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Histologia e Embriologia Paulo Roberto Vargas Fallavena Paulo Roberto Vargas Fallavena ISBN 978-65-5821-153-2 9 786558 211532 Código Logístico I000604 Histologia e Embriologia Paulo Roberto Vargas Fallavena IESDE BRASIL 2022 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2022 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: envato/M-e-f - envato/PixelSquid360 CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ F182h Fallavena, Paulo Roberto Vargas. Histologia e embriologia / Paulo Roberto Vargas Fallavena. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2022. 162 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-65-5821-153-2 1. Histologia - Estudo e ensino. 2. Embriologia humana - Estudo e ensino. I Título. 22-78027 CDD: 611.0181 CDU: 611.018 Paulo Roberto Vargas Fallavena Pós-doutorado em Microbiologia Molecular na Universidade de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Doutor e mestre em Biologia Celular e Molecular pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Graduado em Ciências Biológicas - Licenciatura Plena (PUCRS). Tem experiência na área da gestão educacional desde 2009, quando foi coordenador e, posteriormente, vice-diretor de uma escola de educação profissional. Professor e coordenador de cursos em faculdades particulares. Atualmente é gestor do Polo Universitário. Tem experiência na área de genética, atuando principalmente nos seguintes temas: Toll-like receptor 2, CD14, Toll-like receptor 4, TNF Alfa, bactérias Gram-negativas, SNPs, infecção, sepse, choque séptico e desfecho clínico de pacientes criticamente doentes. Trabalha com análises filogenéticas do vírus pandêmico influenza H1N1 (pdm09 H1N1) e de marcadores inflamatórios relacionados à infecção por hepatite B e C. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! 1 Morfofisiologia celular 9 1.1 Membrana plasmática 10 1.2 Sistema de endomembranas 22 1.3 Organelas fornecedoras de energia e ciclo celular 29 1.4 Núcleo e divisão celular 38 1.5 Junções celulares 40 1.6 Importância do citoesqueleto 42 1.7 Organismos formadores de tecido verdadeiro 44 2 Tecidos de revestimento 48 2.1 Tecido epitelial 48 2.2 Tecido conjuntivo 66 2.3 Tecido conjuntivo propriamente dito 68 3 Tecidos de suporte 73 3.1 Tecido conjuntivo especializado 73 3.2 Tecido muscular 84 3.3 Tecido nervoso 89 4 Embriologia básica 94 4.1 Fertilidade 95 4.2 Fecundação e implantação embrionária 104 4.3 Gastrulação 108 4.4 Anexos embrionários 110 4.5 Organogênese 113 4.6 Período fetal 116 5 Desenvolvimento de sistemas 122 5.1 Sistema respiratório 122 5.2 Sistema digestório 129 5.3 Sistema cardiovascular 135 5.4 Sistema nervoso 142 5.5 Sistema urogenital 147 5.6 Sistema muscular 151 5.7 Teratologia fetal 153 Resolução das atividades 158 O presente livro tem como princípio auxiliar o aluno a compreender o fantástico mundo da ciência e da biologia. Vamos abordar temas que complementarão a compressão básica sobre a formação de um indivíduo, suas fases de desenvolvimento e todos os mecanismos envolvidos nesse fascinante processo do desenvolvimento humano. Trataremos dos mínimos detalhes, desde a preparação do corpo da mulher para receber uma nova vida até o desenvolvimento fisiológico do feto. Também falaremos a respeito do amadurecimento do nosso corpo na adolescência, da implicação dos hormônios nesse processo preparatório, além da fecundação e maturação dessas células em um indivíduo. No contexto da embriologia, será possível compreendermos a importância que cada célula e cada tecido tem no desenvolvimento dos seres humanos e como as interações no ambiente são importantes para que esse desenvolvimento seja saudável e seguro. Fundamentados na caracterização do que é vida, construiremos a base para compreensão do funcionamento de um indivíduo complexo como o ser humano, visando identificar as diferenças em relação aos outros animais e microrganismos. Dessa forma, poderemos trabalhar as questões que todo leitor apaixonado por ciência traz consigo, como “do que somos feitos?”, “quais são as diferenças entre os seres vivos em nosso planeta?”, entre outras. Até o século XVII, acreditava-se desenvolvimento de doenças era atribuído a um vapor expelido pelo corpo de pessoas doentes ou que haviam falecido. Este vapor considerado os resquícios de maus espíritos conhecido como miasma durante muitos séculos foi considerado o culpado por todas as doenças e mortes na terra. Contudo, a descoberta dos primeiros microrganismos vivos em água revolucionou a ciência e levou muitos outros naturalistas a especializarem o microscópio e se aprofundarem nas questões relacionadas à unidade fundamental dos seres vivos as células. Essa compreensão sobre a interação de células é fundamental nos dias de hoje para entendermos como um organismo complexo se forma, pois a combinação e o arranjo dessas células formarão tecidos com características distintas. É exatamente este processo que podemos observar no desenvolvimento embrionário: o somatório dessas interações e ações é o que permite que um novo indivíduo surja. Suas etapas, de maneira sincronizada e bem estruturada, permitem um desenvolvimento normal e sadio de uma nova vida. APRESENTAÇÃOVídeo 8 Histologia e Embriologia Construiremos aqui um entendimento completo sobre como tecidos e órgãos são formados por meio de informação genética (nosso DNA) e suas interações com o ambiente que nos cerca. Ao final desta obra, conseguiremos entender a estreita relação entre todo o mecanismo biológico por trás da formação de tecidos e órgãos, suas especificações e funções em organismos complexos como o nosso. Por fim, conseguiremos entender a intrínseca e complexa sinalização, diferenciação e desenvolvimento desses tecidos em um novo indivíduo e como o ambiente pode interferir diretamente em nossa saúde e desenvolvimento. Uma boa leitura! Morfofisiologia celular 9 1 Morfofisiologia celular A histologia pode ser considerada a anatomia celular dos tecidos e dos órgãos, já que ela busca compreender, de maneira microscópica, como um grupo de células se agrupa e pode vir a formar estruturas mais complexas. Desse modo, neste capítulo abordaremos aspectos celulares de maneira aprofundada para facilitar a compreen- são de estruturas celulares e suas importâncias para os tecidos e os órgãos. Nosso corpo é formado por um conjunto de células, sendo necessário entender- mos as estruturas que as compõem e suas características para melhor compreen- dermos o complexo sistema desenvolvido pelo nosso corpo. A melhor definição que pode caracterizar e facilitar isso, caro aluno, é a de que somos uma máquina orgânica formada por peças microscópicas que, somadas, formam indivíduos complexos. É importante ressaltarmos também que nesse capítulo trabalharemos de maneira leve e didática com conceitos de biologiacelular e de bioquímica para que a com- preensão da interação entre as células e da organização delas seja clara. Para isso, abordaremos conceitos em nível celular e molecular e sua intrínseca interação entre seus componentes internos (organelas) e o meio externo. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • conhecer as características bioquímicas da membrana plasmática; • conhecer os tipos de transporte através da membrana plasmática; • compreender o sistema de endomembranas; • identificar as organelas fornecedoras de energia; • caracterizar o ciclo celular; • identificar as características do núcleo interfásico e as fases da divisão celular; • identificar componentes celulares presentes nas junções celulares e sua função nos tecidos; • compreender a função do citoesqueleto na célula; • identificar as principais patologias associadas a células e suas implicações na fisio- logia humana; • entender que a histologia é uma disciplina básica e fundamental no processo de aprendizagem sobre o conhecimento do corpo humano, o que servirá para comple- mentar o estudo da anatomia e da fisiologia humana. Objetivos de aprendizagem 10 Histologia e Embriologia 1.1 Membrana plasmática Vídeo A membrana plasmática é uma das estruturas fundamentais para células, tanto animais quanto vegetais, com sua presença não se limitando somente aos euca- riontes, sendo também presente nos procariontes. Ela engloba a célula, define seus limites e, principalmente, mantém as diferenças essenciais entre o citoplasma e o ambiente extracelular. Juntamente com o sistema de endomembranas e organe- las energéticas (mitocôndria e cloroplastos), as membranas mantêm as diferenças entre o meio interno das organelas e o citoplasma. Em todas as células temos tam- bém a presença de proteínas que desempenharão uma série de funções, como transporte, sinalização etc. Figura 1 Membrana plasmática Ilustração da membrana plasmática com sua dupla camada lipídica e proteínas inseridas. m ag ne tix /S hu tte rs to ck Apesar de ser presente em procariontes e eucariontes, a membrana plasmática apresenta-se estruturalmente diferente entre eles (o que discutiremos mais adian- te dentro desta seção). Contudo, elas não são completamente diferentes umas das outras e apresentam uma estrutura básica: cada uma delas é um fino filme de pro- teínas e de moléculas lipídicas mantidas principalmente por ligações não covalen- tes. As membranas celulares são fluidas, dinâmicas e a maioria de suas moléculas é capaz de se mover através do plano da membrana (ALBERTS et al., 2017), como podemos ver na Figura 1. 1.1.1 Composição estrutural A membrana plasmática é formada por um conjunto de ácidos graxos (lipídios) e proteínas. Esses lipídios apresentam, adicionados a si, uma molécula de fósforo (K), que, juntamente com os ácidos graxos, formam os fosfolipídios. As moléculas lipídicas são organizadas em uma camada dupla e são conside- radas anfipáticas, isto é, sua característica é apresentar-se como polar e apolar – permitindo que as porções polares ou hidrofílicas interajam com a água, e as porções apolares ou hidrofóbicas se enclausurem, evitando o contato com a água. Esse exato mecanismo será essencial para garantir uma das principais funções da membrana plasmática: o isolamento do meio interno do externo – mantendo gra- dientes de concentração diferenciados entre esses extremos. Morfofisiologia celular 11 As caudas são formadas por ácidos graxos com diferentes comprimentos, agru- padas em dois modelos distintos de ligações químicas, sendo observadas normal- mente uma ou mais ligações duplas em cis (isto é, insaturadas) em uma, enquanto na outra cauda não (saturada). O esquema da Figura 2 ilustra bem as ligações e as características da cauda que sofrem uma pequena flexão devido às ligações. É importante essa flexão oca- sionar uma diferença de comprimento entre as caudas, pois influencia a habilida- de das moléculas de fosfolipídios se empacotarem (desalinhamento), afetando, assim, sua fluidez (ALBERTS et al., 2017). Figura 2 Lipídios encontrados na membrana plasmática ar te m id e/ Sh ut te rs to ck Região hidrofílica Cauda hidrofóbica (colina) Porção da cabeça Fosfato Glicerol Cadeia de ácidos graxos Glicolipídios Cadeia de carboidratos Colesterol Proteína integral Proteína periférica Grupamento polar Grupamento polar Grupamento apolar A forma e a natureza anfipática das moléculas de lipídios são responsáveis pela formação espontânea da bicamada lipídica em um ambiente aquoso. Esse fato ocorre devido às porções polares terem maior afinidade com a água e man- terem uma interação mais próxima com suas moléculas, ao contrário das molécu- las de ácido graxo, que não têm atração nenhuma ou qualquer tipo de interação com a água, inclusive forçando um rearranjo da água quando em contato. Devido a isso, é possível observarmos que as moléculas de ácidos graxos tendem a se agrupar no interior da membrana, a fim de evitar o contato com a água. Quando as moléculas lipídicas estão cercadas de água, elas tendem a agregar-se de modo que suas caudas hidrofóbicas fiquem ocultas no interior e suas cabeças hidrofílicas fiquem expostas à água, conforme demonstramos na Figura 3 (ALBERTS et al., 2017). Essa característica é conhecida como autosselamento e é atribuída ao movi- mento dos lipídios ao se direcionarem para o interior, isolando-se do ambiente aquoso e liberando a região polar para o contato com a água. O autosselamen- to mantém a estrutura da membrana plasmática por ser energeticamente fa- vorável, isto é, ao isolar a região hidrofóbica, o gasto de energia é menor para manter a estrutura do que a porção apolar ao entrar em contato com o meio aquoso. Esta observação fará mais sentido à frente quando conversarmos sobre o modelo de arranjo entre as camadas, permitindo um isolamento completo pelo “desalinhamento” entre elas, o que possibilita que o grau de saturação da bica- mada seja alternado entre saturado e insaturado. Atenção zc xe s/ Sh ut te rs to ck Figura 3 Arranjo do grupamento das moléculas de lipídios no ambiente aquoso A depender se são monocamadas ou bicamadas, as moléculas formam um círculo espontaneamente ao contato com a água. 12 Histologia e Embriologia Figura 4 Fechamento espontâneo de uma bicamada de fosfolipídios para formar um compartimento fechado. Estrutura estável devido ao isolamento das caudas de hidrocarbonetos com a água, o que tornaria o meio energeticamente desfavorável. Energeticamente desfavorável Camada de fosfolipídios plana com as extremidades expostas à água Selamento da bicamada formado pela bicamada lipídica Energeticamente favorável Fonte: Alberts et al., 2017, p. 569. A tendência natural, nesse caso, é evitar o surgimento de bordas livres que possam tornar a estrutura energeticamente desfavorável, portanto, a região apolar tende a se isolar no interior de maneira esférica, evitando arestas ou pontos de contato da região hidrofóbica com o meio aquoso, conforme expu- semos na Figura 4. Além disso, possibilita que as estruturas organizadas em bicamadas sejam extensas devido à possibilidade de isolamento e manuten- ção por ligações que são energeticamente favoráveis. 1.1.1.1 Bicamada lipídica: fluido bidimensional Por volta dos anos 1970, pesquisadores reconheceram pela primeira vez que as moléculas individuais de lipídios são capazes de se difundirem livre- mente por meio de dupla camada lipídica. Isso foi possível se observarmos pela formação de lipossomas, que permitiam o livre movimento dos fosfolipí- dios e seu livre movimento nas bicamadas com rápido rearranjo dependendo de condições ambientais (ALBERTS et al., 2017). As Figuras 5 e 6 apresentam essas características. Morfofisiologia celular 13 Figura 5 Lipossoma com o ambiente interno isolado do externo st ru na /S hu tte rs to ck Estrutura simplificada dos fospolipídio Cabeça hidrofóbica (procuracontato com água) Solução aquosa Cauda hidrofóbica (evita contato com a água) Estrutura do lipossoma Figura 6 Estrutura da membrana plasmática Flexão Rotação Difusão lateral Moléculas de águaMoléculas de água Caudas de ácidos graxos Grupamentos de cabeças lipídicas Fonte: Eaborada pelo autor. Flip-flop (ocorre raramente) Todas as características que visualizamos até aqui permitem que células preservem sua integridade e rapidamente se readaptem a qualquer tipo de situação, mantendo a diferença entre o meio externo e o interno devido a essa característica que permite que, ao sofrer impacto e degradação de lipídios (por ação química ou física), ela rapidamente se estru- ture por meio da movimentação, a qual garantirá o isolamento visando à manutenção do sistema energeticamente favorável e isolado. Exatamente por esse fato, caracterizamos a membrana plasmática como um modelo mosaico fluido, isto é, uma diversidade entre diferentes tipos de proteínas com lipídios que não apresentam domínio fixo, podendo se movimentar livremente pelas monocamadas. Como observamos, o arranjo da membrana plasmática é estruturado para facilitar sua organização, manutenção e permitir a separação do meio externo do interno. Essas adaptações quanto à disposição dos ácidos graxos, a variação entre ligações duplas (cis/insaturadas) e simples (saturadas), mantêm a permea- bilidade da membrana, facilitando a interação com a substância e permitindo en- trada e saída de solutos da célula. 14 Histologia e Embriologia Porém, somente esse arranjo não é o suficiente para permitir a estabilidade da célula a fatores ambientais. O aumento excessivo da temperatura, assim como o resfriamento, seriam o suficiente para desorganizar todo o complexo de ligações químicas entre os fosfolipídios. Altas temperaturas tendem a causar um grau de instauração elevado entre as ligações químicas dos fosfolipídios. Esse fato acarretará maior espaçamento entre eles, formando “buracos” na estrutura da bicamada lipídica, processo similar ob- servado com o resfriamento, em que a tendência desses fosfolipídios é aumentar o grau de saturação das ligações químicas (ligações simples). Esse fenômeno levará a um colabamento dos fosfolipídios, impedindo a entrada e a saída de substâncias da célula, conforme apresentamos na Figura 7 (ALBERTS et al., 2017). Figura 7 Efeito deletério da temperatura na organização e estrutura da membrana plasmática. Ar t o f S ci en ce /S hu tte rs to ck Fase de transição Estado sólido Estado fluido Temperatura baixa Temperatura alta Células bacterianas que estão sujeitas a flutuações de temperaturas mais brus- cas em seu ambiente ajustam a composição de ácidos graxos, a fim de manter a condição da membrana plasmática constante. Se as temperaturas, por exemplo, forem mais frias, adaptam-se a esse processo por meio de um mecanismo de sín- tese de maior quantidade de ácidos graxos com ligações cis (ligações duplas), evi- tando, assim, alterações na permeabilidade da membrana (ALBERTS et al., 2017). Além disso, têm menor quantidade de ácidos graxos na membrana plasmática do que células animais ou vegetais – normalmente com 40% de sua membrana plasmática sendo formada por ácidos graxos, e os 60% restantes por proteínas. Essa condição confere uma característica mais pobre à membrana plasmática bacteriana (menor permeabilidade) com função diferenciada do que visualizada em eucariontes (PRESCOTT; HARLEY; DONALD, 2002). 1.1.2 Estabilidade a alterações ambientais Células eucariontes desenvolveram uma maneira interessante de evitar que alterações ambientais possam prejudicar a estabilidade da membrana, já que os fosfolipídios apresentam ligações químicas mais fracas (os hidrocarbonetos são fracamente ligados uns nos outros por forças de Van der Waals 1 Forças de Van der Waals são interações intermole- culares de maneira fraca, com polos distintos, isto é, polo positivo com ne- gativo. São ligações fracas que qualquer distúrbio pode desfazer. 1 ). Assim, para estabilizar os ácidos graxos e manter o grau de saturação (saturação/insatura- ção) entre os fosfolipídios, é incluída à membrana plasmática uma molécula de colesterol – o colesterol manterá unidos os ácidos graxos, dando estabilidade à ligação química, porém diminuirá também sua capacidade de permeabilidade, conforme ilustrado na Figura 8 (ALBERTS et al., 2017). Colabamento: Condição anormal de um órgão em que suas paredes, geral- mente separadas, passam a entrar em contato uma com a outra ou se ligam. Glossário Morfofisiologia celular 15 Figura 8 Bicamada lipídica apresentando fosfolipídios estabilizados pela presença de colesterol. J. M ar in i/S hu tte rs to ckCOLESTEROL NA MEMBRANA PLASMÁTICA Fosfolipídio Colesterol Membrana plasmática Colesterol: estrutura molecular em vermelho. A assimetria encontrada na membrana plasmática é importante por diversos as- pectos, em especial para diferenciar sinais químicos internos (interior da célula) dos externos (ambiente externo) ambos recebidos pela célula. A composição de cada monocamada apresentará um padrão diferenciado às necessidades do citosol e do ambiente externo, isto é, cada monocamada é independente uma da outra quanto à composição, ao manejo e ao rearranjo – possuindo proteínas específicas de cada porção e para as necessidades celulares, conforme visualizadas na Figura 9. Além disso, existem diferentes atividades metabólicas (enzimáticas) nas super- fícies das monocamadas externas e internas. A assimetria da membrana celular permite que ela seja rígida – isola o ambiente, pois não possibilita o surgimento de brechas entre os ácidos graxos – (Figura 10) e que a célula tenha um ambiente intracelular diferente do ambiente extracelular existente (ALBERTS et al., 2017). As bactérias apresentam membrana plasmática pobre e com composição dis- tinta de eucariontes, conforme mencionamos anteriormente, para manter sua es- tabilidade. Isso ocorre pois bactérias não apresentam colesterol como molécula estabilizadora das ligações químicas entre os ácidos graxos encontrados na mem- brana plasmática, em vez disso, têm íons inorgânicos, como cálcio e magnésio, inseridos em sua bicamada lipídica para desempenhar função semelhante ao co- lesterol (FIIL, 2021). Al do na G ris ke vic ie ne /S hu tte rs to ck Figura 9 Diferença na composição das monocamadas da membrana plasmática 16 Histologia e Embriologia Figura 10 Assimetria entre a bicamada lipídica Observamos que cada ácido graxo não realiza o encaixe perfeito sob o seu adjacente, sendo levemente deslocado um do outro, o que confere a assimetria e sua rigidez em diferentes ambientes. De si gn _C el ls /S hu tte rs to ck Outro grupo de glicolipídios importantes são os glicosídeos, compostos de um grupo de oligossacarídeos com uma ou mais porção de ácido siálico que confere a ele uma carga negativa. Comumente localizados em células nervosas, são importantes, pois, devido à sua carga elétrica, interferem no impulso elétrico – contração muscular, sina- lização neuronal etc. Os glicoesfingolipídeos e gangliosídeos são um grupo de glicolipídios bioativos que incluem cerebrosídeos, globosídeos e gangliosídeos. Esses lipídios desempenham papéis importantes na transdução de sinal, na adesão celular, na modulação do fator de crescimento/receptor de hormônio, no reconhecimento de antígeno e no tráfego de proteínas (XU et al., 2010). Alterações na quantidade e em sua formação podem se acumular dentro da célula, levando a disfunções orgânicas importantes. Os lipídios mais frequentes encontrados na membrana plasmática são os gli- colipídios, e sua presença está associada à porção extracelular da membrana plasmática. Já sua função é caracterizada pela observação em tecidos epiteliais, principalmente na porção apical, em que provavelmente sua presença esteja ligada à proteção a condições desfavoráveis, como alteração de pH (pH baixo) e altas con- centraçõesde enzimas degradantes. 1.1.3 Proteínas de membrana A membrana plasmática, conforme apresentamos anteriormente, não é for- mada só por lipídios – tendo percentualmente o equivalente a 50% de sua com- posição de proteínas. As proteínas desempenham nela uma infinidade de ações e são fundamentais para o seu funcionamento. A Figura 11 ilustra as diversas maneiras como as proteínas podem interagir com a membrana plasmática. Visto que podem estar em contato com a porção tanto hidrofílica quanto hidrofóbica, as proteínas são denominadas anfifílicas. Morfofisiologia celular 17 Figura 11 Principais tipos de proteínas encontrados na membrana plasmática. Ve ct or M in e/ Sh ut te rs to ck Citoplasma Moléculas sinalizadoras Grupo de carboidrato Grupo de carboidrato Glicolipídio Proteína globular Proteína transportadora Proteína transportadora Proteína de canal (sempre aberta) Proteína de canal (sempre aberta) Proteína receptora Bi ca m ad a fo sf ol ip íd ic a Proteína receptora Cabeça hidrofílica Cauda hidrofóbica Proteína alfa-hélice Molécula de fosfolipídeo Proteína de canal (fechado) Proteína de superfície Filamentos de citoesqueleto Moléculas Glicoproteína Proteína periférica Colesterol Proteína de canal (fechado) As proteínas de maneira geral serão agrupadas em três principais grupos que interagem com a membrana plasmática, são elas (ALBERTS et al., 2017): 1. Proteínas integrais: encontram-se “embutidas” na bicamada lipídica. 2. Proteínas periféricas: não estão inseridas na camada de fosfolipídios; encontram-se fracamente associadas à superfície da membrana, e frequentemente estão associadas às proteínas integrais. 3. Proteínas com função de transporte: para moléculas muito grandes que não consigam atravessar a membrana ou interagir com ela; são conhecidas como transmembrana (isto é, elas atravessam por completo a membrana plasmática, apresentando uma porção hidrofílica e uma hidrofóbica). Assim como os lipídios têm a capacidade de se movimentar dentro da bi- camada lipídica, as proteínas também terão livre movimentação em suas por- ções de monocamada ou bicamada (no caso de proteínas transmembrana). Essa característica está associada à adaptação que determinadas proteínas exercem – como junções celulares, receptores, transportadoras etc. (ALBERTS et al., 2017). A Figura 12 ilustra a movimentação livre de proteínas associadas à sua fun- ção e pode ser visualizada a partir de experimentação de fusionamento de uma célula de camundongo e uma humana, que, após o período de 40 horas em que as células terminaram o processo de distribuição, podemos observar uma distribuição uniforme entre as proteínas de ambas as células. Mas por que ocorre esse processo? Qual a vantagem em a membrana possuir lipídios e proteínas com livre movimentação? 18 Histologia e Embriologia A resposta é mais simples do que parece: a movimentação das proteínas e dos lipídios permite rápida adaptação da célula a condições ambientais, con- forme comentado anteriormente. Essa característica pode ser explicada pelo menor gasto de energia – a movimentação permite que uma única proteína esteja em diferentes locais da célula ao longo de um tempo. Se isso não ocor- resse, o gasto energético seria maior devido à síntese constante de proteínas (ALBERTS et al., 2017). O transporte celular, ou transporte através da membrana, atuará na célula de duas maneiras: Figura 12 Movimentação das proteínas e rearranjo por meio do fusionamento de membranas Fonte: Adaptada de Alberts et al., 1997, p. 589 Célula de camundongo Proteína da membrana Proteína da membrana Anticorpos contra proteína de membrana humana, marcados com rodamina. Anticorpos contra proteína de membrana de camundongo, marcados com fluoresceína. Tempo = 0 minuto Tempo = 40 minutos Incubação a 37 ºC Fusão celular Célula híbrida ETAPA 1 ETAPA 2 ETAPA 3 ETAPA 4 Célula humana 1. interagindo diretamente com a membrana plasmática (transporte através da membrana); 2. quando as moléculas a serem absorvidas são grandes demais para atravessar a membrana (transporte em massa). O transporte através da membrana plas- mática, por sua vez, será dividido em duas formas de ocorrência: 1. Transporte passivo: quando as substâncias forem pequenas o suficiente e com polaridade para interagir com a membrana plasmática. 2. Transporte ativo: quando as substâncias não tiverem a capacidade de interagir com a membrana plasmática por carga diferenciada e necessitarem de canais ou proteínas para atravessá-la. A Figura 13 apresenta o grau de permea- bilidade da membrana plasmática associado à capacidade de entrada de moléculas na célula (ALBERTS et al., 2017). Figura 13 Caracterização da permeabilidade seletiva da membrana plasmática J. M ar in i/S hu tte rs to ck Moléculas não polares pequenas Moléculas não carregadas polares pequenas Moléculas polares não carregadas grandes Íons O2, CO2, N2 H2O, NH3, glicerol Glicose, sacarose Na+, K+, Cl- Morfofisiologia celular 19 Nos transportes em quantidade ou em massa, as partículas são muito grandes e não conseguem atravessar a membrana por uma questão de tamanho. Nesse caso, o processo de absorção dessas substâncias ocorre por deformação da membrana plasmática, permitindo, assim, sua entrada para o meio intracelular. Esse processo é conhecido como endocitose e é subdividido em dois tipos dependendo do mate- rial que é absorvido: 1. Pinocitose: absorção de grandes moléculas líquidas. 2. Fagocitose: absorção de grandes moléculas sólidas. Tanto a fagocitose quanto a pinocitose ocorrem por meio de uma invaginação da membrana plasmática, formando uma grande vesícula, que é absorvida e pos- teriormente “digerida” no interior da célula. No transporte através da membrana, as substâncias têm a capacidade de inte- ragir diretamente com a membrana plasmática, podendo atravessá-la seguindo o fluxo do gradiente de concentração, ou seja, equilibrando a quantidade de solutos entre o meio intracelular e o extracelular (ALBERTS et al., 2017). O transporte passivo será agrupado em difusão simples e difusão facilitada. Na difusão simples, o transporte é de substâncias permeáveis à membrana. Estas, em solução, podem fluir de dentro para fora da célula, ou vice-versa, de maneira espontânea. Esse processo ocorre de uma região com maior concentração de par- tículas para uma com concentração menor, mantendo o equilíbrio osmótico. Um excelente exemplo para compreendermos são as trocas gasosas entre o sangue e os tecidos (ALBERTS et al., 2017). A Figura 14 ilustra o transporte passivo sem gasto de energia pelo processo de difusão simples. Figura 14 Transporte através da membrana Entrada de moléculas de local mais concentrado para menos concentrado por meio da difusão simples. W . Y . S un sh in e/ Sh ut te rs to ckDifusão simples Fluido intracelular Fluido extracelular Na difusão facilitada, o transporte se dá pelo uso de proteínas que servirão como porta de entrada para moléculas dentro da célula. A ligação das substâncias a essas proteínas é chamada de sítio específica, pois só correm entre determinadas substâncias e proteínas específicas que interagem para permitir a entrada ou a saída dessas substâncias da célula. A difusão facilitada é separada em dois tipos de transporte: Observe no vídeo Neutró- filos, do canal Butantan, a ação de uma célula de defesa chamada de neutrófilo perseguindo e “devorando” uma pequena bactéria. Essa ação é conhecida como fagocitose e o objetivo dela é exatamente absorver a bactéria que ocasio- na prejuízo ao nosso organismo e eliminá-la por meio do processo de transporte em quantidade ou transporte em massa. Disponível em: https://www.you- tube.com/watch?v=8O3mBi8fqKw. Acesso em: 5 abr. 2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=8O3mBi8fqKw https://www.youtube.com/watch?v=8O3mBi8fqKw 20 Histologia e Embriologia 1. Canaisiônicos: são nanoporos aquosos formados por proteínas imersas na membrana plasmática que permitem a entrada de moléculas para o interior da célula (CAMARGO, 2012). A Figura 15 ilustra a ação desses canais na membrana plasmática. Figura 15 Membrana plasmática e canais iônicos Canais iônicos apresentados pelas setas. M oh am ad Qu ai da t/ Sh ut te rs to ck 2. Proteínas carreadoras: são mais específicas e diferentes dos canais iônicos. As proteínas carreadoras são específicas para determinadas substâncias que necessitem entrar na célula. Para que ocorra o transporte, é preciso interação específica e alteração de conformação da proteína a fim de permitir a entrada na célula, como elucida a Figura 16. Figura 16 Diferentes tipos de transporte passivo na célula ar te m id e/ Sh ut te rs to ck Difusão simples Difusão facilitada Por fim, entre os últimos processos de transporte passivo que encontramos nas células está a osmolaridade. Diferente dos demais tipos de transporte, em que os solutos são os que se deslocam para o meio extracelular/intracelular, na osmolaridade temos alteração de concentração de água, que equilibrará as soluções a fim de manter o grau de dissolução entre os meios equiparados. Isto é, se o meio extracelular apresentar maior quantidade de solutos, por exem- plo, Cl–, a tendência natural é que nossas células não absorvam o cloro para Ao centro é possível vermos o processo de difusão facilitada por proteínas carreadoras que interagem de maneira específica com as substâncias, alterando sua conformação e permitindo a entrada para o meio intracelular. Para melhor visualizarmos e compreendermos o processo de transporte passivo, assista a esta animação do vídeo Trans- porte de membrana, do canal BioMol I. Disponível em: https://www.you- tube.com/watch?v=-CaPKp-B8jQ. Acesso em: 6 abr. 2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=-CaPKp-B8jQ https://www.youtube.com/watch?v=-CaPKp-B8jQ Morfofisiologia celular 21 equilibrar, mas sim para doar água para o meio com a finalidade de equalizar a concentração desse soluto. O transporte ativo é caracterizado pelo gasto de energia da proteína transmem- brana associada ao transporte. Podemos dizer que toda a proteína envolvida no transporte ativo funciona como uma enzima para realizar o transporte. Isso se deve às moléculas necessitarem primeiro interagir com um substrato específico e segun- do deslocarem-se sempre contra o gradiente de concentração. O gasto de energia não está somente no processo de transporte em si, mas também na habilidade da proteína em alterar sua forma (de maneira reversível), permitindo o transporte de determinada substância contra o gradiente. 1.1.4 Principais tipos de transporte ativo Entre os tipos de transporte ativo teremos três mais relevantes para discutirmos nesta última seção sobre membrana plasmática. São agrupados conforme ocorre o transporte – com passagem única, de ida e volta ou simultâneos com substâncias diferentes. O primeiro tipo de transporte ativo é conhecido como uniporte e é assim cha- mado por transportar somente um tipo de soluto para um lado exclusivo da célula (extracelular ou intracelular). Já o segundo tipo é chamado de simporte e é caracterizado quando dois tipos de substâncias/moléculas irão se deslocar para o mesmo sentido intracelular ou extracelular. O transporte se dá única e exclusivamente quando ambas as substân- cias conseguem interagir com seu substrato, não ocorrendo de maneira aleatória e sendo considerado um transporte específico para cada “dupla” de substâncias. O terceiro é chamado de antiporte e é caracterizado quando uma substância, para sair da célula, precisa que outra específica entre em contato com o substrato para liberar sua saída. Figura 17 Tipos de transporte ativo Ka lla ya ne e Na lo ka /S hu tte rs to ck A Figura 17 ilustra esses três tipos de transporte ativo através da membrana plasmática. Proteína em azul (uniporte): transporte unitário em que há a entrada de um único tipo de substância por vez. Proteína em vermelho (simporte): transporte associado a dois tipos distintos de substâncias que necessitam de interação específica para entrar na célula. Proteína em roxo (antiporte): transporte em que a saída de uma substância está atrelada à entrada de outra com interação específica com o substrato da proteína. 22 Histologia e Embriologia 1.2 Sistema de endomembranas Vídeo O arranjo interno das células eucariontes é diferenciado ao ser comparado com o de bactérias (procariontes). Sua principal característica está na compar- timentalização de seu interior, que permitiu que cada porção possa ser respon- sável por uma função ou atividade específica na célula. Esse arranjo é chamado de sistema de endomembranas, que discutiremos nesta seção. Acreditamos que há milhares de anos as primeiras células procariontes – por exposição a características ambientais desfavoráveis, o que levou a um proces- so evolutivo – deram início à compartimentalização e proteção de seu material genético. Esse processo adaptativo teve seu início marcado com o englobamen- to de uma “bactéria” menor, que passou a fornecer energia à mitocôndria. A partir disso, essas células passaram a invaginar sua membrana segmentando porções no seu interior, o que as permitiu uma melhor funcionalidade metabó- lica (ALBERTS et al., 2017). A Figura 18 ilustra o sistema de endomembranas encontrado em células ani- mais e vegetais. Figura 18 Comparação entre a complexidade de procariontes e eucariontes. É possível visualizarmos na célula animal e vegetal o processo de compartimentalização da membrana que deu origem às organelas nessas células. Al do na G ris ke vic ie ne /S hu tte rs to ck Célula bacteriana Célula animal Célula vegetal O sistema de endomembranas, conforme já descrevemos anteriormente, é organizado por sua função, sendo ordenado no interior da célula de acordo com a atividade que desempenhará. Entre as principais estruturas oriundas desse sistema estão o retículo endoplasmático, o complexo de Golgi, o peroxissomo, os lisossomos e a membrana nuclear. 1.2.1 Retículo endoplasmático O retículo endoplasmático é um complexo sistema de endomembranas loca- lizado próximo ao núcleo (seus túbulos são achatados e contíguos à membrana nuclear), estendendo-se até a periferia da célula, sendo considerado um labirin- Morfofisiologia celular 23 to de túbulos ramificados e vesículas achatadas. É importante salientarmos que a estrutura é dividida em duas porções: 1. Retículo endoplasmático rugoso (RER) 2. Retículo endoplasmático liso (REL) É importante enfatizarmos que todas células eucarióticas apresentam retí- culo endoplasmático, tendo como principal função a síntese de proteínas e de lipídios para o sistema celular (ALBERTS et al., 2017). A síntese de lipídios e proteínas realizada pelo retículo endoplasmático é caracterizada por produzir as substâncias para o sistema celular, pois, diferentemente dos ribossomos en- contrados dentro da célula, essas proteínas normalmente não serão utilizadas pela célula em si, e sim para um conjunto de outras células. Um bom exemplo é a síntese de proteínas chamadas de citocinas, componentes do nosso sistema imune inato, cuja função é causar desestabilização em microrganismos e aumento de toxicidade a essas células, eliminando assim uma infecção. As citocinas são sintetizadas por meio do recebimento de um sinal químico do meio extracelular identificado pela célula, produzido pelo retículo e liberado no meio extracelular (ALBERTS et al., 2017). A Figura 19 demonstra a estrutura do retículo endoplasmático na célula, sen- do organizado como uma membrana que se estende do núcleo à periferia da célula, em que na região próxima ao núcleo é preenchido em quase que sua totalidade por ribossomos e conforme se afasta do núcleo e se encontra perto da periferia há uma diminuição evidente do número de ribossomos. Figura 19 Retículo endoplasmáticocom sua distribuição oriunda do núcleo até a região periférica da célula. Te fi/ Sh ut te rs to ck Al do na G ris ke vic ie ne /S hu tte rs to ck Como mencionamos anteriormente, o RE será responsável pela síntese lipí- dica e de proteínas, nos músculos será uma das organelas fundamentais para permitir o processo de contração muscular com o acúmulo e o armazenamento de cálcio (Ca+). O REL nada mais é do que a porção mais citosólica do retículo distante do núcleo e com ausência dos ribossomos. Além de servir como ponto de armaze- namento de proteínas sintetizadas pelo RER, também desempenha um papel importante na síntese de lipídios, incluindo colesterol e fosfolipídios, que são usados na produção de novas membranas celulares e de precursores hormo- nais, como a testosterona (PRESLOCK, 1984). 24 Histologia e Embriologia Em certos tipos de células, o REL desempenha um papel importante na sín- tese de hormônios esteroides por meio do colesterol. Nas células do fígado, contribui para a desintoxicação de drogas e produtos químicos nocivos. O retí- culo sarcoplasmático é um tipo especializado de REL que regula a concentração de íons cálcio no citoplasma das células musculares estriadas (ALBERTS et al., 2017). O REL ainda tem a capacidade de armazenamento de Ca+, como menciona- mos anteriormente. Sua importância vai além do processo de contração e de re- laxamento muscular pela liberação de cálcio, papel esse crucial quando falamos de fisiologia e anatomia muscular na compreensão do movimento das fibras musculares e na possibilidade de movimentação por meio do impulso elétrico gerado pela carga ao longo da musculatura (WRAY; BURDYGA, 2010). Wray e Burdyga (2010) descrevem em seu artigo sobre a função do retículo sarcoplasmático, além da função contrátil, também a importância de sua ação e seu armazenamento para sinalização celular para mitocôndrias, lisossomos e no controle homeostático celular por meio da presença de Ca+ em seu interior. 1.2.2 Transporte intracelular O transporte intracelular se caracteriza pela movimentação que as proteínas e os lipídios recém-sintetizados no RE realizam até o seu deslocamento para o complexo de Golgi e posterior liberação para uso interno ou para outras células. A Figura 20 apresenta a formação dessas vesículas oriundas do RE ⟶ Golgi ⟶ Membrana. Figura 20 Formação das vesículas do RE Retículo endoplasmático em amarelo liberando suas vesículas transicionais, fusionando-se no complexo de Golgi e posterior liberação para cumprir sua função. K. K . T M ad hu sa nk a Os peroxissomos são pequenas organelas delimitadas por uma membrana que contêm enzimas envolvidas em uma variedade de reações metabólicas, in- cluindo vários aspectos do metabolismo da energia, detoxificação celular, entre outras funções (Figura 21). Morfofisiologia celular 25 Figura 21 Peroxissomo com as suas enzimas no interior, núcleo cristalino e proteínas de transporte presente Núcleo cristalino Membrana lipídica Proteína de transporte Ba na na fi s h/S hutterstock O peroxisosso é uma organela muito versátil e de fundamental importância para a célula e, assim como cloroplastos e mitocôndrias, é um dos principais sítios de utilização de oxigênio (ALBERTS et al., 2017). Apesar de sua similaridade com clo- roplastos e mitocôndrias, o peroxissomo não apresenta DNA, sendo assim, todas as suas proteínas são sintetizadas pelo RE e oriundas do núcleo. Além de ações de lipólise e outras reações metabólicas realizadas pelo pero- xissomo, uma de suas principais funções está em diminuir a toxicidade ocorrida durante o processo de queima do oxigênio em nosso metabolismo, já que uma das consequências do uso do oxigênio nas reações metabólicas é um aumento da toxicidade celular pelas sobras metabólicas envolvidas. O uso do oxigênio pelo peroxissomo vem da hipótese que essa organela seja um vestígio ancestral ou uma precursora no uso de oxigênio nas reações metabóli- cas de células primitivas (procariontes). Essa hipótese se baseia na teoria de que o oxigênio produzido por bactérias fotossintéticas começou a se acumular na atmos- fera e passou a ser extremamente tóxico para as células. Sendo assim, o processo de especialização para diminuir a concentração e a toxicidade do oxigênio intracelular, enquanto pode utilizar a reatividade para outras reações oxidativas úteis, foi a saída encontrada por essa organela para diminuir a toxicidade ocasionada pelo uso de oxigênio (ALBERTS et al., 2017). A chave para o funcionamento das células é a presença de enzimas como catalase e urease – para quebra de sobras metabólicas – e a possibilidade de elas serem reutilizadas pelo sistema metabólico celular. Os principais órgãos e tecidos em que encontraremos maior quantidade de peroxissomos são fígado, músculos, adipócitos e células endoteliais. 