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de_onde_vem_as_boas_ideias-14

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uando, em 2005, três ex-funcionários do sistema de 
pagamentos online P a y P a l se juntaram para revolu­
cionar a maneira como milhões de pessoas assistiam 
a vídeos na internet, não par t i ram do zero. Para criar 
o YouTube, C h a d Hurley, Steve C h e n e Jawed K a r i m 
se apoiaram em três plataformas já existentes: além 
da própria web, o programa Adobe F lash e a l ingua­
gem JavaScript. A ideia havia surgido dez anos antes, 
época em que se levava cerca de u m a hora para baixar 
um vídeo de dois minutos na internet, o que tornava 
totalmente inviável a implementação do YouTube. Os 
três colegas tiveram que postergar o plano. U m a década 
foi também o quanto Steve Jobs esperou para lançar 
o gadget mais promissor da Apple : o i P a d . A pr imei­
ra concepção do tablet foi apresentada em 2 0 0 0 , ou 
seja, muito antes do iPhone, lançado em 2007. C o m o 
a empresa já estava invest indo no desenvolvimento 
do celular, manteve o i P a d como u m a ideia buri lando 
no inconsciente da marca. Enquanto isso, no Bras i l , 
dois jovens dec idiram u n i r a praticidade das máqui­
nas de refrigerante com o mercado ora incipiente de 
música digi ta l e a forma de pagamento de celulares 
pré-pagos. Nasc ia o FunSta t ion , quiosque equipado 
com computador onde se pode baixar músicas, vídeos 
e audiolivros e pagar c o m créditos por meio de um 
cartão recarregável. Mas o que essas três histórias têm 
em comum? Todas exemplif icam as respostas que o 
escritor americano Steven Johnson, que especializou-se 
em temas ligados a ciência e tecnologia, dá à pr incipal 
questão de seu novo l ivro: Where the Good Ideas Come 
From (De Onde Vêm as Boas Ideias, c o m lançamento 
previsto no Bras i l para meados de 2011). 
Na obra, Johnson analisou importantes invenções 
dos últimos 700 anos, passando pela teoria darwinista 
e pelo surgimento da web. A partir delas, traçou sete 
padrões de inovação (veja quadro na página 69). São 
caminhos comuns à maioria dessas descobertas que se 
fundem em um principal preceito: ideias são redes de 
conexões — dentro e fora de nossa mente. A imagem do 
gênio solitário que tem um estalo, portanto, não passa­
ria de mito. "Os momentos eureca são raros. E, quando 
realmente acontecem, são resultado de um processo 
lento e evolucionário", a f i rma. O autor propõe que 
ideias são criações coletivas e que necessitam de 
tempo para serem construídas. Um bom tempo, 
na maioria das vezes, como aconteceu com 
o i P a d e o YouTube. Ter boas sacadas estaria relacio­
nado com a capacidade de se conectar e fazer relações 
improváveis — como entre máquinas de refrigerante e 
tocadores de M P 3 — e isso não ocorre da noite para o 
dia. "Quando se enfatiza o momento eureca sem falar no 
processo que levou a ele, se perde a parte mais impor­
tante da resposta sobre a origem da criatividade", diz 
Johnson. E, afinal, de onde ela vem? O primeiro lugar 
para se procurar é o local em que as ideias surgem em 
sua forma mais elementar: o nosso cérebro. 
I D E I A S SÃO R E D E S 
Dentro de nossa cabeça há cerca de 100 bilhões de 
neurônios capazes de fazer um trilhão de conexões 
diferentes. Quando temos u m a ideia, quer dizer que 
u m a nova conexão foi feita pela p r i m e i r a vez. São 
sinapses inéditas e que não surgem do nada. " L a n ­
çamos questões para o cérebro responder. Ele as pro­
cessa e reprocessa, usando também informações já 
armazenadas. Quando a resposta aparece, va i para o 
plano consciente", diz Shelley Carson, professora de 
psicologia da Universidade de Harvard , E U A , e autora 
do l ivro Your Creative Brain (Seu Cérebro Criat ivo, 
sem edição brasi leira) . Se a resposta não surge no 
momento, você volta a atenção para outra coisa, mas 
o cérebro continua trabalhando naquilo. A solução, en­
tão, pode pular para o consciente a qualquer instante. 
Isso seria o insight, nada mais que a combinação de 
informações novas e velhas processadas de formas 
diferentes por seu cérebro. 
