco, cuja preocupação central é contar a história, é 
personagem frequente da própria narrativa. Um papel que poderíamos ver como 
semelhante ao posicionamento de Eduardo Coutinho: não esconder que está lá, que há 
um trabalho envolvendo diferentes pessoas, ou a ausência da quarta parede em Brecht. 
Como no cinema 3D, estes recursos não serviriam para incluir o Spectator como agente 
da história, mas para fazê-lo participar desta realidade que se convencionou chamar, em 
nossa época, de “aumentada”. 
Roland Barthes, em seu curso A Preparação do Romance, analisa como o 
fragmento, o álbum – de fotografias, os cadernos de viagem, as notas – dão origem à 
obra. Esta nasce a partir de uma conjuntura de fatores que incluem a Vontade de Obra, 
que de desejo passaria a trabalho de “imitação” (pastiches a partir do que “gosto”, 
12 Ver anexo III.
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 10
plágios inconscientes) criando uma combinatória de elementos existentes – pois todas 
as linguagens compreendem elementos discursivos limitados com possibilidades 
infinitas de combinação –, até a ruptura com minhas referências, para dar lugar a um 
contínuo singular. 
A arte do cinema, assim como dos quadrinhos ou da literatura, envolveria 
sempre recortes, découpages e trucagens. Referências estrangeiras ao texto, como bem 
entendeu Oswald de Andrade e tantos outros “desconstrucionistas” antes ou depois de 
Derrida, são para serem devoradas. 
Este texto, por exemplo, que sofreu um processo de montagem rigoroso, 
tomando frames de outros livros, conversas, decupado, montado aos poucos, bricolado, 
até chegar em seu formato final, que virá a ser analisado, corrigido, submetido a 
avaliações de ordem teórica, assim como de sua composição. Alguns traços, falha nossa, 
serão mais ou menos evidentes perante os olhos do leitor, mas seu conjunto, se houver 
certo sucesso, será percebido como um contínuo fluido, recurso ilusório. 
Enquanto não aparece um novo software permitindo o recorte de mundo usando 
apenas os olhos13, o trabalho da reescrita, do desmonte e remonte das obras, continuará 
como artifício predominante entre operadores das mais diversas artes. E ainda bem.
13 Ver anexo IV
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 11
Referências bibliográficas
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______. O Óbvio e o Obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. 2a reedição. 
Tradução de NOVAES, Léa.
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COLCHESTER, Max. “Jerry Lewis Is Funny to the French, but Comic Books Are 
Serious Business”. The Wall Street Journal online, 21 de janeiro de 2011. Disponível 
em: 
<http://online.wsj.com/article/SB10001424052748704515904576075980439410992.ht
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EISENSTEIN, Serguei. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
______. O sentido do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. Tradução de 
OTTONI, Teresa. 
GERNER, Jochen. TNT en Amérique. Paris: L'Ampoule, 2002. Trechos disponíveis em 
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Acesso em 30 de julho de 2011. 
GREIMAS, A. J. Elementos para uma Teoria da Interpretação da Narrativa Mítica. In: 
BARTHES et alii. Análise Estrutural da Narrativa. Petrópolis: Vozes, 1976. Tradução 
de PINTO, Milton José.
GROENSTEEN, Thierry. Système de la bande dessinée. Paris: PUF, 1999.
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<http://www.olivier-ladeuix.com/blog/2011/03/03/madagascar-carnet-de-voyage> 
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BOIDE, Alexandre. 
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 12
http://www.olivier-ladeuix.com/blog/2011/03/03/madagascar-carnet-de-voyage
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http://online.wsj.com/article/SB10001424052748704515904576075980439410992.html?mod=googlenews_wsj
http://online.wsj.com/article/SB10001424052748704515904576075980439410992.html?mod=googlenews_wsjAnexo I: Imagens de Tintin en Amérique. HERGE, 1945
Figura 1.a
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 13
Figura 1.b
Figuras 1.c e 2.a
Hergé (1945) e Gerner (2002), respectivamente
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 14
Anexo II: Imagens de SACCO, Joe. 2010. 
Figura 3.a
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 15
Figura 3.b
Figura 3.c
Figura 3.d
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 16
Anexo III
Figura 4.a
Figura 4.b
O elogio da montagem: cinema, quadrinhos, literatura | M aria Clara Carneiro 17
Anexo IV
humor vítreo 
Em breve, um novo pacote Office da Microsoft estará disponível para vendas em todo o 
mundo. Além dos conhecidos Word, Excel, e Powerpoint, a companhia desenvolveu um editor 
de texto e imagem que vem acompanhado de um captor especial, o Eyelid, que vem a ser um 
nanochip permitindo ao usuário a capacidade de editar textos e imagens no olho.
Sim, no olho. É, usando apenas os olhos, o captor permite copiar e colar textos e 
imagens. Assim como um scanner convertor de texto, o programa também seria capaz de 
"transcrever" falas.
Por enquanto, ainda não é possível editar muita coisa: o pacote só inclui a língua inglesa 
e o programa de edição de imagens ainda está um paintbrush ainda pior, mal ajambrado; e ele só 
transcreveria conversas de até dois minutos. Mas os especialistas garantem que o protótipo, 
ainda em conclusão, será um grande avanço para a humanidade.
Alguns críticos já levantaram voz contra o projeto, afirmando que isso poderá ser ainda 
mais invasivo. Imagine, se com câmeras ligeiramente escondidas a privacidade já corre perigo, 
na retina-câmera secreta, qualquer gesto seu poderá ser eternamente armazenado no HD alheio, 
sem que você nem perceba. Pior: frases proferidas poderão ser roubadas a torto e a direito.
Outros acreditam, ainda, que esse sistema enfatizaria o ethos pós-pós-pós-moderno do 
ctrl+c+ctrl+v. Uma sociedade sem criadores, de meros reprodutores de informação. O filósofo 
franco e francês Jean-Jacques-Claude-Yves, no entanto, afirmou que tal recurso permitiria o 
ressurgimento da inteligência como caráter de valor. Ele explica que, em um mundo em que 
tudo se copia, a sabedoria voltaria a ser valorizada por não se encontrar no armazenamento ou 
reprodução imediata e desenfreada de informações. A inteligência/sagesse seria percebida na 
capacidade de recriar, recrear, de realizar pastiches.
Desenvolvedores Linux advertem sobre os riscos do tal programinha da gigante 
americana, que não poderá ser utilizado sem o devido uso de colírios anti-inflamatórios, e estão 
correndo atrás de realizar o seu protótipo copyleft copypaste. Usuários da Apple aguardam 
ansiosos seu iEye. 14
14 Crônica que surgiu ao longo da pesquisa para este trabalho.
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