26 Histologia e Embriologia A ação da enzima catalase na quebra do peróxido de hidrogênio (H2O2 – água oxigenada) é um experimento que pode ser visualizado a olho nu. Água oxigenada 10 vol é um poderoso antisséptico, porém, você sabe por quê? A degradação da água oxigenada é caracterizada pela reação a seguir: 2 H2O2 + CATALASE → 2 H2O + O2 O efeito antisséptico se dá pela ação do peroxissomo que degrada a água oxigenada pela produção de oxigênio, o qual é tóxico para alguns tipos de bactérias (ALBERTS et al., 2017; GORNIAK, 2014). O peroxissomo, conforme explicamos anteriormente, desempenha diversas funções importantes na célula, de fato é possível compreendermos isso com base em patologias em que são evidentes falhas peroxissomais. Essas falhas levam a uma série de doenças que agravam muito a condição de vida de quem é acometido. Alguns exemplos podem elucidar esse fato: plasmalogênio são os fosfolipídios mais abundantes na mielina, uma das funções dos peroxissomos é catalisar esses fosfolipídios. A deficiência de plasmalogênio causa anomalias profundas no processo de mielinização dos axônios das células nervosas, acar- retando o desenvolvimento de doença neurológica. Outro bom exemplo é pelo defeito generalizado na biossíntese de enzimas peroxissomais em uma patologia conhecida como síndrome hepatorrenal de Zell- weger. Nessa patologia os peroxissomos apresentam suas vesículas enzimáticas completamente vazias. Pelo acúmulo de toxinas oriundas do metabolismo nor- mal, órgãos como cérebro, rins e fígado são acometidos desde muito cedo na vida, desencadeando comprometimento hepático, renal e do sistema nervoso (GHAEDI; NASSIRI, 2007). Outra importante patologia associada ao peroxissomo é a adrenoleucodistrofia (ADL), doença genética caracterizada pela ausência de uma única enzima – a AG- CML-CoA sintetase – no peroxissomo, a qual desempenha o papel de degradação de ácidos graxos de cadeias longas que possam se acumular no sistema nervoso central. O acúmulo desses ácidos graxos acaba por ocasionar neurodegeneração, impedindo a propagação de impulso nervoso pelos neurônios (Figura 22). Figura 22 Neurônio desmielinizado A ação de acúmulo de ácidos graxos de cadeia longa acomete da mesma maneira; o processo de desmielinização acaba por impedir o processo de propagação do impulso nervoso, levando à morte desse neurônio. jo sh ya /S hu tte rs to ck Dendrito Soma Núcleo Capa de mielina Desmielinização Axônio Nódulo de Ranvier Para melhor compreender a adrenoleucodistrofia, recomendamos o filme Óleo de Lorenzo, o qual relata o caso de Lorenzo e de sua família na busca de uma cura para sua doença com o desenvolvimento de um óleo utilizado para retardar o desenvolvimen- to dessa patologia. Direção: George Miller. EUA: Universal Pictures, 1992. Filme Morfofisiologia celular 27 O complexo de Golgi é a organela organizada em sacos achatados sem co- municação entre si (cisternas), sendo organizados em três porções distintas: A porção próxima ao RE é conhecida como região CIS – é nela que o retículo transicional irá se fundir para que a proteínarecém-sintetizada sofra as altera- ções necessárias para desempenhar seu papel. Cisterna intermediária e cister- na trans, localizadas na porção mais próxima do citosol, local em que ocorre a liberação do vacúolo com a proteína recém-sintetizada. Além de estabelecer a função de “orientação e empacotamento de proteí- nas” a partir de mecanismos realizados nas suas cisternas (glicolisação, fosfori- lação e sulfatação), acreditamos que o aparelho de Golgi possa estar envolvido em uma série de processos celulares, como mitose, reparação de DNA, resposta ao estresse, autofagia e apoptose celular e inflamação (GOSAVI et al., 2019). É um dos centros celulares para a síntese de carboidratos, por exemplo, pectina, hemicelulose encontrada na parede celular de vegetais e glicosaminoglicanos – componente com função importante nos tecidos conjuntivos e cartilaginosos (ALBERTS et al., 2017). As cisternas encontradas no complexo de Golgi apresentam um padrão va- riável quanto à quantidade em que pode ser encontrada, dependerá muito da função e do estado fisiológico da célula para observarmos menor ou maior nú- mero de cisternas. Podemos encontrar complexo de Golgi (CG) com número de- las variando entre 4 e 8. As cisternas não apresentam comunicação física entre elas, são espaçadas por uma matriz proteica, esta característica é importante, pois cada uma independente será responsável por processos mencionados an- teriormente que determinarão o destino e a função de cada proteína sintetizada no RE, conforme representa a Figura 23 (ALBERTS et al., 2017). Figura 23 Complexo de Golgi L Da rin /S hu tte rs to ck Face cis Face trans Cisterna Lúmen Retículo transicional (vesículas de transporte) Vesículas recém-formadas Vesículas secretoras 28 Histologia e Embriologia Os lisossomos são vesículas membranosas originadas dos endossomos produzidos pelo CG (após a fosforilação de proteínas oriundas do RE) que têm mais de 40 enzimas hidrolíticas com a função de digestão intracelular. São estruturas que têm sua origem a partir do fusionamento de endossomos di- gestivos com vesículas que absorveram moléculas grandes para degradação (Figura 24). Figura 24 Organela lisossomal com suas enzimas hidrolíticas e membrana plasmática gr its al ak k ar al ak /S hu tte rs to ck Membrana plasmática Enzimas hidrolíticas Proteínas de transporte Todo processo de degradação de moléculas que não puderam realizar a entrada através da membrana será feito pelo lisossomo, cuja principal função é degradar toda e qualquer substância que adentre a célula (ALBERTS et al., 2017). Os lisossomos ainda podem apresentar variações de tamanho e forma como resultado de diferença nos materiais que têm sido tomados para a di- gestão, normalmente são visualizados como vacúolos esféricos densos. A formação dos lisossomos se dá de maneira distinta em comparação às demais organelas que se duplicam conforme a célula realiza duplicação (RE e CG) ou se duplicam à parte, independentemente da divisão celular, de acordo com a necessidade da célula (mitocôndria e peroxissomo). Os lisossomos, ape- sar de aumentarem em quantidade, quando há necessidade de degradação de matéria absorvida pela célula, não se duplicam por conta. Sua formação se dá a partir do vacúolo de enzimas formadas pelo RE e posterior CG e seu fusionamento com o vacúolo de material absorvido, nesse momento temos a formação e a organização do lisossomo (ALBERTS et al., 2017). A sua grande eficiência no processo de digestão intracelular é relacionada ao pH interno próximo a 5, diferentemente do citosol, que é próximo a 7. Morfofisiologia celular 29 Figura 25 Formação do lisossomo por meio do fusionamento entre o endossomo e a vesícula endocítica So le il No rd ic /S hu tte rs to ck Exocitose Endocitose Fagocitose Endossomo Lisossomo Fagossomo Fagolisossoma A formação de lisossomos representa, portanto, um cruzamento entre a via de secreção, através da qual as proteínas lisossomais são processadas , e a via endocítica, por meio da qual as moléculas extracelulares são absorvidas na su- perfície celular. O material do lado de fora da célula é retomado em vesículas endocíticas revestido de clatrina, encontrado na membrana plasmática e, em seguida, funde-se a um endossomo, criando assim o lisossomo, conforme visua- lizamos na Figura 25. O vídeo Dra. Ana Maria Martins videoaula sobre doenças lisossomais, do ca- nal Casa Hunter, apresenta algumas alterações asso- ciadas a esses problemas. Exemplos são a doença de Tay-Sachs, a silicose e a doença de Gaucher. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=wLGjM4JbOL4. Acesso em: 5 abr. 2022. Vídeo 1.3 Organelas fornecedoras de energia e ciclo celular Vídeo Nesta seção abordaremos um grupo de organelas encontrado em organis- mos eucariontes com uma função muito importante – a obtenção de energia – chamadas de organelas conversoras de energia. Dentro desse seleto grupo de organelas encontramos as mitocôndrias e os cloroplastos. As mitocôndrias têm sua ocorrência caracterizada em quase todas as células animais, vegetais e nos fungos, por meio do processo de fosforilação oxidativa; os cloroplastos, presen- tes somente em plantas e algas verdes, utilizam-se da luz solar para a produção de energia (ATP) pela fotossíntese (ALBERTS et al., 2017). Esquema do cloroplasto e da mitocôndria no processo de fotossíntese e fosforilação oxidativa para obtenção de ATP. Sa ku rra /S hu tte rs to ck Energia solar Cloroplasto Fotossíntese Respiração celular Mitocôndria Energia química (ATP) Figura 26 Ciclo de fotossíntese do cloro- plasto e da mitocôndria https://www.youtube.com/watch?v=wLGjM4JbOL4 https://www.youtube.com/watch?v=wLGjM4JbOL4 30 Histologia e Embriologia Conforme discutimos na primeira seção deste capítulo, a origem dessas organelas está ligada à teoria de que são oriundas de células procariontes primitivas que foram englobadas e acabaram por fazer parte da célula. Isso é possível de supormos pela presença de DNA próprio capaz de sintetizar al- gumas proteínas específicas. Com o passar do tempo e de sua adaptação ao interior da célula, sua produção de proteínas diminuiu, e parte dos seus geno- mas se adaptaram às condições da célula hospedeira, tornando-as extrema- mente dependentes de proteínas codificadoras do núcleo celular (ALBERTS et al. 2017). A Figura 27 ilustra, de maneira esquemática, a mitocôndria e o cloroplasto. Figura 27 Estruturas encontradas no cloroplasto e na mitocôndria. Cloroplasto Membrana externa Espaço intermembranar Membrana interna Ribossomo DNA Matriz Crista Membrana externa Espaço intermembranar Membrana interna Tilacoide Espaço do tilacoide Tilacoide (lamela) Estroma Grana DNA Ribossoma Mitocôndria Ve ct or M in e/ Sh ut te rs to ck A dependência dessas organelas para células eucarióticas é muito maior do que somente para obtenção de energia, mas, como comentamos anteriormen- te, são peça fundamental para o ciclo da célula, a interação com resposta imune, entre tantas outras ações ligadas a ações biossintéticas. No processo evolutivo em mitocôndrias e cloroplastos fica evidente a sua asso- ciação com procariontes ancestrais, devido ao chamado acoplamento quimiosmó- tico, com o transporte de substância através de suas membranas para formação de ATP (ALBERTS et al., 2017). A passagem de solutos por diferentes gradientes de concentração por meio da membrana para formação do ATP é um mecanismo comum encontrado entre procariontes e na mitocôndria/cloroplasto. Esses proces- sos ocorrem em duas etapas acopladas, ambas desempenhadas por complexos proteicos em uma membrana, conforme descrevemos a seguir: Morfofisiologia celular 31 Etapa 1: os elétrons de alta energia (derivados da oxidação de moléculas de ali- mento, ou por excitação pela luz solar ou outra fonte) são transferidos ao longo de uma série de complexos proteicos transportadores de elétrons (cadeia transporta-dora de elétrons) embebidos em uma membrana. Cada elétron transferido libera uma pequena quantidade de energia que é usada para o bombeamento de pró- tons (H+), gerando um gradiente eletroquímico através da membrana (Figura 28). Figura 28 Cadeia transportadora de elétrons em uma mitocôndria Ka lla ya ne e Na lo ka /S hu tte rs to ck (Cadeia transportadora de elétrons e quimiosmose) Membrana externa Espaço intramembranar ATP sintase Ciclo de Krebs Membrana interna Matriz Fosforilação oxidativa As ativações de proteínas embebidas na membrana plasmática acabam por realizar fosforilação, gerando energia no processo. NADH NAD+ 2H+1/2 O2 H2O APD+ Mitocôndria Etapa 2: os prótons fluem na direção de seu gradiente eletroquímico por meio de uma proteína denominada ATP-sintase, que catalisa a produção de ATP a partir da fosforilação do ADP. A Figura 29 ilustra bem o processo de ativação da ATP-sinta- se em que a bomba de prótons serve como impulsionadora para formação de ATP. Esse mecanismo é interessante, pois permite que, enquanto houver bombeamento de prótons, a síntese de ATP se mantenha (ALBERTS et al., 2017). Figura 29 Bombeamento de prótons conhecido como força pró-motora A cada próton bombeado para dentro da célula a fim de manter o equilíbrio osmótico, um ADP é fosforilado, gerando um ATP. ha ka n. de m ir/ Sh ut te rs to ck Cadeia transportadora de elétrons ATP sintase A quimiosmose usa a proteína ATP sintase para permitir a difusão de prótons para a síntese de ATP. Espaço intramembranar 32 Histologia e Embriologia A Figura 30 ilustra o mesmo processo realizado por cloroplastos, porém por meio da absorção de luz e água. O bombeamento de prótons se dá pela quebra da água e liberação de oxigênio ao final do processo. Figura 30 Ação dos cloroplastos na fotossíntese Al do na G ris ke vic ie ne /S hu tte rs to ck Açúcar Os prótons são adquiridos por meio de moléculas de água. Como descrito na imagem, é possível observar a ação dos cloroplastos na fotos- síntese e como os prótons são adquiridos por meio de moléculas de água. 1.3.1 Estrutura da mitocôndria Em células eucarióticas as mitocôndrias ocupam até 20% do volume citoplasmá- tico. São organelas muito parecidas com bactérias devido à sua forma: diâmetro de 0,5 a 1µm, arredondadas com duas membranas – uma externa e uma interna –, um espaço intramembranar. Estão associados à estrutura do citoesqueleto os microtúbulos que lhes conferem a capacidade de movimentação e manutenção de suas posições (ALBERTS et al., 2017). A membrana interna que delimita o compar- timento da matriz mitocondrial é altamente enovelada para formar invaginações conhecidas como cristas, contendo em suas membranas as proteínas da cadeia transportadora de elétrons. As membranas externas dispõem-se em paralelo com a membrana interna, entre cristas. A organização da membrana externa é caracterizada por ser como a de bactérias, livremente permeável a íons e a moléculas pequenas de até 5 mil dáltons (moléculas como NAD, FAD coenzima A), composta de 50% de fosfolipí- dios e 50% de proteínas. Já a membrana interna das mitocôndrias apresenta uma composição completamente diferente e isso se deve à sua função e especializa- ção em realizar a fosforilação oxidativa – é organizada em 20% de fosfolipídios e 80% de proteínas (complexo de proteínas destinados à realização da cadeia transportadora de elétrons). Morfofisiologia celular 33 Ela não apresenta colesterol e é rica em fosfolipídios, com dobras em sua es- trutura formando cristas (em fungos, as mitocôndrias apresentam a membrana interna sem a formação de cristas, como em células animais). Por ser rica em fos- folipídios, a membrana interna é extremamente impermeável, permitindo aces- so à região interna da mitocôndria somente ácidos graxos e piruvato (ALBERTS et al., 2017). A matriz mitocondrial tem atividades enzimáticas específicas, como o ciclo de Krebs (CK), a β-oxidação de lipídios, replicação/transcrição de DNA e síntese proteica própria. O ciclo de vida da célula é determinado em parte pela ação mitocondrial, esta relação é estabelecida por uma série de sinalizações advindas do núcleo que são interpretadas pela mitocôndria como diretrizes de funcionamento, assim como a célula compreende que seu tempo de vida também está chegando ao fim quan- do a mitocôndria passa a dar sinais de mau funcionamento (MARGINEANTU et al., 2002). Figura 31 Estrutura mitocondrial Matriz Granulos Membrana interna Membrana externa Junções das cristas Ribossomo ATP Sintase DNA Espaço intramembranar LD ar in /S hu tte rs to ck Os cloroplastos, assim como as mitocôndrias, utilizam os mecanismos qui- miosmóticos de maneira muito semelhante. São organelas muito maiores que as mitocôndrias, e sua organização, apesar do tamanho diferente, segue os mesmos preceitos. Apresentam uma membrana externa altamente permeá- vel, uma membrana interna mais seletiva com proteínas transportadoras em- bebidas e um espaço intramembranar muito estreito (ALBERTS et al., 2017). A membrana interna do cloroplasto envolve um grande espaço denominado estroma, que é análogo à matriz mitocondrial, este contém muitas enzimas metabólicas e, assim como a matriz, é o local onde o ATP sintetizado passa pela cabeça de um ATP-sintase. 34 Histologia e Embriologia Figura 32 Cloroplasto com sua estrutura e organização Ka lla ya ne e Na lo ka /S hu tte rs to ckTilacoide Membrana externa Espaço intermembranar Membrana interna Lamela Gota de lipídio DNA cloroplástico Ribossomo Grana Espaço tilacoide Granulos de anido Estroma Bem como a mitocôndria, o cloroplasto apresenta seu próprio genoma e sistema genético. O estroma tem um conjunto especial de ribossomos, RNA e DNA cloroplastídico. Sua membrana interna não é enovelada em cristas e não contém cadeia transportadora de elétrons. Em vez disso, a cadeia transporta- dora de elétrons e o sistema fotossintetizante, que absorvem a luz, estão con- tidos na membrana tilacoide, uma membrana separada e distinta que forma um conjunto de sacos achatados. Essas membranas são altamente enoveladas em numerosas pilhas locais de vesículas achatadas denominadas grana, inter- conectadas por tilacoides que não se encontram empilhados (ALBERTS et al., 2017). A Figura 32 ilustra a organização celular do cloroplasto. 1.3.2 Ciclo celular A sequência ordenada de eventos por meio do qual as células duplicam seus componentes e se dividem é conhecido como ciclo celular, um dos mecanismos es- senciais pelo qual todos os seres vivos se reproduzem. Processo este já estabeleci- do há mais de 13 bilhões de anos em que, seja uma bactéria ou um organismo mais complexo, toda célula precisa se dividir para gerar uma nova célula. Em indivíduos unicelulares, a divisão celular é responsável pela formação de um novo indivíduo completo. Já em espécies multicelulares esse mecanismo é mais importante ainda, pois, por meio dele, “partes ou porções de nosso corpo” se sustentam e se mantêm a partir dessas divisões. Sem a possibilidade de substituir células que vão se tor- nando senis, nós morreríamos em pouco tempo. Na verdade, esse processo ocorre todos os dias milhares e milhares de vezes em nosso corpo (ALBERTS et al., 2017). Morfofisiologia celular 35 A duplicação de células filhas com cópias geneticamente idênticas é uma das características do ciclo celular. Separadas em fases distintas, podem ser agrupadas como fase S – assim chamada devido ao S representar a síntese (se levarmos em consideração uma célula com ciclo de vida de 24 horas, é uma fase que ocupa de 10 a 12 horas, praticamente 50% de todo o ciclo celular em células de mamíferos). Após a fase S, o processo de segregação (migração para os polos dos cromosso- mos) e a divisão celular propriamente dita ocorrem na fase M (assim chamada por causa do M de mitose), a qual tem um tempo de duração muito menor, de aproxi- madamente uma hora.A fase M pode ser dividida em dois principais eventos: primeiro a divisão nuclear – cópia dos cromossomos e distribuição em um par de núcleos-filhos; segundo a divisão citoplasmática – em que, como o próprio nome já nos diz, ocorre a separação dessa célula em outras duas células filhas. Ao fim da fase S, as moléculas de DNA em cada par de cromossomos duplicados se entrelaçam e se mantêm unidas por fortes ligações proteicas especializadas (ALBERTS et al., 2017; ISRAELS; ISRAELS, 2001). A Figura 33 demonstra o ciclo celular. Figura 33 Ciclo celular Em re T er im /S hu tte rs to ck Interfase ou fase S (crescimento e preparação final para divisão) (crescimento) (crescimento e replicação do DNA) Prófase Prom etáfase M etáfaseAn áf as e Te ló fa se M G2 G1 G0 S Cito cin ese Mitose O processo de divisão das células é muito mais complexo do que somente orga- nizar as cópias do cromossomo e repassá-lo às células-filha, a maioria das células no processo de divisão requererá muito mais tempo para crescer e duplicar sua massa de proteínas e organelas do que o necessário para duplicar seus cromosso- mos e se dividir. Para conseguir realizar essas fases de crescimento, grande parte das células tem em seu ciclo celular períodos de intervalo, conhecidos como fase G1 (entre a fase M e a fase S) e fase G2 (entre a fase S e a mitose). Podemos, assim, caracterizar o ciclo celular eucarionte em quatro fases sequenciais: G1, S, G2 e M. As fases G1, S e G2 são conhecidas como período de interfase (Figura 34). 36 Histologia e Embriologia Figura 34 Célula animal em sua fase de interfase Ac hi ic hi ii/ Sh ut te rs to ck A fase de interfase (crescimento) compreende as fases G1, S e G2. Para compreendermos como o ciclo de crescimento é muito maior do que a fase de divisão, se observarmos uma célula humana típica se proliferando em cultura, a interfase pode ocupar 23 horas de um ciclo celular de 24 horas, com apenas uma hora de fase M (ALBERTS et al., 2017). A fase de crescimento se dá ao longo do ciclo da célula, exceto durante a fase M. As fases de intervalo G1 e G2 são bem mais do que um simples retardo de tempo na divisão, elas também dão tempo para que a célula monitore o ambien- te interno e externo, a fim de assegurar que as condições estejam adequadas e que os preparativos estejam completos antes que a célula se comprometa com o início da divisão (ALBERTS et al., 2017). A fase G1 é especialmente importante, sua duração pode variar imensamente a depender das condições externas e de sinais extracelulares; se essas condições fo- rem desfavoráveis, as células podem retardar a progressão do G1 e manter a célula em um estágio latente de repouso especializado, como G0, com a possibilidade de permanecer assim por dias, semanas ou mesmo anos, até que a proliferação possa ser retomada (ALBERTS et al., 2017). 1.3.2.1 Fases do ciclo celular Sabemos que o ciclo celular pode ser dividido em quatro partes, logo, a seguir vamos caracterizar os eventos associados a cada uma das fases do ciclo celular. A interfase é considerada o período mais longo dentro do processo do ciclo celular, o primeiro processo observado é a fase G1, esta ocorre logo após a mitose. É um período caracterizado pela intensa síntese de RNA e proteínas, além de maior ativa- ção das organelas, sendo um dos períodos de maior atividade celular, por isso tam- bém é conhecido como período de crescimento, conforme ilustramos na Figura 34. Período caracterizado igualmente pelo grande aumento do volume celular. O G1 é Morfofisiologia celular 37 caracterizado como um período curto em tecidos que apresentam grande renova- ção celular, já em tecidos que apresentam menor taxa de divisão celular é comum observarmos a alteração da fase G1 para G0 (latência) (ISRAELS; ISRAELS, 2001). A próxima fase é a S, caracterizada pela intensa ação na duplicação do DNA, posteriormente se dá início ao segundo intervalo, com a fase G2, que será carac- terizada pelo acúmulo de energia para realização da divisão celular. Além disso, é a fase em que se faz a verificação da duplicação dos cromossomos e dos possíveis danos ao DNA reparados (ISRAELS; ISRAELS, 2001). Ao fim do segundo intervalo, G2, ocorrendo as sinalizações bioquímicas ade- quadas, inicia-se o processo de duplicação celular: a fase M. Nesse estágio a célula mãe irá se organizar para duplicar todo o seu conteúdo e repassá-lo às células filhas, é agrupado em cinco etapas, as quais discutiremos a seguir: Figura 35 Diagrama divisão celular ar te m id e/ Sh ut te rs to ck Prófase 1 Metáfase 1 Anáfase 1 Telófase 1 Citocinese O primeiro evento observado na fase M é a prófase, com seus cromossomos du- plicados interligados pelos seus centrômeros, preparo de estruturas do citoesqueleto a partir dos microtúbulos com a formação do fuso mitótico responsáveis pelo deslo- camento dos cromossomos. Nessa fase os nucléolos desaparecem. A próxima etapa é prometáfase, com a fragmentação da membrana nuclear e maior condensação dos cromossomos. Chegamos ao estágio intermediário da divisão celular, com o desloca- mento dos cromossomos duplicados para região central, esta etapa é conhecida como metáfase, caracterizada pelo ponto máximo de condensação dos cromossomos e pela movimentação para o plano central da célula devido à ação dos microtúbulos. 38 Histologia e Embriologia Após a metáfase, começam a ocorrer processos de despolimerização do fuso mi- tótico que forçará uma cópia de cada cromossomo para um dos polos da célula. Esta fase é denominada anáfase e é caracterizada também por um processo de alongamen- to da célula. Por fim, na telófase anéis contráteis localizados na membrana plasmática realizarão a constrição, separando esta em duas novas células-filha com seu material devidamente organizado para o início da interfase novamente (ISRAELS; ISRAELS, 2001). 1.4 Núcleo e divisão celular Vídeo O envelope nuclear é a estrutura da célula que separa o conteúdo do núcleo do con- teúdo do citoplasma e fornece o quadro estrutural do núcleo. É formado por um conjun- to de duas membranas que atuam como barreiras que impedem a livre passagem de moléculas entre o núcleo e o citoplasma, mantendo o núcleo como um compartimento com características bioquímicas distintas. O envelope nuclear é composto de: uma mem- brana nuclear externa, uma lâmina nuclear subjacente que separa a membrana externa da interna, uma membrana interna. Ambas as membranas apresentam – embebidas em sua matriz – uma grande quantidade de proteínas formadoras de poros. A membrana nuclear externa é contínua, como o RE, sendo esta ligada diretamente ao RE – esse fenômeno permite que o RNAm (RNA mensageiro), ao se liberar do núcleo, seja rapidamente aderido à maquinaria do RE. Além disso, a membrana nuclear externa tem funcionalidade semelhante à membrana do RER e apresenta ribossomos ligados à superfície citoplasmática. A Figura 36 demonstra a organização do envoltório nuclear (ALBERTS et al., 2017). Figura 36 Organização do envoltório nuclear com as estruturas que o compõem. De si gn ua /S hu tte rs to ck Ribossomos Envelope nuclear Lâmina nuclear Nucleoplasma Cromatina Poro nuclear Nucléolo A porção interna formada pela membrana interna e o espaço perinuclear apresen- tam características distintas da membrana externa. A membrana interna (MI) está inti- mamente associada à lâmina nuclear, a qual é formada por estruturas fibrilares proteicas originadas dos filamentos intermediários (Seção 1.6) e serve como fator de aderência ao núcleo (PICCHI, 2006). Morfofisiologia celular 39 O espaço perinuclear, como o próprio nome nos apresenta, é o espaço entre a mem- brana externa e a interna, nessa localidade há presença de grande quantidade de peptí- deos recém-sintetizados. Por fim, apresentamos os complexos de poros, localizados em ambas as membranas e cobrindo de 1,2% a 25% da superfície nuclear, a quantidade de poros em uma célula está ligada àalta atividade de síntese daquele determinado tecido ou órgão. Sua função é a de permitir transporte de proteínas, RNA e suas combinações (ALBERTS et al., 2017). O envoltório nuclear tem participação direta no processo de divisão celular, assim como suas interações com a mitocôndria. Conforme já elucidamos, o processo de divi- são é sincronizado e altamente regulado para evitar qualquer tipo de interferência que possa ocasionar paralisação, perda de função ou até mesmo inviabilizar uma célula. A regulação de todo o processo de divisão será feita pela sincronia interna dessa célula, por meio dos sinais externos captados por ela (estresse ou fatores positivos para duplica- ção), e a codificação pelo núcleo e posterior sinalização para mitocôndria. Essa sequência garantirá as informações de que a célula necessita para compreender os períodos de parada do ciclo celular ou a continuação do processo de duplicação (ALBERTS et al., 2017; ISRAELS; ISRAELS, 2001). O segundo processo característico da divisão celular é a meiose, representado pelo surgimento de quatro células haploides. Ao contrário da mitose, sua divisão não gera duas células filhas idênticas (2n), na meiose a célula-mãe diploide (2n), com seus cromos- somos duplicados, dará origem a quatro células haploides, isto é, com metade de seus cromossomos. A meiose em vegetais será responsável por formar esporos e gametas, e em animais a meiose é organizada em 8 fases distintas conforme descrevemos a seguir (ALBERTS et al., 2017): 1. Prófase I: como na mitose, nessa primeira fase os cromossomos se condensam mais intensamente e ocorre emparelhamento dos cromossomos homólogos, degradação do nucléolo e da carioteca, e o fuso acromático é formado pelos centríolos; essa fase é organizada em cinco subfases: leptóteno, zigóteno, paquíteno, diplóteno e diacinese. 2. Metáfase I: formação do fuso após desintegração da membrana plasmática; pareamento dos cromossomos e alinhamento no meio da célula (plano equatorial). 3. Anáfase I: emparelhamento se desfaz, e cada cópia do cromossomo migra para um polo da célula; conjuntos paternos e maternos originais se separam e se organizam em combinações aleatórias. 4. Telófase I: nucléolo se desfaz agora com metade do número de cromossomos; dois núcleos são formados. 5. Prófase II: nova condensação dos cromossomos e duplicação dos centríolos; degradação da membrana e formação do fuso acromático novamente. 6. Metáfase II: cromossomos agrupados novamente na região equatorial; centríolos se organizam para se duplicarem. 7. Anáfase II: centrômeros duplicados e divididos em duas cromátides, as quais migrarão para as extremidades da célula. 8. Telófase II: descondensação dos cromossomos, que, ao migrarem para os polos, formam um novo núcleo, agora com quatro células haploides. 40 Histologia e Embriologia Figura 37 Principais fases da meiose exemplificando os acontecimentos na célula. Od y_ St oc ke r/ Sh ut te rs to ck Prófase I Meiose I Meiose II Anafase I Anafase II Células filhasPrófase II Metáfase I Metáfase II Telófase I Telófase II A Figura 37 ilustra as fases e principais características da meiose. 1.5 Junções celulares Vídeo As junções celulares são consideradas interconexões entre diferentes gru- pos de células que formarão um tecido, comumente visualizadas em tecidos de revestimento em proteção. São especializações do citoesqueleto e têm como premissa aderir, manter fixas e facilitar a comunicação entre células próximas. Quando consideramos um tecido como uma junção de diversas células, preci- samos ter em mente que a pressão exercida sobre elas é muito grande, o que pode acarretar problemas para esses organismos que precisam se estruturar de maneira mais complexa. Pensando nisso, as junções servirão como uma conexão entre células, per- mitindo a divisão de pressão exercida sobre elas, o que facilita a comunicação e o transporte de substâncias. Células vegetais, contudo, apresentam junções es- pecializadas chamadas de plasmodesmata (plasmodesma), em que canais ligam duas células, permitindo trocas entre elas (Figura 38) (REECE et al., 2010). Figura 38 Conexões entre células vegetais Al do na G ris ke vic ie ne /S hu tte rs to ck Via simplástica (através da parede celular) Via apoplástica (através do citoplasma) As junções são separadas em três tipos principais – as comunicantes (gap), as impermeáveis e as aderentes (desmossomos e hemidesmossomos). Junções comunicantes formam canais em que duas células se comunicam po- dendo trocar íons, água ou outras substâncias. Podemos considerar essas junções Morfofisiologia celular 41 similares às plasmodesmata em células vegetais, porém em vertebrados essas jun- ções são formadas por um conjunto de quatro proteínas, chamadas conexinas. As conexinas são estruturas alongadas em formato de rosca, conhecidas como conexons. Quando os conexons se alinham, é possível observarmos que um canal é formado entre as células. A Figura 39 ilustra os conexons em grupo de células neuronais. Figura 39 Canais formados pelos conexons em junções comunicantes entre neurônios. De si gn ua /S hu tte rs to ck Neurônio Impulso nervoso Canal hidrofílico Membrana plasmática Conexon Conexon Junções comunicantes Fechado Aberto O segundo grupo de junções são as junções impermeáveis (oclusão), esse grupo de junção não realiza comunicação, pelo contrário, ocasiona o bloqueio no local em que ocorrem. No local onde se sucedem as junções, as células são unidas fortemente umas contra as outras por vários grupos individuais de junções impermeáveis, conhe- cidas como claudins, são junções que se agrupam no intuito de formar uma rede, o que mantém mais fortemente aderida uma membrana na outra (EVANS; MARTIN, 2002). Por fim, o último tipo de junção é conhecido como aderente, em que os principais componentes são os desmossomos e hemidesmossomos. Figura 40 Microscopia ótica de corte histológico na camada espinhosa de tecido epitelial de revestimento queratinizado (pele) Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck A identificação das regiões dos desmossomos acontece pelas setas. 42 Histologia e Embriologia Os desmossomos e hemidesmossos são compostos de proteínas chamadas de desmogleínas e desmocolinas, membros da superfamília das caderinas, sua principal característica é a associação aos filamentos intermediários, que permitirão man- ter a integridade das células associadas e garantir a resistência necessária (DELVA; TUCKER; KOWALCZYK, 2009). A Figura 40 ilustra a ação dos desmossomos e hemi- desmossomos em células de revestimento como o tecido epitelial. 1.6 Importância do citoesqueleto Vídeo Nesta seção abordaremos o citoesqueleto, uma intrincada rede de filamentos proteicos com a finalidade de dar às células sustentação, organização e motilidade. São agrupados em três principais grupos de proteínas: microfilamentos (filamentos de actina), microtúbulos e filamentos intermediários. Apesar de conterem manei- ras diferentes de interagir, todos apresentam uma característica em comum: o fato de necessitarem de ação em conjunto (ALBERTS et al., 2017). Os três grupos pro- teicos do citoesqueleto são responsáveis por diferentes aspectos da organização espacial e das propriedades mecânicas da célula. Entre as suas funções no âmbito celular, podemos ressaltar: 1. Filamentos de actina: • determinam a forma da superfície da célula (alterações de resistência de membrana plasmática, permitindo deformações, como microvilosidades); • atuam no processo de citocinese com a formação de anéis contráteis; • movimentação celular (pseudópodes) a partir de maior resistência de membrana. 2. Microtúbulos: • estão envolvidos em uma série de eventos importantes para a célula, em pro- cessos como divisão celular pela formação do fuso acromático, movimenta- ção celular com adaptações de membrana (cílios e flagelos), posicionamento das organelas e transporte de substâncias no interiorda célula. 3. Filamentos intermediários: • são responsáveis pela sustentação da célula, é por meio deles que são for- madas redes resistentes que se espalham por todo o interior dela, mantendo sua forma; • não são encontrados em plantas e fungos, somente em células animais – tan- to vegetais quantos fungos apresentam parede celular, que desempenhará a função dos filamentos intermediários. Morfofisiologia celular 43 Figura 41 Três tipos de filamentos encontrados no citoesqueleto. Sa ku rra /S hu tte rs to ck Citoesqueleto eucarionte: células eucariontes têm três principais tipos de filamentos de citoesqueleto. Filamentos intermediários Microtúbulos Filamentos de actina ou microfilamentos Os filamentos intermediários são compostos de tétrades de proteínas resistentes, como queratina, microtúbulos formados por proteína chamada tubulina e filamentos de actina formados por diferentes tipos de actina. Cada tipo de filamento tem suas características únicas que permitem que eles desempenhem suas funções. Agora descreveremos cada um dos tipos de citoes- queleto e suas características próprias que possibilitam que eles desempenhem seus papéis dentro da célula. A Figura 41 ilustra os três tipos de filamentos protei- cos encontrados no citoesqueleto. 1.6.1 Patologias associadas ao citoesqueleto Nesta subseção abordaremos algumas patologias e doenças em que o citoes- queleto, conforme já dito anteriormente, desempenha um papel importante na sustentação, na comunicação e no transporte dentro da célula. A sustentação da célula a pressões externas é fundamental para que tecidos e órgãos consigam se manter. Alterações nessas localidades podem ocasionar um severo prejuízo às pessoas. Uma das primeiras patologias que associaremos a fa- lhas no citoesqueleto chama-se epidermólise bolhosa. A epidermólise é uma doença que acomete o tecido conjuntivo, herdada geneticamente causando bolhas na pele e membranas mucosas, com uma incidência de 1/50.000 pessoas. É um resultado de um defeito na ancoragem entre a epiderme e a derme, ocasionando atrito e fragilidade da pele (LIMA; VASCONCELOS, 2019). Para melhor entendi- mento do funcionamen- to dos microtúbulos, recomendamos assistir ao vídeo a seguir. Disponível em: https://www. shutterstock.com/pt/video/ clip-35046586-live-pig-kidney-cell- s-fluorescently-labeled-microtubule. Acesso em: 4 abr. 2022. Vídeo https://www.shutterstock.com/pt/video/clip-35046586-live-pig-kidney-cells-fluorescently-labeled-microtubule https://www.shutterstock.com/pt/video/clip-35046586-live-pig-kidney-cells-fluorescently-labeled-microtubule https://www.shutterstock.com/pt/video/clip-35046586-live-pig-kidney-cells-fluorescently-labeled-microtubule https://www.shutterstock.com/pt/video/clip-35046586-live-pig-kidney-cells-fluorescently-labeled-microtubule https://www.shutterstock.com/pt/video/clip-35046586-live-pig-kidney-cells-fluorescently-labeled-microtubule 44 Histologia e Embriologia O quadro evolutivo relacionado à epidermólise bolhosa é caracterizado por falhas no processo de formação de proteínas ligadas ao filamento intermediário. Sendo assim, qualquer pressão exercida sobre a região da pele ocasiona um rom- pimento entre as células epiteliais e a derme, resultando no surgimento de bolhas pelo extravasamento do conteúdo citoplasmático e ocasionando feridas profundas e extensas ao redor da pele. Filamentos intermediários também são encontrados no sistema nervoso, alguns problemas ou alterações proteicas nesse contexto acarretam prejuízos importan- tes para a sinalização entre neurônios motores. A esclerose amiotrófica lateral é um dos casos em que ocorre neurodegeneração por alterações na organização dos filamentos intermediários que acabam por alterar o tamanho dos corpos axônicos, interferindo na sinalização do sistema nervoso (Figura 42). Figura 42 Corpo axônico atingido pela esclerose amiotrófica lateral. Bl ue Ri ng M ed ia /S hu tte rs to ckCélula nervosa normal Nervo com esclerose Contrações musculares Músculo incapaz de contrair Ocasionada pela deficiência em neurofilamentos que mantêm a integridade do corpo axônico. Uma das mais intrigantes patologias associadas a alterações no citoesque- leto é a progéria, que é caracterizada pelo envelhecimento precoce devido a sucessivos erros no processo de mitose e na formulação de cópias filhas. Isso é atribuído a uma falha na síntese de lâmina (proteína do citoesqueleto res- ponsável pela sustentação do envelope nuclear, conforme já abordado), que torna o envoltório nuclear frágil e suscetível à desintegração, comprometendo a integridade de nosso DNA, o que facilita erros na transcrição e tradução. 