A part ir de estudos sobre a f isiologia da mente e 
técnicas de neuroimagem, Carson identificou sete pa­
drões cerebrais ligados à criatividade. Entre eles, razão 
(manipulação consciente de informações na memória 
para gerar soluções); conexão (atenção desfocada que 
permite ligar objetos e conceitos díspares); absorção 
(abertura da mente para novas ideias e experiências) e 
visão (pensa-se mais em imagens do que em palavras e 
se faz muitas metáforas). Cada um desses padrões seria 
útil para u m a etapa do processo criativo. Enquanto a 
absorção é de grande valia para u m a fase de pesqui­
sa, a razão é essencial para colocar as ideias 
em prática. "Por isso, o sujeito criativo é 
aquele capaz de transitar com facilidade 
por todos os padrões cerebrais", diz 
Carson. Para isso, a maioria de nós precisa exercitar o 
cérebro, pois tendemos a ter alguns padrões como zona 
de conforto (faça o teste na página 71). " O surgimento 
de ideias tem a ver com a diminuição de atividade do 
lobo frontal, parte do cérebro que funciona como um 
filtro de imagens, memórias e estímulos do mundo ex­
terno", af irma o neurocientista Rex Jung, que estuda 
criatividade no M i n d Research Network, um centro 
de estudos do cérebro em Albuquerque, Novo México, 
E U A . Quando esse sistema de censura é desativado, 
cria-se um ambiente mental caótico, que facilita cone­
xões inesperadas entre neurônios. 
A prova de que um pouco de bagunça na mente nos 
deixa mais espertos apareceu em uma pesquisa condu­
zida em 2007 pelo neurocientista Robert Tatcher, da 
Universidade de South Florida, E U A . Tatcher analisou 
a alternância de duas fases no cérebro de 17 crianças 
e adolescentes de 5 a 17 anos: a de sincronia, em que 
multidões de neurônios pulsam em ritmo perfeito, e a 
de ruído, em que as conexões neurais ocorrem de modo 
completamente caótico. Ao comparar os resultados, 
concluiu que cada milésimo de segundo a mais na fase 
de ruído adicionava 20 pontos no QI dos jovens. U m a 
das explicações seria o aumento de ligações imprová­
veis entre os neurônios, que não aconteceriam em um 
modo cerebral mais organizado. 
O que acontece em nossa mente precisa ser repro­
duzido no mundo, pois é da diversidade e das colisões 
de pensamentos que nascem ideias genuínas. "Entrar 
em contato com múltiplas perspectivas oferece dife­
rentes modos de olhar as informações já alocadas em 
seu cérebro", diz Carson . Um dos fatores que podem 
favorecer esses encontros e combinações inusitados 
de neurônios é o encontro e combinação inusitados 
de pessoas. "Quando você se cerca de gente criativa, 
ocorre um cruzamento de ideias." 
P E S S O A S C O N E C T A D A S 
Simultaneamente ao lançamento do l ivro de Steven 
Johnson, em outubro, outro escritor americano da seara 
de tecnologia, K e v i n Kelly, publicou What Technology 
Wants (O que a Tecnologia Quer, sem edição no Brasil), 
que também fala de inovações. Se Johnson afirma que 
ideias são redes, Kel ly endossa a teoria com outras no­
menclaturas. "É um ecossistema, um superorganismo 
de partes que não se sustentam sozinhas", diz. "Muitas 
invenções precursoras são necessárias para sustentar 
uma criação. Não se pode ter u m a ideia nova sem se 
basear em algumas velhas." 
A música em M P 3 , o U S B , o Bluetooth, as máquinas 
de refrigerante, os caixas automáticos de banco e os 
celulares pré-pagos foram algumas das velhas ideias 
que serviram de suporte para a criação do FunStation. 
O contato com essas invenções foi processado junto à 
memória já armazenada no cérebro de seus criadores. 
A r m a n d o Perico, 24, t inha um estoque de linguagens 
de programação — já que aprende três por semestre em 
seu curso de ciência da informática na Universidade 
de Lugano, na Suíça, onde estuda desde 2006 . Bruno 
Brau, 35, é músico e tocava teclado na banda de rock 
independente Rotor. "O Bruno sempre foi inquieto com 
o problema de distribuição da indústria musical . C o n ­
versávamos muito sobre isso", diz A r m a n d o . 
Em um dos papos, A r m a n d o comentoualgo aparen­
temente sem importância e já sabido há muito tempo: 
a possibilidade de transferir arquivos digitais por meio 
de tecnologias como o U S B e o Bluetooth. Bruno lo­
go tascou: " P o r que não fazemos isso para distr ibuir 
música em máquinas como as de refrigerante?". Fo­
ram dois anos de desenvolvimento para se chegar ao 
FunStat ion. C o m 55 quiosques no Brasi l , três na Suíça 
e 30 a serem inaugurados no México em fevereiro de 
2011, a máquina oferece todo o catálogo de gravadoras 
como Warner Music , S o m Livre e Biscoito F ino , além 
de pequenos selos europeus. C a d a faixa é vendida em 
média a R$ 2. A dupla ganha de 2 0 % a 5 0 % do valor 
por transação. Fazendo um balanço, A r m a n d o acre­
dita que o FunStat ion foi resultado do background de 
música e mercado de B r u n o e de seu conhecimento 
tecnológico. A história dos amigos leva a crer que duas 
cabeças pensam melhor que uma. 
