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Ivair da Silva Costa

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
PUC-SP 
 
 
Ivair da Silva Costa 
 
 
 
Uma contribuição ética de alguns mitos amazônicos diante da reflexão do 
iminente colapso ecológico da água: aproximação teológica 
 
DOUTORADO EM TEOLOGIA 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2010 
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
PUC-SP 
 
 
Ivair da Silva Costa 
 
 
Uma contribuição ética de alguns mitos amazônicos diante da reflexão do 
iminente colapso ecológico da água: aproximação teológica 
 
DOUTORADO EM TEOLOGIA 
Tese apresentada à Banca Examinadora da 
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 
como exigência parcial para obtenção do título 
de Doutor em Teologia Moral sob a orientação 
do Prof. Doutor Sérgio Conrado. 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2010 
 
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC-SP 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA 
TÍTULO DA TESE: Uma contribuição ética de alguns mitos amazônicos diante da 
reflexão do iminente colapso ecológico da água: aproximação teológica 
ALUNO: Ivair da Silva Costa 
Orientador: Prof. Doutor Sérgio Conrado. 
SÃO PAULO - 2010 
 
 
ERRATA DA TESE 
 
 
1. Abstract 
Title: An ethical contribution of some Amazonian myths on the reflections of 
impending ecological collapse of the water: a theological approach. 
- The whole of the thesis reflects … The whole of the dissertation reflects 
- express principles (criterion) … express principles (criteria) 
- In analyzing the new Amazon environment… In base of the new Amazon environment 
- re-invention of Life in focus ethical and theological... re-invention of Life from a 
ethical and theological focus. 
- take before reality conflict… take in face of reality conflict 
- for wanting to see… for longing to see 
- Keywords: ethics, theology, creation… Keywords: theological ethics, creation. 
 
2. Desenvolvimento 
P. 38 – quarto parágrafo 
- Uma proveniente da herança cultural grega... Uma proveniente da herança da 
racionalidade iluminista 
P. 44 – terceiro parágrafo 
- por quem tem respeito e atitude de reverência... por quem tem atitude de respeito. 
P. 64 - nota 141 
- Paulo: Moderna, 1995. p. ... Paulo: Moderna, 1995. p. 34. 
P. 66 – segundo parágrafo 
- esse mito pós-moderno... esse mito moderno 
P. 68 – quarto parágrafo 
- considerada a maior do planeta... a maior do planeta, 
P. 83 – terceiro parágrafo 
- norte como Austrália e regiões... norte e regiões 
P. 114 – nota 293 
- CF. O sagrado. Rio de Janeiro: Edições 70, [s.d.]... CF. O sagrado. Lisboa: Edições 
70, [s.d.]. 
P. 123 – terceiro parágrafo 
- empreendera uma corrida maluca à procura... empreendera uma corrida à procura 
P. 137 – primeiro parágrafo 
- o chamã prediz o fim da raça humana... o pajé prediz o fim da raça humana 
 
 São Paulo, 04 de outubro de 2010. 
 
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 Aluno Orientador 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
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DEDICATÓRIA 
 
 
Ao Zésena (in memorian), em agradecimento a tudo 
que me ensinou na vida. 
 
 
 
Resumo 
Autor: Ivair da Silva Costa 
Título: Uma contribuição ética de alguns mitos amazônicos diante da reflexão do iminente 
colapso ecológico da água: aproximação teológica. 
 O conjunto da tese reflete sobre a exuberância das florestas, dos rios e da riqueza do 
ethos amazônico como criações divinas, as quais estão submetidas a formas de destruição 
impostas pelo avanço tecnológico e pela globalização. A degradação e a destruição dos 
ecossistemas geram uma realidade desumana, que assinala o colapso ecológico da 
humanidade. A exploração dos ecossistemas e o desrespeito à dignidade do homem 
consolidam e ampliam as desigualdades sociais profundas, manifestadas pela crescente 
miséria das periferias urbanas e pela pobreza crônica do campo. 
 As inquietações provocadas por estas realidades, cujas evidências são provas 
incontestáveis de uma situação concreta, são questionamentos motivadores da investigação 
científica. Ao assumi-las, como conteúdos reflexivos para a teologia, as perguntas se 
transformaram em hipóteses inferidas: os mitos amazônicos, em suas expressões simbólicas, 
sintetizam e expressam princípios (critérios) de defesa da vida e do meio ambiente, 
especialmente no que se refere aos recursos hídricos? Eles podem se tornar pontos de 
encontro para a reflexão da teologia moral, em sua tarefa de criticar e contribuir nos 
procedimentos éticos, frente aos processos destrutivos na região amazônica? 
 Ao analisar o novo ambiente amazônico à luz da ética teológica, a pesquisa faz a 
aplicação da força defensiva da natureza retirada do imaginário amazônico e, à luz de textos 
bíblicos, reconhece suas contribuições ao oferecer valores éticos e a urgência de aplicá-los no 
combate ao iminente colapso ecológico. Esses princípios estão consubstanciados na 
consideração da água como fonte geradora de vida. Eles anunciam, ao mesmo tempo, uma 
“solução respeitosa” para toda a criação e oferecem suporte para a análise crítica da realidade, 
através da ética teológica; postulam para a humanidade uma re-invenção da vida em foco 
ético-teológico. Dessa forma, a pesquisa colabora na definição de algumas funções que a 
teologia deve assumir diante da realidade conflitante, que tem a região amazônica como 
paradigma real, destacando-se entre elas, a de fundamentar o valor da vida humana e renovar 
a esperança naqueles que lutam por querer ver a criação renovada na harmonia e na paz. 
Palavras-chaves: degradação socioambiental, ethos amazônico, ética teológica, criação. 
 
Abstract 
Author: Ivair da Silva Costa 
Title: An ethical contribution of some Amazonian myths on the reflections of impending 
ecological collapse of the water: theological approach. 
 The whole of the thesis reflects on the lush forest, rivers and the wealth of the Amazon 
ethos as divine creations, which are subjected to forms of destruction imposed by 
technological advance and globalization. Degradation and destruction of ecosystems generate 
an inhuman reality, marking the ecological collapse of humanity. The exploration of 
ecosystems and the disrespect for human dignity consolidate and extend deep social 
inequalities, as manifested by the increasing misery of the urban peripheries and the chronic 
poverty of the countryside. 
 The concerns caused by these realities, whose evidence is incontrovertible evidence of a 
concrete situation, are questions motivating the research. In focusing on them as reflective 
content for theology, the questions turned into hypotheses inferred: the Amazonian myths, in 
their symbolic expressions, synthesize and express principles (criterion) for defense of life 
and the environment, especially as regards water resources? They can become meeting points 
for reflection of moral theology, in their task of criticizing and help in ethical procedures, 
before the destructive processes in the Amazon region? 
 In analyzing the new Amazon environment in light of theological ethics, the research 
makes the application of defensive force of nature removedfrom Amazon and imaginary, in 
the light of biblical texts, recognizing their contributions by offering ethical values and the 
urgency to apply them in combat impending ecological collapse. These principles are 
embodied in the consideration of water as a source of life. They advertise at the same time, a 
"respectful solution" for all creation and support for critical analysis of reality by means of 
theological ethics; postulate for humanity re-invention of Life in focus ethical and theological. 
Thus, the research helps to define some functions that theology must take before reality 
conflict, which has the Amazon region as a paradigm for real, foremost among them, to 
justify the value of human life and renew hope in those who fight for wanting to see the 
renewed creation in harmony and peace. 
 
Keywords: socio-environmental degradation, Amazon ethos, ethics, theology, creation. 
Sumário 
 
Uma contribuição ética de alguns mitos amazônicos diante da reflexão 
do iminente colapso ecológico da água: aproximação teológica 
 
Introdução..................................................................................................................................10 
Primeira unidade: águas amazônicas e globalização: potencialidades naturais, interesses e 
mitos subjacentes.......................................................................................................................18 
Introdução...................................................................................................................................18 
I. Ecossistemas amazônicos: riqueza e diversificação............................................................18 
 1. A diversidade das águas amazônicas...................................................................................19 
 a) Os rios amazônicos.............................................................................................19 
 b) Igarapés, lagos, igapós, aningais, paranás e restingas........................................21 
 c) A cacimba e o poço.............................................................................................23 
 2. Ecossistemas amazônicos e adaptabilidade humana...........................................................23 
 a) A várzea e a terra-firme......................................................................................24 
 b) Adaptabilidade humana nas várzeas...................................................................28 
 c) Adaptabilidade humana na terra-firme...............................................................33 
 3. O ethos ecológico das populações amazônicas...................................................................36 
 a) A relação ethos e natureza nas populações amazônicas.....................................37 
 b) Imaginário simbólico e preservação do alimento..............................................43 
II. Ecossistemas amazônicos e imaginário simbólico ameaçados.........................................47 
 1. Amazônia: o “outro” rico e diferente.................................................................................48 
 a) A conquista sistemática do espaço amazônico...................................................48 
 b) Visualidade mágica da paisagem amazônica.....................................................53 
 c) A reprodução de “clichês”...................................................................................57 
 2. Globalização e enfraquecimento do potencial simbólico.....................................................59 
 a) Demitização e desenraizamento cultural.............................................................59 
 b) A Amazônia e os novos mitos predatórios da globalização.................................65 
Conclusão.....................................................................................................................................68 
Segunda unidade: águas e avanço tecnológico na Amazônia: desenvolvimento e colapso 
socioambiental iminente............................................................................................................70 
Introdução....................................................................................................................................70 
I. Avanço tecnológico e colapsos ecológicos iminentes da água..............................................70 
 1. Desenvolvimento racional e tecnológico da humanidade....................................................71 
 a) A techne e as mudanças da ação humana............................................................71 
 b) A humanidade e o “mito do desenvolvimento ilimitado”...................................77 
 2. A vulnerabilidade da natureza..............................................................................................81 
 a) Aquecimento global e sobrevivência do planeta.................................................81 
 b) A humanidade e a “crise da água”......................................................................86 
II. Avanço tecnológico na Amazônia e nova realidade socioambiental.................................91 
 1. Avanço tecnológico e ameaças aos ecossistemas amazônicos............................................91 
 a) A Amazônia e o “desenvolvimento a qualquer custo”.......................................92 
 b) A penetração do capital e a monocultura de exportação....................................98 
 c) Degradação socioambiental da Amazônia........................................................104 
Conclusão..................................................................................................................................110 
Terceira unidade: imaginário simbólico e construção da ordem cósmica e social: 
aproximação teórica e aproveitamento ético-teológico........................................................112 
Introdução.................................................................................................................................112 
I. Aproveitamento ético-teológico do imaginário amazônico..............................................113 
 1. As representações das origens do mundo e do ser humano..............................................113 
 a) Funções das narrativas da criação....................................................................113 
 
