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BIOTECNOLOGIA E BIOINFORMÁTICA AULA 1 Prof. Benisio Ferreira da Silva Filho CONVERSA INICIAL Desde o famoso experimento de Gregor Mendel e suas ervilhas que a Biologia não é mais a mesma. A cada novo avanço e a cada nova descoberta mais informações sobre genes, genética e estrutura molecular da célula estão disponíveis. Ao longo das aulas da disciplina iremos abordar diversas técnicas moleculares de uso rotineiro para biomédicos. Inicialmente, iremos abordar técnicas de extração, quantificação e análise do material genético e posteriormente técnicas de purificação e análise de proteínas. Sabemos que todas as células, eucarióticas e procarióticas, animais e vegetais, possuem a mesma composição bioquímica: lipídeos, proteínas, carboidratos e ácidos nucléicos. Baseados nesta informação, de uma composição universal similar entre os mais diversos tipos celulares, é que as técnicas de biologia molecular ganham destaque, pois podem ser aplicadas aos mais diversos tipos de seres vivos existentes. Apesar de ser uma área recente, a Biologia Molecular é cada vez mais estudada e seus avanços são notórios nos últimos anos: descobriu-se desde a estrutura molecular do DNA, até como sequenciá-lo e curar doenças por meio das terapias gênicas. TEMA 1 – IMPORTÂNCIA DA BIOLOGIA MOLECULAR NA BIOTECNOLOGIA A Biologia Molecular é a ciência que estuda os ácidos nucléicos e seus produtos. Os dois ácidos nucléicos presentes em uma célula são DNA e RNA e suas estruturas e funções já foram muito bem descritas em outras disciplinas deste curso. Por meio dos processos de transcrição e tradução, o DNA comanda a formação de proteínas, num processo denominado expressão gênica. Desta forma, o foco principal da Biologia Molecular é o estudo do DNA, RNA e das proteínas. A Biotecnologia é o conjunto de técnicas e análises, construído ao longo das últimas décadas que nos permite analisar e modificar ácidos nucleicos e proteínas e nos propiciou avanços tecnológicos importantes em diferentes áreas. Segundo a ONU, “biotecnologia é qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para a utilização específica. Ou seja, a biotecnologia é a ciência a partir da qual utilizam-se organismos vivos e a manipulação de suas macromoléculas (DNA, RNA e proteínas) para a produção de produtos que melhorem a forma como vivemos e compreendemos o mundo. No ano de 1866, Gregor Mendel publica seus postulados sobre hereditariedade. Ele não possuía o conhecimento necessário sobre estrutura da célula e genes, chamando naquele momento os genes de fatores relacionados à hereditariedade. Somente em 1869, Friedrich Miescher descobre a existência dos ácidos nucleicos e a expressão Biologia Molecular só foi criada em 1939 por Warren Weaver, com o intuito de designar o trabalho em conjunto da biologia, física e química na busca pelo conhecimento das moléculas. Com os avanços das técnicas bioquímicas e da microscopia, em 1944 Oswald Avery comprovou que as informações hereditárias estavam armazenadas no DNA. Mas afinal, nesta época, o que se considerava DNA? Foi apenas em 1953 que James Watson e Francis Crick demonstraram o que era uma molécula de DNA, qual era sua estrutura química e como a informação hereditária estava armazenada nesta molécula. Em 1966 Marchal Niremberg e Har Khorana decifram o código genético humano e 6 anos mais tarde, em 1972, Stanley Cohen e Herbert Boyer desenvolvem a tecnologia do DNA recombinante. Ainda na década de 70, Frederich Sanger desenvolveu o primeiro método de sequenciamento de DNA (1977) e no início da década de 80 os primeiros exemplares de clonagem foram criados por Richard Palmiter e Ralph Brinster. Em 1983, Kary Mullis cria a técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR - Polymerase Chain Reaction) e em 1985 são desenvolvidas as primeiras técnicas de impressão digital por DNA (DNA fingerprint). O grande marco das ciências moleculares se deu em 1996 com a clonagem da ovelha Dolly por Ian Wilmut e sua equipe. Na mesma época se iniciava o projeto genoma humano que foi completado em 2001 com cerca de 99% do genoma humano sequenciado. Desde o início dos anos 2000 os avanços nas áreas de Biologia molecular têm sido cada vez mais pronunciados com diversas aplicações práticas. Dentre as aplicações práticas mais famosas estão a criação de organismos transgênicos, que ainda hoje suscitam discussões e polêmicas em meio a comunidade científica. Mas a biotecnologia não para por aí. Ela evoluiu com o desenvolvimento de testes moleculares para a detecção de diversos tipos de doenças como tuberculose, HIV e câncer; para a elucidação de crimes com a genética forense; para o tratamento e cura de doenças hereditárias por meio da terapia gênica; para a identificação de mutações causadoras de doenças; testes de paternidade e uma infinidade de outras aplicações demonstrando que a biologia molecular e suas aplicações biotecnológicas estão na vanguarda dos estudos científicos de ponta. TEMA 2 –EXTRAÇÃO DE MATERIAL GENÉTICO Todos os organismos vivos são compostos por células e estas possuem em seu interior o material genético. No caso dos procariotos o DNA está disperso no citoplasma, já nos eucariotos este DNA encontra-se compartimentalizado no núcleo. Independentemente de sua localização, para que se possa estudar o DNA é necessário de alguma forma extraí-lo, ou seja, retirá-lo de dentro da célula. A retirada do DNA de uma célula é denominada extração e compreende diversas etapas que serão descritas a seguir. Existem inúmeros protocolos na literatura e a escolha do mais adequado deve levar em conta qual material genético se deseja extrair (se DNA ou RNA), o tipo de amostra, o grau de pureza necessário ao ensaio e os recursos disponíveis em cada laboratório. 2.1 PREPARO DAS AMOSTRAS Diferentes tipos de amostras podem ter seu DNA/RNA extraídos, incluindo células sanguíneas, tecidos para biópsia, células de cultivo, bactérias, fungos e plantas. Independente da origem, o material deve ser preservado adequadamente até que a etapa de extração ocorra. Esta preservação pode ser feita por meio do congelamento em ultrafreezer (-80o.C), ou em nitrogênio líquido, ou ainda por meio de kits comerciais que estabilizam estas amostras. Amostras líquidas como sangue ou urina devem passar por uma etapa de centrifugação a fim de separar o pellet celular do sobrenadante. Nestes casos o pellet, que é mais denso, se deposita no fundo do tubo de ensaio, enquanto que o sobrenadante líquido pode ser descartado. Já para tecidos sólidos como por exemplo tecido hepático para um biópsia, é necessário um protocolo de dissociação do tecido visando aumentar a superfície de reação para os reagentes da etapa de lise celular. Esta dissociação pode ser feita picando-se o tecido em pequenos fragmentos com a ajuda de uma tesoura ou macerando-o com o auxílio de um pistilo. 2.2 LISE CELULAR Após obtidas e armazenadas adequadamente, as amostras precisam ter suas células lisadas, ou seja, rompidas. Tal lise é necessária pois libera os componentes citoplasmáticos, dentre eles os ácidos nucléicos. A lise deve ocorrer em soluções tamponadas contendo um detergente e os reagentes tris-hidroximetil aminometano (Tris), cloreto de sódio (NaCl) e ácido etileno diamino tetra- acético (EDTA). O detergente tem função primordial neste procedimento visto que atua solubilizando os lipídeos de membrana, facilitando a liberação do conteúdo celular. O Tris é uma solução tamponante que visa manter o pH em torno de 8, evitando desta forma que o DNA sofra a ação de enzimas DNAses que o degradam. O EDTA é uma agente quelante de íons divalentes Cálcio e Magnésio, que também atua inibindo a ação das DNAses. O NaCl promove desnaturação de proteínas, ruptura de ligações iônicas e aglomeração de moléculas de ácidos nucléicos. Alguns protocolos adicionam a enzima proteinase K ao tampão de lise com o objetivo demelhorar a digestão da célula e solubilizar mais facilmente o conteúdo intracelular. O beta-mercapto etanol em geral é adicionado ao tampão de lise para evitar a oxidação de ácidos nucleicos. 2.3 SEPARAÇÃO DOS CONSTITUINTES CELULARES Após a lise temos uma solução que é uma sopa de constituintes e restos celulares, sendo necessário separar os ácidos nucleicos de nosso interesse. Na etapa de separação dos constituintes celulares é adicionado um solvente como fenol e clorofórmio que desnatura e precipita proteínas; desta forma o DNA permanece solúvel no sobrenadante. A solução então é centrifugada formando um pellet contendo proteínas, que será descartado, e um sobrenadante com ácidos nucleicos. Este sobrenadante é coletado e separado para um novo tubo. Quanto mais vezes esta etapa de separação dos constituintes celulares for repetida, maior será a pureza da amostra. 2.4 PRECIPITAÇÃO DO DNA O NaCl presente no tampão de lise associado a baixas temperaturas e a adição de solventes orgânicos como etanol, isopropanol ou acetato de amônio promove a precipitação do DNA. Este DNA precipitado forma um conglomerado esbranquiçado com aspecto de um algodão em solução. Este “algodão” pode ser pescado com o auxílio de um bastão de vidro ou a amostra pode ser centrifugada. Nesta etapa de centrifugação o DNA formará um pellet no fundo do tubo e o sobrenadante será descartado (diferente do que ocorreu na etapa de lise, na qual o pellet foi descartado e o sobrenadante utilizado). 2.5 LAVAGEM E RESSUSPENSÃO DO DNA Para garantir maior pureza e eliminar resíduos de outros reagentes, as amostras provenientes da etapa anterior devem ser lavadas com etanol 70%. O etanol é eliminado das amostras por simples evaporação, dada sua elevada volatilidade. Após a evaporação, o pellet de DNA é ressuspenso em tampão Tris-EDTA ou água ultrapura. A água ultrapura é diferente de água destilada. A água destilada passa por um processo de destilação simples que remove os sais presentes nela. A água ultrapura, também chamada de água Mili-Q é uma água livre de qualquer sal, contaminantes e enzimas, ou seja, é apenas água sem nenhuma outra substância. TEMA 3 – MÉTODOS DE QUANTIFICAÇÃO DO MATERIAL GENÉTICO EXTRAÍDO Após sua extração é necessário ter certeza de que o que foi extraído era realmente DNA. Além disso, é necessário também saber a quantidade de DNA presente na amostra. Para avaliar a presença e quantificar o DNA são utilizadas diversas técnicas que serão descritas a seguir. 