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Um sarau é o bocado mais delicioso que temos, de telhados abaixo. Em um sarau 
todo o mundo tem que fazer. O diplomata ajusta, com um copo de champanhe na 
mão, os mais intricados negócios; todos murmuram e não há quem deixe de ser 
murmurado. O velho lembra-se dos minuetes e das cantigas do seu tempo, e o moço 
goza todos os regalados da sua época; as moças são no sarau como as estrelas no 
Céu; estão no seu elemento: aqui uma, cantando suave cavatina [...]; daí a pouco 
vão outras, pelos braços de seus pares, se deslizando pela sala e marchando em seu 
passeio, [...] ao mesmo tempo que conversam sempre sobre objetos inocentes que 
movem olhaduras e risadinhas apreciáveis. [...] Finalmente, no sarau não é essencial 
ter cabeça nem boca, porque, para alguns é regra, durante ele, pensar pelos pés e 
falar pelos olhos.
E o mais é que nós estamos num sarau. Inúmeros batéis conduziram da corte 
para a ilha de... senhoras e senhores, recomendáveis por caráter e qualidade; alegre, 
numerosa e escolhida sociedade enche a grande casa, que brilha e mostra em toda 
a parte borbulhar o prazer e o bom gosto. [...]
MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. Rio de Janeiro: 
Lacerda, 1997. p. 194-195. (Fragmento). 
Uma cena como essa funciona quase como um “manual de boas ma-
neiras” para os membros da corte. O narrador informa sobre as conversas 
murmuradas, o olhar sonhador do senhor, o comportamento das mocinhas, 
chegando mesmo a destacar que “conversam sempre sobre objetos ino-
centes que movem olhaduras e risadinhas apreciáveis”. 
Quem já vivia no ambiente da corte reconhecia e aprovava o compor-
tamento das personagens. As jovens que se preparavam para entrar no 
mundo dos saraus e das festas, depois de lerem uma passagem como 
essa, aprenderiam qual era o comportamento esperado de uma boa moça 
em uma reunião social: conversar sobre generalidades inocentes, sorrir 
sempre, acompanhar seu par pelo salão... Essa é a feição da sociedade 
ideal (“senhoras e senhores, recomendáveis por caráter e qualidade”) em 
uma reunião prazerosa e de bom gosto, como assinala o narrador ao fim 
da cena. 
O romance urbano cumpria, assim, duas funções complementares. Dava 
representação literária à elite brasileira, por meio de personagens criadas 
à sua imagem e semelhança, e contribuía para a divulgação de valores 
importantes para uma sociedade em formação.
 STEWART, J. O baile. Óleo sobre tela, 60 3 40 cm.
Dois missionários meto-
distas em viagem pelo Brasil 
contam como era o compor-
tamento e as preferências 
de leitura das mulheres nas 
décadas de 1850 e 1860.
....................................................
As maneiras e os costumes 
das damas brasileiras são gentis, 
e seu porte gracioso. [...]. Suas 
reservas literárias consistem 
principalmente em novelas de 
Balzac, Eugênio Sue, Dumas, pai 
e filho, George Sand, em intrigas 
de pacotilhas e folhetins dos 
jornais. Assim elas se preparam 
para esposas e mães.
KIDDER, Daniel e FLETCHER, J. C. 
Apud: LAJOLO, Marisa; 
ZILBERMAN, Regina. A formação da 
leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 
1996. p. 244. (Fragmento).
....................................................
A última observação desta-
ca a importância pedagógica 
do romance romântico: as 
heroínas das histórias lidas 
tornavam-se os modelos para 
os papéis de esposa e mãe.
A ESTANTE DE
 ALMEIDA!JÚNIOR, J. 
A leitura. Detalhe. 1892. 
Óleo sobre tela, 95 3 141 cm.
Jovens do século XIX 
Minuetes: (plural de minuete) 
dança da aristocracia francesa.
Regalados: deleites.
Cavatina: pequena ária.
Olhaduras: espiadelas.
Batéis: barcos pequenos.
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Identidade e democratização cultural•	
O romance urbano, por meio da divulgação de perfis, espaços e compor-
tamentos reconhecidos, também investe na construção de uma identidade 
nacional. A consolidação dessa nacionalidade é componente fundamental 
de seu projeto literário e ocorre todas as vezes que um leitor se reconhece 
nas cenas que lê, porque os comportamentos das personagens mostram-se 
familiares. Se os brasileiros dos romances agiam socialmente de um modo 
semelhante ao desse leitor, então ele também era um brasileiro legítimo. 
Com uma estrutura mais simples e sem lançar mão de referências 
culturais sofisticadas (históricas, artísticas e/ou mitológicas), o romance 
romântico urbano contribui para a democratização da literatura, ampliando 
o seu alcance.
A linguagem do romance urbano: 
a sedução do leitor
A linguagem do romance romântico urbano é acessível, porém um aspecto 
merece atenção. É frequente o narrador estabelecer diálogo com um leitor 
específico, que pode ser um amigo ou um parente. Essa interlocução faz 
com que a história contada ganhe o aspecto de uma confidência trocada 
entre duas pessoas íntimas.
[...]
É coisa singular, minha prima! O amor que é insaciável e exigente e não se sa-
tisfaz com tudo quanto uma mulher pode dar, que deseja o impossível, às vezes 
contenta-se com um simples gozo d’alma, com uma dessas emoções delicadas, 
com um desses nadas, dos quais o coração faz um mundo novo e desconhecido.