 b) Motivos dos criadores e papel do homem na criação.....................................117 
 c) Construção simbólica da ordem cósmica e social...........................................124 
 2. Práticas simbólicas e matrizes ético-teológicas...............................................................129 
 a) Práticas simbólicas e integração com a natureza............................................129 
 b) Matrizes éticas das narrativas indígenas da criação.......................................133 
 c) A força simbólica da água na cultura amazônica............................................143 
 3. Aproveitamento ético-teológico da cosmovisão amazônica............................................146 
 a) A relação profunda entre sagrado e profano...................................................146 
 b) Ponto de vista da éticacristã: o despertar da consciência..............................156 
II. Aproveitamento ético-teológico das fontes bíblicas.......................................................162 
 1. A criação no contexto da aliança entre Deus e Israel.......................................................163 
 a) A cosmovisão do povo da Bíblia.....................................................................163 
 b) A criação como um ato de amor e de libertação.............................................168 
 c) Deus Criador, Senhor e dono da vida.............................................................171 
 2. Deus Criador do Gênesis e seu projeto ético para a criação............................................174 
 a) A criação e o projeto de comunhão com o Criador.........................................174 
 b) Ser humano, imagem e semelhança de Deus.................................................177 
 c) O papel do homem na criação........................................................................180 
Conclusão................................................................................................................................183 
Quarta unidade: realidade socioambiental e iminente colapso ecológico da água: análise 
crítica e contribuição ético-teológica....................................................................................186 
Introdução................................................................................................................................186 
I. Realidade socioambiental e implicações ético-teológicas................................................186 
 1. Nova realidade amazônica e reflexão ético-teológica......................................................187 
 a) Crítica ético-teológica ao desenvolvimento ilimitado.....................................187 
 b) A água entre a heurística do medo e a heurística do amor..............................196 
 c) Nova realidade humana e nova visão de pecado..............................................202 
 2. Colapso ecológico iminente como um paradigma de pecado...........................................208 
 a) Degradação socioambiental e desumanização.................................................209 
 b) Vazio ético e ausência de valores espirituais....................................................212 
 c) Harmonia esfacelada e quebra da comunhão...................................................215 
 d) A rejeição do ser imagem e semelhança de Deus.............................................219 
 3. Novos princípios éticos à luz da ética teológica bíblica....................................................221 
 a) O cuidado em oposição à desumanização........................................................222 
 b) Ser humano, imagem de Deus e sacerdote da criação.....................................225 
 c) A comunhão com o Criador e a solidariedade com o outro.............................229 
 d) Ser imagem de Deus como vocação e compromisso.......................................234 
II. Funções da ética teológica no contexto socioambiental amazônico...............................237 
 1. Funções direcionadas à degradação socioambiental e humana........................................237 
 a) Criticar e avaliar ganhos e perdas do avanço tecnológico...............................237 
 b) Legitimar o valor da vida e a dignidade da pessoa humana............................241 
 2. Funções direcionadas à fé como compromisso libertador................................................245 
 a) Configurar-se ao Filho, imagem de Deus........................................................245 
 b) Manter viva a esperança da plenitude possível...............................................247 
 c) Ética e projeto de vida: mas, qual projeto?......................................................259 
Conclusão.................................................................................................................................262 
Conclusão................................................................................................................................264 
Bibliografia.............................................................................................................................268 
 
 
 