3.1 ESPECTROFOTOMETRIA A técnica de espectrofotometria se baseia no uso de um aparelho chamado espectrofotômetro, que incide uma radiação de determinado comprimento de onda sobre a amostra e mensura quanto desta radiação foi absorvida pela mesma. Por isso a unidade de medida lida pelo equipamento denomina-se absorbância, referindo-se à quantidade de luz absorvida pela amostra quando excitada por determinado comprimento de onda. Esta técnica relaciona a quantidade de luz absorvida por uma amostra a 260nm (comprimento de onda) com a quantidade de DNA presente nesta amostra. Quanto maior a absorção de luz, maior a quantidade de DNA na amostra. Esta técnica possui uma curva padrão que determina que uma absorbância igual a 1 corresponde a uma concentração de 50 µg de DNA por ml de solução. Desta forma, fazendo o uso de uma simples regra de três, é possível determinar a quantidade de DNA em uma amostra. Se houve necessidade de diluição da amostra, esta deve ser levada em conta na hora do cálculo da contração de DNA, segundo a fórmula abaixo: Concentração DNA = Absorbância(260 nm) x Diluição x 50. Além de quantificar, a espectrofotometria também permite avaliar a qualidade das amostras de DNA. Para isto deve-se medir a absorbância em 260 e 280 nm e fazer uma relação entre estes valores, ou seja, dividir o valor da absorbância em 260 nm pelo valor da absorbância em 280 nm; valores entre 1,4 e 2 indicam boa pureza das amostras e valores abaixo de 1,4 indicam presença de contaminante na amostra. A absorbância a 260 nm reflete a luz absorvida pelas ligações entre as bases nitrogenadas do DNA; já a leitura a 280 nm reflete a absorbância a 280 nm, comprimento de onda no qual as ligações peptídicas das proteínas fluorescem. Esta relação só é verdadeira se todo o fenol for removido da amostra, pois o mesmo fluoresce a 270 nm podendo gerar leituras incorretas. Embora a espectrofotometria seja a técnica mais utilizada rotineiramente ela possui um limiar de detecção alto, não sendo indicada quando a quantidade de DNA na amostra é da ordem de nanogramas. Nestes casos deve-se utilizar a fluorimetria, um método bastante similar mas que baseia sua leitura em fluorescência e é capaz de detectar DNA na ordem de nanogramas. 3.2 ELETROFORESE EM GEL DE AGAROSE A eletroforese é a principal técnica utilizada em biologia molecular para a análise de DNA. Ela permite separar, identificar e purificar os fragmentos de DNA quando não é possível utilizar outras técnicas, como os gradientes de centrifugação. É uma técnica rápida, que permite excelente resolução dos fragmentos de DNA. O gel é formado por agarose, um polissacarídeo que ao sofrer solidificação forma uma malha que retém as moléculas durante a migração. Dependendo da concentração de agarose, há diferenças no gradiente de separação. Quanto maior a concentração, mais fechados são os poros da malha do gel e maior retenção de fragmentos de DNA. Para se analisar amostras com fragmentos maiores deve-se dar preferência para géis de malha menos densa (ou seja, mais frouxa, com menor concentração de agarose), pois assim os fragmentos grandes terão facilidade em “correr” a malha do gel. O inverso também é verdadeiro, para fragmentos menores deve-se dar preferência para géis com poros menores, ou seja, maior concentração de agarose, pois desta forma os pequenos fragmentos ficarão retidos no gel. Esta técnica permite a separação de fragmentos de DNA de tamanho diversos por meio da aplicação de um campo elétrico. Os grupos fosfatos dos ácidos nucléicos possuem cargas negativas e, portanto, quando submetidos a um campo elétrico, por diferença de potencial, migram em direção ao polo positivo deste campo. Quanto menor o tamanho do fragmento de DNA, mais rápido ele migra pela malha de agarose e portanto maior será a distância percorrida no gel. Moléculas com maior número de pares de base possuem tamanho maior e portanto migram mais lentamente pela malha do gel, ocupando posições mais superiores no gel. Fragmentos de mesmo tamanho ocupam a mesma posição no gel, formando as denominadas bandas. Figura 1 – Na imagem acima, um aparelho de eletroforese com o polo positivo indicado em vermelho e o negativo em preto. As amostras são adicionadas nos poços do gel e irão migrar ao longo do gel do polo negativo para o polo positivo. A foto do gel (última imagem à direita) demonstrando bandas superiores (de maior peso molecular) e bandas inferiores (de menor peso molecular) Crédito: Soleil Nordic/Shutterstock. Figura 2 – Gel de agarose corado com brometo de etídio. Cada coluna corresponde a uma canaleta do gel na qual foi colocada uma amostra específica de DNA. Acima do gel estão os fragmentos maiores e abaixo os menores Crédito: Martinek Jan/Shutterstock. Para que se possa visualizar o resultado da separação das amostras de DNA em gel de agarose é necessário que este passe por um procedimento de coloração. Este processo consiste em corar o DNA com corantes fluorescentes como o brometo de etídio (altamente tóxico e carcinogênico). Este corante, sob luz ultravioleta, emite uma luz alaranjada formando bandas visíveis no gel. Outros corantes menos tóxicos como o GelGreen e SybrGreen vem suplantando o brometo de etídio. Nas extrações podem-se obter grandes moléculas, que incluem cromossomos inteiros ou cromossomos fragmentados. Amostras de boa qualidade formam bandas íntegras, enquanto amostras degradadas ou com presença de moléculas de RNA apresentam rastros ao longodo gel. A quantificação é feita pela comparação entre a intensidade da fluorescência das amostras extraídas com uma solução de DNA de concentração conhecida, como por exemplo, soluções contendo DNA do fago lambda. Após a obtenção de amostras de DNA e de sua avaliação quantitativa e qualitativa, pode ser realizada a etapa de análise de DNA que serão descritas nos temas 4 e 5 desta aula e na posterior. As análises dos ácidos nucleicos incluem o uso de enzimas de restrição, técnicas de hibridação molecular, técnicas de amplificação do DNA (PCR – reação em cadeia da polimerase), sequenciamento de DNA e outras técnicas de análise de ácidos nucleicos. TEMA 4 – USO DE ENZIMAS DE RESTRIÇÃO Enzimas de restrição são proteínas encontradas em bactérias que as protegem de infecções virais pois são capazes de clivar o DNA viral, impedindo que este se replique em seu interior. As enzimas de restrição, também chamadas de endonucleases Tipo II, são enzimas que quebram a dupla fita de DNA em regiões específicas gerando fragmentos de DNA sempre do mesmo tamanho e composição. Cada tipo de enzima de restrição é capaz de reconhecer um segmento específico do DNA, denominado sítio de restrição, realizando a clivagem da molécula de DNA nestes sítios específicos. Como resultado existirão vários fragmentos de DNA, sendo que todos foram clivados exatamente na mesma região. Diversas espécies de bactérias são usadas para a produção e isolamento das enzimas de restrição. Cada enzima tem seu nome acompanhado de uma inscrição que indica o sítio do DNA no qual ocorre a clivagem. Por exemplo a enzima Afe I 5´AGC-GCT 3´ / 3´TGC - CGA 5´, foi produzida no microorganismo Alcaligenes faecalis e cliva o DNA nas sequências especificadas. A descoberta das enzimas de restrição foi essencial para o surgimento da tecnologia do DNA recombinante, na qual moléculas de DNA de organismos diferentes podem ser cortadas e posteriormente unidas por complementaridade das duas fitas de DNA e ação da enzima DNA ligase, que refaz as ligações fosfodiéster. As enzimas de restrição também são utilizadas no diagnóstico de doenças genéticas, dado que mutações específicas no DNA podem alterar o sítio de clivagem deste pelas enzimas, alterando o tamanho dos fragmentos gerados, permitindo a diferenciação entre moléculas portadoras e não portadoras da mutação com base nos tamanhos dos fragmentos gerados pela clivagem. Figura 3 – As enzimas de restrição atuam como tesouras moleculares. Estas enzimas clivam a fita de DNA em sequências específicas Crédito: Mopic/Adobe Stock. Figura 4 – Uso das enzimas de restrição em técnicas de engenharia genética. Neste caso a enzima de restrição (em vermelho) foi utilizada para clivar duas regiões do DNA, permitindo a remoção de um gene causador de doenças. Créditos: designua/Adobe stock. TEMA 5 – HIBRIDAÇÃO MOLECULAR Os métodos de hibridização foram um dos primeiros métodos desenvolvidos para analisar o DNA extraído e fragmentado pelo uso de enzimas de restrição e consiste basicamente na separação dos fragmentos de DNA de uma amostra por eletroforese em gel de agarose, seguida da transferência destes fragmentos para uma membrana sólida com a posterior detecção dos mesmos por métodos enzimáticos, cromogênicos ou luminiferous. 