1.7 Organismos formadores de tecido verdadeiro Vídeo Dentro de uma classificação dos seres vivos, conforme já discutimos no iní- cio deste capítulo, podemos subdividi-los entre acelulares e celulares, ou seja, os que são formados somente por RNA ou DNA (vírus), e os demais organis- mos mais complexos formados pela unidade básica da vida, a célula. Os organismos formados por células, por sua vez, serão separados em procariontes e eucariontes. No nosso caso, para compreensão dos tecidos, deteremo-nos nos eucariontes, que serão organizados em unicelulares (uma Je ffq /w ik im ed ia co m m on s Stephen william Hawking (1942-2018) foi um cien- tista famoso por estudar os buracos negros e, aos 21 anos, foi diagnosticado com a esclerose lateral amiotrófica, que o levou a usar cadeira de rodas e um sintetizador de voz. Biografia Morfofisiologia celular 45 única célula) ou pluricelulares (complexo de células). Entre os pluricelulares veremos agora e compreenderemos que eles podem ser agrupados em dois grupos: os não formadores de tecidos (fungos) e os formadores de tecidos verdadeiros (plantas e animais). Definimos tecido como estrutura formada por um conjunto de células se- melhantes que atuam para desempenhar uma mesma função e pela presença de uma matriz extracelular – líquido amorfo composto de açúcares e proteínas com função específica para cada tecido. Eles não são encontrados isolados e normalmente são associados entre si, formando órgãos ou sistemas (GART- NER; HIATT, 2013). A definição de formadores de tecido verdadeiro, então, aplica-se a animais e plantas, em que é possível visualizar estas especializações de células asso- ciadas a funções distintas – isto é, células unidas para revestimento, nutrição, sinalização, movimento etc. Para que um tecido seja formado, é necessário um conjunto de células (organismo pluricelular). Pois bem, o que são os formadores de tecidos verdadeiros e o que os diferencia dos demais pluricelulares? O conceito de formadores de tecidos verdadeiros está atrelado ao fato de que esses indivíduos pluricelulares apre- sentarão especialização de seus grupos de célula cada um com diferentes ca- racterísticas de suas células para desempenhar uma função em um sistema complexo, ou seja, teremos células com maior tamanho de RE e CG – como em músculos, fígado – diferentes de nosso sistema nervoso central (SNC), uma maior quantidade de mitocôndrias, porém RE e CG em menor tamanho, pois são grupos de células que não sintetizam proteínas. Com base nesse ponto, começamos a entender a complexidade e o padrão de comportamento de cada tecido ou órgão devido a essas especializações (ALBERTS et al., 2017). Nesse contexto, a histologia nos guiará pelo processo de reconhecimento de especialidades celulares ligadas a diferentes tecidos e permitirá compreendermos o funcionamento de nosso corpo por meio dessa comparação entre as nossas estruturas celulares (microscopia) e suas funções como órgão ou tecido. DVD - técnicas histológicas - uma abordagem prática, do canal SPTI - IOC/Fiocruz, é uma videoaula sobre a preparação histológica de lâminas com os equi- pamentos utilizados e as técnicas de coloração mais frequentes. Disponível em: https://youtu.be/ RlyTg64AT9E. Acesso em: 5 abr. 2022. Vídeo CONSIDERAÇÕESFINAIS Os conceitos básicos de uma célula são o alicerce para compreender o funcio- namento de um organismo complexo. Neste capítulo pudemos construir a base para compreendermos o que é um organismo complexo formador de tecido, identificarmos as principais características de uma célula e associarmos altera- ções de padrão e comportamento que possam acarretar erros na formação de tecidos e órgãos. Identificarmos essas características celulares facilitará nosso entendimento com relação a como determinado órgão ou tecido se comporta, assim como o porquê nem todos os nossos tecidos ou órgãos serão idênticos es- truturalmente, tudo dependerá de sua função neste complexo mundo da biologia celular e da histologia. https://youtu.be/RlyTg64AT9E https://youtu.be/RlyTg64AT9E 46 Histologia e Embriologia Ao fim desse capítulo temos condição de compreender a fundo cada compo- nente celular e seu papel em determinado tecido e observar as suas característi- cas microscópicas pontuais, o papel desses grupos de células ao serem somados na formação desses tecidos e os órgãos que complementam o corpo humano e as plantas. Observamos que, apesar de termos todos o mesmo grupo de células (eucariontes), não somos idênticos às plantas e aos fungos, cada grupo de células desses indivíduos é única e especializada conforme as necessidades e caracterís- ticas desses seres. ATIVIDADES Atividade 1 Com base no que discutimos neste capítulo, apresente as razões pelas quais a membrana plasmática é importante para o equilíbrio e para a manutenção da funcionalidade da célula. Atividade 2 Como a mitocôndria participa ativamente do processo do ciclo celular? Explique o papel dela nesse processo do ciclo e da morte celular. Atividade 3 Epidermólise bolhosa é uma patologia associada ao citoesqueleto. Desse modo, explique a falha que acomete o tecido, levando ao desenvolvimento dessa patologia. REFERÊNCIAS ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4618964/mod_resource/content/1/Bruce%20Alberts%20 et%20al.-Biologia%20Molecular%20da%20C%C3%A9lula-Artmed%20%282017%29.pdf. Acesso em: 5 abr. 2022. CAMARGO, F. V. A. Estudo da dinâmica de íons em canais iônicos. 2012. 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Como o próprio nome já menciona, os tecidos de revestimento fazem parte de um seleto grupo de células adap- tadas, com as funções de revestir, nutrir, proteger e dar sustentação a estruturas internas mais frágeis. São separados em tecidos epiteliais de revestimento interno, de revestimento que- ratinizado, glandular e em tecido conjuntivo, este dividido em sete grupos distintos: embrionário, propriamente dito, frouxo, denso não modelado, denso modelado, reti- cular e adiposo. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • identificar as principais características do tecido epitelial; • compreender as alterações celulares e sua importância na organização dos di- ferentes tipos de tecido epitelial; • diferenciar o tecido epitelial de revestimento do tecido glandular; • identificar as principais características do tecido conjuntivo; • diferenciar os componentes celulares dos diferentes tipos de tecido conjuntivo. • compreender as alterações celulares e sua importância na organização dos di- ferentes tipos de tecido conjuntivo. Objetivos de aprendizagem 2.1 Tecido epitelial Vídeo O tecido epitelial faz parte de um grupo de células associadas que têm como principal objetivo revestir e proteger áreas mais sensíveis de nosso corpo. Origi- nário da ectoderma e da endoderma durante o desenvolvimento embrionário, é responsável por formar as mucosas, a córnea, a epiderme da pele, as glândulas sebáceas e sudoríparas, além das glândulas mamárias (GARTNER; HIATT, 2017). Esse tecido é caracterizado por um grupo de células justapostas associadas ao citoesqueleto (em especial o filamento intermediário e sua associação às jun- ções celulares) e apresenta pouquíssimo espaço intercelular, assim como a matriz extracelular. O tecido epitelial é separado do tecido conjuntivo por uma camada de células da lâmina basal, a qual é responsável pela nutrição do tecido, já que ele é avascu- lar e depende do tecido conjuntivo para se nutrir. A nutrição ocorre por difusão simples, em que nutrientes e oxigênio migram para o ponto com menor con- centração (GARTNER; HIATT, 2017). Essa sobreposição do tecido é o que o torna Tecidos de revestimento 49 ideal para o desempenho de função de revestimento e de secreção (glandular), a justaposição entre eles permite maior facilidade de comunicação e dispersão de sinais químicos que facilitam a interação entre as células que compõem o tecido (GARTNER; HIATT, 2017). 2.1.1 Tecido epitelial de revestimento As membranas epiteliais são classificadas conforme as camadas celulares dispos- tas entre a lâmina basal e a superfície do tecido, assim como pela morfologia das células epiteliais. Cada grupo de células será diferenciado conforme seu extrato – ca- mada que ocupar –, evidenciando características distintas. A porção mais apical da pele, por exemplo, apresenta células mortas com grandes concentrações de queratina e melanina no seu interior (GARTNER; HIATT, 2017). Sua distribuição pode ser organizada em três porções básicas que descreveremos con- forme suas características celulares que conferirão suas atribuições de revestimento, mas, por enquanto, agruparemos de acordo com o local em que se encontram e sua função primária (Figura 1). 1. Na epiderme, porção apical da pele (superficial): revestimento externo do corpo. 2. Nas mucosas: parte interna da boca, nariz, estômago, traqueia e outros, assim como o revestimento interno de órgãos. 3. Nas serosas, revestimento, tais como: pleura e peritônio, na cavidade abdominal. Figura 1 Tecido epitelial de revestimento Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck AA BB CC A: tecido epitelial de revestimento (pele); B: tecido epitelial de revestimento em mucosas (traqueia); C: tecido epitelial de revestimento em serosas (brônquios pulmonares). O epitélio será classificado também conforme as suas camadas, sendo chamado de epitélio simples, quando for formado somente por uma camada, ou estratificado, quando for por mais de uma. Além do revestimento, como o próprio nome já diz, o tecido epitelial desempe- nhará algumas outras funções importantes, bem como (GARTNER; HIATT, 2017): • proteção; • transporte transcelular; • secreção; • absorção. 50 Histologia e Embriologia Por ser um tecido de revestimento, o epitélio tem capacidade elevada de reno- var suas células por divisão celular. Nossa pele é completamente substituída por novas células após 28 dias. O tecido epitelial é classificado quanto à sua forma em: • Células pavimentosas (escamosas) – são finas, permitem uma rápida pas- sagem de substâncias por ela. • Células cuboides – são tão altas quanto largas, com formato semelhante a cubos ou hexágonos, podem ter microvilosidades e sua principal função está na secreção e absorção de substâncias. • Células cilíndricas – são muito mais altas do que largas, protegem tecidos subjacentes, apresentam microvilosidades e atuam na secreção ou absorção de substâncias. • Células de transição – mudam de formato, alterando de células achatadas para cúbicas e vice-versa. A Figura 2 ilustra a organização em células simples ou estratificadas e suas res- pectivas características. Figura 2 Tecido epitelial de revestimento quanto ao agrupamento e tipo de células W . Y . S un sh in e/ Sh ut te rs to ck Pavimentoso simples Pavimentoso estratificado Cuboide simples Cuboide estratificado Colunar simples Colunar estratificado Como o tecido epitelial é avascular e com células estreitamente associadas e justapostas, a fim de que ocorra seu processo nutricional, é necessário que ele es- teja fortemente aderido ao tecido conjuntivo. Essa aderência das células epiteliais permite uma variedade de modificações, auxiliando as células e os órgãos em que elas se localizam no desempenho de diversas funções. Essas modificações são denominadas especializações da superfície celular (GARTNER; HIATT, 2017) e ocorrem em qualquer área superficial das células, ou seja, sua porção apical, lateral ou basal. A Figura 3 expõe os principais locais de adaptações celulares em células epiteliais. Tecidos de revestimento 51 Figura 3 Célula epitelial e as porções em que podem ocorrer adaptações de membrana. Parede lateral Polo apical Polo basal Fonte: Elaborada pelo autor. As especializações da região apical estão vinculadas à liberação de produtos de secreção e às adaptações que permitem aumento da área de superfície – im- portante para otimizar a absorção de nutrientes e de água, bem como o movi- mento (ação ciliar das tubas uterinas). São encontrados três tipos distintos de especialização para desempenhar essas funções: artyway/Shutterstock Cílios Microvilosidades Estereocílios Os cílios são expansões da membrana plasmática dotados de motilidade. São originários de adaptações dos microtúbulos junto à membrana e possibilitam o movimento a partir de sua organização interna, em que são encontrados com nove filamentos proteicos de tubulina dispersosem círculo e dois na região central. São parecidos com os flagelos, porém têm comprimento menor, essa região central é chamada de axonema (ALBERTS et al., 2017). Para que o movimento dos cílios ocorra, temos duas subunidades proteicas envolvidas nesse processo: a subunidade A e a subunidade B, além da presença de proteínas essenciais para o controle do curvamento ciliar – dineína e nexina (GARTNER; HIATT, 2017). A Figura 4 ilustra as adaptações dos microtúbulos na formação de cílios e flagelos. Figura 4 Disposição de microtúbulos em cílios e flagelos Microtúbulo ha ka n. de m ir/ Sh ut te rs to ckCENTRIOL FLAGELLUM A disposição padrão chamada de 9 + 2 é o que permite a movimentação dessas estruturas ciliares – conforme um lado polimeriza (aumenta de tamanho em comparação ao outro lado), outro despolimeriza (diminui de tamanho em relação ao outro lado). A sequência desses movimentos entre os lados esquerdo e direito garante um movimento rotacional dos cílios e flagelos. Na animação Camera flies through layer of ciliated cells (em português, câme- ra sobrevoa por camada de células ciliadas), é possível ver como ocorre o processo de movimen- tação ciliar. Disponível em: https://www. shutterstock.com/pt/video/ clip-1015328827-camera-flies- through-layer-ciliated-cells. Acesso em: 11 fev. 2022. Vídeo https://www.shutterstock.com/pt/video/clip-1015328827-camera-flies-through-layer-ciliated-cells https://www.shutterstock.com/pt/video/clip-1015328827-camera-flies-through-layer-ciliated-cells https://www.shutterstock.com/pt/video/clip-1015328827-camera-flies-through-layer-ciliated-cells https://www.shutterstock.com/pt/video/clip-1015328827-camera-flies-through-layer-ciliated-cells 52 Histologia e Embriologia Os cílios são encontrados, por exemplo, na superfície apical (ou superfície livre) do epitélio da tuba uterina e do epitélio de grande parte das vias respi- ratórias. São importantes pois atuam no processo de remoção de muco e de pequenas partículas, na movimentação do ovócito II na ovulação, entre outras ações (GARTNER; HIATT, 2017). A segunda alteração de membrana observada no tecido epitelial acontece nas microvilosidades, que são vistas em grande quantidade em células de epitélio simples prismáticos que revestem órgãos em que há muita absorção de moléculas, sendo exemplos o intestino delgado e os túbulos renais. Os microvilos não são visíveis individualmente ao microscópio de luz, so- mente ao microscópio eletrônico. No entanto, conjuntos de microvilos podem ser vistos ao microscópio de luz sob forma de uma faixa de coloração diferen- te na superfície apical das células epiteliais (GARTNER; HIATT, 2017). Células que não desempenham função de absorção tendem a não apresentar micro- vilos ou a apresentá-los em menor quantidade do que as que têm atividades metabólicas. As células com microvilosidades são compactadas com 1 a 2 µm (micrômetro) de comprimento, dessa maneira, aumentando bastante a super- fície das células. Figura 5 Disposição de microtúbulos em cílios e flagelos Or an ge Ve ct or /S hu tte rs to ck Na ta _L ia /S hu tte rs to ck Por fim, na última das adaptações estão os estereocílios, que, apesar do nome cílios, são imóveis, estruturalmente similares às microvilosidades, com um grau de ramificação maior do que estas e sendo encontrados em locali- dades como no epidídimo (local de maturação das espermátides em esper- matozoides) e nas células pilosas do ouvido médio – neste funcionando como geradora de sinal (GARTNER; HIATT, 2017). Tecidos de revestimento 53 A Figura 6 ilustra as adaptações na região do epidídimo com a presença dos estereocílios para aumento da área de superfície, permitindo que um maior número de células espermátides possam ser maturadas. Figura 6 Epidídimo Da vid A L itm an /S hu tte rs to ck Na superfície basolateral temos subdivisão em duas partes: membrana plas- mática lateral e membrana plasmática basal. Cada uma dessas regiões apresenta especializações que serão fundamentais para a manutenção do tecido epitelial, as junções especializadas com o papel de unir, manter a comunicação ou mesmo blo- quear contato com a matriz extracelular. Nessa região é onde encontramos proteínas receptoras, maior concentração de hormônios sinalizantes e neurotransmissores (GARTNER; HIATT, 2017). Entre as es- pecializações da superfície lateral, encontraremos as interdigitações das membra- nas com células vizinhas às junções de oclusão, comunicantes e de ancoragem. Já a superfície basal dos epitélios é marcada por três características (GARTNER; HIATT, 2017; OLIVEIRA et al., 2019): artyway/Shutterstock 1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 Lâmina basal: estrutura encontrada na base do tecido epitelial, é a porção que mantém o epitélio firme e aderido ao tecido conjuntivo. Por meio dela, é possível a nutrição do epitélio por difusão simples, transmitindo os nutrientes do tecido conjuntivo ao epitélio. Invaginação da membrana plasmática: a principal função é aumentar a área da superfície da membrana plasmática, favorecendo a ação de mitocôndrias que se espalham ao longo das invaginações, o que beneficia o transporte de íons e garante o gradiente de concentração osmótica. Hemidesmossomos: assim como os desmossomos e as junções de ancoragem, conferem resistência a tecidos expostos à tensão ou ao atrito, promovendo fixação da célula à matriz extracelular. A Figura 7 apresenta o processo de invaginação por meio das microvilosidades das células epiteliais do intestino. 54 Histologia e Embriologia Figura 7 Invaginação no intestino delgado Anatomia do intestino delgado Intestino delgado Dobra do revestimento intestinal Vilosidades Célula epitelial com detalhes das microvilosidades Te fi/ Sh ut te rs to ck As organizações das células do epitélio de revestimento estão dispostas em uma ou mais camadas dependendo das funções que o tecido executa. Sua classifi- cação é caracterizada de acordo com a disposição do tecido e suas características associadas à sua função: Epitélio simples artyway/Shutterstock 1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 Epitélio simples pavimentoso Epitélio simples cilíndrico Epitélio simples cúbico Epitélio pseudoestratificado cilíndrico O segundo grupo de células é caracterizado como um agrupamento de pelo menos duas camadas de células, dando origem a um tecido com diferentes estratificações: Epitélio estratificado artyway/Shutterstock 1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 Epitélio estratificado pavimentoso (queratinizado e não queratinizado) Epitélio estratificado cilíndrico Epitélio estratificado cúbico Epitélio de transição O epitélio simples pavimentoso tem como principal característica ser consti- tuído de uma só camada de células planas ou pavimentosas que se assentam em uma lâmina basal. Suas células são poligonais, delgadas e apresentam uma altura menor do que a largura citoplasmática – o que pode dificultar sua visualização em microscopia ótica. Além disso, são firmemente aderidas umas nas outras, e seu núcleo é achatado, apresentando-se em paralelo à lâmina basal, a qual acompanha o formato das células. Quando vistas de cima, sua organização lembra muito placas de pavimento ou escamas, por isso a derivação de seu nome. Já na visualização de perfil, por serem demasiadamente delgadas, não é possível ver seu citoplasma, apenas seus núcleos achatados (OLIVEIRA et al., 2019). A Figura 8 apresenta uma série de células simples pavimentosas em microscopia de luz. Tecidos de revestimento 55 Figura 8 Três ductos coletores medulares revestidos por um epitélio colunar simples. Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck Entre eles estão muitos capilares seccionados e alças de Henle. Seção de resina semifina com 0,5 µm de espessura e coloração em prata. As células simples pavimentosas estão marcadas com setas. O tecido epitelial simples pavimentoso será encontrado principalmente em es- truturas de revestimentointerno, como na alça de Henle, em endotélios sanguí- neos, no mesotélio pleural e no peritônio. O tecido epitelial de revestimento simples cuboide é formado por uma única camada de células em formato cúbico assentada na lâmina basal. Suas células apresentam altura e largura em proporções iguais, um núcleo redondo central, e seu citoplasma, diferentemente do simples pavimentoso, é distribuído de maneira igualitária por toda a célula (GARTNER; HIATT, 2017; OLIVEIRA et al., 2019). O tecido epitelial cúbico pode ser visualizado na parede dos túbulos renais, na alça de Henle (próximo a estruturas glandulares), nos ovários e nos revestimentos de ductos glandulares. A Figura 9 ilustra alguns exemplos em microscopia das célu- las do tecido epitelial cúbico. Figura 9 Tecido epitelial cuboidal simples da tireoide. Dw W D4 0/ Sh ut te rs to ck Tecido epitelial cúbico marcado com setas. Zoom 400x. 56 Histologia e Embriologia O tecido epitelial de revestimento simples colunar, chamado também de prismá- tico ou cilíndrico, assim como os demais tecidos simples, é formado por uma única camada de células prismáticas (apresentam núcleo alongado ou elíptico, células com maior altura que largura) fixada na lâmina basal, assim como os demais tecidos epi- teliais. Os núcleos dessas células apresentam o posicionamento basal, um indicativo do polo nutritivo dessas células (GARTNER; HIATT, 2017; OLIVEIRA et al., 2019). O epitélio cilíndrico simples existe em duas formas: ciliado e não ciliado. O cilia- do contém células com cílios em sua superfície apical. Esses tecidos são encontrados próximos a células caliciformes, produtoras de muco, na região nasal. A Figura 10 demonstra em microscopia a presença de células cuboides no epitélio nasal. Figura 10 Células caliciformes e tecido epitelial prismático próximo às regiões ciliares Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck As células caliciformes são células originalmente colunares (prismáticas), que as- sumem a morfologia permanente de um cálice pela contínua produção e pelo acú- mulo temporário de muco na sua porção superior. Já o epitélio cilíndrico não ciliado será organizado em dois tipos de células: artyway/Shutterstock 1 2 3 4 1 2 3 4 Células epiteliais com microvilosidades: as microvilosidades aumentarão a área de superfície plasmática, ampliando a taxa de reabsorção da célula. Células epiteliais caliciformes: têm sua função ligada à produção de muco como mecanismo de defesa do organismo contra agentes invasores. Entre os tipos de tecido simples que se apresentam como um tecido estratificado está o pseudoestratificado cilíndrico, assim chamado pois sua organização de vida ce- lular (diferente profundidade de seus núcleos, e altura de suas células levando a um grau de disparidade visual ao olharmos em microscopia ótica) dá uma falsa impres- são de que o tecido apresenta diferentes camadas. Sua classificação como tecido epitelial cilíndrico se deve, em parte, ao formato da maioria de suas células, que apresentam maior altura que largura, em sua região apical é possível visualizar especializações como cílios, por isso chamamos também de epitélio ciliado (Figura 11). Tecidos de revestimento 57 Figura 11 Tecido pseudoestratificado do intestino delgado Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck Presença de células caliciformes e núcleos em diferentes posições. O tecido epitelial estratificado, por sua vez, é caracterizado por ter diversas camadas e diversos estratos, e sua classificação depende da camada mais apical (porção superficial). Esses estratos apresentam uma variedade de células que, con- forme suas posições, terão características diferentes. Por exemplo, as células da camada basal que estão em contato com a lâmina basal (camada de sustentação e nutrição do tecido epitelial) são células altas, quase colunares (com largura menor que a altura). Contudo, as camadas intermediárias são formadas por células mais baixas (achatadas), que gradualmente vão se tor- nando cada vez mais chatas conforme se tornam mais superficiais (região apical) e se afastam da camada basal. Nos epitélios estratificados pavimentosos há uma característica importante para sua manutenção, porém, como são de revestimento, ficam sujeitos a des- gaste, sendo necessária manutenção contínua de seu tecido, isto é, divisões celulares contínuas a partir da camada basal e queda por descamação da ca- mada superficial. A medida que as células basais se duplicam lentamente, vão substituindo célu- las da porção superficial. Esse fato é possível de se ver pela alteração do formato celular, que de cuboides, conforme se tornam mais superficiais, ficam achatadas (GARTNER; HIATT, 2017). O tecido epitelial estratificado pavimentado é definido em dois principais tipos de grupamentos de células em sua região: as não queratinizadas e as queratinizadas. Portanto, teremos o tecido epitelial pavimentoso não queratinizado (Figura 12) como revestimento de tecidos internos, sem a necessidade de uma rigidez de suas células. Na camada superficial, as células se mantêm mais achatadas, porém sem ocorrer queratinização e com núcleo presente. Esse tipo de tecido é encontrado na traqueia, no esôfago, na mucosa dos lábios, na região genital e no reto (OLIVEIRA et al., 2019). 58 Histologia e Embriologia Figura 12 Tecido epitelial de revestimento pavimentoso não queratinizado 1 . v et pa th ol og is t/ Sh ut te rs to ck 2. T in yd ev il/ Sh ut te rs to ck A1A1 A2A2 A3A3 A4A4 BB1. 2. (A) A1: Anatomia do trato gastrointestinal: esôfago normal e saudável; A2: Estômago; A3: Intestino delgado; e A4: Intestino grosso. As quatro estruturas do trato gastrointestinal. (B) Traqueia e esôfago de tecido humano – células apicais achatadas, porém com presença de núcleo evidente e sem queratinização no interior delas. O tecido epitelial estratificado pavimentoso queratinizado é denominado assim, pois suas células das camadas mais superficiais sofrem um processo conhecido como corneificação (formação de um extrato córneo organizado pela adição de queratina nas células superficiais). As camadas de células se organizam da mesma maneira que o tecido estratifi- cado pavimentoso não queratinizado, com a única diferença estando na adição de queratina às células conforme elas vão se tornando mais superficiais, preenchen- do completamente seu interior, o que confere mais resistência a elas – para que esse processo esteja completo, as células epiteliais queratinizadas morrem ao final (GARTNER; HIATT, 2017; OLIVEIRA et al., 2019). A corneificação do tecido epitelial será importante pois dará a resistência necessá- ria que esse tecido necessita para revestir e proteger tecidos subjacentes mais frágeis. A Figura 13 ilustra esse processo na epiderme. Figura 13 Epiderme de pele fina Da profundidade à superfície podem ser identificados os estratos basal, espinhoso, granuloso e córneo. A presença de grânulos de melanina é observada nas camadas mais profundas. Porção superficial com células achatadas preenchidas totalmente por melanina e queratina. Estrato córneo Estrato granuloso Estrato espinhoso Estrato basal Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck Tecidos de revestimento 59 O tecido estratificado pavimentoso queratinizado pode ser organizado melhor para sua compreensão da seguinte forma: • Camada basal ou germinativa – região com células com alta capacidade de duplicação. • Camada espinhosa – região com alta taxa de queratinização. • Camada granulosa – região achatada devido ao acúmulo de queratina no interior celular. • Camada lúcida – região com células já anucleadas devido à presença de que- ratina em seu interior. • Camada córnea – região formada por um conglomerado de células mortas repletas de queratina e melanina. A Figura 14 ilustra as regiões distintas do tecido epitelial estratificado pavimen- toso queratinizado. Figura 14 Células epidérmicas e camadas da epidermeSa ku rra /S hu tte rs to ck Estrato córneo Estrato lucida Estrato granuloso Estrato espinhoso Estrato basal Célula dendrítica Célula tátil epitelial (célula de Merkel) Queratinócitos Derme Melanócito Terminação sensorial nervosa Esta figura mostra um corte transversal da epiderme. O último tecido epitelial estratificado é o transitório, tendo recebido esse nome erroneamente por se acreditar que era um tecido de transição, variando entre o epitélio colunar estratificado e o pavimentoso estratificado. Porém, após longos anos de pesquisa, sabemos que é um epitélio distinto com ocorrência exclusiva no trato urinário. A camada superficial de células desse tecido muda de acordo com o estado fisiológico do órgão, isto é, dependendo do grau de distensão da bexiga urinária, as células adquirem uma forma mais achatada, quan- do cheia, e uma mais globosa, quando vazia (GARTNER; HIATT, 2017; OLIVEIRA et al., 2019). A camada córnea é res- ponsável pelo espessa- mento da região mais superficial da epiderme. Vale ressaltarmos que, quanto maior for o impacto ou a fricção ocasionada na região, a tendência é aumentar o espessamento dessa camada, pois ela é a que protege o organismo contra agressões físicas, químicas e biológicas do meio ambiente (GARTNER; HIATT, 2017; OLIVEIRA et al., 2019). Saiba mais 60 Histologia e Embriologia Figura 15 Mucosa da bexiga urinária revestida por epitélio transicional (urotélio). Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck A camada superficial mostra grandes células com grandes núcleos, às vezes binucleados. As características celulares para melhor reconhecimento desse tecido estão em observar um citoplasma claro, núcleo central com seus limites celulares bem visíveis, devido à presença de glicocálix. A Figura 15 apresenta o tecido epitelial transitório e suas diferenças de organização celulares. 2.1.2 Tecido epitelial glandular Acredita-se que o tecido epitelial glandular tenha sua origem no processo de invaginação de porções do tecido epitelial e na formação de estruturas de reves- timento com função de secreção de substâncias. Sua classificação é definida con- forme: o número de células; a natureza de sua secreção (exócrino ou endócrino); a forma da glândula; o mecanismo de secreção. Quanto ao número de células, são organizadas conforme complexidade e quan- tidade, sendo classificadas como (GARTNER; HIATT, 2017; OLIVEIRA et al., 2019): a. Unicelulares – formadas por uma única célula e uma porção (duto) secretora; por exemplo: células caliciformes. b. Pluricelulares – apresentam maior organização, contendo mais de uma célula (normalmente órgãos) e um grau de complexidade maior de suas secreções; por exemplo: pâncreas e fígado. Já quanto à natureza de sua secreção (exócrino ou endócrino), o tecido epitelial glandular é responsável pela produção de uma série de substâncias secretadas ex- tremamente úteis para nosso organismo. Esse tecido é organizado de acordo com o destino de suas secreções (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2008): exócrinas; endócrinas; afícrinas. As glândulas exócrinas são caracterizadas pelo seu desenvolvimento por meio de invaginações de uma membrana epitelial com a liberação de suas secreções externa ou internamente por ductos. São separadas em duas organizações bási- Tecidos de revestimento 61 cas: uma parte formada pelo parênquima – células com a função de produção da substância a ser secretada – e sua porção secretora é conhecida como adenômero. Normalmente nessa porção há a concentração também de células mioepiteliais que auxiliam a contração e a secreção dos produtos para fora da glândula. Podem conter porções conhecidas também como ácinos, os quais são grânulos de secre- ção que ficam armazenados prontos para eliminação quando necessário. Já as glândulas endócrinas se isolam do ambiente externo – com pequenos blocos de tecidos – durante o desenvolvimento embrionário, ocasionando a per- da de contato com a superfície (ausência de dutos). Essas glândulas liberam seus produtos de secreção perto da superfície externa dos vasos sanguíneos e linfáticos (GARTNER; HIATT, 2017; OLIVEIRA et al., 2019). As glândulas afícrinas, por sua vez, apresentam tanto função endócrina quan- to exócrina, liberando suas secreções no tecido sanguíneo ou em cavidades. Um exemplo é o pâncreas, em que a porção exócrina secreta enzimas digestivas, libe- radas no duodeno, e a porção endócrina secreta hormônios como insulina e gluca- gon (GARTNER; HIATT, 2017; OLIVEIRA et al., 2019). As glândulas exócrinas ainda podem ser classificadas quanto às suas ramifica- ções – a grande distinção feita é observando se os dutos são ramificados ou não. Assim, uma glândula com único ducto não ramificado é chamada de glândula sim- ples, enquanto uma com um sistema de dutos ramificado em “árvore” que drena uma série de unidade secretora é chamada de glândula composta. São caracterizadas também conforme a forma de suas glândulas (GARTNER; HIATT, 2017): • Tubular – forma de sua porção secretora em tubo. • Acinar e alveolar – forma de porção secretora em cacho de uvas. • Composta túbulo-acinosa – glândula com característica composta entre tu- bular e acinosa. A Figura 16 ilustra as formas das glândulas exócrinas. Figura 16 Diferentes tipos de glândulas exócrinas W . Y . S un sh in e/ Sh ut te rs to ck As classificações das glândulas podem ainda ser caracterizadas pelo seu me- canismo de secreção e tipo de secreção: apócrina: uma porção pequena do polo apical é liberada com o produto de secreção. Exemplos: glândula mamária, sudo- rípara. merócrina (écrina): liberam por exocitose, sem liberar nenhum con- teúdo citoplasmático próprio. Exemplo: glândula sudorípara écrina. holócrina (Gk. Holos, todo): o produto de secreção constitui a célula inteira e seus produtos. Exemplo: glândula sebácea da pele, que produz uma secreção chamada sebo. 62 Histologia e Embriologia A Figura 17 expõe as glândulas quanto ao seu tipo de secreção. Figura 17 Tipos de secreção das glândulas De si gn ua /S hu tte rs to ck Glândula de suor Glândula merócrina Vesícula Vesículas liberando seus conteúdos Poro de suor Glomérulo Particionamento de vesículas de células secreto Particionamento de vesículas de células secretoras Produto de secreção Ducto Glândula apócrina Para melhor compreensão do tecido epitelial glandular, abordaremos especifica- mente cada um de seus tipos e suas características. Separaremos em tecido epitelial glandular quanto ao tipo de secreção – exócrino e endócrino. No tecido epitelial exócri- no encontraremos diferentes tipos de glândulas, conforme veremos a seguir. A glândula tubular simples está presente no intestino grosso e apresenta uma luz tubular única, reta para o interior do qual são descarregados os produtos de secreção. O canal é revestido por células de secreção (Figura 18). Figura 18 Glândula tubular simples W . Y . S un sh in e/ Sh ut te rs to ck Já a glândula tubular convoluta simples está presente nas glândulas sudorí- paras. Cada uma delas consiste em um tubo único que se acha espiralado em três dimensões ou convoluto (Figura 16). A glândula tubular simples ramificada encontra-se no estômago. Consiste em uma glândula com porções tubulares secretoras com um único tubo não ramifica- do, revestido por células secretoras (Figura 19). Tecidos de revestimento 63 Figura 19 Glândula tubular simples ramificada. Porção tubular Duto ramificado Duto excretor W . Y . S un sh in e/ Sh ut te rs to ck A glândula acinosa simples ocorre em invaginações do tecido epitelial e é re- vestida de células secretoras. Um exemplo é a glândula muco secretora da uretra peniana (Figura 20). Figura 20 Glândula acinosa simples 1. J os e Lu is C al vo 2. W . Y . S un sh in e/ Sh ut te rs to ck 1. 2. A glândula acinosa simples ramificada consiste em uma glândula com vários ácinos secretores que se esvaziam em um único canal excretor.Por exemplo, as glândula sebáceas. Figura 21 Glândula tubular composta - Glândula duodenal 1. J os e Lu is C al vo 2. W . Y . S un sh in e/ Sh ut te rs to ck 1 2 Um exemplo de glândula tubular composta é a glândula de Brunner do duo- deno. O sistema de canais e ductos é ramificado e a define como composta (Fi- gura 22). 64 Histologia e Embriologia Figura 22 Glândula acinosa Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck Na seção dessa glândula secreta de muco, um túbulo muito longo pode ser visto mostrando muitos ramos. • Glândula acinosa composta: diversos ácinos em um sistema de ductos ra- mificados, ocorre no pâncreas. • Glândula túbulo-acinosa composta: componentes tubulares ramificados. Exemplo glândula salivar submandibular (Figura 21) (GARTNER; HIATT, 2017). Figura 23 Localização das glândulas salivares e sua forma histológica 1. Glândula sublingual 2. Glândula submandibular 3. Glândula parótida Sa ku rra /S hu tte rs to ck Falando mais especificamente das glândulas endócrinas, elas podem ser caracte- rizadas como aglomerados de células secretoras envoltos por capilares sanguíneos. Apresentam uma taxa basal de secreção modulada por hormônios e dependem do ambiente para reger suas funções (GARTNER; HIATT, 2017). Têm forma estrelada com núcleo central e citoplasma com longos prolongamentos que envolvem a por- ção secretora das glândulas, dotadas de células contráteis situadas entre as células secretoras e a membrana basal. Tecidos de revestimento 65 Seu processo de liberação dos produtos secretados lembra muito o de con- tração muscular, o que lhe confere a designação de células mioepiteliais. Ao con- traírem, as glândulas comprimem as porções secretoras, forçando a eliminação do produto a ser secretado (GARTNER; HIATT, 2017). As glândulas endócrinas podem ser classificadas em dois grupos: 1. Glândula tipo cordonal: suas células se organizam em cordões, colunas ou placas de células. Organização celular com diversas formas, sendo envolvidas por capilares sanguíneos que recebem produtos de secreção e distribuem pelo sangue. Exemplos: adrenal, paratireoide, ilhotas de Langerhans, hipófise (GARTNER; HIATT, 2017). Figura 24 Ilhota de Langerhans Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck Aparece como uma estrutura pálida e redonda, cercada por ácinos pancreáticos exócrinos. A estrela marca no corte histológico as ilhotas de Langerhans, e as setas apresentam os ácinos pancreáticos. 2. Glândula endócrina folicular: contém células que formam a parede de pequenas esferas denominadas folículos. As células se organizam em forma de um epitélio simples, e no interior de cada esfera se acumula a secreção. Folículos formados por um epitélio simples que pode ser pavimentoso, cúbico ou colunar. A tireoide é um exemplo de glândula endócrina do tipo folicular, secreção formada no interior sendo chamada de coloide. A parede dos folículos é formada por um epitélio simples que pode ser pavimentoso, cúbico ou colunar, a depender do estado funcional do folículo (GARTNER; HIATT, 2017). Figura 25 Corte histológico apresentando as estruturas das glândulas endócrinas foliculares da tireoide. Ve tp at ho lo gi st /S hu tte rto ck Na porção de coloração roxa clara visualizada no corte histológico, os produtos tiroidianos armazenados para liberação futura. Un kn ow n au th or / W ik im ed ia C om m on s Paul Langerhans (nascido em Berlim, Alemanha, em 1847) estudou Medicina nas Universidades de Jena e Berlim. No artigo inti- tulado Sobre os nervos da pele humana, descreveu uma nova célula epidér- mica. Essas células – as ilhotas de Langerhans – foram um enigma para os dermatologistas por mais de um século antes do reconhecimento de sua função e impor- tância imunológicas. A precisão da observação de Langerhans parece incrível quando seus desenhos de 1868, feitos com o uso de microscó- pio de luz primitivo, são comparados com a repro- dução obtida hoje com imunofluorescência. Biografia 66 Histologia e Embriologia Além do tipo de glândulas que são possíveis de visualizarmos, podemos classi- ficar as glândulas endócrinas quanto ao seu tipo de secreção. Agrupamos normal- mente em três principais grupos: glândulas musosas, secreção viscosa rica em mucoproteína, exemplo: glândulas salivares; glândulas serosas: secreção fluida e aquosa, rica em proteínas e glicoproteínas, exemplo, ácinos pancreáticos; glându- las mistas: secretam tanto serodas quanto mucosas, exemplo, glâncula subman- dibular e sublingual. 2.2 Tecido conjuntivo Vídeo O tecido conjuntivo faz parte do sistema de revestimento juntamente com o te- cido epitelial e é uma continuidade do tecido muscular e nervoso, tendo sua origem no mesoderma embrionário – surgimento na terceira semana de gestação oriunda do folheto germinativo intermediário dos tecidos embrionários. Sua característica de irrigação se deve exatamente por ser originário do mesoderma, sendo assim, suas células são conhecidas como mesenquimais ou masenquimatosas. Essas células migram por todo o corpo, dando origem aos tecidos conjuntivos e às suas células, incluindo as de osso, cartilagem, tendões, cápsulas, sangue, células hematopoiéticas e células linfoides (GARTNER; HIATT, 2017). Esse tecido é compos- to de células dispostas distantes umas das outras e de uma matriz extracelular – formada pela substância fundamental (porção que compõe a matriz extracelular) e por fibras – em que as células estão embebidas. O tecido conjuntivo tem como função: 1 2 3 4 5 Fornecer suporte estrutural Servir de meio para a troca Auxiliar na defesa e proteção do corpo Funcionar como um local para o armazenamento de gordura Atuar como suporte para conexão entre tendões e músculos junto ao tecido ósseo Ta h De si gn /S hu tte rs to ck Tecidos de revestimento 67 De maneira similar, o tecido conjuntivo forma cápsulas que envolvem órgãos e o estroma dando suporte a órgãos e tecidos. Esse tecido também funciona como um meio para trocas gasosas (oxigênio), de resíduos metabólicos e nutrientes entre grupos celulares associados. Enquanto a matriz extracelular, formada pela substância fundamental, é composta de água e conjunto de açúcares e proteínas conhecidos como glicosaminoglicanos e proteoglicanos. Estes são polímeros longos não ramificados de dissacarídeos (açúcares duplos), formadores de um comple- xo viscoso e altamente hidrofílico 1 A palavra hidrofilia é formada por hidro = água e filia = afinidade. 1 , ou seja, que apresenta grande afinidade pela água, logo, é solúvel. Sua densidade e aspecto gelatinoso são derivados exatamen- te dessa característica de reter maior quantidade de água (GARTNER; HIATT, 2017). Figura 26 Organização do tecido conjuntivo Sy st em of f/ Sh ut te rs to ck Células mesenquimais Fibras colágenas Veias sanguíneas Substância fundamental Matriz extracelular Fibras elásticas Macrófagos Adipócitos Colágeno Glicosaminoglicanos, proteoglicanos e glicoproteínas se associam a receptores proteicos específicos na superfície da célula, permitindo, assim, a união do tecido pela força tênsil e maior densidade da matriz extracelular. Além disso, os glicosami- noglicanos têm alta carga negativa, o que facilita a retenção de sódio, o que favore- cerá reter água. Quanto mais glicosaminoglicanos houver, maior será a retenção de água, em função da gelificação da matriz extracelular (GARTNER; HIATT, 2017). Os proteoglicanos são proteínas com alta afinidade aos glicosaminoglicanos, isto é, sua associação se dá pela junção de proteínas transportadoras com os gli- cosaminoglicanos, conferindo maior rigidez à matriz, resistindo à compressão e preenchendo espaços. Alguns proteoglicanos ainda podem estar ancorados na membrana, podendo se ligar a fatores de crescimento e a outras proteínas, servindo como sinal para as células. São os principais componentes das cartilagens – onde são encontrados em abundância– e sua função é atrair água para o tecido: quanto mais água asso- ciada, maior será sua densidade. Se apresentar baixa concentração na matriz, pode causar redução no volume do tecido cartilaginoso, isso por ser incapaz de reter água suficiente para manter sua maior densidade. Você sabia que os tecidos conjuntivo, cartilaginoso e ósseo têm a mesma ori- gem? O que os torna tão diferentes entre si? Sua concentração de glicosa- minoglicanos e proteogli- canos é o que definirá o processo de retenção de água e estado da matriz extracelular (densidade), assim como a inclusão de cristais à matriz, alterando ainda mais sua rigidez (YUE, 2014). Curiosidade 68 Histologia e Embriologia Por fim, entre os componentes da matriz extracelular temos as glicoproteí- nas, que medeiam a capacidade das células a se aderir a componentes da matriz extracelular. O segundo componente do tecido conjuntivo são as fibras, as quais são subdi- vididas em colágenas, reticulares e elásticas. As fibras colágenas são inelásticas e têm grande resistência à tração. O colágeno corresponde de 20 a 25% de todas as proteínas do corpo. Já as fibras elásticas são formadas por elastina e microfibrilas, podendo ser esticadas em até 150% do seu comprimento de repouso sem arrebentar. Essa elasticidade se deve à elastina proteína, e sua estabilidade devido à presença de microfibrilas. Por fim, temos as fibras reticulares, responsáveis por formar uma fina rede ao redor de capilares e de fibras musculares, nervos etc., conferindo resistência ao local em que se encontram (GARTNER; HIATT, 2017). O tecido conjuntivo embrionário, também chamado de mesenquimal (oriun- do do mesoderme embrionário), é presente somente no período embrionário de desenvolvimento, com suas células imersas em uma substância de base amorfa (fundamental), contendo fibras reticulares dispersas. Apresentam células com núcleo oval com rede de cromatina fina e nucléolo proeminente com um citoplasma escasso. Como se trata de um tecido embrioná- rio, é comum observarmos o crescimento e a diferenciação de suas células, já que esse tecido é o responsável pela origem das células do tecido conjuntivo frouxo. Acredita-se que, conforme as células mesenquimais se dispersam em novos te- cidos, o tecido embrionário vá se exaurindo até que, ao atingirmos a maturidade, não exista mais remanescentes do tecido (GARTNER; HIATT, 2017). 