CRIAÇÃO C O L E T I V A 
Um grupo de seis amigos batizado de Cariocas E m ­
polgados conseguiu, de maneira inovadora, levar duas 
bandas estrangeiras para o Rio de Janeiro em 2010. 
Separados, talvez não tivessem alcançado tal proeza. 
Um deles, Tiago L i n s , 31 anos, diretor de TV formado 
em economia, há um tempo v inha estudando sistemas 
jurídicos de sociedade usados nos Estados Unidos. "Lá, 
existe um formato para empresas pequenas em que 
um sócio-investidor não corre o risco de perder mais 
dinheiro do que colocou, caso o negócio dê errado." 
Durante um encontro na casa do documentarista e 
jornalista Bruno Natal, um dos amigos lançou o assunto 
na roda: a banda indie pop sueca M i i k e Snow se apre­
sentaria em São Paulo, mais uma vez, sem escala no Rio 
de Janeiro. Fo i aí que o produtor cultural Pedro Seiler 
fez um levantamento rápido dos custos para deslocar 
a banda da capital paulista para o Rio. Seriam R$ 20 
m i l , que Tiago sugeriu dividir em 200 cotas de R$ 100. 
Bruno, que escreve um blog de música há sete anos e 
está acostumado a divulgar eventos em redes sociais, 
propôs espalhar a venda das cotas na web. Se todas 
fossem compradas, o show estava garantido. Daí seria 
aberta a bilheteria para comercializar o restante dos 
ingressos, a R$ 50. " M a s quem i r ia querer pagar R$ 
100, se depois custasse metade?", diz Bruno. Fo i aí que 
Tiago v i u a chance de aplicar seus recém-adquiridos 
conhecimentos sobre sociedades jurídicas: como no 
modelo americano, os "sócios" — no caso quem havia 
comprado uma cota do show — jamais perderiam mais 
do que o valor investido. Se o grupo não conseguisse 
vender todas as cotas, a grana seria devolvida e o plano, 
abortado. Se conseguissem, a pessoa "perderia" parte 
do dinheiro — já que pagaria um valor mais alto do 
que o de bilheteria —, mas i r ia ao show. Mas a gran­
de sacada foi que, caso com a venda dos ingressos ao 
público todo o dinheiro investido inicialmente fosse 
recuperado, quem havia comprado uma cota receberia 
reembolso de 100°/o. Ou seja, i r i a de graça ao show. 
F o i o que aconteceu não só uma, mas duas vezes. Em 
novembro passado, o grupo repetiu a empreitada e le­
vou a banda escocesa Belle & Sebastian de São Paulo 
para o Rio de Janeiro. 
O mais interessante da história não foi apenas ver 
que centenas de pessoas conseguiram, apenas por es­
tarem juntas, levar duas bandas internacionais para o 
Rio. Mas o próprio surgimento desse novo esquema de 
produção de shows — que o grupo pretende transformar 
em negócio — foi obra de várias cabeças. 
Esse caminho de cada um contribuir com uma parcela 
de conhecimento representa o que Johnson quer dizer 
com redes. Segundo o escritor, a maior parte das boas 
ideias chega ao mundo pela metade, falta um elemento 
que as torne realmente poderosas. "Frequentemente, 
esse elemento está na cabeça de uma outra pessoa", diz. 
Para que essas meias-ideias se conectem, é necessário 
que aconteçam encontros. E há ambientes favoráveis a 
isso. Não por coincidência, eles imi tam nosso cérebro: 
lugares densos, diversos, com u m a pequena dose de 
caos e muitas possibilidades de conexões. 
E M M E I O A O C A O S 
Um ambiente criativo precisa de certa quantidade de 
bagunça e erro. F o i c o m essa crença que o car ioca 
Tennyson Pinheiro , 33 anos, e o gaúcho Luís A l t , 28 
anos, abriram no ano passado em São Paulo a livelwork, 
u m a empresa especializada em design de serviços — 
que encontra soluções criativas para resolver problemas 
de lojas, companhias de transporte, saúde e bancos. 
A equipe tem três designers, mas nenhum deles tem 
mesa fixa c o m computador. T r a b a l h a m cercados de 
laptops, smartphones e tablets e dividem as mesas. O 
processo de criação no escritório se divide em etapas. 
"Durante todas elas, as informações vão se transfor­
mando umas nas outras. E aí precisamos ter um rastro 
de onde e como as soluções foram nascendo", af irma 
Pinheiro. Por isso, todos os palpites podem ser regis-
trados com canetas coloridas ou post-its nas paredes. 