5.1 HIBRIDAÇÃO SOUTHERN O método batizado em homenagem ao seu criador Edwin Southern, também conhecido como hibridação southern ou hibridação DNA-DNA, permite o reconhecimento específico de certas moléculas de DNA. Imagine que você tem uma amostra de um tecido qualquer e realizou a extração de DNA dessa amostra. Na sequência você tratou essa amostra com enzimas específicas de restrição a fim de clivar o DNA e isolar um segmento específico do mesmo, ou seja, um gene. Como saber se o gene de interesse realmente estava presente na amostra e como saber se o processamento com a enzima de restrição obteve sucesso? É neste ponto que entra a técnica de hibridização DNA-DNA. Para a realização desta técnica é necessário conhecer a sequência do gene que se quer analisar (por ex 5´AATTGCGC 3´). Baseado nesta sequência, o pesquisador sintetiza em laboratório uma sonda de DNA que consiste basicamente em um fragmento de DNA sintético complementar a sequência do gene de interesse (por ex 3´ TTAACGCG 5´). Esta sonda sintética é marcada com uma substância que emite fluorescência quando uma sequência complementar se liga a ela. Ao misturar os fragmentos de DNA da minha amostra, que contém o gene de interesse, com a sonda sintética, é possível medir a fluorescência emitida e concluir se havia ou não o gene de interesse na minha amostra. A técnica denomina-se hibridação pois ocorre a formação de um fragmento de DNA híbrido, sendo uma das fitas composta pelo DNA da minha amostra e a outra pela sonda sintética. A amostra contendo o DNA deve ser separada em um gel de agarose e deste transferida para uma membrana de nylon ou nitrocelulose, onde as moléculas de DNA ficam estáticas. Antes da transferência, o gel é tratado com hidróxido de sódio promovendo a abertura das duplas fitas de DNA. A membrana é uma réplica exata de tudo que existe no gel, porém sobre esta membrana é possível se realizar uma série de experimentos que não seriam possíveis sobre o gel devido a sua malha porosa. A sonda é colocada em contato com essa membrana e irá se ligar especificamente apenas onde houver fragmentos de DNA complementares a ela. Lavagens removem sondas não ligadas e também sondas que se ligam incorretamente, pois ligações incorretas tem baixa especificidade se desfazendo facilmente. A sonda é previamente marcada com fosfato radioativo (32P) e desta forma os DNAs hibridizados quando expostos a determinado comprimento de onda irão emitir luminosidade/ fluorescência específicos, indicando e simultaneamente quantificando a hibridização. Figura 5 – Em 1 as bandas do gel de agarose sendo colocadas em contato com a membrana de nitrocelulose ou nylon. Em 2 os fragmentos de DNA do gel foram transferidos para a membrana. Em 3 a membrana é colocada em contato com sondas específicas de DNA. Em 4 as sondas se ligam especificamente ao DNA de interesse. Em 5 as moléculas de DNA que sofrem hibridização são detectadas Crédito: Daniele Dietrich Moura Costa. 5.2 HIBRIDAÇÃO NORTHERN A técnica de northern blot, também conhecida como hibridização DNA-RNA, visa a detecção de RNAs mensageiros (abreviados como mRNA). Recebeu esse nome devido ao trocadilho com o nome da técnica Southern. É muito similar a técnica de southern blot, no entanto a sonda desenhada é complementar ao um mRNA, permitindo a detecção deste tipo de molécula. Esta técnica é muito utilizada para avaliar a expressão gênica, dados que os mRNA são o resultado da transcrição dos genes e serão traduzidos em proteínas posteriormente. NA PRÁTICA Desde sua descoberta, as enzimas de restrição passaram a ser utilizadas em diversos tipos de ensaios para avaliar o DNA. Um de seus usos mais frequentes é nos testes de identificação de pessoas, sejam eles testes de paternidade, testes para identificação de possíveis criminosos ou vítimas de acidentes. Nestes ensaios, o DNA da pessoa que se quer identificar é extraído, quantificado e então fragmentado em regiões específicas pelas endonucleases. Após a fragmentação, o DNA é analisado em um gel de agarose. Relembrando que fragmentos diferentes migram de forma diferencial pelo gel de agarose, desta forma produzindo uma padrão de bandas específicas. Cada indivíduo possui seu DNA exclusivo que irá sofrer clivagem em sítios específicos pelas endonucleases gerando também um padrão específico de bandas no gel. No caso de um crime, se o padrão de bandas no gel for 100% similar ao padrão de bandas de um acusado, este é considerado culpado, pois a compatibilidade de bandas entre o indica que se trata da mesma pessoa. No caso de um teste de paternidade, o DNA do filho deve ter padrão de similaridade de 50% com DNA do suposto pai, pois o filho contém metade da cargagenética da mãe e metade do pai. Observe a figura abaixo. Você consegue descobrir quem é o pai da criança? Figura 6 – Um filho, uma mãe e dois supostos pais. Os retângulos pretos indicam a presença da banda no gel de agarose e os retângulos brancos indicam a ausência de bandas no gel. Observe a banda 1: ela está ausente no filho, na mãe e em ambos pais, logo não permite concluir nada em relação à paternidade da criança. A banda 3 está presente no filho e na mãe, mas ausente em ambos os pais, indicando que de fato a criança é filho da referida mãe. A banda 7 está presente no filho, ausente na mãe e no pai 2, mas presente no pai 1. Esta banda é conclusiva em relação ao teste, pois o filho tem e deve ter herdado de um dos genitores; se a mãe não tem essa banda ela só pode ter sido herdada do pai Crédito: Daniele Dietrich Moura Costa. FINALIZANDO Trabalhar com ácidos nucléicos não é fácil e requer precisão e treinamentos específicos. Conforme visualizamos ao longo desta aula, primeiramente é necessário obter uma amostra e armazená-la corretamente. Na sequência o DNA contido na amostra deve ser extraído. O processo de extração possui várias etapas que devem ser realizadas sequencialmente: lise celular, separação dos constituintes celulares, precipitação e ressuspensão do DNA. Esse DNA extraído deve ser quantificado antes de prosseguir para análises. Esta quantificação pode ser feita dos espectrofotometria ou por eletroforese em gel de agarose. Verificada a pureza do DNA extraído por estas duas técnicas, o mesmo pode ser utilizado em diversos experimentos, entre eles: processamento com enzimas de restrição, ensaios de hibridização, amplificação, clonagem entre outros. REFERÊNCIAS ALBERTS, B. Biologia molecular da célula. 4. ed. São Paulo: Artmed, 2004. BROWN, T. A. Clonagem gênica e análise de DNA: uma introdução. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003. COX, M. M.; DOUDNA, J. A.; O’DONNELL, M. Biologia molecular: princípios e técnicas. Porto Alegre: Artmed, 2012. FARAH, S. B. DNA: segredos e mistérios. 2. ed. São Paulo: Savier, 2000. KLUG, W. S. et al. Conceitos de genética. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. KREUZER, H.; MASSEY, A. Engenharia genética e biotecnologia. Porto Alegre: Artmed, 2002. WATSON, J. D. et al. DNA recombinante: genes e genomas. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. BIOTECNOLOGIA E BIOINFORMÁTICA AULA 2 Profª Daniele Dietrich Moura Costa CONVERSA INICIAL Na aula anterior, aprendemos como extrair o material genético, seja ele DNA ou RNA, de diferentes tipos de materiais (tecidos biológicos, sangue, urina, células em cultivo etc.). Uma vez extraído, esse material precisa ser quantificado para que possa ser utilizado em diversos tipos de ensaios. Os dois principais métodos de quantificação são a eletroforese em gel de agarose e a espectrofotometria. Conhecida a quantidade de DNA ou RNA, estes podem então ser processados e analisados por diferentes técnicas. Uma das técnicas mais utilizadas é o processamento utilizando enzimas de restrição. Essas enzimas reconhecem segmentos específicos do DNA, clivando a dupla fita e gerando fragmentos. Esses fragmentos podem ser então utilizados numa ampla gama de testes moleculares, entre eles a clonagem de DNA, diferentes tipos de reação de amplificação de DNA por reação em cadeia da polimerase (PCR – polymerase chain reaction) e sequenciamento de DNA. Nesta aula, iremos explorar mais algumas técnicas de processamento e análise de DNA (lembrando que algumas técnicas já foram descritas na aula anterior). Demonstraremos também aplicações práticas dessas técnicas na rotina do biomédico e por fim, na última aula sobre biotecnologia, abordaremos técnicas de expressão, purificação e análise de proteínas, encerrando nosso ciclo de aprendizagem sobre técnicas moleculares de análises de macromoléculas aplicadas à Biotecnologia. TEMA 1 – CLONAGEM DO DNA A primeira técnica de duplicação de moléculas de DNA em laboratório foi a clonagem de DNA. Nesse procedimento, fragmentos específicos de DNA, obtidos por meios de técnicas utilizando enzimas de restrição, são inseridos em bactérias (procariotos) ou leveduras (eucariotos). O procedimento de inserção de fragmentos específicos de DNA (correspondentes a genes específicos) em organismos é denominado transformação genética e origina organismos modificados geneticamente ou transgênicos. No caso dos organismos modificados geneticamente, a inserção do gene é feita entre indivíduos da mesma espécie, ou seja, eu retiro o gene de interesse do indivíduo 1 da espécie A e insiro no indivíduo 2 também da espécie A. No caso dos transgênicos, o gene é transferido entre espécies distintas; eu retiro o gene 1 da espécie A e insiro o gene 1 na espécie B, sendo a espécie B a transgênica. Esse processo é chamado transformação por causa das novas características que podem ser adquiridas pela bactéria com a introdução do novo gene (como a resistência a determinados antibióticos). O gene inserido é incorporado ao DNA plasmidial do organismo receptor (bactéria), e quando este for realizar a replicação do seu material genético, irá replicar também o DNA inserido no plasmídio. Devemos nos lembrar que procariotos se reproduzem muito rapidamente, dessa forma, a replicação do gene inserido também é muito rápida, gerando inúmeras cópias ou clones desse gene. Nessa técnica, o DNA é retirado de um organismo doador por meio de técnicas de extração de DNA já descritas na última aula. Esse DNA isolado é então digerido por endonucleases de restrição, e os fragmentos gerados que contêm os genes de interesse são ligados a um vetor de clonagem, geralmente um plasmídeo. Um vetor de clonagem é uma estrutura de DNA com capacidade de se introduzir em células bacterianas, um processo conhecido como transfecção. A união do gene de interesse, extraído da amostra e do plasmídeo (vetor), forma uma molécula de DNA recombinante. Esse DNA recombinante é inserido na bactéria/levedura por meio da técnica de transformação. Quando esse organismo se