Não pense, porém, que eu fui a Petrópolis só para contemplar com enlevo 
as janelas de um chalé; não; ao passo que sentia esse prazer, refletia no meio 
de vê-la e falar-lhe.
De olho no livro
O trágico amor de uma cortesã
A leitura de A dama das camélias apresenta um interessante retrato da 
moral burguesa, que acredita na transformação pelo amor, mas não a ponto 
de apagar o passado e as origens da apaixonada Marguerite. A obra foi adap-
tada para o teatro, para a ópera e, no Brasil, inspirou o romance Lucíola, de 
José de Alencar.
[...] encontrei você, jovem, ardente, feliz e tentei fazer de você o homem 
por quem clamara, do meio da minha ruidosa solidão. O que eu amava em 
você não era o homem que já existia, mas o que viria a existir. Você não 
aceita esse papel, rejeita-o como indigno de si; você é um amante vulgar. 
Faça como os outros, pague-me e não falemos mais nisso. 
[...]
— Perdão, perdão — murmurei [...]. Esqueçamos o resto e não nos 
lembremos senão de uma coisa: que pertencemos um ao outro, que somos 
jovens e que nos amamos. Marguerite, faça de mim o que quiser, sou seu 
escravo, seu cão. Mas, pelo amor de Deus, rasgue a carta que enviei e não 
me deixe partir amanhã. Eu morreria. [...]
DUMAS!FILHO, Alexandre. A dama das camélias. Tradução de Marina Guaspari. 
Rio de Janeiro: Ediouro. p. 124-125. (Fragmento).
 MUCHA, A. A dama das camélias. 
1896. Litografia, 207,3 3 72,2 cm.
Projeto literário do 
Romantismo: 
o romance urbano
Representação dos 
costumes da elite 
brasileira
Divulgação de valores 
morais
Consolidação da 
identidade nacional
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Mas como?...
Se soubesse todos os expedientes, cada qual mais extravagante, que inven-
tou a minha imaginação! Se visse a elaboração tenaz a que se entregava o meu 
espírito para descobrir um meio de dizer-lhe que eu estava ali e a esperava! 
[...]
ALENCAR, José de. Cinco minutos. 17. ed. São Paulo: Ática, 1993. p. 22. (Fragmento).
A interlocução entre o narrador e a prima dá ao leitor a impressão de 
estar ouvindo uma conversa particular entre dois primos próximos, em 
que um deles conta o que fez para se aproximar de uma moça por quem 
se apaixonou. 
Ao mesmo tempo, esse artifício simula uma conversa com o leitor, 
criando um clima de cumplicidade com ele. Essa estratégia narrativa torna 
mais simples a tarefa do romance de costumes: discutir comportamentos 
e fazer a “propaganda” de alguns valores morais.
O entrelaçamentoda realidade com a ficção•	
Um segundo recurso narrativo sobressai na estrutura desses romances: 
as referências a elementos que o leitor possa reconhecer no mundo real. 
Assim, os autores fazem com que suas personagens passeiem por locais 
públicos familiares aos leitores da corte.
O narrador comenta a transformação 
sofrida pelas ruas da praia da Glória, prova-
velmente assunto da conversa de muitos 
leitores da época. A casa mencionada é fruto 
da imaginação de José de Alencar, mas o 
morro de Santa Teresa, as novas ruas e a 
praia da Glória fazem parte da topografia do 
Rio de Janeiro no início do século XIX.
No primeiro parágrafo de Cinco minutos, o 
narrador insiste com a prima: “É uma história 
curiosa a que lhe vou contar, minha prima. 
Mas é uma história e não um romance”. Por 
que essa preocupação em levar o leitor a 
acreditar que os acontecimentos narrados 
são reais? Para fazer com que ele aceite, 
junto com os elementos reais inseridos na 
narrativa, todos os outros elementos ficcio-
nais, inventados pela imaginação do autor.
Se passasse há dez anos pela praia da Glória, 
minha prima, antes que as novas ruas que abriram 
tivessem dado um ar de cidade às lindas encostas 
do morro de Santa Teresa, veria de longe sorrir- 
-lhe entre o arvoredo, na quebrada da montanha, 
uma casinha de quatro janelas com um pequeno 
jardim na frente. [...]
ALENCAR, José de. 
A viuvinha. In: Cinco minutos/A viuvinha. 
17. ed. São Paulo: Ática, 1993. p. 51. (Fragmento).
Uma trama 
rocambolesca
A viuvinha foi publicado em 
1857 no Diário do Rio de Janei-
ro como folhetim. Nele, um 
narrador conta a sua prima 
os obstáculos que os jovens 
Jorge e Carolina tiveram de 
enfrentar para poderem se 
casar.
Jorge é um moço rico que, 
depois da morte de seu pai, 
passou a gastar a fortuna 
que herdou em festas e pra-
zeres mundanos. Quando se 
apaixona por Carolina, resolve 
mudar de vida. No dia de seu 
casamento, é informado por 
seu antigo tutor que está 
falido e endividado. Para não 
manchar o nome de sua ama-
da, finge suicídio. Depois de 
muitas aventuras, os dois 
têm um final feliz tipicamente 
romântico.
 TAUNAY, N. Igreja da Glória. 
c. 1820. Aquarela, 26,5 3 37 cm.
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