Prévia do material em texto
R ep ro d uç ão p ro ib id a. A rt .1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 60 U n id a d e A • A n at u re za d a v id a Hipótese heterotrófica Há algumas décadas, a hipótese mais aceita sobre o modo de nutrição dos primeiros seres vivos era a hipótese heterotrófica. De acordo com essa hipótese, a fonte de alimento dos primeiros seres seria constituída de moléculas orgânicas produzidas de modo abiogênico e acumuladas nos mares e lagos primitivos. O principal argumento em favor dessa ideia é que os primeiros seres vivos, por serem muito simples, ainda não teriam desenvolvido a capacidade de produzir substâncias alimentares e seriam, portanto, heterotróficos, alimentando-se de substâncias orgânicas disponíveis no meio. Esses primitivos seres heterotróficos deviam extrair energia das moléculas nutritivas por meio de processos bioquímicos relativamente simples como a fermentação, por exemplo, realizada atualmente por certas bactérias e fungos. Na fermentação, moléculas orgânicas são quebradas e originam compostos orgânicos mais simples, liberando energia, utilizada para suprir os gastos do metabolismo. Um dos tipos de fermentação bem conhecido é a fermentação alcoólica da glicose, em que esse açúcar é transformado em álcool etílico (etanol) e gás carbônico, segundo a equação: 1 C6H12O6 ( 2 C2H5OH 1 2 CO2 1 Energia Glicose Etanol Gás carbônico Os defensores da hipótese heterotrófica admitem que, com o passar do tempo, a fonte de alimento diminuiria, principalmente devido ao aumento de consumo pela população crescente de seres heterotróficos. Supõe-se que, nessa época, algumas linhagens daqueles seres pioneiros já teriam evoluído a ponto de captar energia luminosa do Sol e empregá-la para produzir molé- culas orgânicas, utilizadas como alimento. Essas linhagens originariam os seres autotróficos fotossintetizantes. Hipótese autotrófica Atualmente, a hipótese mais aceita sobre o modo de nutrição dos primeiros seres vivos é a hipótese autotrófica. Seus defensores argumentam que na Terra primitiva não haveria molé- culas orgânicas em quantidade suficiente para sustentar a multiplicação dos primeiros seres vivos até o surgimento da fotossíntese. Os primeiros seres vivos, de acordo com essa hipótese, seriam quimiolitoautotróficos (do grego litós, rocha), isto é, produziriam suas próprias substâncias alimentares pelo aproveitamento da energia liberada por reações químicas entre componentes inorgânicos da crosta terrestre. Uma possibilidade é que eles utilizassem compostos de ferro e de enxofre (por exemplo, FeS e H2S), supostamente abundantes na Terra primitiva. Essa ideia tem se consolidado devido à descoberta de microrganismos chamados arqueas, alguns dos quais vivem em ambientes inóspitos como fontes de água quente e vulcões submarinos, onde há liberação contínua de gás sulfídrico (H2S). Essas arqueas obtêm energia a partir de reações químicas como a mostrada a seguir: FeS 1 H2S ( FeS2 1 H2 1 Energia Sulfeto Sulfeto de Dissulfeto Gás de ferro hidrogênio de ferro hidrogênio (gás sulfídrico) Segundo a hipótese autotrófica, a partir dos primeiros seres quimiolitoautotróficos teriam surgido os outros tipos de seres vivos, primeiro os que realizam fermentação, depois os fotos- sintetizantes e, por fim, os que respiram gás oxigênio (aeróbios). Origem da fotossíntese Um passo importante na história da vida na Terra foi o aparecimento da fotossíntese. Esse processo, atualmente realizado por algas, plantas e certas bactérias, consiste na produção de substâncias energéticas alimentares (geralmente glicídios) a partir de substâncias inorgânicas simples como água (H2O) e gás carbônico (CO2), utilizando luz como fonte de energia. Além de produzir glicídios, a maioria dos seres autotróficos atuais também produz gás oxigênio (O2), liberado para o ambiente. 0 4 3 2 1 0 5 10 15 20 O xi gê n io a tm o sf ér ic o (% ) Tempo passado (bilhões de anos) R ep ro d uç ão p ro ib id a. A rt .1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 61 C a p ít u lo 2 • O ri g e m d a v id a n a T e rr a AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS O holocausto do gás oxigênio Acredita-se que, no início, os reagentes para a fotossíntese eram gás carbônico (CO2) e sul- feto de hidrogênio (H2S). Ainda hoje, algumas espécies de bactéria, as sulfobactérias, realizam fotossíntese utilizando esses dois ingredientes, como se pode ver na equação a seguir: 6 CO2 1 12 H2S 1 Energia luminosa ( C6H12O6 1 6 S2 1 6 H2O Gás Sulfeto de Glicose Enxofre Água carbônico hidrogênio As primeiras bactérias fotossintetizantes capazes de utilizar água (H2O) em lugar de gás sulfídrico (H2S) teriam surgido há pouco menos de 3 bilhões de anos; a abundância de água na Terra permitiu que essas bactérias se espalhassem por todo o planeta. As bactérias fotossinte- tizantes pioneiras teriam sido ancestrais das cianobactérias atuais, que realizam o processo de fotossíntese mostrado na seguinte equação geral: 6 CO2 1 12 H2O 1 Energia luminosa ( C6H12O6 1 6 O2 1 6 H2O Gás Água Glicose Gás Água