replicar, ele irá replicar também o DNA inserido. O conjunto dos fragmentos de DNA digeridos pela enzima de restrição e ligados aos vetores, que foram transferidos e replicados pelo procarioto, constitui uma biblioteca genômica, ou seja, uma biblioteca de genes. Se, ao invés do DNA, utilizarmos um RNAm nesse procedimento, convertendo-o em DNA complementar (cDNA) antes de realizar a transformação bacteriana, teremos uma biblioteca de expressão gênica, que corresponde aos mRNAs que são expressos pela célula doadora. Observe, na Figura 1, a técnica de clonagem de DNA por meio do uso de DNA recombinante. Em 1, o DNA é extraído da célula doadora e tratado com enzimas de restrição a fim de se isolar os genes específicos. Simultaneamente (ainda em 1), o plasmídio é extraído da bactéria. Em 2, ocorre a formação do DNA recombinante, no qual o DNA da célula doadora é unido ao DNA plasmidial. Em 4, há o processo de transformação, no qual o plasmídio contendo o DNA recombinante é inserido novamente na bactéria. Em 5, observe o processo de clonagem do DNA, sendo que, ao replicar o seu próprio material genético (que inclui o plasmídio), a bactéria replica também o DNA da célula doadora. Figura 1 – Clonagem do DNA Créditos: Why Design/Shutterstock. TEMA 2 – REAÇÃO EM CADEIA DA POLIMERASE Conhecendo o processo de replicação do DNA e o papel primordial da DNA polimerase (DNApol) neste processo, em 1983, Karry Mullis desenvolveu a primeira técnica de multiplicação de moléculas de DNA em laboratório, a PCR (Reação em cadeia da polimerase; do inglês polymerase chain reaction). A PCR consiste na síntese enzimática de fragmentos de DNA, em laboratório, sem a necessidade de uma célula hospedeira como ocorria na clonagem. O DNA é obtido de uma célula doadora, extraído e tratado com enzimas de restrição. Os fragmentos de DNA gerados pelos endonucleases são então utilizados na reação de PCR. 2.1 PRINCÍPIOS PCR A PCR é uma técnica que ocorrenas seguintes etapas sequenciais: desnaturação (separação das duplas fitas de DNA), anelamento (hibridação de primers) e polimerização (também chamadas de extensão ou elongação). A desnaturação consiste na separação das duplas fitas dos fragmentos de DNA parental (obtido da célula doadora) utilizando altas temperaturas (acima de 90 oC). Essas temperaturas são capazes de romper as ligações de hidrogênio que mantêm as duas fitas unidas. Na etapa de anelamento, a temperatura é reduzida para cerca de 60 oC (temperatura ideal para que ocorra o anelamento dos primers) e dois oligonucleotídeos iniciadores são adicionados à reação. Esses oligonucleotídeos são denominados primers e são complementares a sequências de DNA de cada uma das fitas parentais, ligando-se a elas por meio da complementaridade de bases. Em razão da característica antiparalela da dupla fita de DNA, é citado que um primer se liga na extremidade 3’ da região-alvo (primer direto ou forward), enquanto o outro se liga na extremidade 5’, na fita oposta (primer reverso ou reverse). Os primers fornecem extremidades 3´OH livres que, na etapa de polimerização, são utilizadas pelas DNA polimerases para sintetizar novas fitas de DNA, obedecendo ao princípio da complementaridade de bases. A temperatura é então elevada para cerca de 72 °C e a DNA polimerase promove a ligação fosfodiéster entre o último nucleotídeo da nova fita e nucleotídeo trifosfatado a ser adicionado. Essas três etapas são repetidas por inúmeros ciclos, sendo que a cada ciclo ocorre a duplicação de uma molécula de DNA, gerando ao final dos ciclos várias cópias da molécula de DNA parental. O equipamento no qual a PCR é realizada chama-se termociclador, pois ele tem a capacidade de realizar os ciclos de variação de temperatura necessários para as etapas de desnaturação e anelamento. Os microtubos contendo os reagentes necessários para que ocorra a reação enzimática são colocados no termociclador, o qual realiza sozinho o processo de elevação e redução sequencial da temperatura. Os reagentes utilizados nesse processo são: água ultrapura, moléculas de DNA a serem duplicadas (DNA molde ou DNA parental), desoxirribonucleotídeos trifosfatos (dNTPs, necessários para permitir a elongação do DNA), primers, enzima DNA polimerase, solução de cloreto de magnésio (cofator da enzima DNA polimerase) e solução tampão para a DNA polimerase. A DNA polimerase usada na reação é isolada da bactéria Thermus aquaticus, e por isso é chamada de Taq polimerase (em menção às iniciais do nome da espécie a partir da qual foi obtida). Esta é a DNA polimerase ideal, pois diferentemente das demais, ela não sofre desnaturação em altas temperaturas. Obviamente que todo esse processo requer o conhecimento prévio da sequência de DNA que se quer amplificar, pois é necessário que os primers sejam complementares a tal sequência. Tal conhecimento é altamente difundido e está presente nas inúmeras bibliotecas genômicas disponíveis on-line. Na Figura 2, a seguir, observe a reação em cadeia da polimerase. Em azul, a dupla fita de DNA; em verde, os primers iniciadores e em amarelo, os nucleotídeos necessários para a síntese e novas cadeias de DNA. Na etapa de desnaturação, a dupla fita de DNA é aberta por elevação da temperatura. Na etapa de anelamento, a temperatura é reduzida e os primers pareiam com as fitas simples de DNA. Na etapa de elongação, a temperatura é elevada a 72 oC, que é a ideal para que a Taq polimerase sintetize novas cadeias de DNA. Figura 2 – Reação em cadeia da polimerase Créditos: WhiteDragon/Shutterstock. 2.2 TIPOS PCR – PCR MULTIPLEX 2.2.1 PCR MULTIPLEX Neste tipo de PCR, mais de um fragmento de DNA e mais de um par de primers são utilizados simultaneamente, promovendo a amplificação de vários fragmentos de DNA em um mesmo tubo numa só reação. No caso de genomas pequenos como os dos vírus e bactérias, essa técnica apresenta elevada especificidade, permitindo a identificação precisa desses organismos e eliminando riscos de falsos positivos. 2.2.2 RT-PCR Este é o tipo de PCR feito a partir de moléculas de RNA mensageiro com o auxílio da enzima transcriptase reversa (RT – reverse transcriptase). Nesse ensaio, os RNAm totais são extraídos de uma amostra e convertidos em DNA complementar (cDNA) pela transcriptase reversa. Esse cDNA é então submetido aos ciclos de amplificação por PCR. Esse tipo de PCR é utilizado para avaliar a expressão gênica. Na Figura 3, observe que o mRNA é convertido em cDNA pela enzima transcriptase reversa. Esse cDNA é então submetido a diversos ciclos de amplificação utilizando o termociclador. Ao final de vários ciclos, várias cópias do cDNA são obtidas. Figura 3 – RT-PCR Créditos: DAntes Design/Shutterstock. 2.2.3 NESTED PCR Esta técnica, em vez de um par de primers, utiliza dois pares de primers complementares à sequência-alvo de DNA, aumentando a sensibilidade da técnica. Inicialmente, é realizada a amplificação com o par mais externo e, posteriormente, o produto dessa PCR é amplificado com um par interno ao primeiro (aninhado), que utilizará os fragmentos multiplicados na primeira reação como molde. Nesta técnica, realizam-se dois ensaios consecutivos de PCR. No primeiro, um fragmento de DNA é amplificado com um par de primers. Uma alíquota desses DNAs amplificados inicialmente é então submetida a um novo ciclo de PCRs, utilizando-se um novo par de primers, localizados internamente em relação à posição do par de primers inicialmente utilizados. 2.2.4 PCR EM TEMPO REAL Essa reação de PCR é muito similar a uma PCR convencional, porém a ela é adicionado um primer que sofre anelamento com a parte média do fragmento de DNA a ser amplificado. Esse primer extra é denominado sonda e contém, em uma extremidade, uma molécula fluorescente (fluoróforo) e, na outra extremidade, uma molécula inibidora. Na sonda íntegra, a molécula inibidora impede a emissão de fluorescência. Durante a etapa de elongação da PCR, a sonda hibridiza-se ao DNA-alvo e sua região inibidora é degradada pela atividade 5’-3’ exonuclease da enzima Taq polimerase, ativando a sonda e resultando na emissão da fluorescência. A emissão de fluorescência é medida a cada ciclo, permitindo acompanhar o seu aumento da fluorescência ao longo da reação, geralmente por um computador acoplado ao termociclador (por isso, a denominação em tempo real). A quantidade de fluorescência emitida pela reação irá aumentar conforme as moléculas são sintetizadas, sendo proporcional à quantidade inicial de DNA-alvo, ou seja, quanto mais DNA houver no começo da reação, maior a fluorescência detectada a cada ciclo. A técnica de PCR em tempo real permite a quantificação precisa de moléculas de DNA e tem sido utilizada para a quantificação de patógenos virais e bacterianos em amostras biológicas, na genotipagem de variantes genéticas, na avaliação dos níveis de expressão gênica e na detecção de produtos transgênicos em alimentos. Observe, na Figura 4, que o DNA é inicialmente desnaturado por aumento da temperatura (ou seja, tem suas duplas fitas separadas). Esse DNA desnaturado sofre então o anelamento com os primers e também se liga à sonda fluorescente. À medida que a Taq polimerase sintetiza a nova cadeia de DNA, ela degrada a sonda, que então passa a liberar sua fluorescência que pode ser medida pelo termociclador. Figura 4 – PCR em tempo real Créditos: DAntes Design/Shutterstock. TEMA 3 – SEQUENCIAMENTO DE DNA O sequenciamento de DNA ou RNA é a técnica por meio da qual a sequência exata de nucleotídeos dessas moléculas é desvendada. Essa técnica possui diversas aplicações, desde a identificação de genes de organismos patogênicos até o sequenciamento completo do genoma humano. Na década de 1970, Frederick Sanger e colaboradores desenvolveram a técnica que tornou possível sequenciar fragmentos de DNA. O método consiste na incorporação aleatória de dideoxinucleotídeos trifosfatos (ddNTPs), em uma fita de DNA, pela enzima DNA polimerase,seguindo os princípios da replicação do DNA. Os ddNTPs, ao