 10 
Introdução 
 
 
O fenômeno da grande estiagem na Amazônia, no segundo semestre do ano de dois 
mil e cinco, despertou o Brasil e a opinião internacional para uma realidade comum em todo o 
planeta. A estiagem alertou todos para os processos de deterioração, depredação e descaso 
provocados pelo relacionamento injusto da humanidade com a natureza. Esses processos de 
ordem econômica, cultural e socioambiental estamparam as faces da denominada “crise 
ecológica planetária” que sinaliza um colapso ecológico iminente, alcançando dimensões que 
a política, a ciência e a teologia moral cristã não podem mais ignorar. 
Vários fatores concorreram para o agravamento da situação ecológica planetária, a 
partir da década de 1960: o choque do petróleo, os regimes totalitários na América Latina, a 
guerra do Vietnã, o alargamento do fosso Norte-Sul, a ideia de progresso ininterrupto e o 
valor universal da razão. Estes feitos permitiram aos países do Primeiro Mundo a 
intensificação de um capitalismo pós-industrial, fortemente globalizado, baseado em alta 
tecnologia e na exploração permanente dos recursos naturais do planeta. 
Os mecanismos operados pela globalização do mercado em vista do 
desenvolvimento dos povos reforçam a tendência planetária modernista pós-industrial que 
visa basicamente a rentabilidade econômica, sustentada por uma visão especulativa e 
imediatista do uso dos recursos naturais da terra, considerados fonte de riqueza a ser 
explorada a qualquer custo humano e ecológico. As transformações em chave 
desenvolvimentista levam não só à implantação de um capitalismo industrial, mas a 
transformações socioambientais e culturais que são capazes de produzir situações de total 
descaso para com a vida humana e o ambiente natural. 
Por ser um capitalismo periférico, dependente e marcado por uma forte concentração 
de rendas, é natural que a cultura moderna compatível e funcional que daí surja tenha 
características próprias. Uma delas é o forte individualismo e a legitimação da competição 
selvagem, que se torna conhecido pelo ditado popular “deve-se levar vantagem em tudo”. 
Outra característica é a implantação de um grande parque industrial, acompanhado da 
ideologia desenvolvimentista que possibilita a formação de uma cultura moderno-capitalista 
urbana compatível com a nova forma produtiva hegemônica, produzindo o “milagre 
 11 
brasileiro”, com uma profunda internacionalização da economia, fazendo avançar a 
transformação cultural e econômica para o interior do Brasil, principalmente para a região da 
Amazônia. 
A Amazônia é marcada principalmente pela enorme diversidade fundada em valores 
simbólicos da relação ser humano-natureza de um lado, e, de outro, o utilitarismo e os 
imediatismos impregnados nos modelos de desenvolvimento econômico ao qual a região 
ficou atrelada nos últimos duzentos anos. Por não haver um controle das forças de mercado na 
região, o uso do solo baseia-se na exploração madeireira predatória e pecuária extensiva, 
fazendo persistir um modelo econômico caracterizado pelo ciclo “boom-colapso”, isto é, uma 
atividade econômica de ilusório e rápido crescimento (boom) seguido por um severo declínio 
em renda, emprego e arrecadação de impostos (colapso). Esse padrão é evidente nas regiões 
exploradas pela mineração e nas fronteiras madeireiras mais antigas como as da região leste 
do Pará. Do mesmo modo, o uso desregrado dos recursos da natureza em vista do bomdesempenho econômico da industrialização e do agronegócio que se impuseram na região, 
impactando, sobretudo os recursos aquáticos, se caracteriza, hoje, como o principal vilão 
promotor do colapso ecológico detectado. 
Analisando esse processo histórico e seus efeitos por um olhar específico, ou seja, o 
da Teologia moral, a presente pesquisa aborda várias questões que sinalizam a realidade do 
colapso ecológico mundial a partir da contextualização da Amazônia. Para realizar essa 
caminhada e chegar ao final com uma sensação de ter cumprido a missão, a tese, utilizando o 
método ver-julgar-agir, analisa várias questões através de quatro unidades, dentro dos quais os 
objetivos são bem definidos. Cada unidade, por sua vez, se subdivide em dois capítulos cujas 
discussões, complementadas entre si, formam um todo coeso e coerente. 
A primeira unidade – parte do ver – apresenta os ecossistemas amazônicos, ricos em 
biodiversidade e com uma imensa riqueza aquática, por intermédio da análise dos diversos 
tipos de rios caracterizados pela cor de suas águas, dos ecossistemas várzea e terra-firme e da 
adaptabilidade humana nesses espaços naturais. O primeiro capítulo da unidade estuda o 
imaginário simbólico amazônico determinado por um ethos que mantém com a natureza uma 
relação integrada, de onde retira os recursos para sua sobrevivência e os elementos simbólicos 
necessários para sua compreensão do mundo. Aspectos da cultura e suas manifestações são 
ressaltados para demonstrar o interesse em combater a exploração e o domínio impostos à 
região. Esta realidade altamente indicativa da presença criadora e amorosa de Deus é 
analisada nos aspectos da globalização e das intervenções antrópicas, concretizadas na 
 12 
realidade de degradação socioambiental que ameaça a sobrevivência do ser humano e instaura 
o desenraizamento cultural nas populações da região. 
No segundo capítulo, manifestações culturais das populações locais reconhecidas 
como o “outro” descoberto e subjugado, são postas em relevo e valorizadas como sinais de 
luta contra o mal representado pela invasão européia do período da colonização e pelos 
projetos nacionais e internacionais implantados atualmente a serviço do capital. O processo de 
globalização iniciado com a colonização pelos europeus, ao penetrar no ambiente amazônico, 
provoca o enfraquecimento do imaginário simbólico regional e o desenraizamento cultural, ao 
mesmo tempo em que favorece o surgimento e o fortalecimento de novos mitos tecnológicos 
predatórios, alterando o relacionamento do homem com a natureza. Esses novos mitos se 
confrontam com o potencial simbólico da cosmovisão do ribeirinho e criam, em relação aos 
recursos naturais, principalmente à água, diversas formas de apreensão e novos tipos de inter-
relação com o ambiente natural. 
A segunda unidade – ainda do ver – apresenta a realidade atual da crise ecológica, 
com acento na questão água, verificando, sobretudo o avanço tecnológico e as mudanças 
provocadas pela ação do ser humano e pelo desenvolvimento adotado. O avanço tecnológico 
favorece novas formas pós-modernas de pressão, exploração e maior controle dos recursos 
naturais, despertando a humanidade para a vulnerabilidade da natureza, ao mesmo tempo em 
que assinala a crise da água vivida em algumas regiões da terra. O estudo descreve o tipo de 
desenvolvimento adotado e as posturas assumidas em relação aos recursos naturais. Com isso, 
a discussão se abre para a percepção de que a “crise da água” que algumas regiões do planeta 
estão vivendo é o grande sinal do colapso ecológico que se anuncia num futuro não muito 
distante. 
O segundo capítulo destaca que os elementos indicativos do colapso já estão se 
manifestando nos ecossistemas característicos da Amazônia, também invadidos pelos 
processos tecnológicos. Estes, por sua vez, são determinados pela ideologia do 
“desenvolvimento a qualquer custo” imposto à região e pela penetração do capital e da cultura 
de exportação. A análise de fatores como o desmatamento, a poluição e o assoreamento de 
rios e lagos, a poluição e a ameaça de extinção da fauna e da flora, colabora para a percepção 
da desumanização e degradação ambiental, visível nos muitos rostos de sofredores da região, 
frutos de um sistema que instrumentaliza o ser humano e banaliza os valores éticos e morais. 
Percebe-se que a globalização envolve todas as dimensões da vida humana e 
interfere em seu curso de diferentes modos. Ela comanda as relações das pessoas entre si e 
 13 
com o meio natural. Caracterizado como um fenômeno transmundializado, impõe um modelo 
cultural que se acha capaz de resolver e de adaptar-se em todas as situações de vida de povos 
diversos. Oferece também modelos de desenvolvimento que se apresentam como passíveis de 
serem aplicados em qualquer parte do mundo. Porém, não consegue oferecer regulação que 
mantenha o equilíbrio entre as ações produtivas e o ambiente natural onde o empreendimento 
está assentado, mesmo oferecendo princípios reguladores da produção e da distribuição em 
larga escala. Isso demonstra que a concepção de desenvolvimento adotada na região interfere 
nos resultados de uma melhor ou pior regulação dos processos produtivos, na conservação da 
fonte natural de matéria-prima e na sustentabilidade das populações locais. 
As atividades antrópicas associadas ao desenvolvimento industrial, à agroindústria e 
à urbanização degradam a qualidade dos recursos hídricos. O desmatamento de 
responsabilidade nacional e as mudanças climáticas globais, cuja responsabilidade primeira 
recai sobre os países desenvolvidos, são processos caracterizados como ameaçadores ao 
ecossistema, causas da degradação socioambiental. 
A análise do colapso ecológico como um processo sugere a transformação da 
situação, antes que se transforme em resultado final, pois, tais processos, com o aumento 
populacional e com a intensificação do avanço tecnológico e industrial, ocuparão novas áreas, 
acelerando ainda mais a destruição dos ecossistemas intactos e colaborando para o colapso 
socioambiental planetário. 
A terceira unidade – que abrange o passo do julgar – põe em destaque as práticas 
simbólicas de povos diversos da humanidade, incluindo indígenas e amazônidas para perceber 
a construção da ordem cósmica e social. Aspectos da linguagem dos sistemas simbólicos são 
analisados, dando destaque para a expressão religiosa e para a mitologia que, em relação à 
água, oferecem imagens e representações antropológicas. Desse modo, o estudo quer fazer 
emergir matrizes éticas de convivência com o ambiente natural e com os outros seres, por 
meio do aproveitamento ético-teológico oferecido pelo imaginário simbólico de povos 
diversos. 
A reflexão acerca das narrativas da criação de alguns povos e do imaginário 
simbólico amazônico e a análise de pressupostos ético-teológicos por eles oferecidos sugerem 
para a ética cristã elementos básicos que colaboram para a expressão da fé no Deus criador de 
forma mais madura e segura. Ao mesmo tempo, imprime e desperta nas populações, 
especificamente da Amazônia, a consciência de sua participação nos processos históricos e na 
transformação das estruturas destruidoras da região. Nesse sentido, a cultura se impõe como 
 14 
uma força das populações que atualiza, no ethos regional, princípios de convivência fraterna e 
de comunhão entre as pessoas e com a natureza. 
A reflexão aplicada à natureza e especificamente à água, recurso vital que está em 
processo de escassez, resgata para toda a humanidade a dimensão sagrada desse precioso 
líquido que, na maioria das religiões, é integrada aos seus aspectos de mistério tremendo e 
fascinante. Em muitas tradições espirituais a água tem um significado mais rico do que o seu 
conteúdo material. Ela simboliza a vida. No sudoeste da Ásia, desde tempos remotos, os 
hinduístas cultuam deuses e mitos com os quais se encontram de modo especial, quandose 
banham no rio Ganges ou em outros rios sagrados da Ásia. Eles se purificam através do banho 
ou em lagos e cultuam Vishnu e Varuna como divindades da água. 
Para as populações ribeirinhas e indígenas, mais ligadas à água, ela é venerada como 
fonte de vida. Nela se concentra o celeiro de recursos que mantém a subsistência. Muitas 
tradições afirmam que as pessoas foram feitas de água e dela saíram para a terra a fim de 
cuidarem da natureza. Outras tradições acreditam que a água é o ponto de relação entre o céu 
e terra. Os povos do semi-árido veneram a água como tesouro escondido ao qual almejam e 
do qual dependem. 
 O segundo capítulo recupera a perspectiva ambiental incorporada na concepção 
judaico-cristã do mundo, fazendo perceber, nos relatos do Pentateuco e de outros textos 
bíblicos, pressupostos éticos e teológicos que vislumbram a dimensão da fé do ser humano, 
recontextualizando alguns signos bíblicos para evidenciar seu aporte ecológico. Nesse 
sentido, a abordagem oferece, a partir da reflexão teológica cristã, elementos caracterizados 
como matrizes éticas que estão impressas na força defensiva do imaginário simbólico e nos 
relatos do Gênesis que, por sua vez, oferecem critérios de defesa da vida e do meio ambiente e 
motivam a inserção de novos valores éticos na prática da humanidade. 
Analisando os primeiros textos do livro do Gênesis, percebe-se um conflito em que 
estão envolvidos a vida e a morte numa luta constante de oposição uma à outra, sem cair no 
dualismo que parece propor. Os textos opõem, por exemplo, a proposta de vida oferecida por 
Deus Criador, àquela arquitetada pelos homens, traduzida em seus projetos pessoais (Cf. Dt 
30,18s). Assim como, oferecem uma visão solidária da natureza e dos seres vivos, em 
oposição a uma visão utilitarista que também se faz presente nos dias de hoje. 
Percebe-se, nos relatos bíblicos, que a vida constitui elemento indissociável do 
Criador que determina uma ordem cósmica que não pode ser colocada em risco. Com isso, 
 15 
constata-se que não é orientação bíblica o dominar ou mesmo devastar a natureza como 
perversamente se acusa. Ao contrário, identifica-se uma orientação justamente oposta a tal 
posição, ao oferecer uma série de princípios defensivos da vida que se apresentam como 
forças que se opõem às práticas que desarmonizam uma ordem cuja origem é o Criador. 
Desse modo, a Bíblia não autoriza o domínio da natureza em vista de interesses 
individualistas, mas sim uma lógica do cuidado que recai sobre a própria interpretação da 
Bíblia, dentro da cosmovisão própria do povo que a ela pertence. 
 Por outro lado, frente à vontade do Criador, assinala-se hoje a existência de 
elementos concretos no cotidiano que demonstram uma aliança perversa, voltada contra a vida 
e seus significados mais profundos. Esses elementos são encontrados na lógica da opressão 
que aflige o ser humano, principalmente os mais pobres, e perpetua a exploração e a 
destruição do ambiente natural. Diante disso, os textos bíblicos, desse modo, enaltecem uma 
ordem cósmica que deve ser zelada, e excluem dessa mesma ordem os predispostos a 
desarticulá-la. 
A releitura dos textos apresenta a opressão como algo detestável, indicando um 
entendimento teológico das situações de destruição da natureza como desdobramentos de 
várias situações opressivas. Ao mesmo tempo, desvenda um horizonte vital em que a ética-
teológica, entendendo-se libertadora, debruça-se e oferece pressupostos teóricos que 
confrontam a realidade e despertam na pessoa de fé o compromisso de lutar pela vida e de se 
tornar guardiã da criação em todos os sentidos. Ao resgatar os textos bíblicos em uma 
aproximação ético-teológica, a teologia se apropria dos pressupostos éticos neles contidos em 
função da preservação da integridade da criação e da libertação de todos os homens e 
mulheres. 
A pesquisa dá ênfase à situação que desafia a humanidade no tocante à ecologia e 
destaca o que a Revelação diz sobre ela a partir da análise da ética cristã que, com todo o seu 
arcabouço teórico acumulado ao longo dos séculos, serve de auxílio na tentativa de levar ao 
bom termo a solução da crise reconhecidamente ecológica e ética. Com isso, pretende-se pôr 
as questões que envolvem a realidade socioambiental no centro do debate ético-teológico para 
asseverar que, embora se apresente como um problema da ciência e, em grau elevado da ética, 
é também um problema teológico. 
A quarta unidade – apresenta pistas para um agir – faz uma análise crítica da nova 
realidade que a humanidade está vivendo, dando um enfoque maior à situação amazônica, a 
partir das implicações da ética teológica para a degradação socioambiental. A realidade 
 16 
apresentada, em seus vários aspectos, mostra as condições da humanidade em relação à água e 
tece críticas ao modelo de desenvolvimento adotado com as consequências que dele advêm 
para a compreensão da pessoa humana e de sua missão diante da criação. Desta feita, a 
pesquisa desenvolve uma crítica à realidade socioambiental que cria miséria humana e destrói 
o ambiente natural, vendo, nas condições precárias em que se encontra o ser humano, sinais 
da presença do pecado pessoal e estrutural engendrado na situação concreta de 
desumanização, vazio ético, quebra da comunhão e rejeição do ser imagem de Deus. 
Ao perceber o pecado, não abstrato, mas concreto, presente nas estruturas da 
sociedade, em sua dimensão pessoal e social, a pesquisa oferece como pistas indicativas 
orientações de vida para uma humanidade que está perdendo a gratuidade nas relações sociais 
e com o ambiente natural, apresentando uma proposta ética com valores que se contrapõem 
aos oferecidos pela sociedade. Esses novos princípios apresentados como formas de combater 
o mal e o pecado são o cuidado, o ser humano como sacerdote da criação, a comunhão com o 
criador e a solidariedade com o outro e ser imagem de Deus como vocação e compromisso 
libertador. 
No segundo capítulo a ética cristã, após apresentar os princípios a partir do confronto 
do querer de Deus e o papel específico do ser humano assumido dentro do seu projeto 
salvífico, expõe as funções a serem desempenhadas na nova realidade socioambiental e 
humana. Direcionadas a essas duas dimensões da vida, a teologia entende como funções suas 
o criticar e avaliar os ganhos e as perdas do avanço tecnológico, legitimar o valor da vida e a 
dignidade da pessoa humana e manter viva a esperança na plenitude possível. Ao 
desempenhar essa função, a ética cristã deve animar a esperança num mundo novo recriado 
pela força da glória de Deus que, fazendo-se presente na história humana e caminhando com 
ela, motiva-a a assumir a construção do novo céu e nova terra como compromisso e projeto de 
vida. 
Na Amazônia, situações que indicam a luta contra as formas destruidoras de pecado 
manifestadas na depredação dos ecossistemas informam o fracasso econômico, social e 
ecológico das políticas públicas aplicadas na região nas últimas décadas. Novos modelos de 
organização territorial não destrutivo e viável em longo prazo são atualmente estimulados. O 
extrativismo e as práticas tradicionais de sustentabilidade são também reconhecidos como 
alternativas ao desenvolvimento. Práticas simbólicas, do mesmo modo, são revalorizadas, em 
vista do resgate das muitas informações autóctones que visualizam traços culturais 
 17 
potencialmente carregados de sinais pró-ecológicos que fundamentam a luta de defesa da vida 
e a salvaguarda da criação. 
Ao abordar de forma ampla a realidade amazônica, suas riquezas naturais e a 
adaptação do ser humano, percebe-se que o imaginário das populações, elemento fundamental 
que coopera para o relacionamento integrado homem-natureza, informa para a reflexão 
teológica matrizes éticas que se transformam em bases teóricas pertinentes que contribuem 
para a reflexão ético-teológica latino-americana.Baseando-se nisso, a relação entre mito e 
teologia ocupa um capítulo a parte na reflexão teológica cristã. Com fundamentos na tradição 
e no conhecimento dos antigos, trata-se de uma relação que prioriza a complementaridade e o 
apoio de uma em relação a outra. Assim, buscam-se elementos comuns que ampliam o 
conhecimento de Deus e sua revelação na história. 
A realidade abordada em todo o texto prioriza a interdisciplinaridade como um 
mecanismo que contribui para a compreensão a mais completa possível da realidade 
analisada. Com isso, a própria teologia reconhece que não pode entender e enfrentar os 
problemas humanos sozinha. Diante dos questionamentos, há de se chegar a uma disciplina 
ou a um pensar que, de modo organizado e sistemático, interroga-se pelo sentido último de 
todas as coisas, ao mesmo tempo em que procura dar respostas a partir da visão global do 
homem e da humanidade, cumprindo a sua missão específica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 18 
Primeira unidade: águas amazônicas e globalização: 
potencialidades naturais, interesses e mitos subjacentes. 
 