2.3 Tecido conjuntivo propriamente dito Vídeo O tecido conjuntivo propriamente dito pode ser separado em cinco diferentes tipos, sendo divididos conforme suas características quanto às suas células e à ma- triz extracelular. São eles: 1. Tecido conjuntivo frouxo 2. Tecido conjuntivo denso modelado 3. Tecido conjuntivo denso não modelado 4. Tecido conjuntivo reticular 5. Tecido adiposo O tecido conjuntivo propriamente dito frouxo é caracterizado por apresen- tar células conhecidas como transientes e residentes. Como o próprio nome já exem- plifica, são grupos de células móveis (transientes – células móveis e com função de monitoramento) e de células permanentes, cujo objetivo é reformular o tecido conjuntivo. Apresentando como principais grupos de célula os fibroblastos, é um tecido com pouca matriz extracelular, com presença de fibras colágenas delgadas. Tecidos de revestimento 69 Para melhor compreender o que são as células residentes e transientes do tecido conjuntivo, recomendamos a leitura do artigo Técnica histológica para a visualização do tecido conjuntivo voltado para os ensinos fundamental e médio, dos autores Nilza Cristina Buttow e Maria Euride Carlos Cancino. Acesso em: 9 fev. 2022. https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ArqMudi/article/view/20001/10840 Artigo Por ter menor concentração ou mesmo ausência de fibras colágenas, o tecido conjuntivo frouxo não é considerado resistente a pressões mecânicas e trações muito intensas. É encontrado em muitos locais do organismo, sendo atribuído às suas funções o suporte de epitélios de revestimento e glandulares, bem como a condução de vasos e nervos (Figura 27). Figura 27 Tecido conjuntivo frouxo típico pertencente à submucosa do estômago. O fluido extracelular em circunstância normal retorna aos capilares sanguíneos ou vasos linfáticos para voltar ao sangue. Porém pro- cessos inflamatórios prolongados causam acúmulo de fluidos no tecido conjuntivo frouxo, muito além do que pode retornar via circulação. Isso resulta em grande inchaço ou edema nas áreas afetadas. O edema resulta muitas vezes em liberação de histamina (um potente vasodilata- dor) e leucotrienos que aumentam a permeabili- dade capilar, bem como a obstrução dos vasos venosos ou linfáticos (GARTNER; HIATT, 2017). Saiba mais O colágeno aparece como fibras isoladas e feixes de fibras onduladas. Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck O tecido conjuntivo denso modelado (Figura 28) é constituído da maior quanti- dade de matriz extracelular com a presença de fibras colágenas do tipo I. Suas fibras são muito organizadas, diferentemente do tecido denso não modelado, geralmente espessas e com disposição paralela. Quando essas fibras encontram-se em paralelo e mais alinhadas, o tecido recebe a denominação de denso regular. Sua principal caracte- rística é a organização dos feixes densamente compactados e orientados em cilindros paralelos ou lâminas que resistem à tração ou contra a força. Figura 28 Corte transversal do tendão humano sob a visão do microscópio para histologia educacional A substância fundamental e as células são comprimidas devido ao estreitamento das fibras colágenas nesse tipo de tecido. Normalmente encontrado em ligamentos, tendões e aponeuroses, o tecido denso regular apresenta fibroblastos finos em forma de folha localizados entre os feixes colágenos (pontos roxos ao longo das fibras colágenas, com coloração rosácea). Ch ok sa wa td ik or n/ Sh ut te rs to ck https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ArqMudi/article/view/20001/10840 70 Histologia e Embriologia O tecido conjuntivo denso apresenta mais matriz extracelular com a presença de fibras colágenas em diferentes espessuras. Suas células residentes encontradas predominantemente são os fibroblastos e fibrócitos. Uma maneira fácil de diferen- ciarmos o tecido é observarmos em microscopia suas fibras dispostas de maneira desorganizada, sendo denominado tecido conjuntivo denso não modelado (Figura 29). Figura 29 Tecido conjuntivo denso não modelado da derme reticular Mostrando feixes densamente compactados de fibras de colágeno (manchados em vermelho). Sob a epiderme (azul), a derme papilar apresenta um tecido mais frouxo. Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck As fibras colágenas encontradas no tecido denso irregular são caracterizadas pelo seu arranjo grosseiro e são entrelaçadas em uma rede que resiste à ação do estresse em todas as direções, não tendo um padrão de disposição. Os feixes de colágeno – com finas redes de fibra elástica costumando estar espalhadas ao redor – são compactados de maneira tão densa que o espaço é limitado para a substância fundamental e as células. Esse tecido constitui a derme da pele, as bainhas dos nervos, dos testículos, dos ovários, dos rins e dos nódulos linfáticos (GARTNER; HIATT, 2017). O tecido reticular (Figura 30) é rico em fibras reticulares que formam uma rede tridimensional que dá suporte a células livres em suas malhas. É encontra- do nos órgãos linfoides e hematopoiéticos (isto é, produtores de células sanguí- neas). Possui fibras colágenas do tipo III em maior abundância em seu tecido, estas sintetizadas pelos fibroblastos. Figura 30 Glândula adrenal Método de prata para fibras reticulares. A imagem mostra um córtex adrenal no qual as zonas glomerular, fasciculada e reticular são distinguidas. A medula está na margem direita. Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck Tecidos de revestimento 71 Outro tipo é o tecido adiposo, que pode ser classificadoem dois tipos, depen- dendo da coloração dos adipócitos – que podem ser unicolares ou multicolares – e outros fatores relacionados a vascularização e atividade metabólica. Sua nutrição é realizada por uma vasta rede de vasos sanguíneos que formam capilares por toda a extensão do tecido (GARTNER; HIATT, 2017). Apresenta seu nú- cleo achatado e na periferia da célula, com todo o restante de seu interior ocupado por gota lipídica (Figura 31). Figura 31 Tecido adiposo branco corado com HE. Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck Os adipócitos (células de gordura) contêm uma grande gota lipídica rodeada por uma fina camada de citoplasma. O núcleo é achatado e localizado na periferia. A gordura branca (unilocular) está presente nas camadas cutâneas mais pro- fundas de todo o nosso corpo. Conforme o sexo e a idade, há alguns locais especí- ficos em que o acúmulo dela passa a ocorrer também. Por exemplo, em homens, a gordura é armazenada nas áreas do pescoço, ombros, quadris e nádegas. Já nas mulheres ela normalmente se armazena nos seios, nas nádegas, nos quadris e na parte lateral das coxas. Além da região abdominal sobre o avental omental e os mesentérios em que a distribuição é a mesma em ambos os sexos (GARTNER; HIATT, 2017). O tecido adiposo multilocular, conhecido como gordura marrom, é característico por seu armazenamento com maior quantidade de gotas de gordura. Apresenta uma organização lobular e um suprimento ao estilo de uma glândula, sendo rica- mente vascularizado, pois tem vasos sanguíneos distribuídos próximos aos adipóci- tos. Diferentemente do adipócito unilocular, o multilocular apresenta terminações nervosas não mielinizadas com penetração no tecido. O tecido adiposo marrom está associado à produção de calor corporal devido à grande quantidade de mitocôndrias nos adipócitos multiloculares, com sua capa- cidade de geração de energia sendo 20x maior que a da gordura branca. Em am- bientes frios, a temperatura corporal pode ser mantida pela eficácia na oxidação de ácidos graxos da gordura marrom (GARTNER; HIATT, 2017). CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo observamos as principais características dos tecidos de revestimento, desde sua organização celular basal até as porções mais superficiais. Isso nos permitiu identificar as diferentes nuances de cada porção desses tecidos, isto é, suas característi- cas celulares especializadas que permitem que o tecido possa desempenhar seu papel. 72 Histologia e Embriologia O que conhecemos como tecido de revestimento contempla três grandes grupos de tecido, cada um com suas peculiaridades. Além disso, esse tecido ainda conta com células que se adaptam e formam as nossas glândulas secretoras – sejam elas umec- tantes e importantes para a hidratação do tecido ou até mesmo para a manutenção da temperatura corpórea, como também responsáveis pela liberação de hormônios. A base do tecido de revestimento é o tecido conjuntivo, por meio dele é que temos a nutrição do tecido epitelial, além disso serve como barreira devido à sua matriz extracelu- lar, conferindo um ambiente mais espaçado entre as células e uma maior rigidez ao tecido. Por fim, o tecido de revestimento é bem mais complexo do que um emaranhado de células amontoadas com função de sustentação. É fundamental compreendê-lo para entendermos a complexidade de organismos pluricelulares e como, em um pequeno espaço físico, podemos encontrar um grupo tão diferenciado de células, cada um com um propósito. ATIVIDADES Atividade 1 O tecido epitelial é um conjunto de células justapostas e faz parte do complexo grupo de tecidos ligado ao revestimento, sendo caracterizado por uma série de adaptações que permitem a apro- ximação de uma célula à outra. Descreva quais são essas adapta- ções e à qual estrutura celular de sustentação elas estão ligadas. Atividade 2 Qual é a importância dos melanócitos e dos queratinócitos para o tecido epitelial de revestimento queratinizado? Explique. Atividade 3 O tecido conjuntivo é formado por sete diferentes tipos de tecido, sendo encontrado em uma região conhecida como derme. Apresenta uma característica diferente do tecido epitelial: o espa- çamento entre suas células pela presença de uma matriz extrace- lular, a qual é responsável por sua consistência gelatinosa. Desse modo, descreva os principais componentes da matriz extracelular e sua importância para o tecido conjuntivo. REFERÊNCIAS ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. Disponível em: https://tga.blv. ifmt.edu.br/media/filer_public/57/cc/57cc20c0-9ebd-48b4-b539-4b7e85100837/alberts_-_biologia_molecular_ da_celula_-_6ed_-_2017.pdf. Acesso em: 30 mar. 2022. GARTNER, L. P.; HIATT, J. L. Tratado de histologia em cores. 4. ed. Filadélfia: Saunders/Elsevier, 2017. OLIVEIRA, L. B. O. et al. Histologia dos tecidos: guia prático. Pelotas: M. G. T. Rheingantz, 2019. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/histologiaguiapratico/files/2018/11/Livro_Histo.Tecidos.pdf. Acesso em: 30 mar. 2022.. Acesso em: 30 mar. 2022. JUNQUEIRA, L. C. U.; CARNEIRO, J. Histologia Básica. 11, ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. YUE, B. Biology of the extracellular matrix: an overview. Journal of Glaucoma, v. 23, n. 8, out./nov. 2014. Disponível em: http://journals.lww.com/00061198-201410001-00007. Acesso em: 30 mar. 2022.. Acesso em: 30 mar. 2022. https://tga.blv.ifmt.edu.br/media/filer_public/57/cc/57cc20c0-9ebd-48b4-b539-4b7e85100837/alberts_-_biologia_molecular_da_celula_-_6ed_-_2017.pdf https://tga.blv.ifmt.edu.br/media/filer_public/57/cc/57cc20c0-9ebd-48b4-b539-4b7e85100837/alberts_-_biologia_molecular_da_celula_-_6ed_-_2017.pdf https://tga.blv.ifmt.edu.br/media/filer_public/57/cc/57cc20c0-9ebd-48b4-b539-4b7e85100837/alberts_-_biologia_molecular_da_celula_-_6ed_-_2017.pdf https://wp.ufpel.edu.br/histologiaguiapratico/files/2018/11/Livro_Histo.Tecidos.pdf http://journals.lww.com/00061198-201410001-00007 Tecidos de suporte 73 3 Tecidos de suporte Neste capítulo estudamos os principais grupos de tecido ligados ao suporte de nosso corpo, bem como suas características e peculiaridades. Como o próprio nome menciona, os tecidos de suporte fazem parte de um seleto grupo de células adaptadas e com função de sustentação, além de sinalização, movimentação e nutrição dos teci- dos. São assim chamados por sua capacidade de “suporte” a organismos complexos, isto é, possibilitam a sustentação por adaptação do tecido conjuntivo em cartilaginoso e ósseo (ambos dão maior rigidez a porções do corpo e permitem maior resistência à tração e aos choques, fazendo com que o corpo humano suporte grandes pressões). Esses tecidos estão separados em tecido conjuntivo especializado – dividido em tecido cartilaginoso, ósseo e sanguíneo –, com papel fundamental na nutrição e defesa de nosso organismo; tecido muscular – separado em muscular liso, estriado e cardíaco –, responsá- vel pela força e capacidade de movimentação; e, por fim, tecido nervoso – organizado em sistema nervoso central (SNC) e periférico (SNP) –, considerado um tecido de comunica- ção, capaz de receber e interpretar estímulos e responder a eles. Com o estudo deste capítulo você será capaz de: • identificar as principais características dos tecidos conjuntivos especializados (tecido sanguíneo, cartilaginoso e ósseo); • reconhecer os principais aspectos dos tecidos musculares (tecido muscular liso, es- triado e cardíaco); • conhecer os principais atributos dos tecidos nervosos e compreender as alterações celulares e sua importância na organização dos diferentes tipos de tecido nervoso. Objetivos de aprendizagem 3.1 Tecido conjuntivo especializado Vídeo O tecido conjuntivo especializado é uma variação do tecido conjuntivo, com as principais características estando na variação de fibras colágenas, na quantidade de proteoglicanos e glicosaminoglicanos e na capacidade de maior retenção de água e possibilidade de cristalização – como no tecido ósseo –, permitindoresistência à tração e matriz mais sólida que a do tecido conjuntivo propriamente dito ( GARTNER; HIATT, 2013), ambos tecidos ligados à sustentação e resistência. Dividindo esse tecido, o tecido sanguíneo – com a formação de células verme- lhas e brancas (sistema imune) – é o responsável pelo transporte de oxigênio e nutrientes para os demais tecidos, assim como as células brancas associadas à de- fesa do organismo ( GARTNER; HIATT, 2013). O último tecido componente do seleto grupo de tecidos de suporte é o muscular, com sua alta capacidade de contração, permitindo o movimento do corpo. 74 Histologia e Embriologia 3.1.1 Tecido sanguíneo O tecido sanguíneo pode ser considerado um tecido líquido, devido as suas ca- racterísticas celulares e a presença de líquido em sua composição específica, que o fazem se diferenciar de seu tecido de origem, o tecido conjuntivo ( GARTNER; HIATT, 2013). O tecido sanguíneo compõe cerca de 7% do peso corporal e é constituído de ele- mentos figurados: as hemácias (ou eritrócitos), os leucócitos e as plaquetas – esta última suspensa em ambiente líquido (matriz extracelular), conhecido como plasma. Além disso, a sua matriz líquida permite que o tecido sanguíneo desempenhe o papel de transporte de oxigênio e nutrientes e de excreção de sobras metabólicas para os tecidos de maneira eficiente, realizando o transporte desses solutos via difusão simples – do meio mais concentrado para o menos concentrado ( GARTNER; HIATT, 2013). Em mamíferos, um fator fisiológico importante é a regulação térmica, em que somos considerados homeotérmicos (ou seja, capazes de regular a pró- pria temperatura independentemente das características ambientais), fator asso- ciado ao tecido sanguíneo (Figura 1). Figura 1 Tecido sanguíneo W .Y . S un sh in e/ Sh ut te rs to ck É possível visualizar as hemácias (coloração roxa com o centro claro, sem a presença de núcleo) e os glóbulos brancos de defesa (setas). O sangue parte do tecido sanguíneo e apresenta a seguinte composição, ca- racterizada em dois grupos: 1. 1 0t op ve ct or /S hu tte rs to ck 2. P uw ad ol J at ur aw ut th ic ha i/S hu tte rs to ck 1. 2. Componente celular (45% do volume): eritrócitos (hemácias), leucócitos (células brancas) e trombócitos (plaquetas) Componente líquido (55% do volume): plasma Tecidos de suporte 75 O plasma é considerado uma solução aquosa que contém componentes de pequeno e elevado peso molecular, conforme o quadro a seguir apresenta. Quadro 1 Principais componentes do plasma Componentes principais Porcentagem (%) Proteínas plasmáticas 7 Sais inorgânicos 0,9 Glicose Aminoácidos livres Vitaminas Hormônios 91,1 Fonte: Elaborado pelo autor com base em Gartner; Hiatt, 2013. Entre os grupos de proteínas plasmáticas visíveis no plasma, teremos como as principais: • Albumina: manutenção da pressão osmótica. • Imunoglobulinas (alfa, beta e gama): produção de anticorpos. • Lipoproteínas: metabolismo de lipídios (transporte de colesterol e triglicerídeos). • Protrombina: coagulação sanguínea. • Fibrinogênio: coagulação sanguínea. A segunda parte do tecido sanguíneo é chamada de eritrócitos, formados pelas hemácias, também conhecidas como glóbulos vermelhos. Diferentemen- te do que é observado em peixes, anfíbios, répteis e aves, em que as hemá- cias apresentam núcleo ( VILA, 2013), em mamíferos os glóbulos vermelhos são anucleados ( GARTNER; HIATT, 2013), apresentam a forma de um disco bicôn- cavo mantido por proteínas do citoesqueleto, principalmente os filamentos intermediários (ALBERTS et al., 2017). As características fisiológicas serão ou- tro fator importante com relação à quantidade de glóbulos vermelhos encon- trados em humanos, isto é, devido à condição hormonal e às características de composição física, as concentrações de glóbulos vermelhos variam entre homens e mulheres: • Mulheres ~ 3,9 a 5,5 milhões mm3. • Homens ~ 4,1 a 6,0 milhões mm3. O principal componente dos eritrócitos é a hemoglobina (Figura 2), forma- da por uma junção quaternária de uma proteína – a globina – com um grupo prostético heme – a porção heme, que se encontra associada ao ferro, e a porção globina desempenharão a função de absorção de oxigênio e nutrientes para os tecidos. A globina necessita do grupo heme para ter maior afinidade com o oxigênio (ALBERTS et al., 2017). 76 Histologia e Embriologia Figura 2 Estrutura da hemoglobina Cadeia beta 1 Cadeia alfa 1 Cadeia alfa 2 Fe2+ Cadeia beta 2 Sh ad eD es ig n/ Sh ut te rs to ck A hemoglobina origina-se de um processo conhecido como eritropoiese, cuja origem em adultos se dá na medula óssea; já em embriões/fetos a formação ocor- re nos primeiros estágios de vida, após a terceira semana de gestação, pelo saco vitelínico, sendo posteriormente substituído pelo fígado e baço e, no período final de gestação, pela medula óssea ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021a; MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021b). 3.1.2 Tecido cartilaginoso O tecido cartilaginoso é considerado uma especialização do tecido conjuntivo, mas tendo como função o suporte a tecidos moles, o revestimento de superfícies articulares e a proteção a choques. Além disso, tem estreita relação com o tecido ósseo, por ser considerado precursor na sua formação, bem como por auxiliar no deslizamento entre regiões articulares. Sua presença é evidenciada principalmente em estruturas que necessitem de maior resistência, sendo encontrado no tecido conjuntivo fibroso – com grandes concentrações de fibras colágenas, formando feixes de alta resistência, como em tendões e ligamentos – e no esqueleto transitório embrionário. Todo o molde do esqueleto primário do embrião/feto é formado por carti- lagem durante as primeiras semanas de gestação, enquanto ocorre a formação dos órgãos e tecidos. Somente no período que compreende a quinta semana é que ocorre o início da ossificação, porém, a consolidação da mineralização se dá somente a partir da 15ª semana. Segundo Gartner e Hiatt (2013) e Moore, Persaud e Torchia (2021a; 2021b), o processo final de formação do esqueleto pelo tecido ósseo só ocorrerá após o primeiro ano de vida, em um período conhecido como pós-natal. Por fim, algumas partes de nosso organismo serão formadas por tecido cartilaginoso sem minerali- zação: as articulações e a estrutura do nariz e da orelha (Figura 3). O vídeo Intoxicação monó- xido de carbono, do canal Fechado com a segurança, apresenta a necessidade de cuidado e precau- ção em ambientes com baixa oxigenação ou muita circulação de monóxido, já que ele compete com o oxigênio e tem afinidade com o ferro. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=RgNh_ hVE8BM. Acesso em: 29 mar. 2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=RgNh_hVE8BM https://www.youtube.com/watch?v=RgNh_hVE8BM https://www.youtube.com/watch?v=RgNh_hVE8BM Tecidos de suporte 77 Figura 3 Tecidos cartilaginosos sem mineralização 1. C re vis /S hu tte rs to ck 2. A ld on a Gr isk ev ici en e/ Sh ut te rs to ck 3. S cie Pr o/ Sh ut te rs to ck (A) (B) (C)1 2 3 (A) Articulação do joelho com cartilagem saudável, anterior e posterior. (B) As cartilagens nasais são as cartilagens septal, lateral, alar maior e alar menor. (C) Esqueleto cartilaginoso em um feto de nove semanas de desenvolvimento. O tecido cartilaginoso possui matriz extracelular abundante, formada por glicopro- teínas denominadas condromucina (ricas em sulfato de condroitina). A condroitina será responsável pela absorção de água e incorporação à matriz extracelular, dando – junto às fibras colágenas e elásticas – maior consistência ao tecido (GARTNER; HIATT, 2013). Assim como o tecido conjuntivo, as células responsáveis pela manutenção do tecido cartilaginoso (formação e reparo) são os condroblastos e os condrócitos. Por não possuir contato com vasos sanguíneos, linfáticos e nervos – como o tecido conjuntivo – a cartila- gem terá estruturascelulares denominadas lacunas, que se encontram dentro da matriz extracelular secretada por estas. Como no tecido epitelial, o tecido cartilaginoso recebe seus nutrientes provenientes do tecido conjuntivo pelo processo de difusão simples. O processo de nutrição é organizado em duas possibilidades. Primeiro a cartilagem é recoberta por uma estrutura conhecida como pericôndrio z (composto de uma camada fibrosa externa e uma camada celular interna, cujas células – condroblastos – secretam a matriz extracelular do tecido cartilaginoso). O pericôndrio é a estrutura do tecido cartila- ginoso vascularizada (embebida em uma matriz de tecido conjuntivo), responsável pela nutrição desse tecido. Nas localidades em que não é encontrado pericôndrio, a nutrição é feita pelo líquido sinovial (Figura 4), que banha as superfícies das articulações ( GARTNER; HIATT, 2013; ALBERTS et al., 2017). As características da matriz extracelular e o local de atuação do tecido cartilaginoso permitem que este atue como um grande amortecedor nas articulações e seja um componente importante para a mobilidade. Figura 4 Articulação com líquido sinovial jo sh ya /S hu tte rs to ck Líquido sinovial Cartilagem da articulação OssoMúsculo Cápsula da articulação 78 Histologia e Embriologia Quanto à organização da cartilagem, podemos separá-la em três grupos distin- tos (Figura 5): 1. Cartilagem hialina; 2. Cartilagem elástica; 3. Cartilagem fibrosa (ou fibrocartilagem). Figura 5 Diferentes tipos de cartilagem do corpo humano Ve ct or M in e/ Sh ut te rs to ck Orelha Condrócitos em lacunas Condrócitos em lacunas Condrócitos em lacunas Fibra elástica na matriz Matriz Traqueia e brônquios Disco invertebral Fibra colágena na matriz Cartilagem elástica Cartilagem hialina Fibrocartilagem Região auricular externa Parte do septo nasal Almofadas nas articulações do joelho Disco intervertebral Superfície do osso e articulação sinovial Entre as costelas e o esterno Suporte da laringe Traqueia e brônquios Epiglote Tuba auditiva Cartilagem cuneiforme da laringe Quanto ao processo nutricional, o pericôndrio está presente na maioria das cartila- gens hialinas e elásticas, mas ausente nas fibrocartilagens. De tonalidade cinza-azulada e de aspectos semitransparente e flexível, a cartilagem hialina (Figura 6) é avascular, composta basicamente de condró- citos e matriz extracelular de aparência homogênea e altamente especializada. Apresenta proteínas colágenas do tipo II, glicosaminoglicanos, proteoglicanos e glicoproteínas multiadesivas. Os condrócitos são distribuídos em unidades ou agrupamentos denominados grupos isógenos, situados em lacunas na matriz ex- tracelular que os circunda. Sendo uma das cartilagens mais abundantes no nos- so corpo, pode ser encontrada em adultos na estrutura da laringe, da traqueia e dos brônquios, nas extremidades das costelas e na superfície das articulações sinoviais. É o constituinte mais abundante do esqueleto fetal, fundamental para o crescimento dos ossos ( GARTNER; HIATT, 2013; MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021a; MOORE, PERSAUD; TORCHIA, 2021b). Em crianças e adolescentes a cartilagem hialina estará presente nos discos epi- fisários, nos quais ocorre o crescimento dos ossos longos. Células mesenquimais tendem a retrair seus prolongamentos e tornar-se arredondadas e reunidas em massas densas chamadas de centro de condrificação, local em que a cartilagem é formada. Essas células diferenciam-se em condroblastos e iniciam a típica secreção da matriz cartilaginosa. À medida que o processo ocorre, os condroblastos ficam Tecidos de suporte 79 envolvidos por sua própria matriz em pequenos compartimentos individuais co- nhecidos como lacunas ( GARTNER; HIATT, 2013). Figura 6 Cartilagem hialina D. K uc ha rs ki K . K uc ha rs ka /S hu tte rs to ck Na região central é possível visualizar os condrócitos agrupados em grupos isógenos em lacunas. Existem três classes de moléculas na matriz da cartilagem hialina: 1. Moléculas de colágeno: o colágeno é a proteína principal da matriz, com quatro tipos participando da formação de malha tridimensional e relativamente fina (diâmetro de 20 nm) e com fibrilas curtas da matriz. A maior parte das fibrilas é constituída de colágeno do tipo II, mas ainda há a presença de colágeno do tipo IX, que facilita a interação de fibrilas com moléculas de proteoglicanos da matriz; colágeno do tipo X, que organiza as fibrilas de colágeno em uma rede hexagonal tridimensional, crucial para o seu bom desempenho e a função mecânica de sucesso; e, por fim, colágeno do tipo XI, responsável por regular o tamanho de fibrilas. 2. Proteoglicanos: a substância fundamental da cartilagem hialina contém três tipos de glicosaminoglicanos: ácido hialurônico, sulfato de condroitina e sulfato de queratano. 3. Glicosaminoglicanos: são heteropolissacarídeos que têm como estrutura básica unidades alternadas de hexosamina e açúcar não nitrogenado unidas por ligações glicosídicas. Como na matriz solta de tecido conjuntivo, a condroitina e o sulfato de quera- tano da matriz da cartilagem são unidos a uma proteína do núcleo para formar um monômero de proteoglicanos. Os proteoglicanos, assim como no tecido con- juntivo, ao se misturarem ao colágeno, dão maior densidade e retêm mais líqui- do, tornando a matriz mais rígida (GARTNER; HIATT, 2013). A interação dos proteoglicanos com ácido hialurônico, decorina, biglicanos junto ao colágeno é feita para formar uma rede intrínseca que torna a estrutura mais resistente. A formação do pericôndrio está ligada a células mesenquimais localizadas na periferia, as quais se diferenciam em fibroblastos que formarão o pericôndrio ( GARTNER; HIATT, 2013). Ademais, o pericôndrio é formado por duas camadas: uma fibrosa externa composta de colágeno do tipo I, fibroblastos e vasos sanguíneos e outra interna composta essencialmente de células condrogênicas. Conforme as células de um 80 Histologia e Embriologia grupo isógeno produzem a matriz, elas vão se separando umas das outras, for- mando lacunas individuais e, dessa maneira, aumentando a cartilagem de dentro para fora. Esse tipo de crescimento é chamado de intersticial, ocorrendo apenas na fase inicial de formação de cartilagem hialina. A cartilagem articular, como já mencio- nado, não possui pericôndrio e aumenta em tamanho apenas pelo crescimento intersticial, o qual ocorre também nas placas da epífise dos ossos longos, em uma orientação longitudinal que permite, assim, o processo de crescimento desses ossos ( GARTNER; HIATT, 2013). A cartilagem elástica, além de conter os mesmos componentes da cartila- gem hialina, possui em sua matriz uma densa rede de fibras elásticas, conferin- do maior elasticidade e resistência (assim como visto na cartilagem hialina) ao tecido. Os condrócitos na cartilagem elástica, em relação à cartilagem hialina, apresentam-se em tamanho maior e maior número. Podem ser binucleados e encontrar-se de maneira isolada na matriz ou formando grupos isógenos irre- gulares, tendo em vista que esse tipo de cartilagem não passa pelo processo de crescimento intersticial, mas organizado somente por aposição 1 A aposição pode ser ca- racterizada pela junção de alguma coisa a outra, nesse contexto, união de células que formarão a cartilagem. 1 . Possuem pericôndrio e, pela sua organização, estão menos sujeitos a proces- sos degenerativos, como da cartilagem hialina ( GARTNER; HIATT, 2013). São co- mumente achados no pavilhão auditivo externo, na tuba auditiva e na epiglote, assim como formando algumas peças cartilaginosas da laringe. Por fim, a cartilagem fibrosa (Figura 7) é uma estrutura intermediária entre o tecido conjuntivo denso e a cartilagem hialina. Sua matriz possui fibras colágenas do tipo I e II, o que caracteriza uma versão intermediária entre o tecido conjuntivo denso e a cartilagem hialina. Seus condrócitos estão dispostos em filas alonga- das,e sua matriz é acidófila com substância fundamental escassa e limitada pelas lacunas dos condrócitos. Não há pericôndrio circundante no tecido, como é en- contrado na cartilagem hialina e elástica ( GARTNER; HIATT, 2013). Figura 7 Cartilagem fibrosa 1. M or ph ar t C re at io n/ Sh ut te rs to ck 2. D rW D4 0/ Sh ut te rs to ck (A) (B) 1. 2. (A) Ilustração de uma fibrocartilagem branca de um ligamento intervertebral. Consiste em uma mistura de tecido fibroso branco e cartilaginoso em várias proporções. (B) Histologia do tecido da traqueia humana, que mostra tecido cartilaginoso e conjuntivo com visão de microscópio. Tecidos de suporte 81 3.1.3 Tecido ósseo O tecido ósseo é uma adaptação do tecido conjuntivo e tem suas características muito parecidas com o tecido cartilaginoso, com sua grande diferença estando no processo de absorção de Ca+ (cálcio), P (fósforo) e Mg (magnésio) pela matriz extrace- lular que possibilita a mineralização da matriz. Entre suas funções está dar suporte e proteção aos tecidos moles e órgãos vitais, alojar e proteger a medula óssea e apoiar o músculo esquelético, transformando contrações em movimentos. Esse tecido é formado por células residentes do tecido conjuntivo originadas do mesênquima e por uma abundante matriz extracelular, possuindo dois tipos de células residentes: • Maduras: plenamente diferenciadas e funcionais. • Imaturas: com menor grau de diferenciamento e funcionalidade, quando so- licitadas, podem entrar em atividade e sofrer diferenciação em células ósseas maduras. A organização da matriz se dá de maneira semelhante, em que células madu- ras habitam regiões similares às das lacunas, como visualizado nos condrócitos do tecido cartilaginoso ( GARTNER; HIATT, 2013). A matriz extracelular do osso é diferenciada, pois é constituída de uma porção orgânica e outra mineralizada. A orgânica é formada por fibras de colágeno do tipo I – dependendo do tipo ósseo –, e em seu grau de amadurecimento há disposição das fibras que podem ser en- contradas de maneira desorganizada ou em maior grau de organização. Já a por- ção mineralizada caracteriza-se pela calcificação da matriz, o que ocorre devido à deposição de cristais de hidroxiapatita (formados por fosfato de cálcio) sobre as fibras colágenas da matriz. A observação em microscopia do tecido ósseo muitas vezes nos leva a uma dedução equivocada de que esse tecido é estático, porém ele pode ser conside- rado muito dinâmico, tendo partes reconstruídas e reabsorvidas o tempo todo (GARTNER; HIATT, 2013). Você sabe como observar a dinâmica do tecido ósseo? Um bom teste para fazer em casa é observar a nossa altura no início do dia, ao acordamos, e ao fi- nal do dia. Normalmente perdemos cerca de 3 cm de tecido ósseo ao longo do dia, principalmente na região das plantas dos pés, o que ocorre pelos choques e impactos que ocasionamos na região quando caminhamos ou corremos e pela própria pressão atmosférica. Quando repousamos, entra em ação um seleto grupo de células ósseas, os osteoclastos, que irão realocar parte desses fragmentos e remineralizar a matriz extracelular, recompondo parte de tecido. Contudo, essa capacidade passa a diminuir, e com o passar dos anos vamos perdendo altura por falhas no sistema de remineralização óssea ( TANNER et al., 1975). Na prática A remodelação constante do osso se dá em virtude de diversos estímulos, tais como tensão e pressão mecânicas, fatores nutricionais e/ou endócrinos e fraturas. Além disso, parte do Ca+ absorvido para o processo de mineralização é constante- mente retirada de locais como o retículo sarcoplasmático via corrente sanguínea 82 Histologia e Embriologia para reestruturação do tecido e vice-versa, isto é, reabsorção óssea e liberação de cálcio para contração muscular e outras funções. Todo osso é recoberto por membranas de tecido conjuntivo conhecidas como células osteogênicas, encontradas na superfície interna pelo endósteo e na superfí- cie externa pelo periósteo. As duas camadas fornecem novos osteoblastos para o crescimento e a recuperação dos ossos ( GARTNER; HIATT, 2013). Figura 8 Estrutura óssea, periósteo e endósteo Al ex an de r_ P/ Sh ut te rs to ck Endósteo Medula óssea Osso compacto Periósteo Artéria nutricional Periósteo Osso compacto Cavidade medular Linha epifisária Osso esponjoso Epífise proximal Diáfise Diáfise distal Osso compacto Osso esponjoso Artéria nutricional Cartilagem articular As estruturas estão apontadas pelas setas. O tecido ósseo é formado por três tipos de células: 1. Osteócitos: células achatadas essenciais para a manutenção da matriz óssea, que ocupam as lacunas encontradas no interior da matriz. Nessa porção das lacunas se encontram os canículos (responsáveis pela nutrição dos osteócitos – nas lacunas são possíveis as trocas de moléculas e íons entre os capilares sanguíneos e os osteócitos). Após sua apoptose ocorre a reabsorção da matriz (Figura 9). 2. Osteoblastos: células que sintetizam a parte orgânica da matriz óssea. Compostos de fibrilas de colágeno do tipo I, proteoglicanos e glicoproteínas, são capazes de concentrar fosfato de cálcio, sendo o agente ativo no processo da mineralização da matriz. Apresentam disposição lado a lado nas superfícies ósseas, o que lembra muito o arranjo do tecido epitelial (Figura 9). Sua forma é alternada conforme sua atividade celular: quando muito ativos, são cuboides, quando menos ativos, tornam-se achatados. Quando a matriz rodear os osteoblastos, ocorre a formação das lacunas, e eles passam a ser denominados osteócitos. 3. Osteoclastos: células móveis gigantes multinucleadas e extensamente ramificadas que realizam a reabsorção óssea. O local em que ocorre esse processo recebe a designação de zona clara. Os osteoclastos são secretados para a zona clara ácido (H+), colagenase e outras hidrolases que atuam Tecidos de suporte 83 localmente digerindo a matriz óssea e dissolvendo os cristais de sais de cálcio. A atividade dos osteoclastos é coordenada por um grupo de proteínas do sistema imune inato denominadas citocinas e por hormônios secretados pelas glândulas tireoide e paratireoide (Figura 9). Figura 9 Componentes celulares do tecido ósseo st ud io vin /S hu tte rs to ck Osteoblasto Osteócitos Matriz óssea Osteoclasto Tecido conjuntivo A matriz óssea tem como característica sua constituição por material orgâni- co e inorgânico. A porção inorgânica é formada por sais minerais, cujos princi- pais componentes encontrados são fosfato de cálcio (85%), carbonato de cálcio (10%), fluoretos de cálcio (2,5%) e magnésio (2,5%). A porção orgânica é consti- tuída de fibras colágenas – colágeno do tipo I, proteoglicanos e glicoproteínas (GARTNER; HIATT, 2013). A histogênese do tecido ósseo é formada por meio de dois tipos de ossifica- ção: intramembranosa e endocondral. A intramembranosa ocorre nos ossos chatos da cavidade craniana, por meio de células mesenquimatosas (células mesenquimais oriundas do tecido conjunti- vo), as quais se diferenciam em osteoblastos, que começam a formar o centro de ossificação primário, isto é, o blastema ósseo (conjunto de células que encurtam/ retraem o prolongamento, tornando-se mais curtas e dividem-se para começar a produzir a matriz óssea). Daí temos a origem das trabéculas (lamínulas ósseas que, arranjadas entre si, deixam pequenos espaços – lacunas – entre o canal medular, recebendo o nome de trabécula) do osso com osteócitos no seu interior e osteo- blastos na periferia (GARTNER; HIATT, 2013). A endocondral ocorre nos ossos longos, na região das epífises, local em que há o molde de cartilagem hialina, sendo considerado o centro de ossificação pri- mária. Ele é invadido por vasos sanguíneos que trazem células osteoprogenitoras A osteoporose é uma patologia associada ao tecido ósseo em que o processo de mineralização e recomposição do tecido não se faz de maneira ade- quada, levando a um osso“aerado” e frágil. No vídeo Osteoporose – Como ocorre, do Canal da Osteoporose Dr. Claudio Mancini, você pode entender um pouco mais sobre esse tecido e as falhas na sua manutenção. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=T6l3_ aG0p04. Acesso em: 29 mar. 2022. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=T6l3_aG0p04 https://www.youtube.com/watch?v=T6l3_aG0p04 https://www.youtube.com/watch?v=T6l3_aG0p04 84 Histologia e Embriologia que realizam o processo de formação da matriz óssea. Os condrócitos da cartila- gem hialina sofrem alterações morfológicas até sua destruição por apoptose, o que diminui a porção cartilaginosa. A matriz óssea forma-se – inicialmente na diáfise do osso por meio do colar pe- riosteal e do centro de ossificação primário –, progredindo seu desenvolvimento e crescimento para as extremidades do osso. Posteriormente, centros de ossifi- cação secundários são formados nas epífises do osso, permitindo a substituição da cartilagem hialina por tecido ósseo, em que toda a cartilagem é mineralizada e substituída por tecido ósseo. Esse processo, porém, não ocorre em superfície articular e na placa epifisária (GARTNER; HIATT, 2013). 3.2 Tecido muscular Vídeo O tecido muscular, originado de células mesodérmicas, tem a habilidade de permitir contração e distensão de suas células. Apesar de muitas outras células de organizações multicelulares possuírem a habilidade de contração, a organiza- ção do tecido muscular e o sincronismo celular permitem movimento complexo e especializado de animais e humanos. Suas células, denominadas musculares, são alongadas, multinucleadas e cilíndricas e contêm miofilamentos (miofibrilas), por essa razão também são chamadas de fibras musculares. Essas fibras têm em comum a presença de grande quantidade de proteínas contráteis, representadas principalmente por miosina e actina, com as suas organizações variando nas células conforme o tipo de tecido muscular. O mo- vimento é consequência da sua grande capacidade de contração (por serem células alongadas, é possível ocorrer o encurtamento longitudinal, gerando mo- vimento). Se as células contraem-se sem que seja permitido um encurtamento, geram tensão – tônus ( GARTNER; HIATT, 2013). Distinguem-se em três tipos de tecido muscular (Figura 10): 1. Músculo estriado esquelético: feixes de células cilíndricas longas e multinucleadas com estrias transversais; contração rápida e vigorosa sujeita ao controle voluntário. 2. Músculo estriado cardíaco: células alongadas, com estrias transversais e ramificadas que se unem por meio dos discos intercalares; contração involuntária, vigorosa e rítmica. 3. Músculo liso: aglomerados de células fusiformes sem estrias; contração lenta e involuntária. De si gn ua /S hu tte rs to ck 2211 33 Por sua característica alongada e função que permite a movimentação, a con- tração e o bombeamento de organismos multicelulares, suas células apresentam alguns componentes celulares adaptados: Tecidos de suporte 85 • Membrana plasmática/citoplasma (sarcolema/sarcoplasma): assim denominada devido à característica de esse citoplasma em células mus- culares apresentar reserva energética de glicogênio, importante para a contração. • Retículo endoplasmático liso (sarcoplasma): em células musculares, desempe- nha um papel importante na absorção de Ca+ para a contração do músculo por diferente polaridade na célula (Figura 10). Figura 10 Bomba de cálcio: contração muscular pe riy an ay ag am /S hu tte rs to ck Potencial de ação Bomba de cálcio ATP necessário Sarcolema Filamento de actina Filamento de miosina • Mitocôndria (sarcossoma): o tecido muscular esquelético possui em seu cito- plasma “bandas” (longas faixas de células) transversais características, exata- mente por isso recebe o nome de estriado. Seus núcleos têm cromatina clara e são elípticos, com sua forma lembrando um charuto (Figura 11). Figura 11 Tecido muscular esquelético Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck Estriação cruzada de fibras musculares esqueléticas estriadas com bandas A escuras e bandas I claras. A zona clara ao centro da banda A é a zona H, e os núcleos estão localizados na periferia da célula. 