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As diferenças entre Paulo Honório e Madalena são evidentes: ele é um 
homem rude, que só pensa em acumular dinheiro, bens, propriedades. Ela é 
uma mulher educada, que se preocupa com o bem-estar dos trabalhadores, 
defendendo-os junto ao marido. As brigas constantes tornam insuportá-
vel a vida em comum. Nem mesmo o nascimento de um filho é capaz de 
aproximá-los.
Os conflitos entre Paulo Honório e Madalena refletem a grande questão 
desenvolvida por Graciliano Ramos em São Bernardo: a tentativa desespera-
da do protagonista de ascender socialmente esbarra na sua incapacidade 
de se integrar à elite, mesmo que acumule a riqueza necessária para fazer 
parte dela. 
Por trás da história desse sertanejo rude, surge uma representação 
inesperada da luta de classes, outra característica inovadora do romance 
de 1930: a burguesia falida aceita os novos-ricos como Paulo Honório, mas 
não sua integração socioeconômica.
[...] Coloquei-me acima da minha classe, creio que me elevei bastante. [...] 
Considerando, porém, que os enfeites do meu espírito se reduzem a farrapos 
de conhecimentos apanhados sem escolha e mal cosidos, devo confessar que a 
superioridade que me envaidece é bem mesquinha.
Além disso estou certo de que a escrituração mercantil, os manuais de agricul-
tura e pecuária, que forneceram a essência da minha instrução, não me tornaram 
melhor que o que eu era quando arrastava a peroba. Pelo menos naquele tempo 
não sonhava ser o explorador feroz em que me transformei.
 [...] Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos 
diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, 
dedos enormes. [...]
RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 81. ed. 
Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 218-221. (Fragmento).
Incapaz de se integrar aos seus semelhantes ou de ser aceito pela elite, 
Paulo Honório sofre e constata que, em nome da prosperidade econômica, 
destruiu a própria humanidade. 
Sem suas propriedades e o prestígio político que conquistou, Paulo 
Honório é um “explorador feroz”, um animal selvagem. Suprema ironia para 
alguém como ele, que via as pessoas que lhe serviam como “bichos”. 
Por meio de personagens como Paulo Honório, Graciliano Ramos conduz 
seus leitores a uma análise progressiva da alma humana. 
Vidas secas: a desumanização 
provocada pelo meio
Vidas secas é, no conjunto da obra de Graciliano Ramos, um livro singular 
em diferentes aspectos: é o único romance desse autor com foco narra-
tivo em 3a pessoa; não foi planejado como romance: nasceu de um conto, 
“Baleia”; seus capítulos foram escritos fora da ordem que receberam na 
edição final; não apresenta um aprofundamento da análise psicológica das 
personagens, como acontece em São Bernardo e Angústia. 
O livro faz um retrato da dura existência no sertão nordestino. 
No início da narrativa, que você conheceu na abertura deste capítulo, 
Fabiano, sinha Vitória, os dois filhos e a cachorrinha Baleia procuram um 
lugar melhor para viver. Após longa caminhada pela caatinga, chegam a 
uma fazenda abandonada, onde resolvem se instalar.
O drama de um homem 
atormentado por sua 
consciência 
Narrado em 1a pessoa por 
Luís da Silva, Angústia é um 
romance claramente confes-
sional. Em um fluxo perturba-
dor, sem a tradicional divisão 
em capítulos, Silva constrói 
sua autobiografia e revela 
o desespero em que vive 
após assassinar o rival Julião 
Tavares, que lhe roubara a 
noiva Marina, às vésperas do 
casamento. 
Emocionalmente abalado, 
perturbado pelo delírio e pela 
fragmentação de suas ideias, 
Luís da Silva conta uma histó-
ria de ciúme, de dor e de hu-
milhação pela traição sofrida. 
O processo de desintegração 
por que passa o protagonista 
é muito semelhante ao de 
Paulo Honório, em São Ber-
nardo. Passado e presente se 
misturam nesses romances, 
cuja visão pessimista da vida 
e dos seres humanos revela 
a clara influência da obra 
de Dostoiévski na ficção de 
Graciliano Ramos.
 PORTINARI, C. Retirantes. 1955. 
Desenho a lápis de cor sobre 
papel, 33 3 32 cm.
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A aridez do cenário se expande e atinge também o comportamento das 
personagens, caracterizada por falas monossilábicas e gestos voltados 
para a sobrevivência imediata. A animalização das personagens se mani-
festa de diversas formas nesse romance: as crianças não chegam a ser 
nomeadas (são referidas como “menino mais novo” e “menino mais velho”); 
como acontece com os animais, seu comportamento é determinado pela 
necessidade de sobreviver a um espaço inóspito.
Em uma passagem muito conhecida, o vaqueiro Fabiano questiona a 
própria humanidade para concluir, orgulhoso, que é um “bicho”.
[...]
— Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.
[...] E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em 
guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e 
os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, 
descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido 
a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
— Você é um bicho, Fabiano.
Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer 
dificuldades. [...]
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 71. ed. 
Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 18. (Fragmento).