 
Esta primeira unidade descreve as potencialidades naturais, a riqueza e diversificação 
dos diversos ecossistemas amazônicos e sua relação com o imaginário simbólico. Por estar 
inserida na região dos trópicos úmidos, cuja principal característica é compartilhar uma alta 
radiação solar, temperatura uniforme, alta pluviosidade e umidade, a Amazônia torna-se uma 
região privilegiada com características especiais. Essa realidade favorece uma multiplicidade 
de ecossistemas, fazendo surgir várias espécies da fauna e da flora, capazes de alimentar e 
sustentar populações numerosas. 
Os ecossistemas amazônicos representados pela riqueza aquática e florestal e a força do 
imaginário simbólico que imprimem visão e compreensão de mundo participam da construção 
do ethos regional e orientam o esforço de adaptabilidade frente às mudanças sofridas. A 
interdependência entre as duas dimensões faz ver que o real reproduz o que está no 
imaginário. Desse modo, a agressividade do avanço tecnológico e da globalização que ameaça 
os ecossistemas amazônicos com seus recursos naturais, levando-os ao desperdício e à 
extinção, do mesmo modo, pulveriza o imaginário das populações, alterando a relação entre 
ser humano e ambiente natural e abrindo espaços para a penetração de novos mitos da 
globalização, quase sempre de caráter destrutivo e predatório. 
Aspectos postos a seguir informam como esses processos agem na região amazônica, 
onde aparecem integrados ser humano e ambiente natural. Temas como ecossistemas e 
diversificação aquática, o ethos regional e as ameaças da globalização econômica e cultural, 
ao serem analisados, fazem ver que ao oferecerem seus signos com novos significados 
existenciais, imprimem os interesses subjacentes que colaboram para o favorecimento do 
colapso ecológico da água. 
I. Ecossistemas amazônicos: riqueza e diversificação 
Os ecossistemas amazônicos são formados pela variedade de nichos ecológicos 
florestais e aquáticos, e pela adaptabilidade humana nesses ambientes ecológicos. No interior 
desses mesmos ambientes e a partir deles, as populações construíram um ethos marcado 
profundamente pela integração com a natureza. É preciso conhecer essas realidades regionais 
 19 
para a percepção de sua riqueza, pois, são elementos que influenciam sintomaticamente nas 
relações da população com a água. Neste capítulo, serão apresentados os diversos tipos de 
rios, caracterizados pelas cores das águas, as características da adaptabilidade humana nos 
ecossistemas várzea e terra-firme e a análise do ethos ecológico formador do imaginário 
simbólico do homem da região. 
1. A diversidade das águas amazônicas 
A Amazônia brasileira recobre uma área de 6 milhões de km2 e corresponde a 61% do 
território do país. Possui o maior banco genético do planeta, incluindo os demais países com 
áreas amazônicas. Detém 1/5 de água doce do globo e 1/3 das florestas tropicais. As águas 
amazônicas têm suas diferenças, se observadas as suas nascentes e geomorfologia próprias. 
São rios que estão em constantes mudanças, dadas às alterações comuns numa região com 
diversidade de solos, climas e temperaturas. Aos diversos tipos de rios, caracterizados pela 
cor de suas águas, são somados os reservatórios naturais, como igarapés, lagos, igapós, 
aningais, paranás e restingas, cacimbas e poços, formadores do sistema aquático amazônico. 
Todo esse sistema caracteriza a diversidade biológica e a interação homem meio ambiente. A 
seguir, em detalhes, a caracterização dessa riqueza aquática natural. 
 a) Os rios amazônicos 
A princípio convém assinalar que na Amazônia há duas bacias hidrográficas principais: 
a amazônica, com 3,89 milhões de km2, correspondendo a 45% da superfície do país, com 
mais de 13 milhões de habitantes (7% do total), cujos rios principais são o Amazonas, o 
Japurá, o Icá, o Negro, o Nhamundá, o Trombetas, o Jarí, o Javari, o Jutaí, o Juruá, o Purus, o 
Madeira, o Tapajós e o Xingu; e a bacia do Araguaia-Tocantins, com 757 mil km 2, com mais 
de 7 milhões de habitantes (3,5% do total), 8,9% da superfície do país, e cujos principais rios 
são o Araguaia, o Tocantins e o rio das Mortes. 1 
Em função da variedade de formas de águas drenadas, na bacia amazônica distinguem-
se três tipos de rios: os rios de águas brancas; os rios de águas pretas e os rios de águas azul-
esverdeadas. 2 Os rios de águas brancas são mais recentes e têm a coloração barrenta, por isso, 
sua denominação. Esses rios nascem nos Andes e carregam sedimentos de alta fertilidade. Os 
rios de águas pretas, mais antigos, são oriundos de áreas dominadas por solos podzols de areia 
 