86 Histologia e Embriologia O tecido muscular esquelético é organizado em feixes, revestidos por uma camada de tecido conjuntivo – epimísio – que recobre o músculo inteiro. Ainda são encontrados o perimísio, membrana de tecido conjuntivo que envolve um feixe de fibras, e o endomísio, que envolve cada fibra de células musculares. As fibras musculares esqueléticas quase sempre formam feixes ou fascículos, agrupando-se a outros feixes e conjuntos, o que constitui o músculo esquelético. É possível observarmos uma pequena quantidade de tecido conjuntivo frouxo entre as fibras musculares (Figura 12). Figura 12 Tecido muscular esquelético Te gu h M uj io no /S hu tte rs to ck Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck Estrutura do músculo esquelético Núcleo Endomísio Perimísio Fascículo Epimísio Osso TendãoVaso sanguíneo Miofibrila Sarcolema (A) (B) (A) Fibras musculares coradas de rosa e endomísio como uma fina camada envolvendo as fibras em coloração azul. (B) A ilustração apresenta a localidade de cada uma das membranas que envolve os tecidos musculares (epimísio, perimísio e endomísio). A interação do tecido muscular com o conjuntivo permite que a contração muscular gerada por cada fibra atue de maneira uniforme sobre o tecido in- teiro. Além de propagá-la para regiões de ossos e tendões, permite que vasos sanguíneos penetrem no tecido muscular ( GARTNER; HIATT, 2013). As organizações das fibras musculares apresentam estriações transversais – alternância entre faixas claras e escuras (filamentos claros são finos e caracte- rizados pela presença somente de actina e zonas escuras são organizadas por filamentos mais espessos de miosina II). Na região central de cada faixa clara (banda I) há uma linha escura denominada linha Z. Na linha Z há proteínas α- actina, as quais ancoram e evitam a despolimeriza- ção dos filamentos de actina na sua extremidade positiva. Há a presença de fila- mentos intermediários com proteínas desmina e vimentina ligadas às miofibrilas adjacentes. As estriações são resultado das repetições das miofibrilas denomina- das sarcômeros (Figura 14). Cada sarcômero é formado pela parte da miofibrila que fica entre duas linhas Z e contém uma banda A (faixa escura) separando duas semibandas I. A banda A apresenta uma zona mais clara no seu centro, a banda H ( GARTNER; HIATT, 2013). Tecidos de suporte 87 Figura 13 Sarcômeros e diagrama rotulado detalhado da miofibrila Músculo Filamentos de miosina Linha M Banda I M io fib ril a Disco Z Banda I Disco Z Banda A Zona H Linha M Sarcômero Disco ZDisco Z Filamentos de miosina Filamentos de actina Filamentos de actina Filamento elástico de titina Ve ct or M in e/ Sh ut te rs to ck Os filamentos de actina na linha z estendem-se até a borda externa da banda H, já os de miosina ocupam a região central dos sarcômeros. Conforme mencionado, a banda I é formada por actina, a banda A por filamentos de actina e miosina (por isso, anisotrópica 2 Anisotrópica é a subs- tância ou o material que apresenta porções com características diferencia- das. A banda A é consi- derada anisotrópica, pois possui dois grupamentos de proteínas diferentes, o que confere porções com características distintas. 2 ), e a banda H por filamentos de miosina. As miofibrilas contêm quatro proteínas principais: 1. Actina 2. Tropomiosina 3. Troponina 4. Miosina A actina apresenta-se sob a forma de polímeros longos (actina F) formados por duas cadeias de monômeros globulares (actina G) torcidas umas sobre as outras. Cada monô- mero possui uma região que interage com a miosina. A tropomiosina é uma molécula longa e fina constituída de duas cadeias polipeptídicas, uma enrolada na outra. Essa mo-lécula se localiza ao longo do sulco existente entre os dois filamentos de actina. A troponina é um complexo de três subunidades: 1. TnT: liga-se à tropomiosina. 2. TnC: grande afinidade com íons de cálcio. 3. TnI: cobre o sítio em que actina e miosina interagem. A miosina, uma molécula grande em forma de bastão, é formada por dois pep- tídeos enrolados em hélice. Em uma de suas extremidades apresenta a cabeça, 88 Histologia e Embriologia na qual ocorre a hidrólise de ATP para a contração e a combinação com a actina ( GARTNER; HIATT, 2013). É subdividida em dois fragmentos: 1. Meromiosina leve: porção em bastão. 2. Meromiosina pesada: porção da cabeça mais uma parte do bastão. O tecido muscular cardíaco é formado por células ramificadas e alongadas. As fi- bras possuem um ou dois núcleos centrais e são circundadas por tecido conjuntivo. Uma característica exclusiva é a presença de linhas transversais fortemente corá- veis e irregulares ao longo da célula. Elas são os discos intercalares, complexos jun- cionais (são encontrados nos desmossomos, junções de adesão e comunicantes). Figura 14 Miócitos cardíacos estriados mostrando grânulos de lipofuscina de pigmento amarelo perto dos núcleos. Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck Os miócitos são unidos por discos intercalares, apontados pelas setas. As fibras cardíacas apresentam grânulos secretores, os quais contêm moléculas precursoras do hormônio ou peptídeo atrial natriurético que irão atuar nos rins, aumentando e eliminando sódio e água pela urina. Vale ressaltar que a contração cardíaca é involuntária, vigorosa e rítmica. Além disso, uma característica especial é que o tecido muscular cardíaco não se regenera. O tecido muscular liso apresenta células longas, mais espessas no centro e afiladas nas extremidades, e núcleo único e central. As fibras musculares lisas são revestidas por lâmina basal e mantidas unidas por fibras reticulares. A contração de algumas fibras transforma-se na contração do músculo inteiro (Figura 15). Figura 15 Fibras musculares lisas do intestino delgado Jo se L ui s Ca lvo /S hu tte rs to ck Seccionadas longitudinalmente, mostram núcleos fusiformes típicos. Tecidos de suporte 89 O tecido muscular liso não apresenta o sistema de túbulos T. Junto ao retículo sarcoplasmático, que armazena o cálcio, o sistema de túbulo T localizado em cis- ternas é o responsável por liberar o potencial de ação na membrana dos músculos. Esse tecido é encontrado nas paredes do trato gastrointestinal, em parte do trato reprodutivo e no trato urinário, em paredes dos vasos sanguíneos, ductos maiores de glândulas compostas, passagens respiratórias e pequenos feixes den- tro da derme da pele ( GARTNER; HIATT, 2013). Outro fato interessante é que o mús- culo liso não é controlado voluntariamente, mas regulado pelo sistema nervoso autônomo, por hormônios (como bradicininas 3 A bradicinina é uma substância formada por aminoácidos, que tem função hipotensora e que atua em diversos órgãos e tecidos. 3) e condições fisiológicas locais, por isso esse músculo é referido como involuntário. Suas células apresentam um único núcleo, localizado centralmente (Figura 16). Também esse tecido pode ser organizado em dois tipos de músculo. As células do músculo liso multiunitário contraem-se independentemente uma das outras, pois cada uma delas tem seu próprio suprimento nervoso. Membranas celulares desse tipo de músculo formam junções comunicantes com as das células muscula- res lisas contíguas, e as fibras nervosas formam sinapses com apenas algumas das fibras musculares (GARTNER; HIATT, 2013). As células da musculatura lisa são circundadas por uma lâmina externa que invariavelmente separa o sarcolema das células musculares contíguas. Na lâmina externa estão embutidas inúmeras fibras reticulares que parecem envolver células musculares lisas individuais e que funcionam no aproveitamento da força de con- tração. As junções neuromusculares no músculo liso não são tão organizadas como as do músculo esquelético (GARTNER; HIATT, 2013). 3.3 Tecido nervoso Vídeo O tecido nervoso, responsável por um complexo sistema de comunicação neu- ronal, é composto de uma quantidade fantástica de células, próxima a um trilhão de neurônios, com algumas especializações para receber diferentes estímulos (por exemplo, mecânicos, químicos e térmicos) e transduzir impulso nervoso que even- tualmente possa ser conduzido para centros nervosos. Esse tecido tem origem ectodérmica, e seu surgimento está ligado ao deslo- camento da notocorda após a terceira semana embrionária para região anterior do embrião. Conforme seu deslocamento é organizado, há o advento da placa neural e os primórdios do sistema nervoso central. À medida que a notocorda se desenvolve cedo na vida embrionária, libera moléculas de sinalização que induzem o ectoderma a formar neuroepitélio, que engrossa e forma a placa neural. Falhas na sinalização e no direcionamento da notocorda ou na formação da placa neural e da tuba podem estar diretamente ligadas a problemas e má-formação ( GARTNER; HIATT, 2013). A organização do sistema nervoso é dividida em duas categorias: neurônios com função receptiva, integrativa e motora do sistema nervoso e células neurogliais que suportam e protegem os neurônios. transduzir: “processo genético pelo qual uma energia se transforma em outra de natureza diferen- te” ( HOUAISS, 2009). Glossário 90 Histologia e Embriologia Os neurônios possuem células responsáveis pela recepção e transmissão de impulsos nervosos. Apresentam um diâmetro que varia entre 5 e 150 mm, com três porções distintas (corpo celular, dendritos e axônios). O corpo celular de um neurônio, conhecido como pericárdio ou soma, é a porção central da célula em que estão contidos o núcleo e o citoplasma perinuclear. Geralmente os neurônios do sistema nervoso central são poligonais, com superfícies côncavas, enquanto os do sistema nervoso periférico apresentam um corpo celular redondo. O corpo celu- lar irá variar também dependendo de sua localidade e função realizada, podendo apresentar uma morfologia distinta entre si (Figura 16). Figura 16 Microscopia neuronal Ra tti ya T ho ng du m hy u/ Sh ut te rs to ck O corpo celular neuronal é a região com maior volume do citoplasma, apre- sentando núcleo grande e geralmente esférico a ovoide, localizado centralmente. Apresenta cromatina finamente dispersa, indicativa de uma rica atividade sintética, apesar de neurônios menores apresentarem heterocromatina condensada e inati- va. Seu citoplasma tem uma grande quantidade de retículo endoplasmático rugo- so, com diversas cisternas com arranjos em paralelo e presença de polirribossomos dispersos no citoplasma, o que é característico de neurônios motores. As cisternas e os polirribossomos, quando corados com corantes básicos, apa- recem como aglomerados de material basófilo chamado de corpos de Nissl. O retí- culo endoplasmático rugoso (RER) também está presente na região dendrítica do neurônio, mas apenas como cisternas curtas ou ramificadas espalhadas, enquanto o REL está presente na região do axônio. A presença de complexo de Golgi também é um fator importante, pois por meio dele é que são empacotadas as proteínas que servem como indicadores das sinapses ( GARTNER; HIATT, 2013). O citoesqueleto é possível de visualização em microscopia quando preparado por impregnação de prata. Estudos de microscopia eletrônica apresentam três es- truturas filamentosas diferentes nos neurônios: microtúbulos (24 nm de diâmetro), neurofilamentos (filamentos intermediários de 10 nm de diâmetro) e microfilamen- tos (6 nm de diâmetro). Os microfilamentos (filamentos de actina) estão associados às estruturas da membrana plasmática. Os microtúbulos nos neurônios são idênti- cos aos de outras células, exceto pela proteína MAP-2 associada aos microtúbulos que é encontrada no citoplasma do corpo celular e do dendrito,enquanto a MAP-3 está presente apenas no axônio ( GARTNER; HIATT, 2013). Tecidos de suporte 91 Os dendritos desempenham o papel de aumentar a superfície da célula, tor- nando possíveis a recepção e integração de impulsos trazidos por terminações de axônios de outros neurônios. Diferentemente do corpo celular neuronal, não apresentam neurônios, mas uma estrutura denominada espículas – projeção dos dendritos, que com a idade sofre processo de diminuição. Por fim, os axônios são prolongamentos eferentes do neurônio, que condu- zem impulsos para células musculares, glandulares etc. São mais longos que os dendritos, podendo ter mais de 1 m de comprimento, e seu diâmetro é constante, com sua espessura estando diretamente relacionada à velocidade de condução. Distinguem-se dos dendritos por não possuírem RER, logo, sem a presença de grâ- nulos basófilos 4 Basófilos compõem o grupo de células de defesa do nosso organis- mo, tendo seu interior (citoplasma) comple- tamente preenchido por grânulos, os quais contêm em seu interior substâncias úteis na resposta imune, como histamina, heparina, entre outras. 4. A última parte estrutural dos componentes do sistema nervoso são as células da glia, importantes pois permitem um ambiente adequado para os neurônios de- sempenharem suas funções. A visualização dessas células só é possível utilizando corantes de prata ou ouro. A seguir mencionamos alguns grupos dessas células e suas principais funções dentro do tecido nervoso: • Oligodendrócitos: produzem as bainhas de mielina, que servem de iso- lantes elétricos para os neurônios do SNC ( GARTNER; HIATT, 2013). • Células de Schwann: mesma função dos oligodendrócitos, porém no SNP. • Astrócitos: células de formato estrelado com múltiplos prolongamentos ir- radiando do corpo celular. Ligam os neurônios aos capilares sanguíneos e à pia-máter. • Astrócitos fibrosos: localizam-se na substância branca; prolongamentos me- nos numerosos e mais longos. • Astrócitos protoplasmáticos: encontram-se na substância cinzenta; maior número de prolongamentos mais curtos. Outro componente importante com função fagocitária e que atua direto no pro- cesso inflamatório e na reparação do SNC, removendo os restos celulares que sur- gem de lesões e afins, é a micróglia. A Figura 17 ilustra os componentes das células da glia. Figura 17 Astrócitos, micróglia e oligodendrócitos, células ependimárias (ependimócitos e tanócitos) LD ar in /S hu tte rs to ck Capilar Astrócito Neurônio Oligodendrócito Micróglia Axônio mielinizado Dendrito Bainha de mielina Célula ependimária Sinapse eferente: “que leva, que carrega” ( HOUAISS, 2009). Glossário 92 Histologia e Embriologia A organização desses componentes celulares é o que torna os neurônios a estrutura perfeita para sinapse (região localizada entre neurônios onde ocorre a sinalização química, transmitindo impulsos nervosos de um neurônio a ou- tro). Sua alta complexidade e organização permite que estes sinais sejam in- terpretados por tecidos adjacentes e sejam compreendidas as funções a serem executadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo observamos as principais características dos tecidos de suporte e o processo evolutivo quanto à especialização de tecidos de mesma origem me- senquimal de alguns grupos de tecidos, como conjuntivo, cartilaginoso e ósseo e suas pequenas diferenciações de comportamento celular. Essas nuances na organização celular basal até as porções mais superficiais do tecido permitem que cada um dos tecidos, apesar da mesma origem, tenha caracterís- ticas completamente diferentes umas das outras. O que conhecemos como tecido de suporte contempla cinco grandes grupos de tecido, cada um com suas peculiaridades. Com isso, visualizamos pequenas adaptações nos tecidos derivados do tecido con- juntivo – o cartilaginoso, necessitando do pericôndrio ou líquido sinovial, é a base do tecido primordial de sustentação do tecido ósseo (todo o osso surge a partir de uma cartilagem). O tecido ósseo, por sua vez, é vascularizado e, apesar de parecer uma estrutura rígida e fixa, muito maleável, com alta capacidade regenerativa. Dentro do grupo de tecido de suporte também encontramos o tecido muscular. Por fim, compreendemos um pouco da organização e do surgimento do sistema nervoso e de sua grande pecu- liaridade celular, ressaltando a importância dessas células para todo o funcionamento do organismo, pois é por meio dos neurônios que os músculos conseguem exercer seu movimento. Falhas nessa região podem comprometer e trazer severos problemas às pessoas que venham a apresentar alterações em suas regiões neuronais. ATIVIDADES Atividade 1 Descreva como é formado o pericôndrio e qual é a sua função no tecido cartilaginoso. Atividade 2 Cite as funções do periósteo e do endósteo. Tecidos de suporte 93 Atividade 3 O tecido ósseo tem sua organização ainda no período embrioná- rio, na quinta semana de gestão, com sua formação caracterizada pelo surgimento de moldes de tecido conjuntivo denso não mode- lado. A afirmativa é verdadeira ou falsa? Justifique sua resposta. REFERÊNCIAS ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. GARTNER, L. P.; HIATT, J. L. Tratado de histologia em cores. 4. ed. São Paulo: Saunders/Elsevier, 2013. HOUAISS, A. (org.). Houaiss eletrônico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. [CD-ROM] MOORE, K. L.; PERSAUD, T. V. N.; TORCHIA, M. G. Embriologia básica. Barueri: GEN Guanabara Koogan, 2021a. MOORE, K. L.; PERSAUD, T. V. N.; TORCHIA, M. G. Embriologia clínica. Barueri: GEN Guanabara Koogan, 2021b. TANNER, J. M. et al. Prediction of adult height from height, bone age, and occurrence of menarche, at ages 4 to 16 with allowance for midparent height. Archive of disease in childhood, v. 50, n. 1, p. 14-26, jan. 1975. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/164838/. Acesso em: 29 mar. 2022. VILA, L. G. Hematologia em aves: revisão de literatura. 2013. Seminário (Mestrado em Patologia, Clínica e Cirurgia Animal) – Escola de Veterinária e Zootecnia, Universidade Federal de Goiás, Goiás. Disponível em: https://files. cercomp.ufg.br/weby/up/67/o/2013_Laura_Garcia_Seminario1corrig.pdf. Acesso em: 29 mar. 2022. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/164838/ https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/67/o/2013_Laura_Garcia_Seminario1corrig.pdf https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/67/o/2013_Laura_Garcia_Seminario1corrig.pdf 94 Histologia e Embriologia 4 Embriologia básica Após estudarmos a estrutura das células e as complexidades envolvidas nos teci- dos de organismos complexos como os nossos, neste capítulo, iremos tratar de todas as etapas relacionadas ao surgimento de uma nova vida e as fases por trás do de- senvolvimento embrionário. Para isso, estudaremos o ciclo reprodutivo masculino e feminino e suas implicações na embriologia humana. Muito antes de saber o processo de fertilização e desenvolvimento embrionário, é necessário conhecermos características básicas de nosso organismo e compararmos com o desenvolvimento embrionário em animais. Quando nos referirmos ao período gestacional, apresentaremos sempre em semanas, e não em meses, já que um mês é composto de praticamente quatro semanas, e a variação de diferenças celulares significativas ocorre semana a semana. Primeiro, trabalharemos os conceitos de fertilidade, fixação embrionária e desen- volvimento gestacional de uma maneira mais geral – do embrião (período de formação dos órgãos) ao desenvolvimento fetal (período de maturação dos órgãos formados). Em seguida, desvendaremos todas as etapas que contemplam um ciclo gestacional completo e seu desenvolvimento: as interações entre as células, seus sinais químicos, as grandes mudanças de comportamento e as especializações das células. Por fim, compreenderemos como a maquinaria do corpo humano é formada e de que forma as implicações de fatores externos (ambientais) podem acarretar mudanças drásticas na formação deum novo indivíduo. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • compreender o processo de fertilidade; • tratar das características do processo de fecundação; • entender os processos biológicos envolvidos nas três primeiras semanas de desenvol- vimento embrionário; • entender a formação e adaptação dos anexos embrionários; • entender os processos biológicos do período da organogênese; • entender as fases do período fetal. Objetivos de aprendizagem Embriologia básica 95 4.1 Fertilidade Vídeo O surgimento de uma nova vida passa diretamente pela compreensão da fecun- dação e de suas subsequentes etapas gestacionais. No entanto, para chegarmos ao estágio da fecundação, é importante conhecermos primeiro como nosso organis- mo funciona e quais interferências fisiológicas podemos apresentar que limitariam as chances de gerarmos uma vida. Gerar uma vida é muito mais difícil do que pensamos, são diversos fatores as- sociados e sincronizados que necessitam estar em harmonia para que isso ocorra. Ao tratarmos de fertilidade, abordamos a fisiologia do sistema reprodutivo mas- culino e feminino com o intuito de nos determos não só na anatomia reprodutiva, mas na complexidade envolvida no sistema, principalmente quando abordamos o processo de maturação e preparação do corpo para a fecundação, isto é, fatores hormonais, alimentares, genéticos e de estilo de vida podem interferir na fisiologia no que diz respeito à fertilidade. Para essa compreensão, separamos a fertilização em duas partes: masculina e feminina. 4.1.1 Fertilidade masculina (sistema reprodutor masculino) O sistema reprodutor masculino tem como característica anatômica sua orga- nização em genitália externa, formada pela bolsa escrotal, pelo pênis e pela ge- nitália interna, constituída pelos órgãos reprodutores internos. Fazem parte dos órgãos internos os testículos (encontrados dentro do saco escrotal), o epidídimo (porção interna dos testículos formada por longos ductos finos responsáveis pelo processo de amadurecimento dos espermatozoides), os ductos deferentes, o eja- culador, a uretra e as glândulas acessórias; sendo que nessa última há a presença da vesícula seminal, da próstata e das glândulas bulbouretrais (GARTNER; HIATT, 2013; NETTER, 2018). Figura 1 Orgão copulador externo e órgãos reprodutores internos Bexiga Uretra Ducto deferente Tecido eretor Testículos Epidídimo Pênis Glândula bulbouretral Glândula prostática/ próstata Vesícula seminal Glande Li fe s ci en ce /S hu tte rs to ck 96 Histologia e Embriologia O órgão copulador masculino, formado pelo pênis, desempenha papel impor- tante no processo de fecundação, pois é por meio dele que ocorre a cópula. En- tre suas características anatômicas está a presença de estruturas denominadas corpos esponjosos e corpos cavernosos, as quais estão associadas à absorção de sangue para que, ao se preencherem, permitam o aumento de tamanho e a ere- ção do pênis. Essa ação é regulada por uma série de estímulos em regiões sensoriais lo- calizadas no órgão reprodutor masculino e feminino; estímulos esses que são fundamentais para o sucesso da reprodução. Os estímulos permitirão que o homem tenha ereção e que a mulher apresente maior lubrificação da região vaginal pelos estímulos de glândulas localizadas no interior da vagina, aumen- tando a secreção e permitindo o movimento do pênis para próximo da região do colo do útero, o que facilitará a ejaculação na região uterina e a movimen- tação dos espermatozoides ( SACHS, 2000). Figura 2 Cópula humana com modelos anatômicos Be m S ch on ew ill e/ Sh ut te rs to ck A representação demonstra o papel da ereção na aproximação do órgão reprodutor masculino ao colo do útero para que a ejaculação ocorra diretamente na região uterina, permitindo a fecundação. A segunda estrutura externa que encontramos no órgão reprodutor masculino é conhecida como bolsa escrotal ou saco escrotal, formado por um conjunto de mus- culatura envolto em uma fina camada de pele na qual estão alojados os testículos. O papel do saco escrotal está no controle da temperatura testicular ( GARTNER; HIATT, 2013; NETTER; 2018), que, para manter sua funcionalidade e produzir novas espermátides que se maturem no epidídimo, necessita estar 3 °C a menos que a temperatura corporal. Para que isso seja possível, o saco escrotal relaxará em períodos de maior temperatura, afastando os testículos da região pélvica, e fará o movimento inverso em períodos frios, contraindo-se para elevar a temperatura e mantê-la constante. Embriologia básica 97 Figura 3 Bolsa escrotal com testículos e epidídimo Do ub le B ra in /S hu tte rs to ck Testículos Epidídimo Com relação à anatomia interna dos órgãos reprodutores, o testículo é considerado o responsável pela formação dos espermatozoides. É nele que hormônios hipofisários como LH (luteinizante) e FSH ( folículo-estimulante) atuam permitindo a formação de novos gametas reprodutivos. O testículo é constituído de um grande emaranhado de túbulos finos denomi- nados seminíferos. Nesse local, as células germinativas dão início à formação dos espermatozoides. Além delas, são encontrados outros dois grupos de células: 1. Células de Leydig: responsáveis pela produção de testosterona nos testículos, hormônio fundamental para o processo de formação e maturação de espermatozoides. 2. Células de Sertoli: células somáticas dos testículos que atuam no processo de progressão de células germinativas em espermatozoides por meio do controle ambiental dos túbulos seminíferos. Isso ocorre pela interação de FSH e testosterona com as células ( DESLYPERE; VERMEULEN, 1984; GRISWOLD, 1998). Figura 4 Organização testicular interna Epidídimo Testículos Túbulos seminíferos Rete testis Tubos eferentes Tubos deferentes Fa sc ija /S hu tte rs to ck hormônios hipofisários: hormônios secretados pela hipófise. Glossário Você sabia que, no em- brião, os testículos só ocu- pam o saco escrotal após 28 semanas de gestação? Eles são formados antes desse período via estímulo hormonal (testosterona), em que o mesonefro (rim intermediário) regride e se transforma nos ductos deferentes, dando origem à região testicular. Todo esse processo ocorre na região abdominal, e pos- teriormente os testículos são “empurrados” para o saco escrotal ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Curiosidade 98 Histologia e Embriologia Como mencionado, para que o sistema funcione de maneira adequada, é ne- cessário que a produção hormonal esteja adequada às necessidades fisiológicas do corpo, ou seja, os níveis hormonais precisam estar apropriados e em equilíbrio. Do contrário, ocorre a desestabilização do ciclo, o que compromete a maturação e a formação de novos espermatozoides. Nos homens, os três principais hormônios do chamado ciclo reprodutivo masculino são LH e FSH, de origem hipofisária, e tes- tosterona, de origem testicular. Os três hormônios estão interligados e são dependentes entre si para que o ciclo funcione. Também têm papel importante durante a gestação, pois é por meio deles que há formação e diferenciação das características físicas entre homens e mulheres ( DESLYPERE; VERMEULEN, 1984; GRISWOLD, 1998). Entretanto, durante a puberdade é que os níveis se tornam mais elevados e as funções passam a ser finalmente desempenhadas. A figura a seguir apresenta a organização da matura- ção masculina ligada à produção hormonal. Figura 5 Produção hormonal masculina Hipotálamo Liberação de fatores associados a hormônios Puberdade Maior liberação de hormônios e fim da maturação sexual Adeno-hipófise Liberação hormonal LHFSH Produção de testosterona Espermiogênese Fonte: Elaborada pelo autor. O ciclo hormonal masculino desempenha papel crucial no desenvolvimento sexual em homens. A presença de testosterona impedirá que ductos mesoné- fricos (müllerianos, também conhecidos como par de rins intermediários) se fu- sionem ao septo medial,dando origem aos ovários. A testosterona induzirá a formação dos ductos deferentes a partir das estruturas remanescentes do me- sonefro, originando e desenvolvendo o sistema reprodutor masculino (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). O desenvolvimento das gônadas se manterá ativo entre a quinta e a 20ª semana de gestação, em que os testículos formados – juntamente às espermatogônias – per- manecerão em latência até a puberdade. A testosterona voltará a ter papel prepon- derante no homem com a puberdade, quando ocorre o aumento exponencial de sua A ausência de descida dos testículos é uma patologia conhecida como criptorquidia, condição que pode ocorrer naturalmente em crianças até o primeiro ano de vida, com a descida natural acontecendo pos- teriormente. Porém, caso não aconteça, é necessário processo cirúrgico para reversão do quadro, que pode levar à infertilidade. O problema pode estar relacionado a dois fatores: mau desenvolvimento da musculatura da região, ou descontrole hormonal materno entre a 26ª e a 28ª semana de gestação, fa- zendo com que o testículo não fique próximo ao anel inguinal profundo ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Saiba mais Embriologia básica 99 produção para a maturação de características secundárias sexuais, como aumento de massa muscular, pelos, força etc. ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Nessa fase, a maturação das espermatogônias se dá pela expressão de LH via adeno-hipófise. O LH migrará para a região testicular e estimulará as células de Leydig à produção de testosterona, a qual, por sua vez, induzirá as células de Sertoli no controle da migração e maturação das espermatogônias. A ausência de algum desses hormônios ocasiona um desbalanço, o que acar- retará problemas na formação e maturação dos espermatozoides. Logo, para que o ciclo hormonal e reprodutivo do homem seja funcional, é necessário seguir uma ordem de estimulação. Figura 6 Ciclo hormonal masculino Hipotálamo Hormônio liberador de gonadotrofina Pituitária anterior Hormônio luteinizante (LH) Hormônio folículo- estimulante (FSH) Células de Leydig Células de Sertoli Testosterona Inibinas jo sh ya /S hu tte rs to ck O controle e o equilíbrio são feitos por um ciclo que se mantém: LH – testostero- na – FSH, sendo a presença da testosterona fundamental, pois estimula e “ambien- ta” os testículos para a ação do FSH na maturação dos espermatozoides. Dentro dos órgãos acessórios – no epidídimo (Figura 4) –, sobre a influência do FSH, ocorre o processo final de maturação dos espermatozoides, os quais são formados nos túbulos seminíferos dos testículos e migram para o epidídimo para realizarem a parte final de sua transformação, conhecida como espermiogênese. O uso de anabolizantes sem acompanhamento médico causa prejuízo à saúde e pode levar ao desenvolvimento de in- fertilidade devido à maior presença de testosterona livre no organismo, que tem diversos benefícios, mas também pode causar distrofia testicular. O excesso de testosterona sintética no corpo faz com que o hormônio pare de ser produzido naturalmente, levando à inibição de estímulo à adeno-hipófise e, conse- quentemente, ao fim da presença de FSH para maturação espermática ( NEVES et al., 2021; IDE; VANDERSCHUEREN; ANTONIO, 2021). Saiba mais 100 Histologia e Embriologia Os ductos deferentes são o ponto de origem para a formação dos testículos. Esses ductos ligam a região dos testículos/epidídimo à vesícula seminal e à prós- tata, preparando o sêmen junto dos espermatozoides para serem ejaculados. A presença dos ductos deferentes garantirá que todos os espermatozoides li- berados na fecundação possam ser aproveitados. Mas como isso é possível? Sua característica de passar sobre a cavidade abdominal e vir a desembocar próximo à região da próstata fará com que os espermatozoides – para que cheguem à uretra e possam ser ejaculados – necessitem primeiro passar pela próstata, pela vesícula seminal e pela glândula bulbouretral ( ALBERTS et al., 2017; NETTER, 2018). A vesícula seminal produz um fluido rico em frutose que nutrirá os esperma- tozoides durante a jornada para a fecundação e, junto ao fluido prostático – que compõe 60% do sêmen –, auxiliará no processo de alcalinização tanto da uretra masculina quanto da feminina. A próstata, por sua vez, produz uma substância lei- tosa alcalina que auxiliará na neutralização do pH da uretra vaginal (espermatozoi- des são células muito sensíveis e necessitam estar com o pH próximo a 7, enquanto o fluido secretado pela próstata estará com o seu pH próximo a 11). Também se sabe que a vesícula seminal é uma das grandes responsáveis pela atividade de motilidade dos espermatozoides, por meio da secreção de estru- turas conhecidas como prostate specific antigen (PSA), que atuam liquefazendo os espermatozoides liberados. A vesícula seminal produz também uma grande quantidade de ácido cítrico, que têm função de quelar 1 íons e zinco, sendo um importante antimicrobiano. Por fim, uma das últimas estruturas acessórias muito negligenciadas e pou- co valorizadas são as glândulas bulbouretrais, responsáveis pela produção de muco, que tem a função de proteger os espermatozoides e iniciar o processo de alcalinização da uretra durante a ejaculação. O muco que permanece na uretra após a ejaculação é reabsorvido pelos corpos cavernosos e posterior- mente reaproveitado ( CHUGHTAI et al., 2005). 4.1.2 Fertilidade feminina (sistema reprodutor feminino) O sistema reprodutor feminino é organizado anatomicamente em duas partes: a genitália externa e a interna. A genitália externa é formada pela vulva, pelos gran- des lábios, pelos pequenos lábios e pelo clitóris, sendo este último a porção com terminações nervosas que desempenha a função estimulante no ato sexual, ou seja, equivalente à glande no sistema reprodutor masculino. Os órgãos reprodutores femininos internos (Figura 7) são a vagina, o útero, as tubas uterinas e os ovários. Sua formação está ligada à presença de estrogênio e à ausência de testosterona na quinta semana de gestação. A presença de es- trogênio estimulará os ductos do mesonefro a se transformarem em ductos mül- lerianos, levando à formação dos ovários e do útero, com posterior invaginação do falo (pequena protuberância visível a partir da 12ª semana) formando a vulva ( GARTNER; HIATT, 2013; NETTER, 2018). motilidade: aptidão de se fazer movimentar. Glossário De modo geral, refere-se a converter algo em quelato, um composto químico formado por moléculas compostas de um ou mais íons, fixados em um anel. 1 Embriologia básica 101 Figura 7 Órgãos femininos reprodutores internos Tubo falopiano Cavidade uterina Ovário Vagina Fundo do útero Tubas uterinas Infundíbulo uterino Ligamento útero-ovárico Canal endocervical Fímbrias uterinas Colo do útero lo gi ka 60 0/ Sh ut te rs to ck O útero é um órgão fibromuscular com capacidade de expansão de até 30 vezes o seu tamanho. Tem a forma de uma pera invertida e é onde desembocam os ovó- citos produzidos pelos ovários, que se movimentam pelas trompas. O órgão possui na sua camada externa tecido mesenquimal e epitelial de revestimento, conhecido como endométrio, tecido de revestimento onde ocorre a implantação embrioná- ria (Figura 8). É uma região ricamente vascularizada e que servirá como ponto de partida para a formação do embrião/anexos embrionários ( GARTNER; HIATT, 2013; NETTER, 2018; MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Figura 8 Endométrio Endométrio Fundo uterino Trompa uterina/ trompa de Falópio Ovário Ligamento ovariano Colo do útero Vagina Corpo do útero Embrião Be tty R ay /S hu tte rs to ck A estrutura que interliga os ovários ao útero são as trompas uterinas (Figura 9), tam- bém conhecida como trompas de Falópio, local onde se encontra uma série de adapta- ções do citoesqueleto, entre elas longos cílios, que movimentam o ovócito secundário liberado no ovário em direçãoao útero. Diferentemente do espermatozoide, o ovóci- to é uma célula grande e imóvel, e os longos cílios são capazes de realizar contrações que permitem sua movimentação em direção à região uterina ( GARTNER; HIATT, 2013; NETTER, 2018; MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Essa é a região onde, após a cópula, ocorre a fecundação e o embrioblasto recém-formado é deslocado ao útero. 102 Histologia e Embriologia Figura 9 Movimentação e crescimento do ovócito em direção à região uterina st ih ii/ Sh ut te rs to ck Ovário Tubo da trompa Útero Mórula O ovário é o órgão responsável pela liberação do gameta feminino. Também é por meio dele que parte do ciclo reprodutivo da mulher será controlada – os ovários são o centro de produção de estrogênio e progesterona, dois dos quatro principais hormônios envolvidos no ciclo hormonal. O desenvolvimento ovariano ocorre após os primórdios do desenvolvimento gonodal, com o espessamento pareado do epitélio celômico que reveste a cavidade ventromedial do mesonefro ( OKTEM; OKTAY, 2008). A ovulação é um complexo pro- cesso de regulação entre maturação de ovócitos regulados por hormônios adeno- -hipofisários e seus próprios hormônios reguladores: o estrogênio e a progesterona. Ao contrário do que observamos no homem, em que o LH é o precursor de todo o sistema hormonal, na mulher, teremos o FSH como regulador do ciclo repro- dutivo ( GARTNER; HIATT, 2013; NETTER, 2018; MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). A figura a seguir apresenta a esquematização do ciclo hormonal feminino. Figura 10 Diagrama hormonal feminino Hipotálamo Liberação de fatores associados a hormônios Puberdade Maior liberação de hormônios e fim da maturação sexual Adeno-hipófise Liberação hormonal LHFSH Ovulação Maturação dos folículos ovarianos Fonte: Elaborada pelo autor. O vídeo O que é gravidez ectópica?, do canal Dr. Vinicius Moura, explica o que a falha de movi- mentação ciliar na região das trompas de Falópio, após a fecundação, pode causar. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=0L8YM5q6kyE. Acesso em: 9 maio 2022. Vídeo gônadas: estruturas internas reprodutoras responsáveis pela produ- ção de espermatozoide ou óvulos. mesonefro: um dos três órgãos de excreção existentes no período embrionário. Glossário https://www.youtube.com/watch?v=0L8YM5q6kyE https://www.youtube.com/watch?v=0L8YM5q6kyE https://www.youtube.com/watch?v=0L8YM5q6kyE Embriologia básica 103 No ciclo hormonal feminino, o FSH maturará os folículos ovarianos (cada folículo é composto de um ovócito) e o LH induzirá a liberação desse ovócito maturado pelo fo- lículo. Por sua vez, o estrogênio preparará o endométrio para receber o embrioblasto por meio do espessamento do endométrio. A progesterona, por sua vez, manterá o endométrio e permitirá que o embrião se desenvolva no corpo da mãe, facilitando sua nutrição, diminuindo a resposta imune da mãe, entre outras funções. Para melhor compreender, separamos o ciclo em fases, explicadas passo a passo a seguir. Começaremos tratando da ação dos hormônios de maneira individual e pos- teriormente de sua ação em conjunto ( GARTNER; HIATT, 2013; NETTER, 2018; MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). O FSH é um importante hormônio para o ciclo reprodutivo da mulher, pois é pela sua presença que os folículos ovarianos (local de armazenamento dos ovóci- tos) recebem o estímulo para sua maturação. Em termos de reprodução ou fertili- dade, é possível avaliar o período do ciclo conforme a quantidade desse hormônio, que tem a tendência a ser mais elevado quando os folículos são estimulados, isto é, sua presença é inversamente proporcional à fertilidade. Enquanto o FSH estiver elevado, o ovário não ovulará e não ocorrerá a liberação de ovócitos; logo, para avaliar dentro do ciclo menstrual da mulher os seus dias férteis, o exame deve de- tectar uma diminuição nos níveis hormonais de FSH. O LH, assim como o FSH, é produzido na adeno-hipófise e está ligado ao processo de contração rítmica do ovário na ovulação que vimos anteriormente. Dentro do ciclo reprodutivo da mulher – por volta do dia 14 (aproximadamente no meio do ciclo de 28 dias) –, os níveis de LH passam a aumentar progressivamen- te, e assim que o FSH diminui, ocorre a liberação do ovócito pelo ovário. Como o FSH, sua presença elevada e de maneira constante também é considerada um fator para infertilidade, pois não permite que ocorra a maturação dos folículos ovaria- nos, o que acarreta liberação de folículos imaturos e falhas no processo de ovu- lação ( GARTNER; HIATT, 2013; NETTER, 2018; MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). O estrogênio desempenha uma série de funções em nosso organismo, porém, quando o relacionamos ao ciclo reprodutivo, é responsável pela preparação uteri- na para o recebimento do embrioblasto na primeira parte do ciclo. Quando fala- mos dessa preparação, estamos nos referindo ao processo de espessamento do endométrio, em que o estrogênio induzirá a proliferação endometrial e aumentará a vascularização na região, tornando o endométrio propício para a fixação do em- brioblasto caso haja fecundação. Nesse estágio do ciclo menstrual, é comum observarmos um aumento pro- gressivo de estrogênio, o que culmina com o pico de LH na ovulação. Após isso, o estrogênio diminui significativamente seus níveis, tendo a progesterona como “substituta” até o fim do ciclo. A progesterona será o último hormônio ligado à segunda etapa do ciclo repro- dutivo da mulher. Seu aumento passa a ocorrer na segunda metade do ciclo, pois sua função é a manutenção endometrial e a irrigação da região. Além disso, atua estimulando a produção de prolactina e o desenvolvimento das glândulas mamá- rias ( GARTNER; HIATT, 2013; NETTER, 2018; MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). 