"Você pode visualizar um insight que você mesmo teve 
de maneira diferente. E questionar escolhas já feitas 
abre novas possibilidades", diz Pinheiro. A s s i m como 
complementar u m a ideia lançada por outra pessoa, ou 
partir daquele estímulo para criar algo novo, que, por 
sua vez, pode ser modificado por um terceiro. 
Essas conexões de informações e pensamentos são 
possíveis em outras duas plataformas bem caóticas e 
diversas: as metrópoles e a internet. "As cidades sem­
pre foram motores de inovação, pois proporc ionam 
um grau de conectividade que só se observa onde há 
grandes concentrações de indivíduos", diz Johnson. 
Nesse sentido, se parecem à rede de computadores: 
um ambiente denso em que a informação f lui por vias 
inesperadas. "Quando você acha algo que nunca foi 
atrás é porque a web fez um trabalho excelente", diz 
Kel ly . Ele compart i lha c o m Johnson a noção de que a 
internet pode ser u m a ótima plataforma de colisões 
ao acaso. C o m tanto conteúdo desorganizado, ruídos 
e coisas boas e ruins misturadas, ela é como a fase de 
caos em nosso cérebro: permite l inks que não seriam 
possíveis de outra maneira . "A perda de tempo é u m a 
das coisas boas da web. Ser criativo não é sinônimo 
de eficiência, mas de gastar tempo, falhar e cometer 
erros", a f i rma Kel ly . 
NÃO D E S I S T A 
F o i na base de tentativa e erro que, em 1999, surgiu 
o Buscapé, porta l brasileiro que compara preços de 
produtos — e foi vendido no ano passado por U S $ 
342 milhões. Os colegas na faculdade de engenharia 
elétrica Romero Rodrigues, Rodrigo Borges e Ronaldo 
Takahashi lapidaram muitas ideias antes de chegar 
ao site. Pr imeiro , foi u m a empresa para desenvolver 
softwares de gestão para lojas. Depois veio a tentativa 
de fazer u m a página que imitasse o ambiente de um 
shopping em 3D. Até que um dia , Rodrigo procurava 
uma impressora para comprar na internet, quando veio 
o estalo. "Não existe um site brasileiro que compare 
preços. Por que não fazemos isso?", diz Romero, que 
considera essa ideia apenas o resultado da soma das 
outras. Mesmo após esse momento eureca, o site levou 
tempo para chegar ao que é. Inicialmente, os lojistas 
teriam que instalar um programa de computador que 
pegaria os preços dos produtos nos sistemas internos 
da loja e os enviar ia para u m a central de dados do 
Buscapé. O programa chegou a ser feito. " M a s nenhum 
varejista aceitou a ideia, obviamente", diz Romero. Há 
12 anos, as lojas nem davam preço por telefone, quanto 
menos transmit ir o valor de seus produtos para um 
site. "Eles davam risada e desligavam o telefone", diz . 
Fo i aí que o trio evoluiu para a segunda e atual versão 
usada no portal , um programa que captura o valor dos 
produtos automaticamente de lojas online. 
Os criadores do Buscapé não foram os únicos a pas­
sar por esse processo. Até com gênios historicamente 
reconhecidos as ideias precisam ser maturadas e me­
lhoradas. "O tal do momento eureca não acontece sem 
preparação. É um problema em que as pessoas vêmpensando ao longo do tempo", a f i rma A d a m Smith , 
que já entrevistou 110 prêmios Nobel para o site N o -
belprize.org. N e m as ideias mais bem-sucedidas são 
como estalos que surgem repentinamente na hora do 
banho — mesmo Arquimedes (287 a.C. - 212 a .C) , que, 
reza a lenda, teve u m a revelação sobre como medir o 
volume de corpos enquanto estava mergulhado em 
u m a banheira, já ruminava essa questão há tempos. 
Af ina l , boas ideias são resultados de um longo processo 
de conectar, fundir , recombinar e ressurgir em u m a 
nova forma. Se parece mais trabalhoso, o lado b o m é 
que os dias de hoje são totalmente favoráveis a isso. "À 
medida que a sociedade se transforma em uma rede 
mais distribuída e conectada, cresce o grau de intera­
tividade e, em uma proporção exponencial, a geração 
de ideias", diz o físico e fundador da Escola de Redes, 
espaço que reúne de forma presencial e v i r tua l 5.600 
pessoas em torno do estudo do tema redes, Augusto 
de Franco. Você já está inserido nesta teia. Basta agora 
aumentar seus l inks para, quem sabe, ter u m a desco­
berta brilhante capaz de mudar o mundo. 
http://belprize.org
Text Box
Fonte: Galileu, São Paulo, n. 233, p. 65-73, dez. 2010.

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