1 Cf. FILHO, J. M. O livro de ouro da Amazônia. Mitos e verdades sobre a região mais cobiçada do planeta. Rio 
de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 41. 
2 Cf. MORÁN, E. F. A ecologia humana das populações da Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 141; SIOLI, 
H. Amazônia. Fundamentos da ecologia da maior região de florestas tropicais. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 31. 
 20 
branca com alta acidez e contém poucos minerais. Os rios de águas azul-esverdeadas drenam 
áreas do Planalto Central do Brasil e do Planalto das Guianas e possuem águas de qualidade 
média em termos de nutrientes. Esses tipos de água, provenientes de diferentes regiões, se 
conjugam e se misturam ao rio Amazonas, formando a grande bacia hidrográfica amazônica. 
Os rios de águas brancas. 3 Os rios de águas brancas ou barrentas têm a visibilidade de 
0,1m a 0,5m, com pH próximo de neutro (de 6,5 a 7,0). São águas caracterizadas pelo aspecto 
barrento proveniente da quantidade de matérias orgânicas erodidas e nutrientes. Esses rios 
percorrem terrenos de fácil erosão, pois, são terrenos recentes. A pesca, nesses rios, é farta e 
boa parte da matéria orgânica é depositada anualmente nas várzeas do Solimões e do 
Amazonas, tornando-as bastante férteis. 
Os rios de águas pretas. 4 Os rios de águas escuras ou pretas são os de maior 
visibilidade, com mais de 4 m. Têm águas ácidas, com pH de 4,0 a 7,0 e são pobres em 
matéria orgânica. Apresentam águas escuras porque não carregam muito sedimento devido 
percorrerem terrenos antigos. Esses rios são formadores dos igapós, ao inundarem grandes 
áreas de florestas. Nesses locais, a matéria orgânica (folhas, galhos e frutos) decompõe-se 
rapidamente ao cair na água, razão de sua coloração. Também são características desses rios 
as nascentes se localizarem em áreas depoucas erosões e pouca matéria orgânica a 
transportar, mesmo no período das chuvas; além de suas margens serem imprecisas e 
inundadas. São rios de pouca pesca. 
Estudos apontam e caracterizam a água de rios de água preta como comparada a quase 
destilada do ponto de vista de conteúdo mineral. Outros indicam que a produtividade anual de 
lagos de água preta é de 15 a 19 vezes menor do que os de água branca. Morán assim 
caracteriza essas áreas: 
Áreas drenadas por rios de água preta podem ser considerados como ecossistemas 
únicos que devem ser analisados em seus próprios termos e não são comparáveis 
com outras áreas da Amazônia. Eles são dominados pela presença de solos de 
areias brancas muito pobres e caracterizam-se pelo alto conteúdo de matéria 
orgânica em suspensão devido à alta acidez da água. 5 
As campinas, muito comuns em áreas de água preta, também são pobres em diversidade 
biótica, principalmente por motivos edáficos (refere-se à influência dos solos sobre as 
plantas). O rio Negro, proveniente de áreas cobertas por vegetação, porém, com solos 
predominantemente arenosos, possui pH 4,5, é pobre em nutrientes e apresenta cor escura, 
 
3 Entre esses rios estão o próprio Amazonas e seus formadores (Marañon, Huallagao e o Ucaialy), o Japurá, o 
Napo (no equador), o Içá (Putumayo no Equador e Colômbia), o Juruá, o Purus, o Madeira e o Acre. 
4 Entre esses estão o Negro, o Urubu, o Uatumã e o Trombetas. 
5 MORÁN, E. F. A ecologia humana, p. 141. 
 21 
devido às substâncias que transporta, as quais são produzidas pela decomposição incompleta 
da biomassa nos solos arenosos. Por outro lado, certas vantagens advêm para os habitantes de 
beiras de rios de água preta, tais como: a escassez de insetos, o que favorece a permanência 
adaptativa nas áreas com menos afetação de malárias e outras doenças transmissíveis por 
insetos comuns nas áreas menos ácidas. 
Os rios de águas azul-esverdeadas. 6 Os rios de águas azul-esverdeadas drenam áreas 
do planalto central do Brasil e do planalto das Guianas e possuem águas de qualidade média 
em termos de nutrientes. Têm visibilidade de 1,50 m a 2,50 m, com a presença de grande 
acidez, porém, com baixo teor de sais, apresentando o pH de 3,5 a 4,0. Apresentam, também, 
pouca erosão em suas nascentes, porém, no período das chuvas aumenta a quantidade de 
matéria orgânica. Têm as margens com formações de barrancos e com altitude elevada e 
estável. São rios com uma incidência de pesca maior que os de água preta, porém, inferiores 
aos de águas brancas. 
 b) Igarapés, lagos, igapós, aningais, paranás e restingas 
Os igarapés, os lagos, os igapós, os aningais, os paranás e as restingas colaboram para a 
formação das planícies regionais de toda a Amazônia. De diferentes tipos, essa riqueza 
biótipa, descoberta há muitos tempos, tem a sua fertilidade e sua potencialidade pesqueira. 
Além disso, a fertilidade excepcional da planície está também relacionada com o trânsito dos 
sedimentos que vêm desde os Andes ou Pré-Andes. Nessas áreas extensas de solos úteis, as 
populações amazônicas tradicionais desenvolveram, “por meio de cultivo tipo vazante, 
criação de gado bovino e pesca em todas as correntes e massas fluviais.” 7 
Igarapés. Os igarapés são “caminhos de canoa”. São como espelhos d’água que 
surgem no meio da floresta. Suas águas frias são ótimas para tomar banho. Mais do que isso, 
é, para alguns ribeirinhos de terra-firme, a única fonte de água para o uso no cotidiano. 
Alguns secam na época do verão. Nos igarapés amazônicos se encontram também as 
diferenças nas colorações de suas águas. Alguns têm a água escura por causa da grande 
quantidade de sedimentos depositados nos seus leitos e também devido a pouca luminosidade. 
Lagos. Há uma grande variedade de lagos na Amazônia, embora não sejam 
verdadeiramente lagos, mas resultados da alteração de cursos dos rios, que, por eles, são 
 
6 São rios de águas azul-esverdeadas o alto Guaporé, o Tapajós, o Curuá-Una e o Xingu. 
7 AB’ SÁBER, A. Problemas da Amazônia brasileira. Estudos Avançados, São Paulo. v. 19, n. 53, p. 13, 2005. 
 22 
alimentados na época das enchentes, chegando a quase secarem na época do verão. Para 
Filho, 
Na época das secas a comunicação com os rios é menor, pelos furos, ou mesmo 
interrompida, quando secam. Em geral apresentam águas ácidas, o que os torna 
ambiente para poucas espécies, como o tucunaré e a piranha. Nas áreas de várzeas 
há lagos menores, que se formam nas épocas de chuva e secam nos períodos de 
estiagem. 8 
O lago grande de Monte Alegre é um dos maiores da região do médio e baixo-
amazonas. Também chamado de Gurupatuba, este lago mede cerca de 25 km de 
comprimento, com largura variada de 3 a 10 km. 
Igapós. Os igapós são áreas periodicamente inundáveis por ciclos anuais regulares de 
rios de água preta e clara, pobres em material suspenso e dissolvido, por não transportar 
sedimentos, o que causa baixa fertilidade. Esses solos são arenosos, com vegetação muito 
mais pobre do que a da várzea, baixa biomassa e menor diversidade de espécies. 9 Os igapós 
são vegetação de grande importância nas várzeas. Trata-se de áreas de florestas inundáveis 
para onde uma grande parte da fauna aquática dos principais rios procura refúgio na época das 
enchentes. As frutas produzidas pela vegetação arbórea dos igapós são as principais fontes de 
alimentação de espécies de grande porte como o tambaqui (colossoma macropomum), um 
peixe principalmente frugívoro. Os caboclos da várzea reconhecem o comportamento 
especializado dessa espécie e classificam tais árvores como “fruteiras do tambaqui”, usando-
as como isca. 10 
Os igapós dos rios de águas escuras apresentam uma vegetação que permanece sempre 
verde, com folhas largas, com árvores atingindo 20 metros. Há, nessas áreas, grande presença 
de cipós, plantas epífitas e outras diversas com raízes que as ajudam a respirar. 11 
Aningais, paranás e restingas. As restingas são áreas de florestas localizadas nas terras 
mais altas, com uma presença muito grande de plantas aquáticas, sobretudo a aninga. Nessas 
áreas, denominadas de aningal há uma imensa proliferação de animais e plantas, servindo 
também como refúgio seguro para procriação. Os paranás são como “braços” laterais do 
grande rio que funcionam como um escoadouro natural. Na várzea, a restinga alta forma a 
maior diversidade de espécies, com um grande número de árvores por unidade de área. A 
 