contrário dos deoxinucleotídeos trifosfatados (dNTPs), não possuem em sua estrutura uma hidroxila na posição 3’. Assim, a síntese da fita de DNA é paralisada sempre que a DNA polimerase incorpora uma ddNTP na nova fita, produzindo fragmentos de DNA de tamanhos distintos. Dessa forma, a técnica consiste na produção de fragmentos de DNA que diferem em um nucleotídeo um do outro, utilizando como molde uma fita simples de DNA. A utilização do primer complementar determina qual a sequência de DNA que será produzida. A reação se inicia com a desnaturação de um fragmento de DNA dupla fita de DNA, formando uma simples fita. A reação requer a presença de uma DNA polimerase, primers iniciadores, altas concentrações de dNTPs e baixas concentrações de ddNTPs. À medida que a reação ocorre, a DNA polimerase vai elongando a cadeia de DNA usando os dNTPs que estão em concentração maior; em um dado momento, um ddNTP é incorporado aleatoriamente à cadeia em elongação e a polimerização é interrompida. Cada um dos ddNTPs (adenina, citosina, guanina e timina) são marcados diferencialmente, cada um com uma cor de fluorescência. Os fragmentos truncados são então separados em gel de poliacrilamida e analisados quanto aos seus tamanhos e composição da fluorescência. Essa técnica era inicialmente manual, o que consumia muito tempo, dinheiro e esforços dos envolvidos. Os equipamentos mais atuais utilizam capilares finos dentro dos quais os fragmentos de DNA são separados por tamanho, do menor para o maior, sendo então, ao final da eletroforese capilar, detectados por um feixe de laser. Cada um dos 4 nucleotídeos usados nessa síntese (Adenina, Timina, Guanina e Citosina) são marcados com fluoróforos distintos, o que permite identificar qual foi o nucleotídeo adicionado ao final de cada fragmento de DNA. A ordem em que os diferentes fragmentos passam pelo detector de fluorescência indica a sequência dos nucleotídeos da cadeia complementar ao DNA molde, determinando assim a sequência original. TEMA 4 – MARCADORES MOLECULARES Um marcador molecular é qualquer característica molecular (DNA, RNA ou proteínas), que gere um dado fenótipo expresso de forma diferencial entre indivíduos da mesma espécie. Os marcadores moleculares são técnicas baseadas em biologia molecular utilizadas para avaliar variações nas sequências de DNA, permitindo a identificação de indivíduos, diferenciação de espécies e variantes de uma mesma espécie e identificação de alterações relacionadas a doenças. 4.1 RFLP A técnica RFLP (Polimorfismos no comprimento de fragmentos por restrição - Restriction Fragment Length Polymorphism) refere-se à identificação de polimorfismos no DNA. Apesar de todos os indivíduos da mesma espécie possuírem o mesmo genoma, eles apresentam variações individuais denominadas polimorfismos. Os polimorfismos são responsáveis não apenas pelas características individuais de cada pessoa, mas também pelas características étnicas de populações e mais recentemente têm sido descritos como promotores ou supressores de doenças. A presença ou ausência de determinadas sequências de DNA faz com que, ao ser tratado com uma enzima de restrição, o DNA gere uma gama diferente de fragmentos em cada indivíduo. Tomemos como exemplo os indivíduos A e B, que serão submetidos à técnica de RFLP para avaliação de polimorfismos relacionados a genes promotores de câncer de tireoide. Embora ambos tenham o mesmo genoma, possuem variações individuais. Entre essas variações, está a presença ou não de alelos relacionados à maior ocorrência de câncer de tireoide. O DNA de ambos indivíduos é extraído e então tratado com enzimas de restrição que clivam especificamente regiões que contêm esses promotores tumorais. Desse modo, como seus DNAs possuem polimorfismos, o tratamento com as enzimas irá resultar em fragmentos diferentes para cada indivíduo: o indivíduo que tem o promotor possuirá um fragmento de DNA correspondente a esse promotor; já o indivíduo que não tem o promotor não possuirá o fragmento de DNA correspondente a esse promotor, dado que a enzima de restrição não encontrou o sítio específico para sua ação. Esses fragmentos, quando separados por eletroforese, irão gerar um padrão distinto em cada pessoa, permitindo sua identificação. Para efetuar a detecção dos marcadores RFLP, os fragmentos separados no gel de agarose pela eletroforese são transferidos para uma membrana de nylon (ou nitrocelulose) pela técnica de Southern Blot, descrita na aula anterior. Os fragmentos são então identificados pelo uso de sondas específicas. Dessa maneira, busca-se reconhecer modificações do DNA que possam estar presentes dentro da sequência de reconhecimento das enzimas de restrição. Então, um indivíduo que apresente uma modificação no genoma que impossibilite a clivagem por determinada enzima de restrição pode ser identificado por meio da comparação com outro da mesma espécie e que não apresente essa modificação, o que não impossibilita a clivagem do DNA. 4.2 MICROSSATÉLITE Os microssatélites são também denominados de repetições de sequências simples (do inglês SSR, simple sequence repeats) ou repetições em tandem. Os microssatélites são pequenos segmentos do DNA que se repetem continuamente ao longo de uma molécula de DNA e o número de repetições varia de indivíduo para indivíduo. Baseado nesse conhecimento, surge a técnica do DNA fingerprint (ou impressão digital do DNA), dado que a análise do número de repetições de cada uma destas sequências permite identificar uma pessoa. Inicialmente, deve ser obtida uma amostra biológica (sangue, sêmen, saliva, tecidos, cabelos com bulbo capilar etc.) e o DNA deve ser extraído dela. Após a extração do DNA, faz-se o uso de enzimas de restrição para a obtenção de fragmentos específicos e de diferentes tamanhos do DNA. Esses fragmentos são então submetidos à PCR e posteriormente à eletroforese, conforme descrito na última aula, e então analisados. O perfil de bandas formadas será específico para cada indivíduo, dado que os fragmentos formados pelas enzimas de restrição, os microssatélites, têm quantidade variável de indivíduo para indivíduo. Apesar de todas as vantagens e aplicabilidades que os marcadores SSR apresentam, a grande limitação reside na necessidade do isolamento e desenvolvimento de primers específicos para cada espécie, ou ter disponível primers de espécies relacionadas para testar transferabilidade, problema que foi resolvido com a criação da técnica RAPD descrita a seguir. 4.3 RAPD (RANDOM AMPLIFIED POLYMORFIC DNA) Este é um método de análise de polimorfismos baseado na PCR e envolve a amplificação de vários lócus do genoma utilizando primers de sequência arbitrária. Um primer de sequência arbitrária é um primer mais curto desenhado de forma aleatória, sem que se conhecesse previamente a sequência que se desejava amplificar. Lembre-se que para a PCR convencional, era necessário conhecer a sequência de DNA a ser amplificada para então desenhar um primer específico para essa sequência. A amplificação ao acaso de sequências de DNA deu nome à técnica, DNA polimórfico amplificado ao acaso (do inglês Random Amplified Polymorfic DNA). A grande vantagem dessa técnica é permitir o estudo de espécies que não têm seu genoma disponível em bancos de dados. Os polimorfismos RAPD resultam da variação da sequência nos locais de anelamento do primer e/ou variação de comprimento na sequência-alvo situada entre os locais de ligação do primer. O RAPD é uma técnica não radioativa que requer uma pequena quantidade de DNA (15-25 ng), a maior vantagem dessa técnica em relação à técnica de RFLP, e pode ser realizado em poucas horas. Seu grande problema é a baixa taxa de reprodutibilidade interlaboratórios. TEMA 5 – APLICAÇÕES DA ANÁLISE DO DNA 5.1 EXAME DE DNA: TESTE DE PATERNIDADE E GENÉTICA FORENSE Os testes de paternidade e a identificação forense de criminosos se baseiam na técnica demicrossatélite. No caso dos testes de paternidade, devemos lembrar que cada indivíduo possui polimorfismos específicos daquela pessoa, ou seja, o número de repetições das sequências microssatélite é individual. A denominação impressão digital do DNA (DNA fingerprinting) foi estabelecida justamente em referência à impressão digital, anteriormente única utilizada na identificação humana. Além disso, essas sequências satélite possuem herança mendeliana, fazendo com que a prole tenha metade das sequências provenientes do pai e a outra metade proveniente da mãe. Ao realizar um teste de paternidade, metade das sequências do filho deve corresponder às do suposto pai e a outra metade da mãe. Já no caso de crimes, compara-se a sequência de um suspeito com amostras encontradas na cena do crime (por exemplo, compara-se o sangue do suspeito com sêmen encontrado em vítimas de estupro). Para que o suspeito seja considerado culpado, deve haver 100% de correspondência entre o seu padrão de microssatélites e o padrão encontrado na cena do crime, indicando se tratar da mesma pessoa. 5.2 DIAGNÓSTICOS DE DOENÇAS GENÉTICAS Sabemos que as proteínas são essenciais para o correto funcionamento das células e de todo o organismo. A falta de uma proteína ou a presença de uma proteína defeituosa pode ser a responsável por inúmeras doenças como, por exemplo, anemia falciforme ou tirosinemia. Mas qual é a relação do DNA com essas doenças? É que ele, por meio dos processos de transcrição e tradução, comanda a formação das proteínas. A ausência de um gene específico acarreta a não produção da proteína ou a mutação desse gene acarreta a produção de uma proteína não funcional. Tanto o sequenciamento quanto reações baseadas em PCR ou hibridação molecular podem ser usados para se fazer o diagnóstico de doenças moleculares. No caso do sequenciamento, a sequência de DNA de um indivíduo portador da doença pode ser comparada com a sequência de indivíduos normais ou com a sequência de banco de dados. Conhecendo a sequência do gene causador da doença, é possível também desenvolver primers para a amplificação total ou parcial do gene por PCR e também a clivagem por enzimas de restrição. Imagine uma doença X, cuja mutação causadora já seja bem descrita. Nesse caso, é possível coletar uma amostra de sangue de um paciente e extrair o DNA, processá-lo com enzimas de restrição e comparar o resultado dos fragmentos em gel de agarose com o de um indivíduo normal. O indivíduo doente possui uma mutação no sítio de restrição da enzima e, portanto, não sofre clivagem; já o indivíduo normal não tem essa mutação e a clivagem ocorre normalmente, gerando um fragmento específico. Ao comparar os géis de agarose de ambos pacientes, o indivíduo normal irá ter uma banda correspondente ao fragmento gerado, enquanto o indivíduo doente não terá essa banda. 