104 Histologia e Embriologia Uma de suas funções mais intrigantes está ligada ao sistema imune, em que sua ação primordial é suprimir a resposta imunológica, permitindo o desenvolvimento do embrioblasto ( CRITCHLEY et al., 2002). A figura a seguir ilustra o ciclo menstrual feminino, em que é possível observar os níveis hormonais e seu sincronismo hormonal preparatório para a fixação do embrioblasto. Figura 11 Ciclo menstrual feminino Fases Níveis hormonais de gonadotrofina Ciclo ovariano Níveis hormonais ovarianos Ciclo uterino Fases do ciclo uterino Dias Folículo primário FSH LH Teca Antro Ovulação Formação do corpo-lúteo Ciclo ovariano Corpo albicans Estrogênio Progesterona Inibina Menstruação Fase proliferativa Fase secretória Sl av e SP B/ Sh ut te rs to ck Como vimos, esse sincronismo hormonal feminino é muito importante e a falta dele pode levar a algumas consequências, como a infertilidade feminina, que tem como um dos fatores principais o desbalanço no ciclo menstrual, em que os quatro hormônios não se encontram em equilíbrio e sincronismo. Alterações desse tipo desestruturam o ciclo menstrual e interferem na maturação do ovócito e na sua fixação em um endométrio sem condições de recebê-lo ( GARTNER; HIATT, 2013; NETTER, 2018; MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). 4.2 Fecundação e implantação embrionária Vídeo A fecundação é caracterizada pelo processo de fusão do gameta masculino com o gameta feminino durante a cópula. Nesse processo, temos um ovócito secun- dário liberado na ovulação, ocorrendo o encontro com os espermatozoides nas trompas de Falópio. Apesar de parecer um processo simples, o ovócito secundário sofre alterações significativas na fecundação, muito antes mesmo de se transformar em um zigoto. Embriologia básica 105 Ao tocar a zona pelúcida 2 Membrana externa do ovócito secundário for- mado por quatro grupos de glicoproteínas com diversas funções, mas sendo a mais importante impedir a entrada de mais de um espermatozoide para fusão dos gametas. 2, o espermatozoide induz a última parte do processo de meiose secundária do ovócito, liberando o glóbulo polar – células com materialgenético com função de diminuição cromossômica durante a meiose II ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Se bem-sucedido, esse processo dá início à fusão dos gametas e às divisões celulares subsequentes. A fase de movimentação do zigoto é caracterizada por uma série de divisões subsequentes do zigoto. Aproximadamente após 30 horas do processo de fecun- dação há o surgimento de uma massa indiferenciada de células (blastômeros) que recebe o nome de mórula (associada ao conjunto repleto de células – entre 12 e 32 blastômeros – com um interior que lembra muito o de uma amora). Ao final do período de morulação (segunda etapa), o zigoto torna-se “oco”, com maior concentração de células na periferia, que recebe o nome de blastocele (espa- ço oco repleto de líquido produzido pelas próprias células). Com o surgimento do blastocele, o grupo de células é denominado blastocisto, visível no final da nidação (Figura 12), em que o zigoto já fertilizado, ao se movi- mentar pelas trompas, desloca-se em direção ao útero. Já no útero, tem parte de sua massa de células agrupada na periferia ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Figura 12 Desenvolvimento embrionário (nidação) Ovo fertilizado Fertilização Dia 0 Dia 1 Dia 2 Dia 3 Dia 4 Dia 5 Dia 6-9 Ovo 2 células 4 células 8 células Mórula Blastocisto Adesão e implantação Da nt es D es ig n/ Sh ut te rs to ck O blastocisto, ao chegar ao útero, desencadeará a implantação, que consiste em sua fixação no endométrio. Para que isso ocorra, os blastômeros segmentam-se em duas partes: 1. Trofoblasto (do grego trophe, nutrição): dá origem à parte embrionária da placenta. 2. Embrioblasto: massa celular interna, um grupo de blastômeros localizado centralmente que dá origem ao embrião. A porção externa do blastocisto, referida como trofoblasto, rapidamente se or- ganizará em duas camadas de células distintas: uma externa (o sinciciotrofoblasto), e uma interna (o citotrofoblasto). O sinciciotrofoblasto será responsável pelo pro- cesso de nutrição, na primeira semana de gestação, de todo o complexo de células A fecundação ocorre nas trompas de Falópio e o zi- goto formado é deslocado pelos cílios até a região uterina, onde ocorrerá sua fixação. Lembrete nidação: processo total que engloba a formação do embrioblasto e seu movimento na trompa uterina até a sua fixação (implantação) na parede endometrial. Glossário 106 Histologia e Embriologia que formarão tanto os anexos embrionários quanto o embrioblasto – estrutura que dará origem ao embrião posteriormente. Após a aposição – fusão da camada externa de células do trofoblasto com o endométrio –, será iniciado o processo de penetração na cavidade endometrial. O sinciciotrofoblasto (Figura 13) expandirá porções de suas células, criando longos prolongamentos (pseudópodes) que penetrarão no endométrio em busca de capilares sanguíneos ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Também é por meio do sinciciotro- foblasto que ocorre a produção de β-HCG, considerado o hormônio da gravidez; é ele que estimulará a manutenção de progesterona com níveis mais elevados, vital para a gravidez e o posterior desenvolvimento do embrião. O citotrofoblasto será responsá- vel por formar a parte embrionária da placenta. Figura 13 Implantação embrionária Citotrofoblasto Sinciciotrofoblasto Fa sc ija /S hu tte rs to ck Embrioblasto Trofoblasto Diferenciação do trofoblasto na camada externa – o sinciciotrofoblasto e a camada interna citotrofoblasto. Assim se dá início à segunda semana de desenvolvimento embrionário, com a im- plantação do embrião e grandes mudanças no embrioblasto – que irá se decompor e formar o epiblasto e o hipoblasto, precursores das camadas germinativas que formam tecidos e órgãos na terceira semana ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Ainda na segunda semana de desenvolvimento, a implantação ocorre em um curto período, entre 6 e 10 dias após a ovulação; ocorre também a expansão do sinciciotrofoblasto em direção à camada endometrial, que é acentuada pela con- tínua divisão mitótica do citotrofoblasto, o qual aumentará a massa de células do sinciciotrofoblasto para permitir sua expansão em busca de capilares e glândulas que possibilitem o crescimento e o desenvolvimento do embrião. Conforme o sinciciotrofoblasto invade o endométrio em um ato sincroniza- do entre células endometriais que sofrem apoptose, permitindo a entrada do embrião, ocorre o aumento na produção de HCG, que penetra na corrente san- guínea materna estimulando a progesterona a manter seus níveis elevados de maneira permanente. Conforme a expansão do blastocisto se mantém, pequenos espaços surgem, dan- do origem à cavidade amniótica e ao amnioblasto, que será responsável pela formação inicial do líquido amniótico. A blastocele passa a se chamar cavidade exocelômica, e o Muitos casos de aborto natural ocorrem no período de implantação embrionária, mais espe- cificamente na mórula ou na blástula, devido a ano- malias cromossômicas. Essa condição não é única de humanos, está ligada à alteração de maneira singular em pares ou par- te de cromossomos que pode levar a essas gran- des alterações. Humanos possuem 46 cromosso- mos, e para formarmos um indivíduo que preser- ve essas características, necessitamos que os gametas formados apre- sentem especificamente 23 cromossomos cada, para que, durante a fusão dos gametas, o número de cromossomos seja completo. As condições aberrantes cromossômi- cas mais comuns são a euploidia e a aneuploidia. Saiba mais apoptose: conhecida como “morte celular programada”, é um pro- cesso que elimina células defeituosas. Glossário Embriologia básica 107 hipoblasto a revestirá, formando a membrana de Heuser (porção celular externa que envolverá o saco vitelínico primário e a vesícula umbilical). O conjunto da cavidade exo- celômica com a membrana de Heuser dá origem ao saco vitelínico ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). À medida que o âmnio, o disco embrionário e a vesícula umbilical se formam, surgem pequenas lacunas na região do sinciciotrofoblasto. Esses espaços são inundados com sangue materno e resto de produtos glandulares rompidos pelo sinciciotrofoblasto. Nesse período ocorre o compartilhamento celular entre mãe e filho, que posterior- mente – conforme o sistema torna-se mais complexo – se separa a partir da barreira hemato placentária. Aos 10 dias de gestação, o embrião encontra-se totalmente embe- bido dentro do endométrio uterino. Figura 14 Implantação concluída de um embrião Sítio de implantação (estrutura fibrosa) Embrioblasto Hipoblasto Epiblasto Lacuna Citotrofoblasto Sinciciotrofoblasto Fa sc ija /S hu tte rs to ck Trofoblasto Membrana de Heuser Cavidade exocelômica Cavidade aminiótica Células do tecido conjuntivo (células da decídua) caracterizam-se pelo acúmulo de glicogênio e lipídios. Também sofrem degeneração na região de implantação e servirão como nutriente. Ao fim de 9 dias, a implantação do blastocisto está completa. À medida que o trofoblasto sofre alterações, assim como no endométrio, o mesoderma extraembrionário (Figura 15) aumenta e espaços celômicos ex- traembrionários surgem no seu interior, os quais rapidamente se fundem e formam o celoma extraembrionário. Essa cavidade cheia de líquido circunda o âmnio e a vesícula umbilical, ex- ceto onde eles estão ligados ao córion pelo divertículo do saco vitelínico. Con- forme o celoma extraembrionário forma-se, o saco vitelínico primário diminui de tamanho e o saco vitelínico secundário desenvolve-se, sendo formado por células extraembrionárias que migram do hipoblasto para dentro do saco vi- telínico primário. córion: membrana celular que envolve o embrião e o saco vitelínico. Glossário 108 Histologia e Embriologia Figura 15 Final do período pré-embrionário Córion Sinciciotrofoblasto Citotrofoblasto Camada somática do mesoderma extraembrionário Camada esplênica do mesoderma extraembrionárioCavidade coriônica Saco vitelínico secundário Âmnio Cavidade amniótica Pedúnculo de conexão Fa sc ija /S hu tte rs to ck Lacunas sanguíneas A segunda semana de desenvolvimento também é marcada pelo surgimento da camada somática, da camada esplênica do mesoderma e das vilosidades do saco coriônico. Nessa fase, o celoma extraembrionário passa a ser denominado cavida- de coriônica ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). 4.3 Gastrulação A gastrulação compreende a terceira semana de desenvolvimento do embrião com o processo de mudança de um disco bilaminar epiblasto e hipoblasto (Figura 14) para o surgimento do mesoderma. Nessa fase, as mudanças começam a se tornar mais evidentes no desen- volvimento embrionário, já com a separação do que irá formar os anexos embrionários e o embrião propriamente dito. O período de gastrulação será caracterizado pela formação das camadas germinativas, além da orientação axial do embrião. Rearranjos celulares, alterações no seu formato e distribuição do processo de adesão das células contribuirão para esse período de adaptações no con- cepto. Podemos dizer que a gastrulação é o período de morfogênese – forma- ção dos órgãos e tecidos ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Os três folhetos embrionários organizados nesse período são o ectoderma, o mesoderma e o endoderma, cada um com função de formação de grupos celulares distintos. Vale ressaltar que o rearranjo e a expressão proteica se referem à característica de que cada grupo de células organizadas nos três folhetos receberá estímulos e sinalizações diferentes, além da organização em um eixo, que servirá de norteadora para estímulos e diferenciações específi- cas conforme o eixo primordial se forma. Como veremos mais adiante, parte do eixo de orientação na diferenciação celular é feita pela notocorda. Os três folhetos embrionários se especializarão em diferentes grupos de estí- mulos e células. De maneira mais prática, podemos separá-los conforme a respon- sabilidade de formação e diferenciação: epiblasto: porção que compõe a ectoderme antes do surgimento do mesoderma. hipoblasto: porção do endoderma antes do sur- gimento do mesoderma. Glossário Os principais sintomas da gravidez são náuseas e vômitos (acredita-se que esse fato esteja ligado à produção de HCG), assim como é possível apresentar sangramento vaginal (re- lacionado ao processo de implantação embrionária), o que pode ser confundido com a menstruação. O flu- xo é um dos fatores impor- tantes para a diferenciação de menstruação regular ou sangramento vaginal. Saiba mais Vídeo Embriologia básica 109 • Ectoderma embrionária: dá origem à epiderme, ao sistema nervoso central e periférico, aos olhos, ao ouvido interno, ao tecido conjuntivo (parte ligada à cabeça) e às células da crista neural. • Mesoderma embrionário: dá origem ao músculo esquelético, às células san- guíneas, a todo o revestimento da musculatura lisa visceral, ao revestimento seroso, ao sistema reprodutivo e excretor, à maior parte do sistema cardio- vascular e ao tecido conjuntivo (praticamente todo o tecido, incluindo cartila- gem e ossos, tendões, ligamentos, derme etc.) • Endoderma embrionário: dá origem aos revestimentos epiteliais dos tratos res- piratório e alimentar, incluindo glândulas que se abrem no trato gastrointestinal e células glandulares associadas ao trato gastrointestinal, como fígado e pâncreas. A gastrulação tem em seu início a formação da linha primitiva no epiblasto, assim, no início da terceira semana do desenvolvimento embrionário, um espes- samento na região dorsal do epiblasto passa a ser visível em sua região medial, o que é resultado da proliferação e movimentação das células do epiblasto para o seu plano mediano do disco embrionário. À medida que as células vão se dividindo e proliferando na região caudal (poste- rior do embrião), a porção anterior – na qual será formada a cabeça (cranial) – acom- panha a proliferação, formando o nó primitivo (Figura 16), pequena invaginação que servirá como norteadora para a formação posterior da notocorda. Figura 16 Linha primitiva e notocorda Área cardiogênica Placa precordal (futura boca) Notocorda Porção cranial Porção caudal Membrana cloacal (futuro ânus) Poço primitivo Fosseta primitiva Hipoblasto Epiblasto Epiblasto Nó primitivo Fa sc ija /S hu tte rs to ck Concomitantemente a esses processos surge um sulco estreito (sulco primitivo), que se desenvolve na linha primitiva e é contínuo à região do nó primitivo, dando origem à fosseta primitiva, uma pequena invaginação na região mediana do futuro embrião organizado pelas células do epiblasto que migram para região medial, que formará o mesoderma. Logo após essa série de processos, células do epiblasto passam a se concentrar na região intermediária e a se proliferar de maneira mais acentuada, o que leva à formação de uma estrutura chamada de mesoblasto (mesoderma embrionário con- tendo células ainda indiferenciadas). A terceira semana é considerada a primeira semana seguinte ao pe- ríodo menstrual perdido, isto é, cinco semanas após o último período menstrual normal, fato que serve como indicador positivo para a gravidez. Curiosidade 110 Histologia e Embriologia Posteriormente, o mesoblasto organiza-se preenchendo o espaço intermediário, agora formando o mesoderma. Nessa fase, com o aparecimento da linha primitiva, é possível identificar o que será futuramente a região cranial e caudal do embrião ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Ao final desse processo, o epiblasto diferencia-se e forma o ectoderma, e o hi- poblasto acompanha o processo e origina o endoderma. A linha primitiva, após a indução da formação do mesoderma ao final da terceira semana, diminui de tama- nho e torna-se uma estrutura secundária na região sacrococcígea do embrião, que ao final da quarta semana se degenera completamente. 4.4 Anexos embrionários Vídeo Quando se fala em anexos embrionários, há uma grande diferenciação entre os animais. Em humanos ocorre o fusionamento de diversos anexos embrionários em um só, conhecido como placenta, sendo denominados, então, placentários. Já em animais placentários, os anexos embrionários serão organizados em pla- centa e membranas fetais. Estas compõem os demais anexos que se fusionam à placenta e são compostas de córion, âmnio, saco vitelínico e alantoide ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). A placenta é considerada o órgão de trocas, estando organizada em duas partes: materna, que se refere à parte do endométrio ricamente vascularizada com arte- ríolas, e fetal, composta de células do sinciciotrofoblasto. Todo o processo de nutri- ção ocorre por difusão simples a fim de otimizar a nutrição e haver menor gasto de energia. Em mamíferos placentários, a placenta desempenhará, além da função de nutrição, proteção, excreção e produção hormonal, a função de boa parte dos ane- xos embrionários ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). A parte materna da placenta (endométrio) é chamada de decídua (Figura 17) e é separada em três porções: 1. Decídua basal: parte mais profunda e afastada do concepto (embrião e membranas) que forma a parte materna. 2. Decídua capsular: parte superficial da decídua que recobre o concepto. 3. Decídua parietal: todo o restante da decídua. Figura 17 Decídua placentária Decídua basal Decídua capsular Decídua parietal Útero Fa sc ija /S hu tte rs to ck Vilosidades Embriologia básica 111 Com base na organização das estruturas da decídua, conseguimos separar a porção materna da fetal. A placenta é formada por projeções da decídua basal (vi- los), em que vasos sanguíneos vindos do embrião via cordão umbilical se projetam nas vilosidades. Na região das vilosidades coriônicas, há uma fina membrana que separará o sangue materno do fetal. O surgimento da placenta pode ser separado nos seguintes períodos e características: 1. Fase pré-lacunar: período de rápido crescimento, ligado ao trofoblastocom o desenvolvimento das vilosidades coriônicas. 2. Fase lacunar: formam-se as lacunas trofoblásticas entre as vilosidades do trofoblasto. 3. Fase vilosa: com o desenvolvimento do saco coriônico, na porção da decídua basal surge maior quantidade de vilosidades que, com o passar do tempo, aumentam de tamanho e se transformam em vilosidades primárias, secundárias e terciárias ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Figura 18 Placenta e cordão umbilical Córion Âmnio Lume uterino Cordão umbilical Placenta Vasos sanguíneos maternos Sangue materno Decídua basal Vilosidade coriônica Artérias umbilicais Veia umbilical Al ila M ed ic al M ed ia /S hu tte rs to ck A B Após a terceira semana – quando acontece a separação completa da circu- lação materna da fetal –, a organização das trocas de nutrientes e gasosas se dá com o surgimento das vilosidades, que têm como função aumentar a área de superfície e possibilitar melhores trocas entre mãe e concepto. Essas trocas, apesar de ocorrerem por difusão simples, necessitam de um complexo sistema circulatório que permitirá melhor difusão dos nutrientes e hormônios e liberação de excretas do feto. A absorção de nutrientes inicia pela decídua basal (porção materna da placen- ta), penetrando nas vilosidades coriônicas e migrando até o embrião/feto pelo seu sistema circulatório já formado (Figura 18 – A). A circulação fetal é caracterizada pela presença de uma veia e de duas artérias umbilicais. Além disso, diferentemen- te do que vemos em adultos, quem transporta o oxigênio e os nutrientes para o feto é a veia umbilical, tendo as artérias a função excretora (Figura 18 – B). 112 Histologia e Embriologia Esse fato se deve à circulação sanguínea ser considerada mista, isto é, o san- gue se mantém com oxigenação baixa, porém constante, já que os pulmões nesse período do desenvolvimento embrionário são imaturos para realizar troca gasosa ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Outras duas partes que se encontram fusionadas são a placenta e o córion (Fi- gura 19), sendo este último – como já mencionamos – separado em duas porções: a vilosa, em que é mais ativo o processo de trocas gasosas e nutrientes; e a lisa, que se forma conforme a membrana coriônica se afasta da região vilosa, assu- mindo a função de revestimento. O córion, em répteis e aves, é encontrado pró- ximo à casca, junto do âmnio, com função de trocas gasosas ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). A segunda estrutura com função de revestimento e proteção ao concepto é o âmnio, encontrado próximo ao córion e que se desenvolve a partir do córion liso, envolvendo por completo o concepto. Por meio dele temos a formação do líquido amniótico, que é importante para oferecer proteção contra choques mecânicos e manter temperatura constante. O saco vitelínico em mamíferos placentários pode ser considerado uma estru- tura transitória, tendo em vista que a placenta é o “órgão” fetal que servirá como aporte nutricional ao concepto. Em humanos, o saco vitelínico (Figura 19) – a partir da quarta semana de gestação – começa a involuir e, posteriormente, é incorpora- do à estrutura que formará o intestino. Nas primeiras semanas de gestação, o saco vitelínico desempenha papel impor- tante na formação de células sanguíneas, sendo substituído na sexta semana pelo fígado. Como observado, o saco vitelínico em mamíferos desempenha uma série de funções complexas, variando desde hematopoese até precursor de gametas se- xuais ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Figura 19 Placenta e anexos embrionários Saco vitelínico Âmnio Placenta Córion Líquido amniótico Embrião Útero Cordão umbilical Ve ct or M in e/ Sh ut te rs to ck Embriologia básica 113 O saco vitelínico, em peixes, é a única estrutura observada como anexo embrio- nário, não sendo visualizado em anfíbios. Porém em répteis e aves é considerado uma estrutura bem formada e encontrada “presa” ao intestino. Por fim, como últi- mo anexo embrionário temos a alantoide, com função excretora – extremamente bem desenvolvida em répteis e aves – e formada por meio do divertículo da parede intestinal, espalhando-se entre as paredes do âmnio e envolvendo-o por completo junto ao saco amniótico (GADELHA et al., 2021). Em mamíferos placentários, sua função é reduzida, já que a placenta desempe- nha sua função de troca e excreção. Tem como característica seu fusionamento à bexiga, servindo no embrião como ligação entre bexiga e cordão umbilical e rece- bendo o nome de úraco ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). 4.5 Organogênese Vídeo A organogênese é um dos períodos mais críticos da gestação, em que qualquer interferência ambiental culminará com a alteração no curso de formação dos órgãos e tecidos. Nesse período as três camadas germinativas, após sua organização em eixos, se diferenciam e dão origem aos primórdios de todos os tecidos e órgãos. Uma das principais características da organogênese é a completa separação dos eixos an- terior e posterior. A organogênese compreende o período da quarta à oitava semana de gestação e recebe a nomenclatura de período embrionário, pois é exatamente quando temos a formação do embrião. Ao final desse período, todos os órgãos e tecidos já estão formados, alguns ainda com função mínima, porém já organizados em suas formas finais ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Sua organização pode ser compreendi- da em duas etapas: 1. Crescimento: sucessivas divisões celulares e morfogênese, caracterizado pela indução celular. 2. Maturação: diferenciação das células por diferentes fatores indutores, levando à formação de órgãos e tecidos. Um dos aspectos mais importantes na organogênese – que ocorre na quarta semana de gestação – é o dobramento do embrião, caracterizado pelo acentuado processo de proliferação celular no eixo anterior/posterior. Assim, o embrião – que até então era organizado em três folhetos embrionários – fecha-se sobre si mesmo com o crescimento lateral e a separação completa da região anterior da posterior pelo crescimento acelerado nessas localidades, o que leva o embrião a “curvar-se”. Por que esse fato é importante? Simplesmente por separar de maneira defini- tiva regiões distintas, que pelo seu espaçamento serão induzidas a sinais químicos diferentes em cada uma dessas regiões, fazendo com que cada uma das por- ções tenha um desenvolvimento e crescimento diferenciado ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). 114 Histologia e Embriologia A segunda característica fundamental nesse período é conhecida como indução celular, em que sinais químicos controlarão o processo de formação de todos os ór- gãos e tecidos no novo indivíduo. Logo, o sistema será organizado conforme o local, o estímulo e o tempo – este último sincronizado para que funcione de maneira perfeita. Para que fique mais claro, tomemos como exemplo a formação do sistema car- diovascular, que inicia seu processo de desenvolvimento na terceira semana de gestação. Isso ocorre devido à demanda energética do embrião ser muito alta para se manter somente com os capilares sanguíneos obtidos pelo contato do sincicio- trofoblasto com o endométrio. Essa indução de necessidade nutricional fará com que parte das células do em- brião se altere para formar um sistema capaz de manter a oxigenação de maneira constante, levando à formação do coração, dos vasos e das artérias do novo indiví- duo. O novo sistema mantém a oxigenação e a obtenção de nutrientes aos tecidos recém-formados e com taxa elevada de multiplicação. Esse fator leva ao aumento da toxicidade no local, tendo em vista a grande quantidade de sobras metabólicas produzidas pelas células em divisão. Isso indu- zirá parte das células do sistema cardiovascular a sofrerem alterações de compor- tamento e a formarem o sistema linfático, ao qual parte das sobras é destinada. O desenvolvimento do sistema linfático servirá como molde para a formação do sistema excretor, que completará o ciclo desses sistemas (obtenção denutrientes e sua excreção), os quais, para existirem, necessitam um do outro como fator indutor e precisam desenvolver-se de maneira sincronizada para que o sistema funcione em sua integralidade, reforçando que tudo precisa ocorrer em um intervalo preciso de tempo e espaço. Caso a indução não ocorra no tempo ou no espaço destinado, o organismo interpreta que a alteração não é necessária e segue o desenvolvimento adiante. No artigo Ciclopia em suínos: relato de caso, dos autores Jéssica Caroline Staffen Wammes, André Luís Filadelpho, Arlei José Birck, Rodrigo Patera Barcelos e Jayme Augusto Peres, entenda características da ciclopia e da anencefalia, ocasionadas por falha de sinalização no período de desenvolvimento da quarta à oitava semana de gestação. Acesso em: 20 dez. 2019. http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/gpz9MZgajfyDc0F_2013-6-24-12-23-35.pdf Artigo Quando nos referimos à organização fisiológica do embrião na fase de orga- nogênese, podemos apontar algumas características que ocorrem em determi- nadas semanas do desenvolvimento. Durante a quarta semana (Figura 20) há a formação do embrião com variação de 4 a 12 somitos e do tubo neural no lado oposto aos somitos, que se apresenta aberto nas regiões anterior e posterior. Há também o surgimento dos arcos faríngeos aos 24 dias de gestação. O em- brião fica ligeiramente curvado devido ao início do processo de dobramento e ocorre a presença da eminência caudal. somito: cada um dos blocos do mesoderma embrionário, formadores da coluna vertebral e da musculatura segmentar. Glossário http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/gpz9MZgajfyDc0F_2013-6-24-12-23-35.pdf Embriologia básica 115 O coração produz uma grande proeminência ventral e bombeia o sangue. Os três pares de arcos faríngeos são visíveis aos 26 dias e o pró-encéfalo produz ele- vação na região da cabeça. Com 26 e 27 dias, os brotos dos membros superiores e as fossetas óticas e auditivas são visíveis. Já os arcos faríngeos e brotos inferiores são visíveis somente no final da quarta semana, que é quando ocorre também o fechamento do neuroporo caudal. Figura 20 Embrião na quarta semana de desenvolvimento Ka te ry na K on /S hu tte rs to ck Durante a quinta semana ocorrem várias pequenas mudanças na forma do corpo, como o maior crescimento da cabeça que das outras regiões. Há também contato da face com a saliência cardíaca, o que forma o seio cervical. Os bro- tos dos membros superiores ficam em forma de remos, os membros inferiores ficam em forma de nadadeiras e ocorre o surgimento dos rins mesonéfricos. Já na sexta semana há o desenvolvimento dos cotovelos, das grandes placas das mãos e dos raios digitais. Ocorrem movimentos espontâneos, desenvolvi- mento das saliências auriculares, do meato acústico externo e o olho fica mais evidente. Na sétima semana surgem chanfraduras entre os raios digitais das placas das mãos e o pedículo vitelino. Há também o desenvolvimento dos raios digitais e da hérnia umbilical e inicia a ossificação dos membros superiores. Por fim, na oitava e última semana todas as regiões dos membros são reconhecíveis: os dedos estão mais compridos e totalmente separados e ocorre o desaparecimento da cauda. A cabeça ainda é desproporcionalmente grande, constituindo quase metade do embrião, mas as pálpebras são mais evidentes e as aurículas das orelhas externas começam a tomar sua forma final. seio: cavidade, canal interno; sinus. Glossário 116 Histologia e Embriologia 4.6 Período fetal Vídeo O período fetal compreende o mais longo da gestação, com duração da nona à 40ª semana que, diferentemente do período embrionário, é caracterizado pela maturação. É quando o concepto deixa de ser chamado de embrião e passa a ser chamado de feto, pois todos os órgãos já foram formados e agora serão maturados. Entre as principais características relacionadas ao período fetal que vamos trabalhar estão a viabilidade e a idade fetal. Viabilidade é a capacidade de o feto se desenvolver conforme o seu período dis- tinto (semana) e as condições mínimas necessárias para a sobrevivência, caso venha a termo 3 ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Usaremos a idade fetal como indi- cador de desenvolvimento, pois cada “idade” apresenta um padrão para o feto – de tamanho e de peso conforme a semana gestacional. Nos dias atuais, o cálculo da idade fetal é realizado por exames de ultrassonografia, com a observação das carac- terísticas feita a cada três trimestres. No primeiro trimestre a identificação é feita com base no tamanho do feto, le- vando-se em consideração o tamanho desproporcional de sua cabeça, o que é nor- mal, uma vez que o sistema nervoso central é um dos primeiros a ser formado. Para essa estimativa, é utilizado o padrão de medida da cabeça (da nuca à nádega) e do calcanhar. Com base no tamanho observado entre essas medidas, é possível ter uma ideia da idade gestacional do feto nesse primeiro momento. No segundo trimestre, com a lentificação do crescimento da cabeça e a unifor- midade no desenvolvimento corpóreo em comparação a ela, as medidas passam a ser circunferência da cabeça versus circunferência do tórax – que servem como parâmetro para medir a proporção de crescimento e desenvolvimento neuronal e corporal –, tamanho do osso longo da perna (fêmur), osso nasal e outras caracte- rísticas fisiológicas, como distanciamento dos olhos, implantação das orelhas etc. No terceiro trimestre, observam-se fatores como circunferências e peso ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). O feto atinge um marco importante no de- senvolvimento às 35 semanas de gestação e pesa aproximadamente 2.500 g, que é usado para definir o nível de maturidade fetal. Nessa fase, o feto geral- mente sobrevive se nascer prematuramente. O peso é uma excelente estimativa, tendo em vista que há mudanças drásticas para o recém-nascido. Uma delas é sua nova dieta e o processo de alimentação, pois durante a gestação toda nutrição é feita via cordão umbilical com nutrientes prontos para o uso. Ao nascer, essa realidade muda e o organismo necessita bus- car sua energia pelo aleitamento materno. É muito comum recém-nascidos perde- rem peso até que o organismo esteja acostumado com a nova situação alimentar. Na primeira semana de nascimento é comum perder até 1,5 kg, logo, o ga- nho de peso é fundamental no período final da gestação ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Outros elementos são importantes no período gestacional, principalmente quando se fala em viabilidade fetal. O feto pode ser conside- rado apto a nascer quando se atinge o marco com relação à sua maturação, o Refere-se ao período em que se encerra o desen- volvimento gestacional e a criança é considerada apta a nascer. 3 Embriologia básica 117 que ocorre com aproximadamente 36 semanas, idade relacionada à capacida- de do pulmão de já realizar trocas gasosas, o que não ocorre intrauterinamen- te, e sim após o nascimento. O pulmão com 36 semanas é capaz de realizar trocas gasosas sem necessidade de estímulos ou acompanhamento. A menor idade considerada para que um feto possa ser apto à vida pós-uterina é de 24 semanas, sendo considerado prematuro extremo e com necessidade de estímulos e acompanhamento, pois o pulmão ainda não está maduro o suficiente. De modo geral, podemos organizar o processo evo- lutivo no período fetal conforme as fases e o desenvolvimento que vai ocorrendo durante as semanas. 4.6.1 Semanas de gestação Entre a nona a 12ª semana gestacional ocorrem várias mudanças. No início, as pernas do feto são curtas e as coxas são relativamente pequenas, o rosto é lar- go, os olhos são amplamente separados, as orelhas são baixas e as pálpebras são fundidas. Ao final das nove semanas, o fígado é o principal local de eritropoiese (formação de células vermelhas do sangue). Na 10ª semana dobras intestinais são claramente visíveis na extremidade proximal do cordão umbilical e na 11ª semanaos intestinos voltaram para o abdômen. Na 12ª semana, os centros de ossificação primários aparecem no esqueleto, especialmente no crânio e nos ossos longos. Os membros superiores já quase alcançaram os seus comprimentos relativos finais, mas os membros inferiores ainda não estão tão bem desenvolvidos e são ligeiramente mais curtos do que os seus comprimentos relativos finais. A forma madura fetal não é estabelecida até a 12ª semana. No final desse período, a atividade no fígado diminui e começa no baço. Inicia-se também a formação de urina, que é descarregada por meio da uretra para o líquido amniótico. O feto reabsorve algum líquido amniótico depois de engolir e produtos residuais fetais são transferidos para a circulação materna por meio da passagem pela membrana da placenta. Entre a 13ª e a 16ª semana ocorrem mudanças um pouco maiores, já que o crescimento do feto é mais rápido durante esse período. Ocorrem movimentos oculares lentos e padronização do couro cabeludo. Na 14ª semana há também movimentos dos membros, que ocorrem em primeiro lugar no final do período embrionário; eles tornam-se coordenados pela semana 14, mas são demasiada- mente sutis para serem sentidos pela mãe, sendo detectados por meio de apare- lhos em exames ecográficos. A ossificação do esqueleto fetal está ativa durante esse período, e os ossos são claramente visíveis em imagens de ultrassom até o início da semana 16. Por volta da 16ª semana, a cabeça é relativamente pequena em comparação ao feto de 12 semanas, e os membros inferiores têm seu tamanho alongado. Ocorre também a centralização dos olhos e as orelhas externas encontram-se perto da sua posição definitiva sobre os lados da cabeça. Em fetos femininos, os ovários são diferenciados e contêm folículos ovarianos primordiais com as ovogônias. A genitália de homens e mulheres parece seme- lhante até ao final da 9ª semana. A presença de uma pequena protube- rância com nome de falo é visível nesse período, mas não é possível ainda determinar se o feto é masculino ou feminino. Atenção 118 Histologia e Embriologia Figura 21 Estágio indiferenciado do órgão reprodutor Tubérculo genital Inchaço genital Dobra genital Membrana urogenital FemininoMasculino Glande do pênis Rafe do escroto Prepúcio Períneo Orifício externo da uretra Ânus Escroto Glande do clitóris Clitóris Orifício externo da uretra Orifício vaginal Pequeno lábio Grande lábio Sulco uretral Escroto Bl am b/ Sh ut te rs to ck Da 17ª à 20ª semana de gestação o crescimento desacelera, mas o feto ainda au- menta sua CN 4 por aproximadamente 50 mm. Os movimentos fetais ( quickening) são comumente sentidos pela mãe e a pele do feto está agora coberta com uma camada branca espessa (similar a um queijo) como o material gorduroso, a chama- da vernix caseosa. Essa camada é constituída de uma mistura de células epidérmicas mortas e uma substância gordurosa (secreção) das glândulas sebáceas fetais e tem a função de proteger a pele delicada fetal de abrasões, rachaduras e endurecimento, que resul- tam da exposição ao líquido amniótico. Esse tecido adiposo especializado é encon- trado principalmente na base do pescoço, posterior ao esterno, e na área peri-renal e produz calor por oxidação de ácidos graxos. Medida cabeça-nádega, ou seja, seu comprimen- to total. 4 Embriologia básica 119 Na 18ª semana o útero fetal é formado, a canalização da vagina começa e mui- tos folículos ovarianos primordiais contendo ovogônias são visíveis. Sobrancelhas e cabelos da cabeça são visíveis a partir da 20° semana, mesmo período em que nos fetos masculinos os testículos começaram a descer, estando localizados na parede abdominal posterior, como são os ovários em fetos femininos. Entre a 21ª e a 25ª semana há um ganho de peso substancial e o feto é mais bem proporcionado. A pele é geralmente enrugada e mais translúcida, particular- mente durante a primeira parte desse período, com a cor próxima ao rosa ou ao vermelho, devido ao sangue que é visível nos capilares. Na 21ª semana ocorrem os movimentos rápidos dos olhos, e nas semanas seguintes o piscar dos olhos. Durante esse período, as células epiteliais secretoras (pneumócitos tipo II) nas paredes interalveolares do pulmão começam a secretar surfactante, um lí- quido com atividade de superfície que mantém a desobstrução dos alvéolos dos pulmões em desenvolvimento. Na 24ª semana já há a presença de unhas. Contudo, há ainda o risco de deficiência do desenvolvimento neurológico em crianças nascidas antes de 26 semanas de gestação, devido ao sistema nervoso ainda estar imaturo. Durante a 26ª e a 29ª semana de desenvolvimento, os fetos geralmente sobrevi- vem se nascerem prematuramente e se for dado tratamento intensivo. Os pulmões e a vasculatura pulmonar desenvolvem suficientemente para proporcionar a troca gasosa adequada. Além disso, o sistema nervoso central já amadureceu o suficien- te, iniciando a fase em que se pode dirigir os movimentos respiratórios rítmicos e controlar a temperatura do corpo. As pálpebras estão abertas com 26 semanas e a lanugem – pelo fino que reco- bre todo o corpo –, os cabelos e a cabeça estão bem desenvolvidos. As unhas dos pés já se tornaram visíveis e a gordura subcutânea é armazenada em grande quan- tidade sob a pele, suavizando muitas das rugas. Durante esse período, a quantida- de de gordura branca aumenta aproximadamente 3,5% o peso corporal. É também nesse período que o baço fetal é importante, pois é nele que ocorre a eritropoiese, formação de células vermelhas do sangue. Entre a 30ª e a 34ª semana de desenvolvimento o reflexo pupilar (mudança no diâmetro da pupila em resposta ao estímulo provocado pela luz) é atingido logo no início. Normalmente no final desse período, a pele é rosa e suave e os membros su- periores e inferiores têm uma aparência mais rechonchuda. Também nessa idade a quantidade de gordura branca é cerca de 8% do peso corporal, o que faz com que fetos com 32 semanas normalmente sobrevivam se nascerem prematuramente. Já no período final, entre a 35ª e a 38ª semana, a circunferência da cabeça e do abdô- men é aproximadamente igual. Após a 36ª semana, a circunferência do abdômen passa a ser maior do que da ca- beça e o comprimento do pé fetal é ligeiramente maior que o comprimento femoral, algo que normalmente ocorre na 37ª semana, sendo um parâmetro alternativo para a confirmação da idade fetal. 120 Histologia e Embriologia CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento humano é umas das etapas mais importantes do estudo em- briológico tanto para caracterização do padrão normal de crescimento, maturação e desenvolvimento quanto para patologias associadas durante esse período. Pudemos observar os grandes processos do desenvolvimento humano desde o ciclo reprodu- tivo masculino e feminino, a fecundação, até a implantação embrionária. Também ca- racterizamos os principais períodos, como a organogênese e o período fetal, em que é possível compreender a origem dos principais sistemas de nosso corpo, bem como a intrínseca associação entre eles. Cada sistema em desenvolvimento é interligado com os demais, e desenvolver esse sincronismo em tempo e espaço é o que possibilita a formação de órgãos e tecidos com tamanha perfeição. Assim, evidenciamos que alte- rações externas são consideradas fatores importantes no desenvolvimento normal de uma nova vida. A compressão do que é normal nos permitiu saber o que deve ser esperado no padrão de desenvolvimento humano, bem como a predizer o que pode dar errado e como trabalhar para tratarmos isso ou prevenirmos que ocorra. ATIVIDADES Atividade 1 Explique por que o período de desenvolvimento embrionário mais crítico é considerado o de organogênese. Atividade 2 Para a identificação da idade fetal são utilizados alguns parâmetros em exame de ecografia. Descreva esses parâmetros no primeiro e segundo trimestres. Atividade 3 Por que é importante o feto adquirir peso nas últimassemanas de gestação? Qual é o peso mínimo ideal para considerar um feto viável? REFERÊNCIAS ALBERTS, B. et al. 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Compreenderemos, também, todo o processo intrínseco de comunicação entre esses sistemas orgânicos e como interferências ambientais ou de estímulos dife- rentes nesses períodos podem acarretar falhas significativas na formação desses grandes grupos de órgãos e tecidos. Além disso, agruparemos as informações conforme os sistemas, desde sua formação até o processo final de maturação, processo que terá início no período embrionário e conclusão ao final do período fetal e, em alguns casos, no pós-natal. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • compreender o desenvolvimento dos sistemas respiratório, digestório, cardio- vascular, nervoso, urogenital e muscular; • identificar anomalias no desenvolvimento humano. Objetivos de aprendizagem 5.1 Sistema respiratório Vídeo O sistema respiratório é um dos primeiros sistemas a se estabelecer no desen- volvimento embrionário, juntamente com o sistema cardiovascular. Seu surgimen- to se dá a partir da 4ª semana, com a organização da faringe, laringe, traqueia e brônquios, e está relacionado à extremidade caudal como uma pequena protube- rância localizada na faringe primordial. O desenvolvimento desse sistema ocorre entre os dias 26 e 27 e é caracterizado por uma evaginação que se projeta da extremidade caudal da parede ventral da faringe primitiva, formando o sulco laringotraqueal (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021) (Figura 1A). Surgem ramificações no quarto par de bolsas faríngeas (Figura 1B), localizado próximo aos arcos faríngeos – estruturas que servem como mo- deladores capazes de formar tecido conjuntivo, muscular etc. (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Desenvolvimento de sistemas 123 Figura 1 Surgimento do sulco laringotraqueal Cérebro Local da membrana bucofaríngea Divertículo laringotraqueal Medula espinal Faringe primitiva Sulco laringotraqueal 1 2 3 4 6 Protuberância medial da língua Protuberância lateral da língua 1º arco faríngeo Eminência hipofaríngea 4ª bolsa faríngea Sulco laringotraqueal Primórdio do esôfago A B Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. O divertículo laringotraqueal (Figura 2 – A1) logo se separa da faringe pri- mordial, porém mantém comunicação com ela pela entrada laríngea primor- dial. Pregas traqueoesofágicas longitudinais (Figura 2 – A2) se desenvolvem no divertículo laringotraqueal, aproximando-se, fundindo-se em uma nova parti- ção – o septo traqueoesofágico (Figura 2 – B2). O septo dividirá a porção cra- nial do intestino anterior em uma parte ventral, que é o tubo laringotraqueal (primórdio da laringe, traqueia, brônquios e pulmão), e em uma parte dorsal (primórdio da orofaringe e do esôfago) (Figura 2 – C2). IE SD E BR AS IL S /A . 124 Histologia e Embriologia Figura 2 Separação embrionária de traqueia e esôfago Faringe primitiva A1 B1 C1 A2 B2 C2 Endoderma Mesoderma esplâncnico Nível do corte Divertículo laringotraqueal Sulco laringotraqueal Faringe Prega traqueoesofágica Sulco Nível do corte Canal laríngeo primitivo Nível do corte Broto respiratório Pregas fundidas Septo traqueoesofágico Tubolaringotraqueal Esôfago Tubo laringotraqueal Brotos brônquicos primários Primórdio do tubo laringotraqueal Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. IE SD E BR AS IL S /A . A laringe tem seu revestimento epitelial desenvolvido na extremidade cranial do tubo laringotraqueal. Derivadas do quarto e sexto arcos faríngeos, desenvolvem-se as cartilagens a partir do mesênquima, que por sua vez é derivado das células da crista neural. O mesênquima na extremidade cranial do tubo prolifera-se rapidamente, produzindo tumefações aritenoides pareado, e esses “inchaços” crescem em direção à língua, convertendo a abertura na forma de uma fenda, que é a glote primordial. Há ainda uma entrada laríngea em forma de T que reduzirá o lú- men laríngeo em desenvolvimento a uma fenda estreita (Figura 3 – C) (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). mesênquima: tecido mesodérmico embrioná- rio, pouco diferenciado, que origina os tecidos conjuntivos. aritenoide: cartilagem à qual se prendem as pregas vocais e cujos movimentos possibilitam a abertura e fechamento da glote. Glossário Desenvolvimento de sistemas 125 Figura 3 Desenvolvimento da laringe Forame cego da língua Eminência hipofaríngea 4ª arco faríngeo Sulco laringotraqueal 2 3 4 Broto da epiglote Canal laríngeo Brotos aritenoides A C D B Epiglote Forame cego da língua Canal laríngeo Sulco terminal Tonsila palatina Raiz da língua Cartilagens laríngeas IE SD E BR AS IL S /A . Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. O epitélio laríngeo prolifera-se rapidamente, resultando em oclusão temporária do lúmen laríngeo, com a recanalização da laringe normalmente ocorrendo na décima semana de desenvolvimento. Ocorre a formação dos recessos laterais, que são delimi- tados por pregas de membrana mucosa, e estes, depois, tornam-se as pregas vocais (cordas) e as pregas vestibulares. Sendo a musculatura da laringe derivada do mesênquima do quarto e sexto arcos faríngeos, todos os músculos laríngeos serão inervados por ramo do décimo nervo craniano, o nervo vago. A epiglote (Figura 3 – C e D) se desenvolverá na parte cau- dal da eminência hipofaríngea (Figura 3 – A e B), uma proeminência produzida pela proliferação do mesênquima nas extremidades ventrais do terceiro e quarto arcos faríngeos. A porção rostral dessa eminência forma o terço posterior ou a parte farín- gea da língua. A epiglote apresentará um crescimento rápido do período pós-natal até os três anos de idade, quando atinge seu ápice de maturação (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021; NETTER, 2018). A estruturação da traqueia ocorre no processo de separação do divertículo larin- gotraqueal do intestino anterior, formando a traqueia e duas evaginações laterais, os chamados brotos brônquicos primários (Figura 2 – C1). O endoderma do tubo laringo- traqueal se derivará no epitélio que recobre as glândulas traqueais e as cartilagens; o tecido conjuntivo e os músculos derivam do mesênquima esplâncnico que envolve o tubo laringotraqueal (Figura 2 – A2, B2 e C2). O desenvolvimento do pulmão e dos brônquios (Figura 4) tem início na quarta semana de gestação – precisamente no início do período embrionário (MOORE; PER- SAUD; TORCHIA, 2021). O broto brônquico primário se alarga lateralmente para formar os brônquios principais direito e esquerdo (Figura 4 – C). rostral: estrutura anatô- mica que se assemelha a um bico. Glossário A atresia laríngea, um defeito congênito raro, é resultado da falha na recanalização da laringe, produzindo uma obstrução da via aérea fetal superior. Essa obstrução pode ser um bloqueio completo ou desenvolver-se de maneira incompleta, o que é carac- terizado como estenose (ÖNDEROLU et al., 2003). Saiba mais 126 Histologia e Embriologia Conforme o brônquio principal se desenvolve, ocorre a formação da cavidade pleural ao seu redor. O brônquio direito constitui três brônquios secundários, e o brônquio principal esquerdo forma dois (Figura 4 – D), prenunciando, assim, os três lobos pulmonares do lado direito e os dois do lado esquerdo (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Brotos brônquicos, juntamente com o mesênquima esplâncnico circundante, diferenciam-se nos brônquios e nas ramificações dos pulmões. No início da quinta semana, a conexão de cada broto brônquico com a traqueia se acentua para for- mar os primórdios dos brônquios principais. Figura 4 Surgimento dos brônquios e do pulmão C B E A D B C A D E A. Lobo superior direito B. Lobo médio direito C. Lobo inferior direito D. Lobo superior esquerdo E. Lobo inferior esquerdo Canal pericardioperitoneal Traqueia Mesoderma esplâncnico Cavidade pleural Pleura visceral Pleura parietal Traqueia 28 dias Brotos brônquicos 42 dias Primórdio dos brotos brônquicos secundários Brônquio principal direito Brônquio principal esquerdo Brônquio principal direito Brônquio principal esquerdo Mesênquima 56 dias A. Lobo superior direito B. Lobo médio direito C. Lobo inferior direito D. Lobo superior esquerdo E. Lobo inferior esquerdo A B C D Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. IE SD E BR AS IL S /A . Os brônquios secundários se dividem repetidamente em modo dicotomizado – isto é, em duas partes, formando dez brônquios terciários no lobo direito do pulmão e de oito a nove brônquios no lobo esquerdo, o que dá origem aos seg- mentos broncopulmonares do pulmão adulto. Até o final do sexto mês, estabe- leceram-se 17 gerações de subdivisões, mas a sua configuração final acontecerá somente após o nascimento, com o final da maturação pulmonar. Vale ressaltar que o pulmão é inativo durante o período gestacional, apesar de realizar pequenos movimentos inspiratórios ao final da 24ª semana de ges- tação – o pulmão estará no que chamamos de fase de treinamento, não sendo ainda considerado plenamente funcional (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Conforme os brônquios se formam, placas cartilaginosas oriundas do mesên- quima esplênico se desenvolvem. À medida que ocorre a expansão pulmonar, ele passa a ser recoberto por uma camada de pleura visceral (Figura 4 – B) que cresce caudalmente em direção ao coração. A parede torácica do corpo torna-se revestida pela pleura parietal (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). A maturação pulmonar é caracterizada em quatro principais estágios: pseu- doglandular, canicular, saco terminal e alveolar. O primeiro, o pseudoglandular, ocorre entre a 6ª e a 16ª semana (Figura 5 – A). A nomenclatura durante esse es- tágio se deve ao fato de nesse período o pulmão assemelhar-se histologicamente às glândulas exócrinas. Próximo à 16ª semana, todos os principais elementos da porção condutora dos pulmões estão formados, no entanto sua capacidade de esplênico: relativo ao baço. Glossário Desenvolvimento de sistemas 127 troca gasosa ainda é inexistente, ou seja, fetos nascidos com até 16 semanas são incapazes de sobreviver. Figura 5 Estágio pseudoglangular da maturação pulmonar Bronquíolo terminal Células do tecido conjuntivo Capilares Tecido conjuntivo Primórdio dos bronquíolos Brônquio A B Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. IE SD E BR AS IL S /A . O segundo estágio de maturação pulmonar é conhecido como canicular e ocor- re entre a 16ª e a 26ª semana de desenvolvimento (Figura 6). Nesse estágio, a luz dos brônquios e dos bronquíolos terminais torna-se maior, e o tecido pulmonar, consequentemente, mais vascularizado. Os bronquíolos terminais darão origem a dois ou mais bronquíolos respiratórios, e cada um destes se dividirá entre três a seis passagens denominadas ductos alveo- lares primitivos. Ao final desse estágio, alguns sacos terminais se desenvolverão nas extremidades dos bronquíolos respiratórios, e o tecido pulmonar ficará bem vascula- rizado, possibilitando ao feto respirar (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Figura 6 Estágio canicular da maturação pulmonar Capilares Saco terminal Primórdio da cartilagem Brônquio Bronquíolo respiratório Tecido conjuntivo Bronquíolo terminalBronquíolos respiratórios A B Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. IE SD E BR AS IL S /A . 128 Histologia e Embriologia O recém-nascido necessitará de acompanhamento médico intensivo ainda nesse estágio porque os alvéolos ainda estão extremamente imaturos. A partir da 26ª semana de desenvolvimento até o nascimento, o feto entrará na fase denomi- nada saco terminal (Figura 7), e nela os sacos terminais são revestidos principal- mente por células epiteliais pavimentosas de origem endodérmica – pneumócitos do tipo I, responsáveis pela troca gasosa (GARTNER; HIATT, 2017). Entre essas células, estão as epiteliais arredondadas secretoras – pneumócitos do tipo II, res- ponsáveis pela secreção de surfactantes pulmonares, uma complexa mistura de fosfolipídios e proteínas, formando uma película sobre as paredes internas dos sacos alveolares, o que neutraliza as forças de tensão superficiais no alvéolo e per- mite descolabamento interno. A rede de capilares sanguíneos e linfáticos se prolifera rapidamente no mesênquima ao redor dos alvéolos em desenvolvimento. O íntimo contato entre as células epiteliais e endoteliais forma a barreira hematoaérea, que possibilita as trocas gasosas. Vale destacar que é nessa fase que o pulmão passa a “treinar os movimen- tos respiratórios”, inalando líquido amniótico, que, associado ao líquido surfactante, possibilitará a abertura alveolar (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). descolabamento: descolamento, separação de órgãos que estavam colabados, grudados. Glossário Figura 7 Estágio do saco terminal da maturação pulmonar A B Bronquíolo respiratório Saco terminal Fibra elástica Bronquíolo terminal Epitélio pavimentoso do saco terminal Capilar Saco terminal Ducto alveolar Bronquíolo respiratório Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. IE SD E BR AS IL S /A . Por fim, o último estágio de maturação, o estágio alveolar (Figura 8), ocor- re a partir de 32 semanas de gestação e continuará no período pós-natal, precisamente até os 8 anos de idade. Isso porque cerca de 95% dos alvéolos maduros se desenvolvem no período pós-natal devido à inativação do pulmão no período pré-natal. Durante o pré-natal, os alvéolos primitivos aparecem como pequenas protu- berâncias nas paredes dos brônquios respiratórios e dos sacos alveolares. Já no pós-natal, o aumento dos pulmões se dá pelo crescimento exponencial no número de bronquíolos respiratórios e alvéolos primitivos. Essa ação é decorrente da for- mação de septos secundários originários do tecido conjuntivo que se subdividem em alvéolos primitivos existentes. Desenvolvimento de sistemas 129 IE SD E BR AS IL S /A . A B Bronquíolo respiratório Alvéolos Epitélio pavimentoso Fibroblastos Bronquíolo respiratório Ducto alveolar Membrana alveolocapilar Bronquíolo terminal Célula muscular lisa Alvéolo Capilar Alvéolos primitivos Bronquíolo terminal Figura 8 Estágio alveolar da maturação pulmonar Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. A Figura 8 ilustra o estágio de maturação final do desenvolvimento alveolar. A partir dos três anos de idade o desenvolvimento alveolar se torna bastante avan- çado, mas é somente com oito anos que novos alvéolos são adicionados (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). 5.2 Sistema digestório Vídeo O sistema digestório ou alimentar é considerado desde formação da boca ao ânus, bem como todas as glândulas e estruturas acessórias ligadas ao seu desen- volvimento. Tudo se inicia na quarta semana de gestação, com o surgimento do intestino primordial, assim como da cabeça, da eminência caudal e das pregas la- terais, incorporando a parte dorsal da vesícula umbilical (saco vitelino) ao embrião. O endoderma será responsável pela formação de boa parte do intestino, dos epité- lios e das glândulas. Um dos grandes pilares do sistema digestório em formação é o in- testino, pois dele é que teremos a derivação de todos os órgãos ou de boa parte deles. O intestino primitivo será um longo tubo oco que percorre todo o embrião – separado em três porções conforme o desenvolvimento das suas estruturas, assim teremos o intestino anterior, o intestino médio e o intestino posterior (MOORE et al., 2021). O primeiro ponto de partida do nosso desenvolvimento se dá na região cranial, com o intestino anterior. Dele são formadas as seguintes estruturas: • faringe primordial e seus derivados; • trato respiratório inferior; • esôfago e estômago; • duodeno, distal da abertura do duto biliar; • fígado, aparelho biliar (vesícula, dutos biliares e dutos hepáticos) e pâncreas. O esôfago é originário da porção caudal da faringe, sendo inicialmente formada uma estrutura curta, porém que rapidamente cresce devido ao desenvolvimento dos pulmões e do coração, os quais o realocam. Seu crescimento e amadurecimen- to chegam ao ápice por volta da sétima semana, sendo seu epitélio e suas glându- las derivadas do endométrio. 130 Histologia e Embriologia Durante esse período, o epitélio esofágico prolifera-se e bloqueia parcial ou totalmente a luz do esôfago, que novamente sofre a recalinização na oitava se- mana, reabrindo o duto esofágico. A musculatura estriada do terço superior do esôfago é derivada do mesênquima do quarto e sexto arcos faríngeos, e a mus- culatura lisa do terço inferior do esôfago se desenvolve do mesênquima esplênico circundante. Com 26 dias, a porção torácica do intestino anterior começa a se alongar, pro- cesso que se estende pelos próximos dois dias. Já o presumível estômago, que nes- se período se encontra afastado dos brotos pulmonares e começa a se expandir, formando uma estrutura fusiforme. Durante a quinta semana de gestação, a porção da parede dorsal do estômago se desenvolve mais acentuadamente que a parede ventral – processo conhecido como curvatura maior do estômago. Esse aumento acontece ao mesmo tempo na porção dorsal, e a deformidade que surge pelo seu crescimento recebe o nome de curvatura menor do estômago (Figura 9). m yt hi ng /S hu tte rs to ck Curvatura maior do estômago Figura 9 Desenvolvimento do estômago Fonte: Elaborada pelo autor. Esôfago Duodeno Curvatura menor do estômago Lado direito do corpo Lado esquerdo do corpo Ao fim da sétima semana, a expansão diferencial continua da parte superior da curvatura maior, resultando no surgimento do fundo e da incisura cardíaca. Vale ressaltar que, entre a sétima e a oitava semanas de desenvolvimento, o estômago sofre uma rotação de 90 graus em torno do seu eixo craniocaudal, com a curvatura maior pendendo para a esquerda, e a menor, para a direita (Figura 9), assumindo sua posição final. Nesse momento da curvatura, o presumível duodeno se torce em forma de C e se desloca para a parede dorsal do corpo. Concomitantemente à formação do estômago, os demais órgãos do sistema digestó- rio seguem o mesmo padrão de indução para se desenvolverem. Nesse sentido, o fígado é um dos órgãos que se forma dentro do mesmo período: precisamente por volta do 22° dia de gestação em que um pequeno espessamento endodérmico, conhecido como placa hepática, surge na porção ventral do duodeno. Ao longo dos próximos dias, um grupo de células se multiplica e prolifera, dando origem ao divertículo hepático, o qual cresce em meio a células mesenquimais que da- rão origem ao septo transverso. O divertículo dará origem a cordões de hepatoblastos (hepato = fígado; blasto = dar origem), que posteriormente irão se tornar hepatócitos, os quais auxiliarão na formação dos canalículos biliares do fígado e dos ductos hepáticos. fusiforme: que tem forma de fuso, com o centro mais espesso e as extremidades mais finas. Glossário Desenvolvimento de sistemas 131 Salientamos que a importância do fígado nesse período embrionário ainda não é o digestório, nem a detoxificação do organismo; ele será um dos grandes centros hematopoiéticos do embrião até que a medula óssea esteja maturada o suficiente para assumir a função já no período final da gestação (SCHOENWOLF etal., 2016). Por volta do 26° dia, um espessamento endodérmico diferente se forma na face ventral do duodeno, localizado caudalmente (posição posterior) à base do diver- tículo hepático, projetando-se para o mesentério ventral. O divertículo cístico for- mará a vesícula biliar e o ducto cístico, isto é, tanto o ducto quanto a vesícula são formados de células duodenais (Figura10). Figura 10 Desenvolvimento do fígado e da vesícula biliar 32 dias 35 dias 42 dias Estômago Brotamento pancreático dorsal Ducto hepático Divertículo cístico Divertículo cístico Brotamento pancreático ventral Ducto hepático Ducto biliarVesícula maior Papila menor Ducto pancreático acessório Papila maior Principal ducto pancreático Pâncreas Divertículo hepático A B C Processo uncinado (fusionamento dos brotos pancreáticos dorsal e ventral) Fonte: Leitão et al., 2016; Schoenwolf et al., 2016. Outro brotamento duodenal surge por volta do 26° dia, agora com o crescimen- to no mesentério dorsal, em posição oposta ao divertículo hepático. Esse divertí- culo endodérmico é o brotamento pancreático dorsal e formará o pâncreas dorsal (Figura 10 – A). À medida que esse brotamento se alonga em meio ao mesentério dorsal, outro divertículo endométrico do brotamento pancreático ventral projeta- -se para dentro do mesentério ventral em posição imediatamente caudal à vesícula biliar em desenvolvimento. Esse brotamento é o que formará o pâncreas ventral e o ducto biliar principal (Figura 10 – B). Uma vez especificado, o brotamento endodérmico pancreático se espessa e começa a se expandir em direção ao mesoderma. A ramificação desse órgão ocorre de maneira diferenciada em relação aos demais processos de rami- ficação de outros órgãos associados ao sistema digestório em desenvolvimento (SCHOENWOLF et al., 2016). O que se observa no momento da expansão é o pregueamento do epitélio, com f ormação de grupamentos de epitélios sólidos, seguido por microlumens intrae- piteliais, os quais logo coalescem para gerar lumens contínuos com ramificações, formando uma árvore epitelial que drena os produtos exócrinos para o duodeno. hematopoiético: do grego, hemato = sangue e poese = formação, logo um tecido hematopoiético é aquele responsável pela formação do sangue. Glossário IE SD E BR AS IL S /A . mesentério: dobra mem- branosa que liga os órgãos à parede do corpo. Glossário coalescer: unir, aderir, juntar. acinoso: redondo como bago de uva. ducto: em forma de tubo. Glossário 132 Histologia e Embriologia Nesse ponto temos células acinosas pancreáticas, que produzem enzimas di- gestivas; células ductais pancreáticas, que transportam essas enzimas; e ilhotas de Langerhans (Figura 11), que produzem insulina, glucagon, somatostatina etc. Em se- res humanos, enquanto o ducto biliar comum está em formação e o brotamento pancreático ventral está em processo de ramificação proliferando-se e diferencian- do-se, a desembocadura do ducto biliar comum e o brotamento pancreático ventral migram posteriormente do entorno do duodeno em direção ao mesentério dorsal. Figura 11 Ilhota de Langerhans pe riy an ay ag am /S hu tte rs to ck glóbulos vermelhos Células acinosas pancreáticas Ilhotas de Langerhans Ao final da sexta semana de desenvolvimento, os dois brotamentos pancreáti- cos se fundem e formam o pâncreas verdadeiro (Figura 10 – C). O brotamento pan- creático dorsal dá origem à cabeça e à cauda do pâncreas, enquanto o brotamento pancreático ventral dá origem ao processo uncinado (fusionamento dos brotos pan- creáticos dorsal e ventral), assim como o duodeno e o pâncreas se fundem à parede dorsal do corpo, tornando-se retroperitoneal. Assim que ocorre o fusionamento, o ducto dorsal se degenera, fazendo com que o ducto ventral se torne o ducto pancreático principal. O baço, por sua vez, inicia sua jornada de desenvolvimento próximo à quarta semana de gestação. À medida que o mesogastro dorsal do pequeno saco peritoneal começa a se expandir, uma condensação mesenquimal se desenvolve em meio e próximo à parede do corpo. Essa condensação se diferencia no baço por volta da quinta semana gestacional. Vale lembrar que o baço é um derivado mesodérmico, não um produto do endoderma, como a maioria das vísceras intra-abdominais, no entanto seu mesênquima compar- tilha origem comum com o pâncreas. O intestino médio tem o seu desenvolvimento caraterizado por volta da quinta semana gestacional, quando o presumível íleo – o qual pode se distinguir do presumível colo (intestino grosso) pela existência de um primórdio do ceco na junção entre os dois – começa a se alongar rapidamente. O íleo em crescimento alonga-se muito mais rápido que a cavidade abdominal; o intestino médio, por conseguinte, acaba se projetando em íleo: parte terminal do intestino delgado. ceco: divertículo com que se inicia o intestino grosso. Glossário Desenvolvimento de sistemas 133 uma forma de prega dorsoventral semelhante a um grampo de cabelo, denominada alça intestinal primária (Figura 12). Figura 12 Intestino primitivo Estomodeu Intestino faríngeo Esôfago Estômago Pâncreas Intestino posterior Divertículo traqueoesofágico Alça intestinal primitiva Fígado Vesícula biliar Ducto vitelino Alantoide Proctodeu Cloaca Fonte: Sadler, 2016. O ramo cranial dessa alça dará origem à maior parte do íleo, já o ramo caudal será o colo ascendente e o colo transverso. No seu ápice, a alça intestinal primária se encontra fixada no umbigo por meio do ducto vitelínico, enquanto a artéria mesentérica superior segue ao longo do maior eixo da alça. Aproximadamente na sexta semana de desenvolvimento, devido ao alongamen- to do intestino médio combinado com a pressão exercida pelos outros órgãos, como o fígado, a alça intestinal primária é forçada a sofrer uma herniação (Figura 13 – A) em direção ao umbigo. Na medida em que essa pressão exercida é contínua, a alça primária sofre processo de herniação fisiológica em direção ao umbigo, passando por uma rotação em torno do eixo da artéria mesentérica superior a 90° em sentido anti-horário. Essa rotação termina no início da oitava semana (Figura 13 – B); enquanto isso o intestino médio continua a se diferenciar. O jejuno e o íleo em alongamento são projetados em uma série de pregas que recebem a denominação de jejunoieais, enquanto o ceco se expande emitindo bro- tamento que dará origem ao apêndice vermiforme. Ao fim da décima semana (Fi- gura 13 – D), o intestino se retrai e retorna à cavidade abdominal, ou seja, entre a sétima e a décima semanas, ele realiza uma série de dobras de 90° enquanto é maturado dentro do cordão umbilical, havendo diminuição da região de herniação e retorno à cavidade abdominal do intestino médio somente com 11 semanas. Após a entrada do intestino de volta para a cavidade, ele sofrerá uma rotação de 180° em sentido anti-horário, completando, ao final do ciclo, uma rotação ge- ral de 270° em relação à parede posterior da cavidade abdominal (Figura 13 – E) (SCHOENWOLF et al., 2016). IE SD E BR AS IL S /A . 134 Histologia e Embriologia Estágio inicial Sexta semana gestacional Oitava semana gestacional Nona semana gestacional Décima segunda semana gestacional Décima primeira semana gestacional Estágio 2 Estágio 3 Figura 13 Herniação do intestino médio A B C ED Fonte: Schoenwolf et al., 2016. A última parte desenvolvida do sistema digestório é a porção do intestino posterior. Todos os derivados do intestino posterior são supridos pela artéria me- sentérica inferior. À medida que o mesentério se funde ao peritônio parietal na pa- rede abdominal posterior esquerda, o cólon descendente torna-se retroperitonial. A cloaca é uma câmara revestida de endoderma e que está em contato com a superfície do ectoderma, na membrana cloacal em formação. Essa membrana é composta de endoderma da cloaca e ectoderma da fosseta anal. Nesse período, a cloaca (fusionamento da região anal com órgãoexcretor) é gerada de septos que crescem, desenvolvendo extensões em forma de for- quilhas, produzindo dobras internas na parede lateral da cloaca. Esses septos crescem um em direção ao outro e se fundem, formando uma partição que divide a cloaca em três partes: o reto, a parte cranial do canal anal e o seio urogenital (Figura 14). IE SD E BR AS IL S /A . Desenvolvimento de sistemas 135 Figura 14 Desenvolvimento do intestino posterior Intestino anterior Membrana bucofaríngea Intestino médio Intestino posterior Membrana cloacal Ducto vitelínico Alantoide Fa sc ija /S hu tte rs to ck Cordão umbilical O surgimento do canal anal está ligado ao desenvolvimento da parte do terço superior do intestino médio e da porção do terço inferior da fosseta anal, que pos- teriormente formará o ânus (MOORE et al., 2021). 5.3 Sistema cardiovascular Vídeo O sistema cardiovascular é um dos primeiros a se consolidar no embrião em desenvolvimento, com seu início se dando antes mesmo do período de or- ganogênese, no início da terceira semana de gestação. Isso se deve principal- mente devido às necessidades nutricionais do embrião nesse período, quando ele não se sustenta mais somente por meio dos capilares sanguíneos mater- nos. Consequentemente, a grande demanda e a necessidade de um método eficiente de aquisição de oxigênio e de nutrientes do sangue materno já não conseguem mais ser supridos, além de haver necessidade de eliminação de dióxido de carbono e produtos residuais gerados pela alta taxa de duplicação celular e diferenciação. O sistema cardiovascular (Figura 15) é derivado principalmente de: 1. mesoderma esplâncnico, que forma o primórdio do coração; 2. mesoderma paraxial e lateral próximo aos placoides óticos; mesoderma faríngeo; 3. células da crista neural da região entre as vesículas óticas e os limites caudais do terceiro par de somitos. 136 Histologia e Embriologia Figura 15 Desenvolvimento cardíaco Saco vitelínico com ilhotas sanguíneas Plano de corte em C Placa neural Corte em seção B Coração primordial Ectoderma embrionário Mesoderma esplâncnico Endoderma embrionário Local da membrana bucofaríngea Borda do saco amniótico Local da membrana cloacal Haste de conexão Vaso sanguíneo Cordão angioblástico Coelema pericárdico Saco vitelínico Fonte: Moore; Persaud, 2003. IE SD E BR AS IL S /A . Os cordões angioblásticos (Figura 15 – B) se canalizam para formar dois tubos cardíacos finos. À medida que o embrião se dobra lateralmente, os tubos se aproxi- mam e se fundem para formar um único tubo cardíaco (Figura 16 – A). Figura 16 Fusão dos tubos cardíacos 1° arco aórtico 1° arco aórtico Âmnio A B A B Cavidade do saco vitelínico Fusão dos tubos cardíacos Cavidade pericárdica Tubos cardíacos endoteliais Poço do saco vitelínico Veia umbilical Seio venoso Miocárdio Faringe Prosencéfalo Átrio Átrio Átrio Ventrículo Ventrículo Cordão do bulbo Cordão do bulbo Tronco arterioso 2° arco aórtico Veia cardinal comum Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. IE SD E BR AS IL S /A . A fusão dos tubos cardíacos se inicia na extremidade cranial do coração em de- senvolvimento e se estende caudalmente. O coração inicia seus movimentos (bati- mentos cardíacos) por volta do 22º e 23º dias, já o fluxo sanguíneo começa durante a quarta semana de desenvolvimento. Conforme o coração vai se desenvolvendo e os tubos finos já se fusiona- ram, os processos de maturação e formação cardíaca prosseguem. O múscu- lo cardíaco (miocárdio) é formado pelo mesoderma esplênico que circunda a Desenvolvimento de sistemas 137 cavidade pericárdica. Nessa fase, o coração é composto por um tubo endote- lial fino separado do miocárdio espesso por um tecido conjuntivo conhecido como geleia cardíaca. O tubo endotelial torna-se a membrana interna do coração, conhecida como endocárdio, enquanto o miocárdio primitivo torna-se a parede muscular do coração, e o epicárdio é derivado de células mesoteliais que se originam da superfície externa do seio venoso. O tubo cardíaco primitivo sofre uma série de dilatações (Figura 17), sendo formadas quatro cavidades primitivas conhecidas como: 1. bulbo cardíaco; 2. ventrículo primitivo; 3. átrio primitivo; 4. seio venoso. Os batimentos cardíacos têm seu início de funcionamento por volta do 22° dia, com as contrações se originando no próprio músculo cardíaco por meio de movimentos peristálticos do seio venoso para o bulbo cardíaco. Conforme o coração vai se desenvolvendo, observamos um crescimento diferencial das suas paredes, durante o qual o tubo cardíaco se dobra (Figura 18 – C), com um aprofundamento do sulco bulboventricular esquerdo e do sulco atrioventricular direito, forçando o bulbo cardíaco a se posicionar à direita, e o ventrículo primi- tivo à esquerda. O átrio eleva-se em direção dorsocranial, trazendo juntamente consigo o seio venoso. Esse movimento faz com que o bulbo e o ventrículo primitivo fi- quem um ao lado do outro em posição ventral ao átrio (Figura 17). Figura 17 Formação do coração primitivo 1° arco aórtico 1° arco aórtico Âmnio A B A B Cavidade do saco vitelínico Fusão dos tubos cardíacos Cavidade pericárdica Tubos cardíacos endoteliais Poço do saco vitelínico Veia umbilical Seio venoso Miocárdio Faringe Prosencéfalo Átrio Átrio Átrio Ventrículo Ventrículo Cordão do bulbo Cordão do bulbo Tronco arterioso 2° arco aórtico Veia cardinal comum Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. IE SD E BR AS IL S /A . Com o dobramento cefálico, o coração e a cavidade pericárdica passam a ficar ventralmente ao intestino anterior e caudalmente à membrana bucofarín- gea (Figura 18). 138 Histologia e Embriologia Figura 18 Dobramento do coração primordial Membrana bucofaríngea Endoderma NotocordaCérebro primordial Âmnio Membrana bucofaríngea Membrana bucofaríngea Intestino anterior Tubo cardíaco Tubo cardíaco Cavidade pericárdica Cavidade pericárdica Septo transverso Septo transverso Intestino anterior Tubo cardíaco Cavidade pericárdica Septo transverso Procéfalo em desenvolvimento Cordão espinhal em desenvolvimento A B C Fonte: Moore; Persaud, 2003. Nesse estágio, o desenvolvimento do coração pode ser dividido em três fases: • plexiforme (Figura 18 – A); • tubular reta (Figura 18 – B); • alça (Figura 18 – C). A fase plexiforme é caracterizada pelo plexo endotelial (que formará o endocár- dio) envolvido pelo miocárdio, enquanto a fase tubular reta consiste em dois tubos endocárdicos dando origem a um ventrículo único. Na última fase, há formação de uma alça cardíaca devido ao processo de crescimento do bulbo cardíaco, durante o qual o coração assume uma forma semelhante a um S. Posteriormente, o crescimento ocasionado por proliferação celular na re- gião bulboventricular leva o coração a assumir uma nova conformação, agora em formato de U (Figura 19). É importante notar que, antes do dobramento IE SD E BR AS IL S /A . Desenvolvimento de sistemas 139 cardíaco, as estruturas do coração encontravam-se em série, ou seja, conecta- das desde a extremidade venosa até a extremidade arterial por um tubo reto (MOORE et al., 2021). Figura 19 Curvatura cardíaca Tronco arterioso Remanescente do mesocárdio dorsal Sino transverso do pericárdio Sino venoso Átrio Dobra parietal do pericárdio Dobra bulboventricular Fonte: Moore; Persaud, 2003. O resultado observado dessa dobra cardíaca é exatamente a colocação das qua- tro câmaras do coração em suas relações espaciais exatas umas com as outras. O bulbo que se encontra na região cranial é deslocado para porção caudal, ventralmente à direita, o que desloca o átrio primitivo cranialmente e o ventrículo primitivo para a esquerda, terminando assim a conformação final do coração pri- mitivo, que será levemente voltado à esquerda dentro da região da caixa torácica em que se desenvolve (Figura 20). Figura 20 Coração primitivo Aorta dorsal Tronco arteriosoSaco aórtico Cordão bulboso Geleia cardíaca Ventrículo primordial Coxins endocárdicos dorsais e ventrais Canal atrioventricular; Sino venoso Veia cardinal comum Válvula sinoatrial Átrio primordial 1° arco aórtico Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. IE SD E BR AS IL S /A . IE SD E BR AS IL S /A . 140 Histologia e Embriologia Além disso, entre a metade da quarta e o final da quinta semana, ocorre um fenômeno importante ligado ao desenvolvimento do coração: a septação do co- ração primitivo – em outras palavras, a septação do canal atrioventricular. O início da septação se dá com a formação dos coxins endocárdicos nas paredes ventrais e dorsais do canal atrioventricular. Os coxins se fusionam (Figura 20) e dividem o canal atrioventricular (AV) em canais AV direito e esquerdo – separando, primeiramente, o átrio do ventrículo (Figura 21 – A). A septação se inicia com a formação do septo primário (Figura 21 – B), uma fina membrana em forma de meia lua que começa a surgir na parte superir do átrio em direção aos coxins endocárdicos fusionados; esse processo dá origem ao forame primário (Figura 21). forame: orifício, abertura ou perfuração. Glossário Figura 21 Septação cardíaca entre a quarta e a quinta semana gestacional IE SD E BR AS IL S /A . AD AD AD AD, átrio direito VD, ventrículo esquerdo VE, ventrículo esquerdo AE, átrio esquerdo Septo primário Forame primário Coxins endocárdicos dorsais VD VD VE AE AE A B Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. Antes do processo de obliteração total do forame primário, aparece um peque- no grupo de perfurações no septo primário, resultando em apoptose sincronizada, que serve como ponto de origem para a formação do septo secundário, logo após a degeneração do septo primário. obliteração: eliminação, destruição. apoptose: morte celular programada. Glossário As perfurações representam o forame secundário em desenvolvimento no septo primário Forame primário Coxins endocárdicos fusionados Figura 22 Surgimento do septo secundário a partir do septo primário IE SD E BR AS IL S /A . Fonte: Moore; Persaud, 2003. Desenvolvimento de sistemas 141 O processo de formação do septo secundário é incompleto, o que acarreta o surgimento do forame oval. Como ainda não há circulação sanguínea completa, pois o sangue pouco oxigenado não vai para o pulmão, ocorre a comunicação entre o átrio esquerdo e o direito, levando a uma circulação mista nesse período de desenvolvimento (Figura 23). Essa estrutura terminará seu desenvolvimento apenas ao nascer, quando a pressão do ar na região do forame oval forçar o seu colabamento e a separação do sistema circulatório em definitivo (MOORE; PER- SAUD; TORCHIA, 2021). Cavidade amniótica Seio venoso Arcos aórticos Artérias intersegmentares dorsais (dirigem-se para o corpo do embrião) Artéria umbilical (dirigem-se para o córion) Córion Veia umbilical Vesícula umbilical Veia vitelina (dirige-se para a vesículo umbilical) Coração Saco aórtico Artéria vitelina Aorta dorsal Veias cardinais comuns Âmnio Cordão umbilical Figura 23 Sistema cardiovascular primitivo IE SD E BR AS IL S /A . Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. O sistema circulatório e sua formação estão ligados ao desenvolvimento do coração; por meio da indução das células, uma intrincada rede de genes estará envolvida para que o sistema cardiovascular consiga seguir seu curso de desenvol- vimento normal. Na quarta semana, o sistema circulatório (Figura 23) estará conectado a três grandes grupos de veias ligadas ao coração: • veias vitelinas: retornam sangue pouco oxigenado da vesícula umbilical (saco vitelino); • veias umbilicais: transportam sangue bem oxigenado do saco coriônico; • veias cardinais comuns: retornam sangue mal oxigenado do corpo do embrião. 142 Histologia e Embriologia As veias vitelinas se orientam pelo ducto onfaloentérico (tubo estreito que se conecta à vesícula umbilical com o intestino médio) até o embrião. Após passagem pelo septo transverso, essas veias entram na extremidade venosa do coração – o seio venoso. A veia vitelina esquerda então regride, enquanto a direita forma a maior par- te do sistema hepático, assim como uma porção da veia cava inferior. À medida que o primórdio hepático (precursor do fígado) se desenvolve no septo transver- so, os cordões hepáticos anastomosam-se em torno de espaços preexistentes de endotélio. Posteriormente, esses espaços, primórdios dos sinusoides hepáticos, ligam-se às veias vitelinas. As veias umbilicais, no seu surgimento, percorrem cada lado do fígado e transportam sangue bem oxigenado da placenta via seio venoso. Conforme o fí- gado se desenvolve, essas veias perdem sua conexão com o coração e desembo- cam diretamente no fígado. Na sétima semana, a veia umbilical direita desaparece, deixando a veia esquerda como único vaso transportador de sangue bem oxigena- do da placenta para o embrião (MOORE et al., 2021). A circulação se consolida com a formação de um shunt venoso (ducto venoso), que é a conexão entre a veia umbilical e a veia cava inferior, o que permite à maior parte do sangue da placenta passar diretamente para o coração, sem necessitar passar pelo fígado. As artérias umbilicais passam para uma vesícula e, posteriormente, para o intes- tino primordial, que se forma na parte incorporada da vesícula umbilical. Essas ar- térias pareadas passam pelo pedúnculo de conexão (cordão umbilical primordial) e tornam-se contínuas com o córion, a parte embrionária da placenta. Essa ligação é importante porque é por meio das artérias que as sobras metabólicas e o sangue pouco oxigenado são transportados para a corrente sanguínea materna. 