8 FILHO, J. M. O livro de ouro, p. 43. 
9 Cf. BENATTI, J. H et al. A questão fundiária e o manejo dos recursos naturais da várzea: análise para a 
elaboração de novos modelos jurídicos. Manaus-AM: Edições Ibama/Pro Várzea, 2005. p. 18. 
10 Cf. MORÁN, E. F. A ecologia humana, p. 230. 
11 Cf. FILHO, J. M. O livro de ouro, p. 54. 
 23 
restinga baixa é a transição entre as áreas florestais da várzea, para o chavascal, cujo sub-
bosque é frequentemente mais limpo, com boa visibilidade. 12 
 c) A cacimba e o poço 
A cacimba e os poços são formas de captação de água potável muito utilizada pelas 
populações da região amazônica. As cacimbas são construídas em locais úmidos ou no leito 
dos rios ou igarapés. Mesmo encontrando o olho d’água ou nascente a poucos centímetros, é 
necessário cavar alguns metros para ter água boa. Para ser consumida sem medo de doenças, 
precisa ser adicionado o hipoclorito de sódio que serve para purificar a água e torná-la boa 
para o consumo humano. 
Muitos municípios da região amazônica, apesar de estarem situados às margens dos rios 
com água em abundância, não dispõem de um serviço de abastecimento razoável do precioso 
líquido. Por isso, as populações, mesmo das vilas e até as das cidades, se arranjam com os 
sistemas de poços e cacimbas. Nos municípios onde a água é salgada ousalobra, a que é 
servida nas residências é proveniente de poços escavados há alguns metros de distância da 
casa de morada. 13 A água é retirada por um balde, por uma lata de manteiga ou uma vasilha 
qualquer de alumínio, com alça. Depois de retirada, é levada e colocada em um pote de barro 
que fica na cozinha sobre um tripé ou um pequeno banco. Na maioria das casas, a água é 
coada com um pano de malha fina que fica sempre preso na boca do vasilhame e, ás vezes, é 
usado para evitar entradas de insetos como baratas, moscas ou outro qualquer, bem como 
pequenos animais como ratos, rãs etc., durante a noite. Serve também como tampo uma folha 
de sororoca, bananeira, um pedaço de tábua ou o próprio caneco. É encontrada em algumas 
casas uma cuia de pitinga para beber água ou servir como tampa do pote ou talha. 
O modo sui generis de as populações captarem da natureza a água e o alimento deixa 
claro a criatividade de um povo que vive e sobrevive da natureza, numa relação de 
interdependência e de respeito. Os nichos ecológicos amazônicos, em suas modalidades 
aquáticas, oferecem diversas possibilidades de adaptação e sobrevivência. Os modos de 
manejo dos recursos naturais nas várzeas e na terra-firme, em constante renovação, são 
testemunhas do modo criativo de adaptabilidade na região. 
2. Ecossistemas amazônicos e adaptabilidade humana 
 
12 Cf. BENATTI, J. H et al. A questão fundiária e, p. 19. 
13 Cf. BEZERRA, A. M. Amazônia: lendas e mitos. Curuçá: sua terra, sua gente. Belém/Pará/Brasil: BASA e 
Centro Cultural de Arte e Folclore da Amazônia – CECAFAM, 2005. p. 21. Caso típico é o do município de 
Curuçá, localizado na região do salgado no estado do Pará. 
 24 
Os ecossistemas amazônicos constituem realidades que influenciam bastante na 
adaptabilidade humana que, por sua vez, está em íntima ligação com o ambiente ecológico. 
Eles influem decisivamente no relacionamento das populações com o meio e em suas técnicas 
de manejo, controle, utilização dos recursos naturais em vista da subsistência e de sua 
conservação. Entre os elementos fundamentais que interferem na adaptabilidade humana na 
Amazônia destacam-se as duas grandes realidades geofísicas da região: várzeas e terra-firme. 
Essas biomassas são caracterizadas pela época das grandes enchentes, o inverno, e pela época 
das vazantes, o verão, respectivamente. Em relação aos habitantes, são caracterizados pelos 
dois tipos de populações bem distintas: o “caboclo da beira” e a “gente da cidade”. A seguir, 
as relações que se dão no processo de adaptabilidade humana nos dois principais ecossistemas 
amazônicos são destacadas. 
 a) A várzea e a terra-firme 
Ao contrário do que se pensa a Amazônia não é homogênea geograficamente, mas 
formada de dois ambientes naturais bem diferenciados que proporcionam formas diferentes de 
adaptação dos habitantes. Os dois ecossistemas principais dominantes na Amazônia são a 
várzea e a terra-firme. 14 Apesar das diferenças entre esses dois ecossistemas, a maioria dos 
ecólogos e antropólogos ainda depende basicamente dessa distinção. O entendimento dessa 
diferenciação de ecossistemas leva também à compreensão, que na Amazônia, as regiões de 
terras altas, acima de 600m de altitude apresentam uma alta escassez de proteína animal, 
enquanto que as regiões de terras baixas apontam abundância. 
As várzeas. As várzeas são áreas periodicamente inundáveis por ciclos anuais regulares 
de rios de água branca, ricas em sedimentos. Esses solos, submersos quase a metade do ano, 
possuem alto teor de nutrientes e são constantemente renovados. 15 As várzeas constituem 
somente 2% da bacia amazônica, num total de 64.000km2, mas têm uma importância 
desproporcional em relação à sua extensão. No rio Solimões, acima do rio Negro, a várzea 
ocupa cerca de 25 km de cada lado. No baixo-amazonas, aumenta para 50 km e, no estuário, 
chega a 200 km. As várzeas oferecem o surgimento permanente de nichos ecológicos, 
oferecendo às populações novas condições de sobrevivência, haja vista que esses nichos, tais 
como “restingas, lagos de várzea, igapós estão sempre sendo criados pela dinâmica dos rios.” 
16 
 
14 Cf. MORÁN, E. F. A ecologia humana, p. 138. 
15 Cf. BENATTI, J. H et al. A questão fundiária e, p. 18. 
16 MORÁN, E. F. A ecologia humana, p. 137. 
 25 
Os ciclos anuais são de ‘enchente’ e ‘vazante’. Nas demais regiões da Amazônia, 
estes ciclos são de ‘chuva’ (inverno) e ‘seca’ (verão). Durante as cheias, as várzeas 
são alagadas e a água do rio carrega grande quantidade de matéria orgânica para as 
matas e os campos. A deposição é lenta e ocorre no momento em que a água pára 
de invadir os espaços inundáveis e seu nível começa a baixar. 17 
As várzeas podem ser classificadas em pelo menos três tipos: As várzeas altas (do alto-
amazonas), várzeas baixas (do baixo e médio-amazonas) e as várzeas do estuário do 
Amazonas (várzeas do delta incluindo a ilha do Marajó e as demais ilhas). Esses três tipos de 
várzea são de importância tal que qualquer estudo relativo à adaptação humana na Amazônia 
deve levá-los em consideração. 
A várzea alta contém áreas ricas em nutrientes provindos dos Andes, favorecendo a 
agricultura e a sustentabilidade; por outro lado, apresenta problemas de altitude e declive que 
exige das populações práticas que reduzam o potencial erosivo das áreas e garantam a 
sustentabilidade de seus sistemas de cultivo. Há, nessas áreas, uma permanência de água por 
menos tempo; a vegetação, porém, tem condições de se desenvolver no seco, adquirindo 
maior altura. 
A várzea baixa apresenta aluvião rica em nutrientes, sendo favorecido pelo processo de 
enchente e vazante dos rios que nesta área é maior que nas áreas de várzea alta. Isso contribui 
para um maior aproveitamento agrícola das áreas, revelando um potencial não totalmente 
explorado no baixo-amazonas. Na várzea baixa, a vegetação se adaptou a ficar mais tempo 
embaixo d’água e é maior a presença de campos e vegetação arbustiva. 
O estuário apresenta influência da água salina pelas marés e pela riqueza aquática, 
chegando a influenciar as várzeas até a região do município de Óbidos, no baixo-amazonas, 
com mais de 1.000 km do mar. 18 Na ilha do Marajó, precisamente, há indícios da existência 
de antigos sistemas de controle de recursos hídricos. Trata-se de um mundo de água onde se 
encontra a floresta parcialmente inundada com seus períodos de enchentes e vazantes, e 
conforma os ecossistemas de várzea, manguezais e terra-firme. “É uma enorme área composta 
pelas embocaduras dos rios Amazonas e Tocantins, cuja biodiversidade e produtividade é 
altamente elevada em fitolâncton.” 19 
As diferenças entre floras, faunas, o aluvião depositado, declive, altitude, a acidez do 
solo e a produção de biomassa, nestes três tipos de ecossistemas, favorecem ao homem 
 