5.3 DIAGNÓSTICO DE DOENÇAS INFECCIOSAS A maioria das doenças infecciosas, como por exemplo a covid-19 ou a tuberculose, são causadas por patógenos que já possuem seu genoma bem descrito em bancos de dados. Conhecendo-se o genoma de uma espécie, é possível selecionar alguns genes de interesse e desenhar primers específicos para determinados fragmentos de DNA. Quando se suspeita da infecção por esse patógeno, materiais biológicos adequados devem ser coletados (no caso da covid- 19, são amostras de naso e orofaringe, e no caso da tuberculose, é escarro pulmonar) e a presença do material genético desses patógenos pode ser avaliada por técnicas baseadas em PCR. Além disso, a PCR permite identificar variantes desses patógenos, bem como a possível resistência a antibióticos no caso de bactérias. A PCR em tempo real é o método que mais tem sido utilizado para a quantificação de diferentes agentes infecciosos, permitindo a obtenção de resultados sensíveis e precisos. NA PRÁTICA Em tempos de pandemia, muito tem se falado sobre os testes para a detecção do coronavírus. Mas e você, sabe a diferença entre eles? Sabe quando aplicar e quando indicar cada um deles? Existem dois tipos principais de testes: o sorológico e o PCR. O teste sorológico consiste na detecção de anticorpos contra o Sars-CoV-2 no sangue dos pacientes. Ou seja, esse teste detecta se uma pessoa já teve contato com o vírus no passado e, portanto, desenvolveu memória imune. É indicado para pesquisas epidemiológicas, para saber se a pessoa teve ou não o vírus, mesmo tendo sido assintomático. O teste de RT-PCR é feito através de um swab nasal. Nesse caso, coletam-se amostras na naso e orofaringe que são processadas pela técnica de RT-PCR, já que o coronavírus é um vírus de RNA. Essa técnica permite a identificação do material genético do vírus, indicando se uma pessoa está ou não contaminada pelo Sars-CoV-2 naquele exato momento. Por detectar o material genético do vírus, esse teste é chamado de detecção de antígeno (diferentemente do teste sorológico, que é de detecção de anticorpo). É indicado quando há suspeita clínica de que os sintomas que um paciente apresenta sejam devido ao vírus. FINALIZANDO O passo essencial para o estudo do DNA/RNA é sua obtenção a partir de amostras biológicas. Essa obtenção depende de um protocolo de extração, que deve ser adequado ao tipo de material genético (se DNA ou RNA) e compatível com a realidade de cada laboratório. Uma vez obtido, esse material serve para uma gama de análises experimentais. Na aula anterior, vimos como extrair esse DNA e algumas técnicas para processá-lo e analisá-lo, como o processamento por enzimas de restrição e técnicas de hibridização. Nesta aula, vimos o uso de DNA para sequenciar o genoma de uma espécie, técnicas de amplificação de fragmentos de DNA obtidos por enzimas de restrição e técnicas de análises de marcadores moleculares. Por fim, encerramos nosso estudo sobre os ácidos nucleicos falando de algumas aplicações possíveis de todas essas análises no dia a dia do biomédico. Na terceira e última aula deste módulo do curso de Biotecnologia e Bioinformática, abordaremos as técnicas de manipulação e análise de proteínas. REFERÊNCIAS ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 4. ed. São Paulo: Artmed, 2004. AZEVEDO, M. de O. et al. Técnicas básicas em biologia molecular. Brasília: Editora UnB, 2003. BROWN, T. A. Clonagem gênica e análise de DNA: uma introdução. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003. COX, M. M.; DOUDNA, J. A.; O’DONNELL, M. Biologia molecular: princípios e técnicas. Porto Alegre: Artmed, 2012. FARAH, S. B. DNA: segredos e mistérios. 2. ed. São Paulo: Savier, 2000. HAUSMANN, R. História da biologia molecular. 2. ed. Ribeirão Preto: Funpec–RP, 2002. KLUG, W. S. et al. Conceitos de genética. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. KREUZER, H.; MASSEY, A. Engenharia genética e biotecnologia. Porto Alegre: Artmed, 2002. MICKLOS, D. A.; FREYER, G. A.; CROTTY, D. A. A ciência do DNA. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. RUMJANEK, F. D. Introdução à biologia molecular. Rio de Janeiro: Âmbito Cultural, 2001. ZAHA, A.; FERREIRA, H. B.; PASSAGLIA, L. M. P. Biologia molecular básica. 3. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2003. BIOTECNOLOGIA E BIOINFORMÁTICA AULA 3 Profª Daniele Dietrich Moura Costa CONVERSA INICIAL Até agora, tínhamos estudado os ácidos nucleicos, como extraí-los e analisá-los. É sabido que o DNA é um repositório quase que estático de informação genética, exceto pela ocorrência de algumas mutações. Como então que esse repositório é capaz de comandar diversas funções celulares? A resposta está no Dogma Central da Biologia Molecular, segundo o qual o DNA é transcrito em RNA e este é traduzido em proteínas. As proteínas são as grandes efetoras das células; são elas que catalisam reações, têm funções estruturais, funções imunológicas, conferem características fenotípicas e uma gama de outras funções já conhecidas por você aluno. Uma proteína é formada basicamente por uma estrutura linear de aminoácidos ligados entre si por ligações peptídicas. Esses aminoácidos se organizamno espaço conferindo uma estrutura tridimensional às proteínas que, em última instância, é essencial para o funcionamento correto das mesmas. A Biotecnologia, ao trabalhar com proteínas, deve primeiramente ser capaz de removê-las das células e isolá-las, sendo esses procedimentos conhecidos como lise celular e purificação/extração proteica respectivamente. Outra meta é descobrir a sequência de aminoácidos e como essa sequência interfere na conformação espacial da proteína, conhecimento que pode ser obtido por meio do sequenciamento de aminoácidos e de espectrometria de massa. Além disso, técnicas como SDS-PAGE (uni ou bidimensional) associadas a Western Blot podem separar e identificar alvos proteicos com precisão por meio de imunoensaios. Por fim, técnicas como a cristalografia de raios X e a ressonância magnética nuclear permitem identificar a estrutura tridimensional dessas moléculas. Ao longo desta aula, descreveremos cada uma dessas técnicas e suas aplicações para o biomédico. TEMA 1 – TÉCNICAS DE SEPARAÇÃO E PURIFICAÇÃO DE PROTEÍNAS 1.1 RECONHECIMENTO E EXTRAÇÃO PROTEICA Cada célula possui em sua composição bioquímica básica ácidos nucleicos, lipídeos, carboidratos e proteínas. O genoma humano contém mais de 3 milhões de pares de bases e cerca de 40.000 genes descritos. No entanto, a quantidade de proteínas pode ser muito superior à de genes devido à possibilidade de modificações pós-transcricionais e pós-traducionais. Cada célula é composta exatamente pelo mesmo DNA, logo o que difere entre um neurônio e um miócito são as proteínas que esses tipos celulares são capazes de expressar. De fato, uma célula expressa uma gama enorme de proteínas. Como então reconhecer uma proteína de interesse? Diversos ensaios bioquímicos permitem reconhecer proteínas específicas por meio de suas propriedades intrínsecas. Por exemplo, para uma proteína com função enzimática, um ensaio que meça a conversão de reagentes em substratos pode ser uma boa opção para reconhecer esta proteína. A partir do momento em que já temos certeza que a proteína de nosso interesse está presente em uma amostra ou tipo celular, é necessário agora remover essa proteína das células, num processo conhecido como lise celular. A lise permite que as proteínas sejam liberadas das células para que então sejam purificadas. Inicialmente, as células podem ser rompidas por homogeneização mecânica ou por sonicação utilizando-se um tampão adequado. Esse tampão deve conter detergentes capazes de solubilizar os lipídeos de membrana, inibidores de proteases que impeçam essas enzimas de degradar as proteínas da amostra e um regulador de pH a fim de manter as proteínas estáveis em solução. Além disso, a temperatura de manuseio das amostras deve ser mantida sempre baixa, a fim de se evitar a desnaturação proteica. O homogenato celular corresponde a uma sopa de proteínas e restos celulares que deve então ser centrifugado. O pellet resultante contém restos celulares, enquanto o sobrenadante contém as proteínas e deve ser separado para um novo tubo. Etapas adicionais de centrifugação em diferentes velocidades podem ser realizadas a fim de se removerem outros componentes como ácidos nucléicos e lipídeos. 1.2 PURIFICAÇÃO PROTEICA A purificação de uma proteína é o primeiro passo essencial para que se possa estudar sua estrutura e função. Diversas técnicas podem ser aplicadas para essa finalidade, e as proteínas podem ser separadas com base na sua solubilidade, carga, tamanho e ligação com outras moléculas. Em geral, ocorre a associação de técnicas com o intuito de se obter uma amostra mais pura da proteína de interesse. 