carbônico oxigênio A capacidade de utilizar substâncias simples e energia da luz solar permitiu que as bacté- rias fotossintetizantes primitivas invadissem os mares e todos os ambientes úmidos do planeta. A proliferação foi tanta que o gás oxigênio liberado por essas bactérias teria alterado significativamente a composição da atmosfera terrestre. A partir de 2,5 bilhões de anos atrás, a concentração de gás oxigênio, praticamente inexistente até então, aumentou progressivamente até atingir a porcentagem atual, em torno de 21%. (Fig. 2.13) Figura 2.13 Gráfico que mostra a variação da porcentagem de gás oxigênio (O2) na atmosfera da Terra desde sua formação. No início, a atmosfera terrestre tinha pouco O2, que era produzido principalmente pela decomposição de moléculas de água sob ação da radiação ultravioleta do Sol. A quantidade de O2 atmosférico aumentou exponencialmente devido ao aparecimento de seres fotossintetizantes. Fonte: Vieyra e Souza-Barros, em O que é vida? de El-Hani e Videira (Orgs.). O gás oxigênio liberado na atmosfera devido à explosão populacional dos seres fotossintetizantes pro- vavelmente causou grande impacto ambiental. Muitos metais foram oxidados, formando compostos que se alojaram no fundo de mares e rios e originaram os depósitos de minérios, como a hematita e a pirita, hoje explorados pela humanidade. Ao reagir com compostos orgânicos, o gás oxigênio provocaria sua degradação. Os cientistas acreditam que hoje seria impossível o surgimento da vida como ocorreu no passado, devido à grande concentração de gás oxigênio na atmosfera: ele provocaria a oxidação imediata das substâncias essenciais ao processo da vida, destruindo-as. Segundo a bióloga Lynn Margulis (n. 1938), o gás oxigênio, precioso nos dias atuais, foi um terrível poluente atmosférico para a maioria dos seres que habitavam o planeta há aproximadamente 2 bilhões de anos. Os seres que ainda não haviam desenvolvido processos para se proteger dos efei- tos nocivos do gás oxigênio extinguiram-se. Hoje, todos os seres vivos (exceto bactérias anaeróbias obrigatórias) têm eficientes mecanismos quími- cos de proteção contra os efeitos oxidantes do gás oxigênio. A suposta mortandade causada pela presença do gás oxigênio na atmosfera foi, de acordo com Margulis, um “holocausto do oxigênio”. O termo holocausto vem do grego holókauston e refere-se a uma antiga forma de sacrifício em que a vítima era inteiramente queimada. R ep ro d uç ão p ro ib id a. A rt .1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 62 U n id a d e A • A n at u re za d a v id a Origem da respiração aeróbia A vida, que traz em sua essência a capacidade de se adaptar e se perpetuar,encontrou uma saída para o aumento do gás oxigênio na atmosfera. Os seres ancestrais das cianobactérias, além de desenvolverem sistemas químicos antioxidantes, passaram a aproveitar o poder oxidante do gás oxigênio para quebrar as moléculas orgânicas dos alimentos que elas mesmas produziam pela fotossíntese. A oxidação controlada das substâncias orgânicas utilizadas como alimento garantiria alta eficiência na obtenção de energia; surgia, assim, a respiração aeróbia, processo de obtenção de energia cuja equação simplificada é: C6H12O6 1 6 O2 ( 6 CO2 1 6 H2O 1 Energia Glicose Gás Gás Água oxigênio carbônico Note que a equação da respiração aeróbia é praticamente inversa à da fotossíntese. Assim, há cerca de 2 bilhões de anos, começou a se estabelecer, na Terra, um equilíbrio dinâmico entre fotossíntese e respiração aeróbia, que perdura até hoje. Na fotossíntese, gás carbônico e água são utilizados como reagentes e originam, como produtos, moléculas orgânicas e gás oxigênio (O2); na respiração aeróbia, moléculas orgânicas reagem com moléculas de gás oxigênio (O2) e originam, como produtos, água (H2O) e gás carbônico (CO2). (Fig. 2.14) Uma consequência da presença de gás oxigênio na atmosfera terrestre foi a formação de uma camada de gás ozônio (O3) na estratosfera, entre 12 e 50 quilômetros de altitude. O ozônio origina-se do gás oxigênio (O2) e bloqueia a passagem da maior parte da radiação ultravioleta proveniente do Sol, que teria efeito letal sobre os seres vivos. Antes do surgimento da camada de ozônio, a vida estava restrita aos ambientes protegidos de lagos e mares. Foi a filtração de radiação ultravioleta pela camada de ozônio atmosférica que deu aos seres vivos a possibilidade de colonizar ambientes de terra firme, expostos à luz solar. Energia luminosa do Sol Gás carbônico Água Fotossíntese, realizada por plantas, algas e bactérias Glicídios Gás oxigênio Respiração, realizada por animais, plantas, algas, fungos, protozoários e bactérias Figura 2.14 Representação esquemática do equilíbrio dinâmico entre a fotossíntese e a respiração aeróbia. Na fotossíntese, os reagentes gás carbônico (CO2) e água (H2O) originam glicídios e gás oxigênio (O2) como produtos. Na respiração aeróbia, ocorre o inverso: os reagentes são gás oxigênio (O2) e substâncias orgânicas e os produtos são gás carbônico (CO2) e água (H2O). (Representação sem escala, cores-fantasia.)