17 FILHO, J. M. O livro de ouro, p. 53. 
18 Cf. Ibid., p. 46. 
19 CASTRO, E. Mudanças no estuário amazônico pela ação antrópica e gerenciamento ambiental/projeto 
megam. In: ARAGÓN, L. E. (org.). Conservação e desenvolvimento no estuário e litoral amazônicos. 
Belém/PA: UFPA/NAEA, 2003. p. 128. 
 26 
amazônico uma diversidade de usos e distintos modos de conservação. Há, no entanto, algo 
nas áreas de várzea compartilhada como característica comum: o ciclo de enchente e 
esvaziamento dos rios que, por sua vez, influi na flora, na fauna e nas estratégias das 
populações humanas. 20 A várzea é marcada, assim, pela multiplicidade de lagos e canais. 
Veja as características postas por Almeida: 
No verão, vastos campos por ela se estendem recobertos de ilhas de uma vegetação 
peculiar, o que torna a várzea comparável a um gigantesco parque que, não raro, se 
alonga numa enorme extensão, até a linha do horizonte, para deter-se apenas 
quando esbarra coma mata ciliar do Amazonas ou, terra dentro, quando se defronta 
com as elevações da terra-firme já mencionada. 21 
Característico das várzeas é o fenômeno das “terras caídas”, chamadas na região de 
matupá. Os matupás são pedaços de terra com a vegetação que flutuam por algum tempo 
levando muito capim, galhos e às vezes árvores inteiras. Esses pedaços de terra foram 
arrancados das margens e curvas do rio. Essa dinâmica contribui para a fertilidade do solo, 
quando os sedimentos de argila e areia retirados das pequenas barreiras vão se misturar aos 
sedimentos que vêm de longe, através de um processo constante de comércio de sedimentação 
aluvial. 22 
A borracha atraiu grande leva de migrantes para a Amazônia, sobretudo nordestinos que 
serviram de mão-de-obra no interior dos seringais. Alguns se estabeleceram nas áreas 
próximas a Belém, dando início a uma importante agricultura praticada em pequenas 
propriedades familiares. 23 Outra grande parte das pessoas que se dirigiram para a Amazônia 
veio mais tarde a ocupar as regiões da várzea, quando não retornavam para o nordeste. Essas 
populações egressas dos seringais irão reforçar as várzeas do médio-amazonas, onde irão 
desenvolver a agricultura de subsistência, o extrativismo vegetal e a pesca, sobretudo entre 
1920 e 1940. 24 
A terra-firme. A terra firme constitui 98% da bacia e inclui também uma grande 
variedade de habitats ou ecossistemas, destacando florestas pluviais, florestas decíduas, 
savanas bem drenadas, savanas mal drenadas, florestas antropogênicas e florestas 
montanhosas. 25 Afirma Morán: “As florestas de terra firme ocorrem em áreas não inundáveis 
 
20 Cf. MORÁN, E. F. A ecologia humana, p. 219. 
21 ALMEIDA, J. B. Kondurilândia. Idéias e registros na gênese da nova unidade federativa no oeste do Pará. 
Oriximiná-PA: Fundação Ferreira de Almeida, 2001. p. 30. 
22 Cf. AB’ SÁBER, A. Problemas da Amazônia brasileira, p. 12. 
23 Cf. MONTEIRO, A et al. O espaço amazônico. Sociedade & meio ambiente. Belém: UFPA/NPI, 1997. p. 31. 
24 Cf. GONÇALVES, C. W. P. Amazônia, amazônias. São Paulo: Contexto, 2005. p. 37. 
25 Cf. MORÀN, E. F. A ecologia humana, p. 137. 
 27 
da Amazônia, incluindo um grande número de subtipos importantes, alguns dos quais 
merecem tratamento em separado.” 26 
Filho 27 apresenta pelo menos quatro extratos de vegetação ou andares onde são 
encontradas diferentes espécies florestais na terra-firme. O primeiro extrato é o sub-bosque 
que chega ao chão com plantas rasteiras, samambaias e folhagens; o segundo extrato é o 
arbóreo inferior, com árvores adultas de troncos finos ou aquelas jovens que buscam os 
extratos superiores, medindo entre 5 m e 20 m. Nesse extrato, há uma grande presença de 
palmeiras jovens; o terceiro extrato é a abóbada foliar, entre 20 m e 35 m, onde as árvores 
disputam um lugar ao sol. É o extrato com árvores que aguardam uma clareira para se 
desenvolver. Aqui localizam-se as palmeiras e árvores que nunca formarão o dossel 
definitivo, como a imbaúba; por fim, o quarto extrato, o mais alto, também conhecido como a 
canópia, onde estão as árvores emergentes, que chegam a medir 55 m, como a castanheira-
da-amazônia, a sumaumeira, o mogno, o angelim, o pau-mulato e o ipê. Sobre essas árvores 
encontram-se as plantas epífitas, como orquídeas, bromélias e cactus. 
Para o professor Aziz Ab’ Saber, 28 a exuberância da riqueza florestal na Amazônia ou o 
que ele denomina de “ordem da grandeza espacial da Amazônia”, é mostrada pelo conjunto de 
paisagens e ecologias da América do Sul setentrional. Outro destaque é dado aos leroinas 
continentais, ou seja, biomas que atravessam áreas muito grandes de um continente a outro e 
que reaparecem em continentes vizinhos. 
Caracterizadas pelos sistemas sofisticados de reciclagem de nutrientes, pela evolução de 
plantas adaptáveis às condições químicas do ambiente, bem como pelo manejo das 
populações pré-históricas e contemporâneas, as florestas de terra-firme são os ecossistemas 
mais ricos em diversidade de espécies na biosfera e com a maior produção de biomassa 
vegetal. Estando presentes na biomassa vegetal cerca de setenta por cento dos nutrientes, os 
solos dessas florestas são de qualidade variável, com predominância daqueles pobres e ácidos. 
29 
Com duas variantes predominantes, a mata baixa, em altitudes de menos de 600m acima 
do nível do mar e a mata alta, com altitudes bem abaixo de 300m, com temperaturas que 
variam entre 24 e 27 graus centígrados, as florestas de terra-firme estão presentes mais no 
oriente amazônico, diferenciando, dessa forma, da região ocidental e das regiões da periferia 
 
26 Ibid., p. 142. 
27 Cf. O livro de ouro, p. 55. 
28 Cf. Problemas da Amazônia brasileira, p. 7-8. 
29 Cf. MORÁN, E. F. A ecologia humana, p. 193. 
 28 
norte. Há, por isso, grande influência no volume de água que se precipita, considerando uma 
alta variabilidade de 1.800-2.000mm na parte oriental e central, a 3.000-4.000mm na área 
ocidental. 30 Verifica-se, por causa dessas características, uma biomassa vegetal e animal bem 
maior nas florestas baixas, criando diferentes condições de adaptabilidade para as populações 
que nelas habitam. 
Apesar de incompleta a identificação das espécies, já dá para fazer uma suposição de 
que a diversidade biótica nas florestas de terra-firme, em sua maior parte, é composta de 
componente dos detritívoros que tem a importante função de facilitar a reciclagem dos 
nutrientes provenientes da queda de folhas. Quanto à presença de mamíferos, é bem menor, 
considerando os diversos aspectos que colaboram para tal presença, como as leis da genética, 
estimando que a biomassa animal é de apenas 0,2% da biomassa vegetal.31 Por outro lado, a 
distribuição dessa riqueza é altamente desigual, em função da história das espécies, das 
condições edáficas, do regime pluvial e hidrológico e das densidades humanas. 
Quanto à estas, há uma pouca presença, estimando-se, segundo Denevan, em Morán, 32 
uma população pré-colonial de 1.260.000 espalhada em quatro milhões de quilômetros 
quadrados. Esta presença é condicionada pelas variações demográficas, pela presença ou não 
de um período de seca que facilite a agricultura de corte-e-queima que funciona muito bem 
sob condições de baixa pressão demográfica que permite períodos de recuperação florestal 
suficientes. Sendo tradicionalmente menos habitável do que nas áreas dos cerrados e das 
várzeas altas e baixas, as áreas de terra-firme serviram de refúgio às populações indígenas, 
fugindo das incursões dos colonizadores. 
Os elementos abordados acerca dos ecossistemas amazônicos mostram que são muitas 
as possibilidades de adaptação e de sobrevivência do homem neles. Além disso, a análise 
apresentou uma região em transformações permanentes, com reservas para a multiplicação e 
renovação de diferentes espécies. Essa realidade vem ser enriquecida com os vários tipos de 
água, favorecendo a sobrevivência e a vida das populações locais. 
 b) Adaptabilidade humana nas várzeas. 
As várzeas estão em estreita ligação com o período do verão e o período das chuvas, 
pois, dependem dessa realidade para formar seu biótipo. No período das chuvas o povo se 
recolhe aos sítios, aos povoados ou às cidades. Só trabalham os castanheiros, pois essa é a 
 