1.2.1 Salting out Salting out faz referência ao fato de a maioria das proteínas serem insolúveis em altas quantidades de sal. Cada proteína específica sofre precipitação em uma quantidade de sal diferente, logo é possível usar concentrações salinas específicas para promover a precipitação de proteínas de interesse. O sal mais usado é o sulfato de amônio, o qual é adicionado à solução de macromoléculas até uma concentração bem próxima do ponto de precipitação da proteína de interesse. Após a centrifugação, as proteínas precipitadas e não desejadas são descartadas e mais sal é adicionado ao sobrenadante até uma concentração suficiente para precipitar a proteína desejada. Após uma segunda centrifugação, a proteína é recuperada como precipitado e o sobrenadante é descartado. Observe, na Figura 1, as etapas da purificação de proteínas por salting out. O primeiro tubo contém a solução contendo a proteína de interesse (proteína alvo em verde), demais proteínas e sal. No segundo tubo, as proteínas que não eram alvo da reação sofreram precipitação devido à alta concentração de sal. No terceiro tubo, a proteína-alvo é precipitada por interações com outras concentrações salinas. Figura 1 – Salting out Crédito: Daniele Dietrich Moura Costa. 1.2.2 Diálise A diálise é uma técnica que permite separar proteínas de acordo com seus tamanhos. Uma membrana semipermeável porosa específica, chamada de membrana de diálise (ou saco de diálise), é utilizada nesse processo. Cada membrana possui uma porosidade de um tamanho específico. As proteínas são colocadas no interior do saco de diálise; proteínas com diâmetro inferior ao poro irão atravessar a membrana, enquanto proteínas com diâmetro superior ao poro ficarão retidas dentro do saco de diálise. Essa técnica é ótima para a remoção de pequenas moléculas contaminantes como sais ou separar proteínas muito pequenas, mas sozinha não é o ideal para a separação de moléculas maiores. Observe, na Figura 2, a purificação por diálise. As proteínas (em verde e amarelo) são colocadas no interior de um saco de diálise (em vermelho). O poro da membrana permite a passagem apenas das proteínas em amarelo. Após algum tempo, as proteínas em amarelo podem ser encontradas na solução, enquanto as proteínas em verde são mantidas dentro do saco de diálise. Figura 2 – Diálise Crédito: Daniele Dietrich Moura Costa. 1.2.3 Cromatografia de filtração em gel As técnicas cromatográficas se baseiam em preencher uma coluna com um polímero, sendo que as características do polímero irão determinar o tipo de cromatografia e a forma de separação da proteína. Na maioria dos procedimentos cromatográficos, a mistura de proteínas a ser fracionada é dissolvida em um líquido (a fase “móvel”), e esse líquido é passado através de uma coluna contendo uma matriz sólida e porosa (a fase “estacionária” ou polímero). À medida que os solutos fluem pela coluna, eles interagem com a fase estacionária e sua eluição (liberação da coluna) é retardada. Esse retardamento depende das propriedades de cada soluto. A cromatografia de filtração em gel é chamada também de peneiramento molecular ou exclusão molecular e se baseia na separação de proteínas de acordo com seu tamanho molecular em uma coluna de polímeros porosos. Primeiramente, a coluna é preenchida por um polímero adequado, e na sequência, as amostras contendo as proteínas de interesse são colocadas no topo dessa coluna. As moléculas menores são capazes de entrar dentro dos polímeros, enquanto as grandes ficam na solução ao redor do polímero. Considerando-se que o procedimento está ocorrendo dentro de um tubo de vidro que forma uma coluna, as moléculas maiores irão passar mais rápido por entre os polímeros e sairão primeiramente da coluna de fracionamento, em sua parte inferior; enquanto as moléculas menores que ficarem presas dentro do polímero irão migrar mais lentamente pela coluna, demorando mais para sair dela. Observe, na figura a seguir, um esquema geral de como ocorre a cromatografia em coluna. Dentro da coluna de vidro, são adicionadas a fase móvel ou líquida, que contém as proteínas (representadas por azul, vermelho e verde), e a fase sólida que contém os polímeros. A proteína em verde tem maior massa molecular e, portanto, menor interação com o polímero, sendo liberada da coluna mais facilmente. Jáa proteína em azul possui pequena massa molecular e interage fortemente com os poros do polímero, tendo sua migração retardada ao longo da coluna, sendo a última a ser eluída. Figura 3 – Cromatografia Crédito: DariaRen/Shutterstock. 1.2.4 Cromatografia de troca iônica É um método de separação baseado na carga iônica da proteína. Proteínas com cargas positivas podem ser purificadas utilizando-se colunas de cromatografia contendo polímeros de cargas negativas; já proteínas de cargas negativas podem ser purificadas utilizando-se polímeros de cargas positivas. A solução contendo inúmeras proteínas é colocada em contato com o polímero da coluna. As proteínas de carga oposta ao polímero irão ficar ligadas a ele, enquanto as de mesma carga serão lavadas da coluna. Posteriormente, as proteínas ligadas podem ser eluídas (liberadas) do polímero com o uso de tampões contendo altas concentrações de sais que desfazem a interação proteína- polímero. 1.2.5 Cromatografia de afinidade Esta técnica se baseia na alta afinidade que algumas proteínas possuem por grupamentos químicos ou moléculas específicas. Por exemplo, se eu desejo isolar uma proteína que atua como um fator de transcrição de um dado gene, basta que eu acople esse gene ao polímero e realize a reação. O fator de transcrição, por ter afinidade pelo gene, ficará ligado a ele na coluna, enquanto as demais proteínas passam direto pela coluna sem interagir com o gene e o polímero. Posteriormente o fator de transcrição é eluído da coluna através do uso de tampões de eluição, contendo altas concentrações de sais. Ainda é possível utilizar um anticorpo específico para a proteína. Nesse caso, o anticorpo é ligado ao polímero e ele realiza a captura das proteínas-alvo da solução. Na Figura 4 a seguir, observe os tipos de cromatografia. Na primeira imagem à esquerda, está representada uma cromatografia por gel filtração, na qual as proteínas de tamanho compatível ficam aderidas aos poros do polímero. Na imagem do meio, está representada a cromatografia por afinidade iônica, na qual proteínas de cargas positivas (em vermelho) ficam aderidas ao polímero de cargas negativas. Na última imagem à direita, está representada a cromatografia por afinidade, na qual anticorpos específicos são aderidos ao polímero e realizam a captura da proteína de interesse. Figura 4 – Tipos de cromatografia Crédito: Art of Science/Shutterstock. 1.2.6 Cromatografia líquida de alta pressão Esta técnica, chamada de HPLC (high pressure liquid cromatography), é utilizada para melhorar a qualidade e o rendimento de todos os tipos de cromatografia descritos anteriormente. Nessa técnica, os polímeros que compõem a coluna são finamente divididos e há mais pontos de inserção para a proteína, aumentando o poder de resolução da técnica. Como o material do polímero possui granulometria mais fina, é necessário a aplicação de altas pressões para se manter o fluxo de solução através da coluna. TEMA 2 – SEQUENCIAMENTO DE AMINOÁCIDOS Após a purificação de uma proteína, sua sequência primária de aminoácidos pode ser determinada. A chave do sequenciamento é dividir a proteína em pequenos fragmentos menores para que estes possam ser sequenciados e então unidos com auxílio da bioinformática. As informações sobre a sequência primária (ou seja, a sequência linear de aminoácidos) de uma proteína são essenciais para a compreensão de suas propriedades funcionais, para a sua identificação, assim como para a caracterização de proteínas mutadas que causam doenças. Conheça, na Figura 5, a estrutura das proteínas. As proteínas possuem uma conformação primária que corresponde à sua sequência linear de aminoácidos. Essa sequência pode ser determinada por técnicas como a reação de Edman ou por espectrometria de massa. As proteínas se enovelam adquirindo uma conformação terciária que é essencial para o funcionamento das proteínas. Essa conformação terciária pode ser estudada por técnicas como a ressonância magnética nuclear e a cristalografia de raios X. Figura 5 – Estrutura das proteínas Crédito: N.Vinoth Narasingam/Shutterstock. 2.1 REAÇÃO DE EDMAN O procedimento de degradação de Edman marca e remove apenas o resíduo aminoterminal de um peptídeo, deixando todas as outras ligações peptídicas intactas. Essa reação consiste em identificar de forma sequencial o aminoácido amino-terminal de uma cadeia polipeptídica. Nesse procedimento, Pehr Edman estabeleceu um método de marcação do aminoácido amino-terminal e clivagem deste sem romper as ligações peptídicas com os demais aminoácidos. Nessa reação, utiliza-se o isotiocianato de fenila que reage com a amina-terminal neutra desse grupamento formando o radical feniltiocarbamida. Com isso, libera-se um derivado cíclico do aminoácido amino- terminal deixando o restante da proteína intacta. Esse derivado cíclico pode ser identificado cromatograficamente. O método de Edman pode ser repetido a cada peptídeo encurtado, produzindo um novo derivado cíclico a cada etapa da reação, permitindo assim a identificação sequencial de todos os aminoácidos que compõem a proteína. Um ciclo de degradação de Edman é composto pela clivagem de um aminoácido e sua posterior identificação e demora cerca de 1 hora. As degradações repetidas permitem a identificação da sequência de aminoácidos de uma proteína. Em teoria, qualquer proteína poderia ser sequenciada por essa técnica, o que na prática não se demonstrou verdadeiro, pois a etapa de liberação do composto cíclico não tem eficiência de 100% e nem sempre o aminoácido amino-terminal libera o composto cíclico. Além disso, o tempo gasto em cada etapa da reação tornaria o sequenciamento de proteínas muito grandes extremamente demorado. A técnica de degradação de Edman tem interesse, basicamente, histórico. A espectrometria de massas costuma ser mais empregada atualmente para a obtenção simultânea da massa molecular e da sequência dos polipeptídios. Ambas as técnicas podem ser aplicadas diretamente às proteínas ou aos peptídeos recuperados da SDS-PAGE ou da eletroforese bidimensional em gel (IEF + SDS-PAGE). 