A questão central da obra está na relação entre o indivíduo e a sociedade, 
agora atravessada também pelo espaço dominado pela seca que empurra 
as pessoas para uma condição de vida completamente desumana e as 
torna vítimas de “patrões” inescrupulosos. 
Vidas secas permanece, ainda hoje, uma obra assustadoramente atual 
no retrato que faz dos retirantes nordestinos que acalentam um único 
sonho: sobreviver.
Trilha sonora
Clássico do cancioneiro po-
pular escrito em 1947, a letra de 
“Asa branca” traz as variações 
linguísticas que marcam a fala 
do homem do sertão nordestino 
e relata imagens da seca e dos 
retirantes que, infelizmente, 
ainda se mantêm atuais.
Além da versão que se tornou 
famosa na voz de Luiz Gonzaga, 
artistas como Caetano Veloso e 
Fagner gravaram essa música.
Asa branca
Quando oiei a terra ardendo
Quá fogueira de São João
Eu perguntei, ai, pra Deus do céu, ai
Pruque tamanha judiação
Qui braseiro, qui fornaia
Nem um pé de plantação
Pru falta d’água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Inté mesmo a asa branca 
Bateu asas do sertão
Entonce eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Hoje longe muitas légua
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortá pro meu sertão
Quando o verde dos teus oio
Se apoiá na prantação
Eu te asseguro, num chore não, viu?
Que eu vortarei, viu, meu coração!
GONZAGA, Luiz; TEIXEIRA, Humberto. 
Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2005.
Copyright by Fermata do Brasil / Rio Musical Ltda.
 Boi morto de sede no agreste. 
Município de Jataúba, 
Pernambuco, 3 nov. 2003.
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 1. Como o narrador caracteriza sua mulher?
De quem é a culpa, segundo ele, pelo fato ff
de Madalena nunca ter se revelado inteira-
mente?
 2. No trecho a seguir, o adjetivo destacado qualifica 
tanto a “vida” quanto a “alma” do narrador. Que 
significado ele assume em cada expressão? 
“[...] a culpa foi desta vida agreste, que me deu 
uma alma agreste.”
a) Que relação o narrador estabelece, a partir 
desse recurso, entre sua trajetória e seu tem-
peramento?
b) De que maneira a caracterização que o narra-
dor faz de si mesmo é uma consequência dojuízo que faz de Madalena, a quem considera 
“boa em demasia”?
 3. Paulo Honório resolve escrever um livro para 
tentar compreender por que se sente atormen-
tado. De que maneira, no trecho transcrito, ele 
deixa claro que essa intenção será frustrada?
a) O que o obriga a escrever?
b) Que sentimentos são desencadeados em Paulo 
Honório pelas lembranças? 
c) A que o narrador atribui esses sentimentos?
 4. Paulo Honório sempre se considerou inferior à 
esposa, por ela ser instruída e ele não. Transcreva 
o trecho em que isso fica evidente. 
a) Por que esse trecho revela o seu sentimento de 
inferioridade?
b) Em que outro momento do texto o narrador 
sugere sua incapacidade com as palavras? 
 5. No último parágrafo, Paulo Honório vê e ouve 
Madalena de novo, embora ela não esteja lá, de 
fato. O que provoca essa sensação nele? 
Como a linguagem utilizada nesse parágrafo ff
mostra que ele tem consciência de que a ima-
gem não é real?
 6. No romance, Paulo Honório percebe que, embo-
ra tenha enriquecido, não consegue se integrar 
à classe que tanto almejou. Explique por que 
e justifique suas afirmações com exemplos do 
trecho.
Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de uma vez. Ela 
se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi minha, ou antes, 
a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste.
E, falando assim, compreendo que perco o tempo. Com efeito, se me escapa o retrato 
moral de minha mulher, para que serve esta narrativa? Para nada, mas sou forçado a 
escrever. 
Quando os grilos cantam, sento-me aqui à mesa da sala de jantar, bebo café, acendo 
o cachimbo. Às vezes as ideias não vêm, ou vêm muito numerosas — e a folha permanece 
meio escrita, como estava na véspera. Releio algumas linhas, que me desagradam. Não 
vale a pena tentar corrigi-las. Afasto o papel. 
Emoções indefiníveis me agitam — inquietação terrível, desejo doido de voltar, ta-
garelar novamente com Madalena, como fazíamos todos os dias, a esta hora. Saudade? 
Não, não é isto: é desespero, raiva, um peso enorme no coração. 
Procuro recordar o que dizíamos. Impossível. As minhas palavras eram apenas pala-
vras, reprodução imperfeita de fatos exteriores, e as dela tinham alguma coisa que não 
consigo exprimir. Para senti-las melhor, eu apagava as luzes, deixava que a sombra nos 
envolvesse até ficarmos dois vultos indistintos na escuridão. [...]
O tique-taque do relógio diminui, os grilos começam a cantar. E Madalena surge no 
lado de lá da mesa. Digo baixinho:
— Madalena!
A voz dela me chega aos ouvidos. Não, não é aos ouvidos. Também já não a vejo 
com os olhos. [...]
RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 81. ed. 
Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 117-118. (Fragmento).
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Paulo Honório reflete, com amargura, 
sobre a sua trajetória de vida.
TEXTO PARA ANÁLISE
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