5.4 Sistema nervoso Vídeo Assim como o sistema cardiovascular, o sistema nervoso tem suas primeiras indicações de aparecimento e desenvolvimento durante a terceira semana, conforme a placa neural e o sulco neural se desenvolvem na face posterior do em- brião trilaminar. São exatamente a notocorda e o mesênquima paraxial que indu- zem o ectoderma sobrejacente a se diferenciar na placa neural. Adentrando a quarta semana, damos início a um processo conhecido como neurulação (Figura 24), responsável por formar o tubo e a placa neural. A forma- ção do SNC (sistema nervoso central) e do SNP (sistema nervoso periférico) tem seu início entre o quarto e sexto par de somitos, encontrados na região cranial. O fusionamento das pregas neurais e a formação do tubo neural começam no quinto somito e prosseguem nas direções craniais e caudais até que apenas pe- quenas áreas do tubo permaneçam abertas em ambas as extremidades. anastomasar-se: interligar-se por meio de ramificações. endotélio: camada celular que reveste interiormente os vasos sanguíneos e linfáticos. Glossário Desenvolvimento de sistemas 143 Figura 24 Neurulação 1 – Endoderma 2 – Crista neural 3 – Sulco neural 4 – Ectoderma 5 – Mesoderma 6 – Notocorda 7 – Tubo neural 8 – Mesênquima Formação Elevação Convergência Fechamento Yu lia Ze lin sk ay a/ Sh ut te rs to ck A C B D 9 9 – Prega pré-cordal A neurulação tem início com a formação da notocorda, estrutura que servirá como orientação para a formação do sistema nervoso central e periférico. Seu surgimento está atrelado à migração de células do endoderma para a região mesenquimal, conhe- cida como processo notocordal. A notocorda se desenvolverá (Figura 24 – C) até a região da placa pré-cordal, em que células do endoderma e ectoderma se fundem (Figura 24 – A). Essa placa (Figura 24 – B) servirá como um centro de sinalização para o controle e o desenvolvimento de estruturas ligadas ao sistema nervoso, pois é por meio dela que temos a orien- tação para a formação de pregas e de cristas neurais na região anterior do embrião ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Ao final do processo notocordal ocorre o seu fechamento (Figura 24 – D), estando a notocorda formada. Seu crescimento em direção à região anterioré um dos indi- cadores para a segmentação em dois eixos principais: anterior e posterior, em que ocorrerão adaptações celulares específicas para atender às necessidades de desenvol- vimento nessas áreas, isto é, na região anterior à formação do sistema nervoso central e na região posterior com o desenvolvimento do SNP. A formação da notocorda induzirá o surgimento de duas estruturas primordiais para a neurulação: a placa e o tubo neural. Conforme a notocorda vai se desenvol- vendo e se deslocando para a região anterior do embrião, ocorre o processo de diferenciação em que células do ectoderma que formam a placa neural – tecido em formação que recebe o nome de neuroectoderma –, darão origem SNC, composto pelo cérebro e pela medula espinhal. Com aproximadamente 18 dias, a placa neural invagina-se no seu eixo central, dando origem ao sulco neural; em ambos os lados teremos o surgimento das pregas neurais (Figura 24 – C). Conforme as pregas neurais se fusionam, dão origem ao tubo neural. Parte da superfície do ectoderma separa-se, formando as cristas neurais, que acompanham o desenvolvimento do tubo neural. As cristas neurais darão origem aos gânglios nervosos, oriundos do SNP. Ao fim do processo, teremos a formação de dois neuroporos: o anterior, que se desen- volve por meio de proliferação acentuada das células para dar início à formação da região da cabeça e do sistema nervoso central; e o posterior, que se localiza na 144 Histologia e Embriologia região caudal. Ambos necessitam realizar seu fechamento completo entre o 21° e o 24° dia de desenvolvimento ( MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Coincidentemente, o fechamento dos neuroporos ocorre ao mesmo tempo que o sistema circulatório é consolidado (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). A medula espinhal se desenvolve na parte caudal da placa neural e da eminência caudal. As paredes laterais do tubo neural engrossam, reduzindo gradualmente o tamanho do canal neural até que apenas um pequeno canal central da medula esteja pre- sente, isso entre a nona e a décima semana. Histologicamente, a parede do tubo neural é composta por um neuroepitélio espesso pseudoestratificado e colunar. As células neuroepiteliais são um grupo de células que dará origem a todos os neurônios e células macrogliais da medula espinhal (Figura 25). Figura 25 Diferenciação de células neuroepiteliais Tubo neural Mesênquima Neuroepitélio Células mesenquimais Célula da microglia Neuroblasto apolar Gliobasto Ependima Epitélio do plexo coróide OligodendroblastoAstroblasto Neuroblasto bipolar Neuroblasto unipolar Dendrito Axônio neurônio Astrocito protoplasmático Astrocito fibroso Oligodendrocito Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. A proliferação e a diferenciação dessas células neuroepiteliais na medula espinhal em desenvolvimento produzem paredes espessas, placa do teto e assoalho neuronal. IE SD E BR AS IL S /A . Desenvolvimento de sistemas 145 As membranas protetoras que revestem o cérebro, conhecidas como meninges, desenvolvem-se das cristas neurais e do mesênquima entre o 20º e o 35º dia, quando migram para circundar o tubo neural formando as meninges primordiais. Durante a quinta semana, começa a formação do líquido cefalorraquidiano (LCR); o processo de mielinização nervosa (Figura 26) e o surgimento da bainha de mielina na medula es- pinhal começam no final do período fetal e continuarão a se desenvolver do pós-natal até o primeiro ano de vida. As proteínas ligadas à mielinização são as integrinas β1, que regulam o processo de mielinização da bainha de mielina. Os oligodendrócitos originários do neuroepitélio são os responsáveis pela sua formação. Figura 26 Processo de mielinização A B F G H C D E Axônio Neurolema Mesaxônio Axônio Oligodendrócito Núcleo Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. As bainhas de mielina ao redor dos axônios de fibras nervosas, como as periféri- cas, são formadas pelo neurolema – conhecidas como bainhas das células de Schwann, análogas aos oligodendrócitos. Já o neurolema é derivado da crista neural que migra perifericamente e se enrola em torno dos axônios dos neurônios motores somáticos e autônomos pré-ganglionares. A partir de 20 dias de desenvolvimento, já é possível observar um embranquecimento nas fibras nervosas, fato característico da deposi- ção de mielina sobre elas (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Um dos órgãos mais importantes do sistema nervoso e responsável pelo controle praticamente total de funções de nosso corpo é o cérebro. Seu desenvolvimento se dá juntamente com o surgimento do coração, no início da terceira semana de gesta- ção, com o advento da placa neural e do tubo na neuroectoderma. No quarto par de somitos na região cranial ligado ao tubo neural é que se desen- volverá o cérebro. Isso ocorre juntamente com o fechamento do neuroporo rostral e a fusão das pregas neurais com a região craniana, formando três vesículas cerebrais primárias nas quais o cérebro se desenvolverá: • prosencéfalo; • mesencéfalo; • encéfalo (rombencéfalo). mielina: membrana plasmática que envolve o axônio de certos neurônios. Glossário IE SD E BR AS IL S /A . Você sabia que a maioria dos defeitos relacionados ao sistema nervoso ocorre durante a 4ª semana de desenvolvimento? Normal- mente eles estão atrelados a falhas de fusão de um ou mais arcos neurais das vértebras. Defeitos do tubo neural afetam os tecidos que recobrem a medula espinhal, como meninges, arcos vertebrais, músculo e pele. Defeitos congêni- tos envolvendo os arcos neurais embrionários são chamados de espinha bífida, e seus subtipos são organi- zados conforme o defeito na tuba neural. Para saber mais sobre esse tema, recomendamos a leitura do texto a seguir. Disponível em: https://editoraime. com.br/revistas/index.php/rems/ article/view/2719. Acesso em: 23 maio 2022. Curiosidade https://editoraime.com.br/revistas/index.php/rems/article/view/2719 https://editoraime.com.br/revistas/index.php/rems/article/view/2719 https://editoraime.com.br/revistas/index.php/rems/article/view/2719 146 Histologia e Embriologia Figura 27 Subdivisões do cérebro embrionário Nr et s/ W ik im ed ia C om m on s Prosencéfalo Mesencéfalo Rombencéfalo Telencéfalo Diencéfalo Metencéfalo Mielencéfalo Medula espinhal Na quinta semana de desenvolvimento, o prosencéfalo se divide parcialmente em duas vesículas cerebrais secundárias – o telencéfalo e o diencéfalo. O mesencéfalo não apresenta divisões, e o rombencéfalo também irá se dividir em duas vesículas: metencéfalo e mielencéfalo (Figura 27). Por volta da quinta semana de desenvolvi- mento, o cérebro cresce rapidamente, curvando-se ventralmente em direção cranial, o que produzirá a flexura do mesencéfalo na região do mesencéfalo e a flexura cer- vical entre o rombencéfalo e a medula espinhal. Ainda apresentaremos outra flexura, conhecida como flexura pontina, que dividirá o rombencéfalo em partes caudal (mielencéfalo) e rostral (metencéfalo). O mielencé- falo torna-se a medula oblonga (conhecida como medula), e o metencéfalo, a ponte e o cerebelo. Já a cavidade do rombencéfalo transforma-se no quarto ventrículo e no canal central da medula. A parte caudal do mielencéfalo (parte fechada da medula) assemelha-se à medula espinhal, tanto em termos de desenvolvimento quanto à sua estrutura. O canal neural do tubo neural forma o pequeno canal central do mielencéfalo. Ao contrário dos neuro- blastos da medula espinhal, os das placas alares do mielencéfalo migram para a zona marginal e formam áreas isoladas de substância cinzenta. A parte rostral do mielencéfalo (parte aberta da medula) é larga, bastante plana e oposta à flexura pontina, a qual faz com que as paredes laterais da medula se movam lateralmente, como as páginas de um livro. Como resultado, a sua placa de teto é esti- cada e afinada. Além disso, a cavidade dessa porção do mielencéfalo (porção do futuro quarto ventrículo) modifica-se em formato romboidal (emforma de diamante). Assim que as paredes da medula se movem lateralmente, as placas alares se posicionam da mesma maneira em relação às placas basais. Conforme as posições das placas mudam, os núcleos motores se desenvolvem medialmente aos núcleos sensoriais. As paredes do metencéfalo formam a ponte e o cerebelo, a cavidade do metencéfalo formará a parte superior do quarto ventrículo. O cerebelo será desenvolvido a partir do espessamento das partes dorsais das placas alares, onde, inicialmente, tumefações cerebelares se projetam para o quarto ventrículo. flexura: movimento do que se dobra, do que se verga. Glossário Desenvolvimento de sistemas 147 À medida que os inchaços aumentam e se fundem no plano mediano, as tumefações crescem sobre a metade rostral do quarto ventrículo e se sobrepõem à ponte e à medula. O mesencéfalo é a outra parte do cérebro que menos sofre alterações durante o desenvolvimento, exceto a parte caudal do rombencéfalo. O canal neural estreita-se e torna-se o aqueduto cerebral, um canal que conecta o terceiro e o quarto ventrículos (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). A última parte do cérebro, o prosencéfalo, é caracterizada pela formação das vesícu- las óticas – primórdios da retina e dos nervos ópticos, que surgem à medida que ocorre o fechamento do neuroporo rostral, surgindo duas, uma de cada lado do prosencéfalo. Um segundo par de divertículos, as vesículas telencefálicas, são primórdios dos he- misférios cerebrais, e suas cavidades se tornam os ventrículos laterais. O hipotálamo sur- ge pela proliferação de neuroblastos na zona intermediária das paredes diencefálicas, ventrais aos sulcos hipotalâmicos (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). 5.5 Sistema urogenital Vídeo O sistema urogenital, incluindo todos os órgãos envolvidos na reprodução e na formação e eliminação da urina, é funcionalmente dividido em sistema urinário e sistema genital. Tanto o sistema reprodutor quanto o excretor estão intimamente associados, principalmente nos estágios iniciais de desenvolvimento embrionário. O sistema urogenital se desenvolve no mesênquima intermediário (mesoderma) derivado da parede dorsal do corpo do embrião. Esse tecido conjuntivo embrionário é o responsável pela formação dos rins e da genitália interna, bem como dos seus ductos. Durante a quarta semana de desenvolvimento, no período de dobramento do embrião, esse mesoderma é transportado e perde conexão com os somitos. Uma elevação longitudinal do mesoderma – a crista urogenital – forma-se em cada lado da aorta dorsal. A porção da crista urogenital que dá origem ao sistema urinário é o cordão nefrogênico, e a parte que formará o sistema genital é a crista gonadal (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). O sistema urinário forma-se antes do genital e é composto por: • rins: produzem e secretam urina (urina essa que formará o líquido amniótico); • ureteres: transportam a urina dos rins para bexiga urinária; • bexiga urinária: armazena a urina; • uretra: canal que descarrega a urina externamente (neste caso, para o am- biente amniótico). Os primeiros órgãos a surgir são os rins e o ureter, sendo organizados ao todo, durante o processo de formação desses órgãos, três conjuntos de rins até o processo estar completo, ao final da 12ª semana. Dentro do pronefro, os rins são rudimentares e não funcionais, servindo como molde. São representados por alguns aglomerados de células e estruturas tubu- lares próximos à região do pescoço, e os seus ductos correm caudalmente e se 148 Histologia e Embriologia abrem na cloaca. Apesar de o pronefro rapidamente se degenerar, partes das suas estruturas são utilizadas pelo próximo conjunto de rins (Figura 28). Figura 28 Três conjuntos de sistemas néfricos em um embrião intestino primitivo nefrotoma parte cranial – pronefro parte medial – mesonefro porção caudal – metanefro ducto néfrico embrião alantoide segmentação Fa sc ija /S hu tte rs to ck Fonte: Elaborado pelo autor. O segundo conjunto de rins formado é o mesonefro, rins intermediários que apresentam a formação de glomérulos funcionais e que se mantêm ativos da quinta à 12ª semana. Consiste em glomérulos (10 a 50 por rim) e túbulos. Os túbulos mesonéfricos se abrem em ductos mesonéfricos bilaterais, que eram ori- ginalmente os ductos pronéfricos. Assim como os pronefros, os ductos mesonéfricos se abrem na cloaca. O me- sonefro terá uma importância fundamental para a formação do sistema genital – a presença de testosterona no embrião nesse período será significativa, pois os me- sonefros, ao se degenerarem na presença de testosterona, servirão como molde para formação dos ductos deferentes. O metanefro é composto pelos rins considerados verdadeiros, que passam a ter seu funcionamento no organismo após a 12ª semana, quando então assumem o controle do processo de excreção. São originários de duas fontes primárias: do broto ureteral (divertí- culo metanéfrico) e do blastema metanefrogênico (massa metanéfrica de mesênquima). O broto uretral é um divertículo do ducto mesonéfrico próximo à sua entrada na cloaca, e o blastema metanefrogênico é derivado da parte caudal do cordão nefrogêni- co. A haste do broto uretral forma o ureter, e a parte cranial do broto sofre ramificações repetitivas, formando ramos que se diferenciam nos túbulos coletores do metanefro. As quatro primeiras gerações de túbulos aumentam e se tornam confluentes para formar os cálices maiores, e as quatro seguintes coalescem para formar os cá- lices menores. A porção proximal desses túbulos são invaginadas para o gloméru- lo. Os túbulos diferenciam-se em túbulos contorcidos proximal e distal e a alça do néfron (alça de Henle), juntamente com o glomérulo e sua cápsula, o que constitui um néfron (Figura 29). Desenvolvimento de sistemas 149 Figura 29 Desenvolvimento do néfron A C B D Cápsulas do rim Massa metanéfrica do mesoderma Cluster celular Túbulo coletor arqueado Vesicular metanéfrica Túbulo coletor reto Sitio de contato Túbulo metanéfrico Sitio de continuidade dos túbulos Ramo da artéria renal Alça de henle Glomérulo Cápsula glomerular Descendentes da alça do néfron (de Henle) Membros descendentes Túbulo contorcido proximal Túbulo contorcido distal Túbulo coletor reto Mesênquima Túbulo metanéfrico Sitio de contato dos túbulos Túbulo conectivo arqueado Vesicular metanéfrica Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. Inicialmente, os rins primordiais permanentes ficam próximos uns dos ou- tros na pelve, ventralmente ao sacro. À medida que o corpo do feto se desenvol- ve, isto é, há crescimento da região abdominal e da pelve, os rins gradualmente se deslocam e se afastam. Eles atingem sua posição “madura” na nona semana de desenvolvimento. Essa “ascensão” resulta principalmente do crescimento na parte caudal do corpo do embrião, uma vez que a porção caudal se afasta progressivamente da posição normal dos rins (Figura 30) (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Figura 30 Posição renal A B C D Glândula suprarrenal Mesonefro Artéria suprarrenal Aorta abdominal Gônada Rim Ducto mesonéfrico Ureter Artéria ilíaca comum Artéria renal Rim esquerdo Ureter Bexiga Aorta Artéria renal Sítio da antiga artéria renal Rim Glândula supra renal Gônada Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. IE SD E BR AS IL S /A . IE SD E BR AS IL S /A . 150 Histologia e Embriologia Paralelamente ao surgimento dos rins, a bexiga se desenvolve principalmen- te na parte vesical do seio urogenital. O trígono da bexiga é derivado das ex- tremidades caudais do ducto mesonéfrico, e todo o seu epitélio é derivado do endoderma da parte vesical do seio urogenital. As outras camadas da sua pare- de se desenvolvem a partir do mesênquima esplâncnico adjacente. No período inicial de desenvolvimento, a bexiga é contínua à alantoide, mas posteriormente esta se degenera e forma a ligação entre a bexiga e o cordão umbilical – para o transporte de metabolitos embrionários – e acirculação ma- terna para excreção via um pequeno canal denominado úraco (Figura 31) (MOO- RE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Devido à tração exercida pelos rins, à medida que se deslocam cranialmente em direção ao abdome, os orifícios dos ureteres movem-se superolateralmen- te e entram obliquamente através da base da bexiga. Em homens, os orifícios dos ductos mesonéfricos se aproximam e entram na parte prostática da uretra conforme as extremidades caudais desses ductos se desenvolvem nos ductos ejaculatórios. Em mulheres, os ductos mesonéfricos degeneram e se fundem à parede da bexiga. Figura 31 Dissecação abdominal de um feto Fígado Ligamento falciforme Cordão umbilical Úraco Clitóris Intestino delgado Artéria umbilical esquerda Bexiga Grandes lábios Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. A uretra – tanto masculina quanto feminina – é toda derivada do endoderma do seio urogenital. Em homens, a parte distal da uretra na glande do pênis é derivada de um cordão sólido de células ectodérmicas que cresce para dentro da ponta da glande e se une ao restante da estrutura esponjosa da uretra. O tecido conjuntivo e a musculatura lisa da uretra em ambos os sexos são derivados do mesênquima esplâncnico (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). Após a formação do sistema urinário, inicia-se a formação do sistema genital tanto em homens quanto em mulheres, e esse desenvolvimento inicial é marca- do após a consolidação dos metanefro, próximo à sétima semana de desenvolvi- mento. Entretanto, nesse período inicial, o desenvolvimento genital é um estágio indiferente do desenvolvimento sexual, pois não há ainda o aparecimento das ca- racterísticas sexuais, que surgirão mais para frente. As gônadas são derivadas de três fontes: mesotélio, que reveste a parede abdominal posterior; mesênquima subjacente; e células germinativas primordiais. Desenvolvimento de sistemas 151 As gônodas indiferenciadas têm seu estágio inicial do desenvolvimento durante a quinta semana de gestação, quando uma área espessa de mesotélio se desenvol- ve no lado medial do mesonefro, um rim primitivo. A proliferação desse epitélio e do mesênquima subjacente produz uma protuberância no lado medial do mesone- fro, conhecido como crista gonadal. A gônada indiferenciada agora consiste em um córtex externo e uma medula interna. Em mulheres, pela presença extra do cromossomo X, a gônada indiferente se diferencia em ovário, e a região da medula regride. Já em homens, pela presença do cromossomo Y, a medula se diferencia nos testículos, e o córtex é que acaba regredindo. O processo de diferenciação sexual nesse período é regido pela presença de hor- mônios que afetam a expressão de genes e proteínas, levando à formação do pênis e dos testículos ou da vagina e dos ovários (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). 5.6 Sistema muscular Vídeo O sistema muscular desenvolve-se do mesoderma, com exceção da musculatu- ra da íris, que surge do neuroectoderma, e dos músculos do esôfago, que – acre- dita-se – desenvolve-se por meio de transdiferenciação do músculo liso. As células musculares, conhecidas como mioblastos, são derivadas do mesênquima. O desenvolvimento do tecido muscular esquelético ocorre por transformação epiteliomesenquimal a partir de células precursoras miogênicas, as quais se origi- nam do mesoderma somático dermomiótomo ventral dos somitos, em resposta a sinais moleculares de tecidos adjacentes. A formação muscular (miogênese) dá os primeiros sinais de estar acontecendo quando são observados alongamentos dos núcleos e corpos celulares das células mesenquimais se diferenciando em mioblastos. Essas células musculares primordiais se fundem para formar estruturas cilín- dricas alongadas, multinucleadas – conhecidas como miotubos. Durante ou após a fusão dos mioblastos, os miofilamentos se desenvolvem no citoplasma dos miotu- bos, e à medida que estes são formados e se desenvolvem, eles são revestidos por lâminas externas segregadas do tecido conjuntivo circundante. A maioria dos músculos esqueléticos se desenvolve antes do nascimento, no período pré-natal, e quase todo o restante deles é formado até o final do primeiro ano de nascimento. O aumento muscular nesse primeiro ano também é reflexo do processo de maturação, em que as fibras apresentam um aumento do diâmetro devido à maior formação de miofilamentos. O músculo então aumenta de comprimento e de largura, acompanhando o crescimento do esqueleto (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021), que segue a orien- tação de estruturas denominadas miótomos – pequenas porções de somitos loca- lizadas próximas à coluna vertebral e que servem como indutores da musculatura (Figura 32). 152 Histologia e Embriologia Figura 32 Miótomos e seus músculos derivados M or ph ar t C re at io n/ Sh ut te rs to ckMiótomos occipitais Miótomos preóticos Olho Miótomos caudais regredindo Miótomos lombares Miótomos torácicos Miótomos cervicais Fonte: Elaborada pelo autor. Fibras do músculo liso se diferenciam do mesênquima esplâncnico que permeia o intestino primordial e seus derivados. A porção somática mesodérmica também proverá a musculatura lisa de boa parte da parede de vasos sanguíneos e linfáticos, enquanto acredita-se que o músculo da íris e as células mioepiteliais em glândulas sudoríparas tenham sua origem no ectoderma. Nos estágios iniciais de desenvol- vimento, mioblastos adicionais permanecem se diferenciando das células mesen- quimais, no entanto não se fundem – como é observado no músculo esquelético –, permanecendo mononucleadas. Posteriormente à divisão dos mioblastos existentes, gradualmente ocorre a di- ferenciação de novos mioblastos na produção de tecidos musculares lisos. Confor- me as células musculares lisas se distinguem, elementos contráteis filamentosos, mas não sarcoméricos, desenvolvem-se em seu citoplasma, e a superfície externa de cada célula adquire uma lâmina externa circundante, bem como as fibras mus- culares lisas desenvolvem-se em feixes, recebendo inervação autonômica (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). O músculo cardíaco se desenvolve do mesoderma esplâncnico lateral, porção essa que dará origem ao mesênquima que circunda o tubo cardíaco em desenvol- vimento. O mioblasto cardíaco se diferencia em miocárdio primordial. Acredita-se que o desenvolvimento do músculo cardíaco seja reconhecível já pela quarta se- mana de desenvolvimento. Seu surgimento, diferentemente do que ocorre com as fibras musculares, está atrelado à diferenciação e ao crescimento de células isoladas, sem que ocorra o desenvolvimento por fusão de células, como é visua- lizado nas musculares. O crescimento das fibras musculares cardíacas resulta na formação de novos miofilamentos, e estes aderem-se uns aos outros, como nos músculos esqueléticos, mas as membranas celulares intermediárias não se desintegram. Desenvolvimento de sistemas 153 No final do período embrionário (oitava semana de gestação), feixes especiais de células musculares se desenvolvem com poucas miofibrilas e diâmetros rela- tivamente maiores do que as fibras musculares cardíacas típicas. Essas células musculares cardíacas atípicas – fibras de Purkinje – formam o sistema de condu- ção do coração. 5.7 Teratologia fetal Vídeo A teratologia fetal é a ciência que analisa as principais causas de defeitos con- gênitos em recém-nascidos ou de falhas embriológicas que levam à má formação. Existem diversas causas que podem levar à má formação. Antigamente, acredita- va-se que o feto, devido à presença de suas barreiras (saco amniótico/coriônico), era imune a fatores ambientais como drogas, bebidas alcoólicas, microrganismos – inclusive a fatores maternos que podem interferir no seu crescimento. Em 1941, tivemos um dos primeiros casos bem documentados informando so- bre um agente ambiental (vírus da rubéola) que poderia produzir efeitos congê- nitos graves e má formações importantes em embriões – por exemplo, catarata, defeitos cardíacos e surdez. Na década de 1950, um outro agente ambiental,a tali- domida – medicamento utilizado para enjoos na época –, foi relacionado a uma sé- rie de encurtamentos de membros em infantes recém-nascidos cujas mães haviam feito uso da substância durante os três primeiros meses de gestação. Essas descobertas abriram a possibilidade para compreendermos melhor o processo de gestação e as influências ambientais que podem afetar o desenvolvi- mento humano. Estima-se que cerca de 7 a 10% dos defeitos congênitos humanos resultem da ação disruptiva de drogas, vírus e toxinas ambientais. Quando obser- vadas as taxas de mortalidade em países desenvolvidos – como os Estados Unidos, onde os dados são mais precisos –, percebemos que, em média, 20% de todas as mortes infantis são atribuídas a defeitos congênitos. Os defeitos podem ser agrupados em significados clínicos maiores ou menores, e isso depende de sua etiologia e do quão profundas são suas alterações. Falhas na formação do ouvido, por exemplo, são um fator menor, pois não geram risco de morte. Porém, outras pequenas falhas podem ter etiologias maiores, como a ausência de artéria umbilical durante o desenvolvimento, o que pode estar ligado a problemas de má formação nos rins (MOORE; PERSAUD; TORCHIA, 2021). As causas dos defeitos congênitos são frequentemente divididas em: • fatores genéticos, como anormalidade cromossômica; • fatores ambientais, como drogas e vírus; • herança multifatorial (fatores genéticos e ambiente atuando juntos). A maioria dos defeitos genéticos carecem de informações referentes à sua etio- logia, chegando a um percentual entre 50% e 60% (Figura 33). 154 Histologia e Embriologia Figura 33 Principais causas de teratologia fetal Unknown etiology – Etiologia desconhecida; Multifactorial inheritance – Herança mul- tifatorial; chromosomal aberrations – Aberrações cromossomais; mutante genes – Genes mutantes; environmental agentes – Agentes ambientais. Etiologia desconhecida50% - 60% 7% - 10% 7% - 8%20% - 25% 6% - 7% Herança multifatorial Aberrações cromossomais Genes mutantes Agentes ambientais Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. Numericamente, os fatores genéticos são as causas mais importantes de defeitos congênitos. Segundo estimativas mais recentes, aproximadamente 1/3 dos defeitos genéticos está relacionado a alterações gênicas. Em torno de 85% de todos os defei- tos não têm uma causa definida, o que torna o estudo da teratologia fundamental, pois qualquer mecanismo tão complexo como mitose ou meiose que apresente pe- quenas falhas já representa risco significativo de um mau funcionamento. Anormali- dades cromossômicas ou aberrações estão presentes em 6% a 7% dos zigotos. Muitos embriões anormais, no início, nunca sofrem clivagem normal e se tor- nam blastocistos; alguns estudos demonstraram que zigotos que sofreram cliva- gem com menos de 5 dias apresentam alta incidência de anormalidades, com a taxa de abortamento espontâneo nesse período podendo chegar a até 50%. Dois dos principais tipos de mudanças ocorrem nos complementos cromossô- micos: numéricas e estruturais. Essas alterações podem afetar os cromossomos sexuais e/ou os autossomos, sendo que em alguns casos ambos os cromossomos são afetados. É interessante ressaltar que, quando isso corre, as pessoas desenvol- vem características físicas conhecidas como fenótipos, que permitem identificar a anomalia de maneira clínica, como as características morfológicas de crianças com síndrome de Down (Figura 34). Figura 34 Bebê com síndrome de Down Ta tia na D iu vb an ov a/ Sh ut te rs to ck clivagem: cada uma das divisões iniciais do zigoto. Glossário Desenvolvimento de sistemas 155 Há uma clara similaridade entre todas as pessoas com síndrome de Down. Mui- tas vezes, esses indivíduos são muito mais similares a outros afetados do que aos seus pais, irmãos etc. Essa aparência resulta do desequilíbrio genético, de fatores bioquímicos ou de outros em nível subcelular, celular e tecidual. Dados recentes apresentados pelos órgãos americanos relatam que aproxima- damente um a cada 120 bebês nascidos nos Estados Unidos têm algum tipo de anormalidade cromossômica. As alterações normalmente são ocasionadas por um processo conhecido como não disjunção, um erro na divisão celular em que acarre- ta falhas de um par de cromossomos ao se separarem durante a mitose e a meiose. Como resultado, o par cromossomo filho, ou cromátide, passa para uma célula filha, e a outra acaba por não receber nenhuma delas, o que pode ocorrer durante a gametogênese materna ou paterna (Figura 35). Figura 35 Não disjunção na meiose Z uz an ae /S hu tte rs to ck Meiose I Não disjunção Não disjunção Gametas dissômicas Gameta dissômica Gameta nula Gametas monossômicas normais Gameta nula Meiose II Gametas monossômicas normais Alterações estruturais também são um fator importante. A maioria das anor- malidades cromossômicas relacionadas a falhas estruturais está atrelada à quebra cromossômica, seguida de reconstituição em uma combinação desses cromosso- mos de maneira anormal. A quebra de cromossomos pode ser induzida por vários fatores ambientais, como radiações ionizantes, infecções virais, drogas e produtos químicos. A anor- malidade estrutural dependerá do segmento fragmentado do cromossomo; nor- malmente são dois principais rearranjos estruturais observados, conhecidos como inversão e translocação. No geral, as translocações e as anormalidades ocorrem em um a cada 375 recém-nascidos (Figura 36). 156 Histologia e Embriologia Quebra cromossômica Quebra Perda Perda ou Quebra Quebra Perda 8 9 1 2 3 4 5 6 2 3 4 5 6 2 3 4 5 6 1 1 2 3 4 5 6 2 1 2 3 2 3 4 5 6 2 3 4 5 6 1 6 4 5 4 5 2 3 6 4 5 4 5 1 2 3 8 4 5 6 7 1 2 3 4 7 6 5 1 A C D 1 2 3 4 5 6 1 2 1 2 3 4 5 6 3 4 5 6D G E B 1 2 1 2 1 1 2 2 3 3 Figura 36 Defeitos estruturais no cromossomo IE SD E BR AS IL S /A . Fonte: Moore; Persaud; Torchia, 2021. Por fim, mutações são o último fator presente com dados consolidados re- ferentes à teratologia em humanos. Uma mutação é geralmente ligada a uma perda ou alteração de função de um determinado gene ou mais, com uma mo- dificação permanente e hereditária na sequência do DNA genômico (nuclear), havendo alterações em DNA mitocondrial que também estão associadas a pa- tologias. Como é improvável que uma mudança aleatória leve a uma melhora no desenvolvimento, a maioria das mutações é deletéria e algumas são consi- deradas letais. Desenvolvimento de sistemas 157 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo final pudemos observar passo a passo a origem dos principais siste- mas do nosso corpo, bem como a intrínseca associação entre eles. O desenvolvimento embrionário é um dos períodos mais importantes para estudo devido à grande quan- tidade de informações que nos é passada sobre o desenvolvimento, a maturação e a origem de órgãos e tecidos. Conforme observamos os grandes sistemas, fica claro o período de desenvolvimento que um órgão tem para seu surgimento e como ocorre a indução para que as próximas estruturas sejam originadas. A teratologia, o estudo de algumas anormalidades, nos possibilitou compreender a importância da genética e da biologia celular para o intrincado processo de forma- ção de seres complexos – a organização dos seus tecidos, a diferenciação celular, o padrão de comportamento celular, bem como a morte celular programada dessas células na formação de órgãos e tecidos. Hoje é possível ter cuidados mais específicos conhecendo o período crítico gestacional e os fatores ambientais que podem levar à má formação e, muitas vezes, até ao aborto. ATIVIDADES Atividade 1 Com base no que observamos sobre os grandes sistemas formados, faça um esquema demonstrando a conexão entre o desenvolvimento do sistema cardio- vascular e o sistema urogenital. Atividade 2 Quais os principais defeitos embriológicos relacionados ao desenvolvimento de teratologia fetal? Explique.Atividade 3 Descreva brevemente todos os sistemas que começam a se formar a partir da terceira semana de desenvolvimento embrionário. REFERÊNCIAS GARTNER, L. P.; HIATT J. L. Tratado de histologia em cores. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. LEITÃO, R. F. C. et al. Desenvolvimento do tubo digestório. In: ORIÁ, R. B.; BRITO, G. A. C. (org.). Sistema digestório: integração básico-clínica. São Paulo: Blucher, 2016. MOORE, K. L.; PERSAUD, T. V. N. The developing human: clinically oriented embryology. 7. ed. Philadelphia: WB Saunders, 2003. MOORE, K. L.; PERSAUD, T. N. V.; TORCHIA, M. G. Embriologia clinica. Barueri: GEN Guanabara Koogan, 2021b. NETTER, F. H. Atlas anatomia humana. Barueri: GEN Guanabara Koogan, 2018. ÖNDEROǦLU, L. et al. Prenatal diagnosis of laryngeal atresia. Prenatal diagnosis, v. 23, n. 4, p. 277-280, 2003. SADLER, T. W. Langman: embriologia médica. 13 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. SCHOENWOLF, G. C. et al. Larsen: embriologia humana. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. 158 Histologia e Embriologia Resolução das atividades 1 Morfofisiologia celular 1. Com base no que discutimos neste capítulo, apresente as razões pelas quais a membrana plasmática é importante para o equilíbrio e para a manutenção da funcionalidade da célula. A membrana plasmática é importante para o equilíbrio da célula, pois, além de delimitar o ambiente externo e interno – o que mantém as características exclusivas do interior em comparação ao meio externo –, auxilia o processo de entrada e de saída de substâncias. 2. Como a mitocôndria participa ativamente do processo do ciclo celular? Explique o papel dela nesse processo do ciclo e da morte celular. A mitocôndria atua no ciclo celular por meio da regulação do ciclo G1, isto é, enquanto a célula estiver ativa na interfase, a mitocôndria se manterá ativa. Para que a célula entre em divisão e se prepare para isso, a fim de cessar suas ações, é necessária a sinalização via mitocôndria. 3. Epidermólise bolhosa é uma patologia associada ao citoesqueleto. Desse modo, explique a falha que acomete o tecido, levando ao desenvolvimento dessa patologia. A epidermólise bolhosa é uma patologia associada à disfunção no filamento intermediário, em que ocorre defeito na associação dos hemidesmossomos com a lâmina basal do tecido epitelial, o que leva ao descolamento do tecido epitelial do conjuntivo, ocasionando a ruptura da pele. 2 Tecido de revestimento 1. O tecido epitelial é um conjunto de células justapostas e faz parte do complexo grupo de tecidos ligado ao revestimento, sendo caracterizado por uma série de adaptações que permitem a aproximação de uma célula à outra. Descreva quais são essas adaptações e à qual estrutura celular de sustentação elas estão ligadas. As principais adaptações que apresentam o tecido epitelial para aderência de seus tecidos são as junções celulares – são três principais tipos de junção, cada um possibilitando a facilidade de comunicação entre as células, a aderência ou até mesmo o bloqueio de alguns pontos. Isso só é possível pela presença dos desmossomos, que se prendem ao citoesqueleto por meio dos filamentos intermediários. 2. Qual é a importância dos melanócitos e dos queratinócitos para o tecido epitelial de revestimento queratinizado? Explique. Os melanócitos e os queratinócitos no tecido epitelial de revestimento queratinizado são importantes, pois a presença de ambos é que confere ao tecido resistir às intempéries do ambiente, visto que o melanócito preencherá as células com pigmentos de melanina que absorvem as radiações ultravioletas. Já o queratinócito promoverá a resistência do tecido pela produção de uma Resolução das atividades 159 proteína chamada queratina ultra resistente, a qual permite que o tecido resista a impactos. 3. O tecido conjuntivo é formado por sete diferentes tipos de tecido, sendo encontrado em uma região conhecida como derme. Apresenta uma característica diferente do tecido epitelial: o espaçamento entre suas células pela presença de uma matriz extracelular, a qual é responsável por sua consistência gelatinosa. Desse modo, descreva os principais componentes da matriz extracelular e sua importância para o tecido conjuntivo. A matriz extracelular é formada pela substância fundamental (material hidratado, amorfo), substância essa que é composta de glicosaminoglicanos e proteoglicanos (longos polímeros não ramificados de dissacarídeos que se repetem). A densidade e o aspecto gelatinoso da matriz são derivados exatamente dessa característica de reter água. Os glicosaminoglicanos, os proteoglicanos e as glicoproteínas se ligam a receptores específicos na superfície das células, conferindo força tênsil e rigidez à matriz. Além disso, os glicosaminoglicanos têm alta carga negativa, o que favorece a retenção de sódio, que facilitará a retenção de água. Quanto mais glicosaminoglicanos houver, maior será a retenção de água, por meio da gelificação da matriz extracelular. Os proteoglicanos são proteínas transportadoras com alta afinidade com os glicosaminoglicanos, isto é, sua associação se dá pela junção de proteínas transportadoras com os glicosaminoglicanos, tendo a função de dar rigidez à matriz, resistindo à compressão e preenchendo espaços. São os principais componentes das cartilagens, em que são abundantes, com a função também de atrair a água para o tecido. 3 Tecido de suporte 1. Descreva como é formado o pericôndrio e qual é sua função no tecido cartilaginoso. O pericôndrio é formado por tecido conjuntivo com a presença de fibras colágenas do tipo I em sua porção mais superficial. Conforme se aproxima da porção cartilaginosa (chamada de pericôndrio celular), apresenta maior concentração de células. Suas células são semelhantes aos fibroblastos, porém se situam mais próximas à cartilagem. 2. Cite as funções do periósteo e do endósteo. O periósteo e o endósteo têm como função a nutrição do tecido ósseo, bem como o fornecimento de novos osteoblastos, responsáveis pelo crescimento ósseo. 3. O tecido ósseo tem sua organização ainda no período embrionário, na quinta semana de gestão, com sua formação caracterizada pelo surgimento de moldes de tecido conjuntivo denso não modelado. A afirmativa é verdadeira ou falsa? Justifique sua resposta. A afirmativa é falsa. O tecido ósseo surge a partir de molde de cartilagem, e o processo de ossificação começa somente após a 20ª semana de gestação, antes disso o esqueleto do embrião/feto é formado por cartilagem. 160 Histologia e Embriologia 4 Embriologia básica 1. Explique por que o período de desenvolvimento embrionário mais crítico é considerado o de organogênese. O período de organogênese é considerado o mais crítico por ser o de desenvolvimento, no qual são formados todos os órgãos e tecidos. Exatamente nele a sincronia entre as células totipotentes é fundamental, pois qualquer interferência ambiental pode acarretar uma sinalização inadequada e alteração no intervalo de tempo de sinalização, o que interfere nos sistemas em formação, gerando grandes más-formações que em alguns casos podem ser incompatíveis com a vida. 2. Para a identificação da idade fetal são utilizados alguns parâmetros em exame de ecografia. Descreva esses parâmetros no primeiro e segundo trimestre. A idade fetal é visualizada por meio de exames de imagem por ultrassonografia. Em sua caracterização são utilizados parâmetros distintos separados em três períodos específicos (três trimestres). No primeiro trimestre são observados o comprimento da nuca até a nádega, podendo ainda se observar o tamanho do calcanhar junto da análise anterior – nesse período, 1/3 de todo o corpo do bebê é formado pela cabeça, portanto essa medida possibilita precisão na análise da idade fetal. No segundo trimestre – já com o corpo mais desenvolvido e proporcional à cabeça – são observados proporcionalidade para observação da idade fetal, alterações de órgãos e padrão dedesenvolvimento normal. Para isso, é medido o diâmetro do abdômen e da cabeça observando a proporcionalidade entre eles. Também podem ser usados o tamanho do fêmur, por ser um excelente indicador de crescimento e desenvolvimento nesse período, junto ao osso nasal e ao espaçamento dos olhos como indicador da proporcionalidade da cabeça, bem como a disposição das orelhas. 3. Por que é importante o feto adquirir peso nas últimas semanas de gestação? Qual é o peso mínimo ideal para considerar um feto viável? O peso é um dos grandes fatores para avaliação de idade fetal, sendo um indicativo de desenvolvimento satisfatório conforme a idade gestacional. O peso varia muito de acordo com a idade gestacional, e é no período de 24 semanas o peso mínimo de 1,5 kg considerado para viabilidade das condições de sobrevida. Já com idade gestacional acima de 36 semanas, o peso mínimo deve ser de 2,5 kg. Isso ocorre pois o recém-nascido mudará o padrão de obtenção de alimentos agora pelo aleitamento materno, necessitando se readequar a uma nova alimentação e ao ganho de peso, portanto é normal perder pelo menos meio quilo ainda na primeira semana de gestação. 5 Desenvolvimento de sistemas 1. Com base no que observamos sobre os grandes sistemas formados, faça um esquema demonstrando a conexão entre o desenvolvimento do sistema cardiovascular e o sistema urogenital. Resolução das atividades 161 Sistema urogenital – 4° semana de desenvolvimento – Formação do sistema excretor Eliminação das excretas produzidas pelo embrião Sistema cardiovascular – 3° semana de desenvolvimento – Formação de vasos e primórdio sanguíneo – Nutrição embrionária/fetal – sobras metabólicas 2. Quais são os principais defeitos embriológicos relacionados ao desenvolvimento de teratologia fetal? Explique. Existem diversos tipos de causas associadas à má formação, porém as principais que podemos elencar são distúrbios genéticos (alterações numéricas ou estruturais, mutações), causas multifatoriais (ambiente e fatores genéticos em conjunto) e ambientais (causada por drogas, bebidas alcoólicas, medicamentos ou microrganismos). 3. Descreva brevemente todos os sistemas que começam a se formar a partir da terceira semana de desenvolvimento embrionário. Os dois principais sistemas que têm início na terceira semana de desenvolvimento são: o nervoso, com a formação da placa e da crista neural a partir da formação da notocorda, sendo um dos mais importantes sistemas do nosso organismo porque formará o SNC e suas enervações e com o desenvolvimento e a maturação mais longínquos dos sistemas; e o cardiovascular, não menos importante, tendo em vista que, devido à falta nutricional ocasionada pelo rápido desenvolvimento embrionário nesse período, é necessário o processo de formação de um sistema sanguíneo próprio capaz de manter os níveis de oxigenação e nutrição adequados, permitindo o crescimento embrionário. Histologia e Embriologia Paulo Roberto Vargas Fallavena Paulo Roberto Vargas Fallavena ISBN 978-65-5821-153-2 9 786558 211532 Código Logístico I000604 Página em branco Página em branco