30 Cf. Ibid., p. 193. 
31 Cf. Ibid., p. 194. 
32 Cf. Ibid., p. 194. 
 29 
estação da safra, ou os canoeiros e tripulantes de barcos visto a “água” ser melhor de viajar e 
as cachoeiras darem passagem. É um tempo de fome, de esperar pela roça amadurecer. O 
peixe ganha o alto dos rios ou se espalha pelas lagoas e alagados; a caça deserta para dentro 
dos matos ou se entoca nas ilhas. 
O período do verão, por outro lado, é caracterizado por outra realidade bem distinta, isto 
é, pelaabundância de recursos alimentícios. É um tempo de mais fartura. É quando se faz a 
limpeza das estradas para o corte da borracha, do milho e dos legumes, de armar os cacuris 
para o peixe e de levantar barragem numa boca dos igarapés. O caboclo deixa as “aldeias” 
para entrar no mato. Os barracões e os tapiris voltam a ser povoados. 
As várzeas são formadas por três tipos diferentes de biomassas, com características 
próprias: as várzeas baixas, o estuário e as várzeas altas. Considerar essa diferença é conceber 
o potencial biológico e agrícola de cada uma separadamente. Para Morán, esta variedade de 
sistemas ecológicos sugere que a sua utilização e seu manejo pelo homem manifestam 
sensíveis diferenças. De fato, as várzeas do Amazonas apresentam um alto grau de dinamismo 
morfológico, onde os rios atravessam e modificam continuamente a área, fazendo com que, 
em períodos de seca, trechos das margens desapareçam rio abaixo. Esse processo eco-
geológico, com o depósito de sedimentos acima das margens criando novas áreas de terras 
altas, favorece a formação das “restingas”, de lagos pequenos ou grandes, formando micro-
ambientes de grande diversidade biótica. 33 
As diferenças entre as três várzeas são facilmente demonstráveis. As várzeas baixas têm 
uma largura que varia de 20-100 km, com variação de inundação dos rios de 10-20m. Os rios 
da várzea baixa apresentam poucos meandros, mas numerosas ilhas em seu curso. Com 
exceção do Madeira, Xingu e Tapajós que são quase lineares, com várzeas e ilhas reduzidas. 
No médio e baixo-amazonas, onde começa claramente a várzea baixa, é predominante a 
presença de vegetação flutuante associada aos rios de água clara e branca. Essa vegetação 
acolhe diferentes espécies, sendo o pirarucu o mais facilmente encontrado. Os capins também 
influenciam na locomoção das populações, já que canoas e outras embarcações são 
frequentemente retidas por suas raízes e os pescadores as usam para segurar o barco, em casos 
de tempestades inesperadas. 34 
A várzea baixa é uma área muito dinâmica, composta principalmente por terra recém-
formada, colonizada predominantemente por plantas aquáticas, como a aninga, que detém 
 
33 Cf. MORÁN, E. F. A ecologia humana, p. 223. 
34 Cf. Ibid., p. 226. 
 30 
sedimentos e matérias orgânicas transportadas pelas marés. Outras plantas como o miriti, o 
anani, o mututi e o mangue, estabelecem o início da formação de terras. Para Furtado, a 
vegetação das várzeas baixas não oferece atrativos para a obtenção da madeira, devido ao 
valor marginal do terreno para a agricultura e agroflorestas. A grande densidade da palmeira 
miriti, por outro lado, com uma enorme produção de frutos, tornou as várzeas baixas áreas 
propícias para o forrageio dos porcos. 35 
As várzeas do estuário que vão da foz do Xingu até a ilha de Marajó são formadas sobre 
solos barrentos apresentando uma abundância de palmeiras de um número ilimitado de 
espécies. As várzeas enchem duas vezes por ano, dominadas pelas enchentes das marés. A 
biomassa vegetal é riquíssima com presença de murumuru, jupati, açaí, inajá, bacaba, buriti 
ou miriti e ubim. Porém, a principal característica dessas áreas é, segundo Morán, a 
“constante sucessão secundária, pela queda frequente das árvores e a dinâmica aquática, 
facilitando atividades extrativas intensivas e sustentáveis.” 36 
A característica das várzeas do estuário de conter inúmeros alimentos oferece uma 
cadeia alimentar variada aos ribeirinhos. A maior parte é composta de frutas, especialmente 
palmeiras. Há também uma abundância de sementes de várias plantas, o que colabora para a 
criação de aves e outros animais de pequeno porte. A população da região estuarina gera 
renda por intermédio da fabricação de paneiros, tijolos e telhas. Desenvolvem atividades 
como a pesca de camarão e peixes, extração de lenhas e retirada do açaí. Os animais são 
mantidos como investimento para uma ocasional compra ou para o período das festas. 37 
As várzeas altas da Amazônia contêm sistemas com ausência de capins, com uma 
imensa riqueza nos rios, paranás e lagos, propícios para a pesca. Os solos que resultam de 
deposição dos rios que se originam nas cordilheiras do Peru oferecem alto teor de nutrientes, 
favorecendo a agricultura pelo escoamento das enchentes. Nessas áreas, o arroz é plantado 
quando o solo está ainda bem úmido para garantir que as raízes se fixem na terra. 38 
Esses diferentes habitats cooperam para a sustentabilidade humana nas áreas de várzeas 
de diversos modos. As atividades dos moradores são desenvolvidas de acordo com os ciclos 
fluviais, sendo que as restingas bem drenadas são as principais áreas cultiváveis. As terras 
 
35 CF. FURTADO, L. G (org.). Amazônia: Desenvolvimento, Sociodiversidade e Qualidade de Vida. Belém: 
UFPA/NUMA, 1997. p. 83-84. 
36 MORÁN, E. F. A ecologia humana, p. 229. 
37 Cf. FURTADO, L. G (org.). Amazônia: desenvolvimento, p. 91. 
38 Cf. MORÁN, E. F. A ecologia humana, p. 250. 
 31 
caídas criam instabilidade, fazendo com que campos de cultivos desapareçam de um ano para 
o outro. 
A várzea alta é caracterizada por um imenso mosaico de possibilidade de uso da terra. 
Trata-se de uma região propícia para a criação, especialmente de porcos, com uma grande 
produção de frutas, sementes e tubérculos. Nessa região se encontram a horta caseira, o 
roçado, a agrofloresta e vegetação secundária em diferentes fases de crescimento. 
A horta caseira fica localizada no terreiro que é o espaço que circunda a casa e é 
geralmente confinado, pelo menos de um lado, pelo rio. Nesses espaços e também nas 
plataformas das palafitas, na época da cheia do rio, são cultivados verduras, plantas 
medicinais, condimentos e plantas ornamentais. No terreiro também se encontram árvores 
frutíferas como a ameixeira, o taperebazeiro, a árvore de pão, o cacaueiro, o cupuaçuzeiro, a 
bananeira, o açaizeiro, a mangueira e outras. Também são encontradas plantas para a 
confecção de utensílios domésticos, como a cuieira e o arumã. 
O roçado é feito com o sistema tradicional de corte e queima seguido do plantio de 
cereais. Para alguns, o roçado serve apenas como uma fase para o preparo das agroflorestas, 
principalmente de açaí. Essas são transformadas a partir das capoeiras. O açaí é uma palmeira 
nativa da região encontrada em alta densidade ao longo dos rios costeiros, desde o Maranhão, 
se estendendo até o delta do rio Orinoco e Trinidade. A árvore começa a produzir a partir do 
quinto ano de vida, se estendendo por mais de 20. De cor verde claro a púrpura, quando 
madura, mede entre 1,0-1,5 cm de diâmetro. Árvores adultas, 6-10 anos de idade, produzem 
entre 30-50 kg de fruta por ano. 39 
No açaizal, juntamente com o açaí, são encontradas também outras árvores produtoras 
de sementes ou frutas. Esses produtos se destinam à venda e ao consumo doméstico e para 
alimento de animais de criação. A semente da seringueira, do cacau, da manga, do miriti, do 
jenipapo, do taperebá e de outras árvores dispersadas entre os açaizeiros, complementa a fonte 
de renda dos habitantes e a dieta dos animais em épocas distintas. 
A criação de pequenos animais nas várzeas amazônicas é bem desenvolvida, por serem 
terrenos bem adaptados e depositários de grandes concentrações de produtos florestais e 
aquáticos que servem de alimentos. Aves, porcos e gado foram introduzidos, sobretudo, com 
a chegada dos europeus. Além de servir como fonte de alimento para as populações 
ribeirinhas, é muito utilizado como fonte de renda e movimenta a economia na região. 
 
39 Cf. FURTADO, L. G (org.). Amazônia: desenvolvimento, p. 81-82. 
 32 
A partir da década de 1960 as regiões da várzea do médio e baixo-amazonas 
despertaram as atenções para a sua importância na produção de grãos. Essas regiões foram 
vistas

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