2.2 SEQUENCIAMENTO USANDO ESPECTROMETRIA DE MASSA Inicialmente a proteína de interesse, que já foi previamente purificada, deve ser digerida em fragmentos menores com o uso de uma protease, em geral a tripsina. Lembrando que uma protease é uma enzima capaz de clivar as ligações peptídicas, logo irá clivar a proteína (que é um polipeptídeo) em fragmentos menores (pequenos peptídeos). A tripsina cliva especificamente a cadeia de peptídeos na região carboxílica ao lado de lisinas e argininas. Antes de sua digestão, as proteínas são tratadas com agentes desnaturantes (por exemplo o iodoacetato) que promovem a redução das pontes dissulfeto. Os fragmentos peptídicos são separados por cromatografia e cada fração do eluato é submetida separadamente à espectrometria de massa, que permitirá identificar quais são os aminoácidos constituintes daquele fragmento. Mas ainda resta uma dúvida: como ordenar os fragmentos peptídicos para obter a estrutura primária da proteína original? Isso é feito utilizando-se a técnica da superposição de peptídeos. Nessa técnica, a proteína purificada é tratada com uma outra protease, por exemplo a quimiotripsina, que cliva os peptídeos ao lado de aminoácidos de cadeia lateral cíclica. Os peptídeos originados pela quimiotripsina se superpõem aos peptídeos gerados pela tripsina, permitindo que sejam sobrepostos com o auxílio de um computador, permitindo o ordenamento destes. Figura 6 – Sobreposição e ordenamento de sequências peptídicas identificadas por espectrometria de massa Crédito: Daniele Dietrich Moura Costa. TEMA 3 – SDS-PAGE E WESTERN BLOT 3.1 SDS-PAGE A eletroforese em gel de poliacrilamida contendo dodecil sulfato de sódio (do inglês Sodium Dodecyl Sulfate Poliacrylamide Gel Electroforesis) é uma técnica que permite a separação de proteínas de acordo com sua massa molecular. Nessa técnica, as proteínas são preparadasem um tampão contendo SDS (dodecyl sulfato de sódio), um reagente que confere cargas negativas às proteínas. A separação eletroforética é executada em um gel que serve de peneira molecular, acentuando a separação. Quando submetidas a um campo elétrico, essas proteínas carregadas negativamente irão migrar em direção ao polo positivo. A migração acontece através da malha porosa de um gel de poliacrilamida (um polímero de acrilamida e bisacrilamida). As proteínas menores migram mais facilmente por esse gel, ocupando posições inferiores neste ao final da corrida eletroforética. Já as proteínas maiores têm maior dificuldade em passar pelos poros da malha do gel, ocupando posições superiores no gel ao final da corrida eletroforética. Moléculas de tamanho e carga semelhantes movem-se como uma banda única no gel. Além do SDS, as proteínas são tratadas também com um agente tiolíco, o beta mercaptoetanol, que desnatura as pontes dissulfeto das proteínas, conferindo uma conformação linear a elas. A conformação linear é essencial para que moléculas de mesma carga e massa molecular migrem igualmente, sem “entalar” nos poros do gel. Após a eletroforese, as bandas separadas podem ser visualizadas por uma técnica apropriada, como mergulhar o gel em uma solução de um corante que se liga fortemente às proteínas, sendo os mais utilizados o Comassie Blue e a prata. A prata é mais indicada para a detecção de proteínas presentes em menores concentrações na amostra (cerca de 0,02 µg), enquanto o Comassie Blue detecta proteína na ordem de 0,1 µg. A técnica de eletroforese seguida de coloração é tão precisa que permite que proteínas com diferenças em torno de 10 aminoácidos (o que corresponde a 40 KDa) possam ser distinguidas após uma corrida eletroforética. Observe, na Figura 7, o aparato de eletroforese ligado a uma fonte elétrica que cria um campo elétrico com um polo negativo acima e um positivo abaixo. Figura 7 – Aparato de eletroforese Crédito: WhiteDragon/Shutterstock. Na figura a seguir, a imagem à esquerda demonstra a aplicação das amostras nos poços do gel com o auxílio de uma micropipeta. À direita o resultado final da corrida eletroforética, com as proteínas menores ocupando posições inferiores e as maiores ocupando posições superiores. Figura 8 – Corrida eletroforética Crédito: Tali Lavy/Shutterstock. 3.2 WESTERN BLOT As diferentes técnicas de imunoensaios se baseiam no uso de anticorpos que reconhecem especificamente uma proteína de interesse (proteína-alvo). Esse tipo de ensaio é fundamental para identificar alvos moleculares, como por exemplo proteínas relacionadas ao câncer, bem como para entender as funções de uma proteína em seu contexto fisiológico. Se um anticorpo para uma proteína específica estiver à disposição, ele poderá ser usado para detectar de forma precisa a proteína separada anteriormente por SDS-PAGE na presença de muitas outras proteínas, em processo conhecido como immunoblot ou Western Blot. Nessa técnica, inicialmente as proteínas do gel devem ser transferidas para uma membrana de nitrocelulose. Isso porque o gel é poroso e não permite que as reações com anticorpos sejam realizadas sobre ele. Uma vez na membrana, utiliza-se um anticorpo específico para se ligar à proteína de interesse; esse anticorpo é denominado de primário. Como podem ocorrer ligações inespecíficas mais fracas, a membrana deve ser lavada com tampão, para que os anticorpos ligados inespecificamente se desliguem. Ao final das lavagens, apenas os anticorpos primários ligados especificamente às proteínas de interesse permanecem ligados. Para que a reação seja evidenciada, é necessária a utilização de um anticorpo secundário. Esse segundo anticorpo possui duas características essenciais: ele reconhece especificamente o anticorpo primário (mas não reconhece a proteína-alvo) e possui em sua região FC uma enzima capaz de emitir luminosidade quando fornecido o substrato adequado. O anticorpo secundário se liga ao primário e, ao se fornecer o substrato específico, todos os secundários irão emitir uma luminosidade que pode ser captada por meio de filmes fotográficos. A luminosidade será emitida especificamente para onde os anticorpos primários reconheceram e se ligaram à proteína de interesse, evidenciando a presença da mesma na amostra. Observe, na Figura 9, a reação de Western Blot (ou immunoblot). Em 1, as proteínas de interesse (em laranja) ligadas à membrana de nitrocelulose. Em 2, anticorpos primários específicos (em azul claro) reconhecem a proteína-alvo. Em 3, anticorpos secundários (em roxo) reconhecem os anticorpos primários. Observe que os anticorpos secundários possuem uma enzima (em verde) acoplada a sua região FC. Em 4, o substrato enzimático é fornecido e a reação emite um sinal que pode ser detectado. Figura 9 – Western Blot Crédito: Soleil Nordic/Shutterstock. TEMA 4 – ELETROFORESE BIDIMENSIONAL E ESPECTROMETRIA DE MASSA 4.1 ELETROFORESE BIDIMENSIONAL A eletroforese bidimensional consiste em uma etapa de focalização isoelétrica seguida de uma etapa de SDS-PAGE convencional. A combinação dessas duas técnicas permite separar com maior precisão as proteínas de uma amostra. A focalização isoelétrica consiste na separação das proteínas de uma amostra baseadas no seu conteúdo de radicais ácidos e básicos. O ponto isoelétrico (pI) de uma proteína é o pH no qual o balanço de cargas positivas e negativas é nulo. Uma dada proteína migra ao longo de um gradiente de pH até atingir seu pI. A focalização isoelétrica permite separar proteínas com diferenças em seus pIs de 0,01, ou seja, proteínas com apenas uma carga de diferença podem ser distinguidas por essa técnica. A focalização ocorre sobre uma fita contendo um gradiente de pH. Posteriormente à focalização, a fita de pH contendo as amostras focalizadas é colocada no topo de um gel de poliacrilamida. Nessa segunda etapa, as proteínas (que foram primeiramente separadas de acordo com seus pontos isoelétricos) serão separadas de acordo com suas massas moleculares. Esta técnica é denominada de bidimensional, pois as proteínas são separadas em duas dimensões perpendiculares entre si: a do ponto isoelétrico (horizontal) e a das massas moleculares (vertical). Isso permite altíssima precisão, dado que duas proteínas não possuem a mesma massa molecular e o mesmo ponto isoelétrico simultaneamente. Observe na Figura 10, a seguir, à esquerda, a fita contendo um gradiente de pH sobre o qual ocorre a focalização isoelétrica. Após a focalização, a fita de pH contendo as amostras de proteínas focalizadas em seus devidos pIs é colocada em contato com o gel de poliacrilamida (à direita). Ao final da corrida eletroforética, cada spot (mancha) representa uma proteína diferente. Figura 10 – Eletroforese bidimensional Crédito: Art of Science/Shutterstock. 4.2 ESPECTROMETRIA DE MASSA A eletroforese em gel bidimensional é uma valiosa ferramenta para o estudo do proteoma, que é definido como o conjunto completo de proteínas produzidas por um genoma em particular, sendo que seu campo de estudo envolve a catalogação de todas as proteínas expressas em uma célula, com ênfase em sua quantificação, localização, modificações, interações e atividades. As proteínas são extraídas e submetidas à eletroforese bidimensional em gel de poliacrilamida (2D-PAGE) formando spots proteicos nos quais cada proteína foi separada conforme sua massa molecular e seu ponto isoelétrico. Cada spot proteico selecionado é identificado por coloração, e a proteína correspondente a esse spot é então extraída do gel com o auxílio de um bisturi e digerida com proteases, gerando inúmeros peptídeos. Os pequenos peptídeos oriundos da digestão são sequenciados por meio da espectrometria de massas, o que possibilita a identificação da proteína. A espectrometria de massa é uma técnica capaz de detectar com precisão a massa de substâncias voláteis, mas como sabemos, as proteínas não são voláteis. Esse problema foi resolvido com o
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