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Significação Social da Psicologia

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Significação Social zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAda Psicologia 
I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA- A Psicologia Escolar zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ROBERT FRANCK (*) 
INTRODUCAO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Este texto consagrado & psicologia escolar 
é o primeiro de uma série de quatro artigos 
acerca da significação social da psicologia, 
que me foram pedidos pela Redacção da 
Análise Psicdbgica. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAI3 sem dúvida útil, no 
momento em que a psicologia inicia uma 
fase de grande desenvolvimento em Portu- 
gal, extrair lições da experiência feita nou- 
tros países que conheceram bastante mais 
cedo a expansão da psicologia. Infelizmente 
ainda não foi feito até hoje um balanço desta 
experiência. Pode constatar-se mesmo, com 
surpresa, que foram feitos muito poucos es- 
tudos ou análises críticas sobre zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAos efeitos 
sociais da psicologia, em. comparação com 
a extraordinária expansão que ela conhece 
nas instituições dos países altamente indus- 
trializados, e & sua intensa difusão na cul- 
tura. 
Ao invés a psiquiatria e a psicanálise têm 
dado origem, desde há muitos anos, a deba- 
tes apaixonados, a confrontações profissio- 
nais, e até conflitos sociais algumas vezes, 
dando até origem a reflexões e análises 
(*) Professor na Universidade Católica de 
Lovaina e no ISPA. 
exemplares. Mas a psicologia, não se con- 
funde com a psiquiatria nem com a @ca- 
nálise. Quer isto dizer que a tentativa de 
avaliação da psicologia que vou propois dis- 
põe de poucos apoios sobre trabalhos ante- 
riores e que ela reclama do leitor zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAuma pru- 
dência circunspecta. O que se segue não zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA6 
síntese de resultados de investigação longa- 
mente amadurecidos mas antes, um corpo 
de hipóteses que numerosos factores pare- 
cem confirmar, parece-me, mas será neces- 
sário, talvez relativizar, ou mesmo corrigir 
numa fase posterior. 
Este trabalho inscrevese, por outro lado, 
num projecto colectivo de investigação, no 
âmbito da Universidade Católica de Lovain, 
sobre a significação social da psicologia; a 
sua publicação sob a forma de livro tem por 
ambição colmatar uma lacuna na reflexão 
sobre as ciências que, em outros domínios, 
conheceu um real desenvolvimento desde há 
dez anos. 
Resta acrescentar que, como por vezes se 
diz, a história não se repete. Não se pode 
afirmar que a psicologia em Portugal será 
o passado da psicologia na Bélgica OU na 
França. Não faltam raZóes para pensar o 
contrário. Haverá, por exemplo, uma teles- 
copagem das ideias e das técnicas que nou- 
tros países se sucederam no tempo. Por 
385 
outro lado, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAas condições socioeconómicas 
particulares de Portugal e as suas tradições 
culturais próprias, imprimirão a sua própria 
marca zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAB prática da psicologia. Convém, en- 
tretanto, não subestimar também as cons- 
tantes sociais e culturais que acompanham 
qualquer processo de industrialização. Seria 
igualmente arriscado pretender que se pode 
fazer seja o que for com a psicologia! Esta 
veicula uma maneira de pensar, valores, e 
regras de conduta que zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAsão outros tantos im- 
perativos para o profissional que faz psico- 
logia e para o seu cliente.. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA. 
Então, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAse se quer evitar que a história se 
repita, ou pelo menos prevenir certos passos 
em falso será bom tirar as lições das expe- 
riências feitas noutros países. 
Porque é que a psicologia se desenvolve 
nos países altamente industrializados? Quais 
os efeitos que ela produziu na vida social? 
Qual foi a importância desses efeitos? 
Para responder a estas questões convém, 
para não se ficar ao nível das generalidades, 
partir da análise das instituições nas quais zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBApsicologia conheceu os seus maiores suces- 
sos. Trata-se, em primeiro lugar, da insti- 
tuição escolar; em segundo lugar, da em- 
presa industrial; e finalmente da instituição 
psiquiátrica. Estas três instituições permiti- 
ram o desenvolvimento, respectivamente, das 
três orientações principais da psicologia; a 
psicologia escolar, a psicologia industrial ou 
das organizações e a psicologia clínica ou 
terapêutica. 
Cada um destes sectores importantes da 
psicologia constituirá o objecto de um artigo 
distinto. O quarto artigo procurará determi- 
nar o que constitui a unidade ou a identi- 
dade da psicologia para lá da heterogenei- 
áade das suas inserções institucionais. 
A hipótese que eu avançarei é que esta 
identidade reside numa mesma maneira de 
pensar: a psicologia é pois abordada aqui 
sobre o plano epistemológico. Tenho igual- 
mente em vista explicar em detalhe o papel 
ou a utilidade da psicologia para as institui- 
ções onde ela encontrou a sua mais forte 
386 
expansão. Finalmente procurarei explicar 
porque é que a maneira de pensar psicol6- 
gica nasceu precisamente com a industriali- 
zação da produção. 
1. Para que serve o psicologia nus escolas? 
Para que serve a psicologia nas escolas? 
Para o controlo social? Ou para a repro- 
dução das relações sociais? Para o reforço 
ou para a remodulação da instituição mo- 
lar? Será ela um remédio para o seu mau 
funcionamento ou para as dificuldades re- 
sultantes do crescimento demográfico no 
ciclo secundário? Será ela exigida pela mo- 
lução da origem social dos alunos, ou pela 
mudança das mentalidades? Contribuirá ela 
para uma melhor selecção e para uma demo- 
cratização do recrutamento escolar? Será 
ela o intrumento de uma pedagogia nova, 
((personalizada)) ou menos rígida? 
Não falta verosimilhança em todas estas 
respostas. Que devemos pensar então? Ao 
agrupar as questões assim desta maneira, 
depressa verificamos que de facto elas rem 
brem questões diferentes. A f6rmuia geral 
«para que serve a psicologia)) recobre várias 
interrogações que importa distinguir e que 
podemos equacionar assim: 
1." - Para que deveria servir a psicologia, 
segundo os responsáveis da e s d a que ihe 
abriram as portas? 
2."-Como respondeu a psicologia aos 
pedidos da escola? Tem dado satisfação a 
esses pedidos? E tem respondido de uma 
maneira não esperada a outras necessidades 
da instituição? 
3." - Quais as funções sociais - intencio- 
nais ou involuntárias- da psicologia sobre 
o terreno escola e para além dele? Estas 
funções são específicas da psicologia ou con- 
fundem-se com a função social da pr6pria 
instituição escolar? 
Tentemos desbravar um caminho no meio 
de todas estas respostas avsnçadas. 
2. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAUma explicação socioeconómica do de- 
senvolvimento da psicoIogiiz escolar zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Jean Nizet, num texto inédito, mostrou 
cabalmente que a expansão da psicologia 
escolar na Bélgica, a partir dos anos cin- 
quenta, está ligada ao desenvolvimento do 
ensino secundário. Enquanto antes a maio- 
ria das crianças deixava a escola após o en- 
sino primário ou após o ciclo preparatório, 
ou era orientada para ciclos curtos de estu- 
dos profissionais ou técnicos, a ascensão 
social de novas zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAclasses médias criou um 
afluxo maior de alunos para aquilo que se 
chamam as ((humanidades clássicas)) ou zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(uno- 
demas», e para o ciclo secundário superior 
dos estudos técnicos. 
Esta nova população escolar apresenta 
características sociais diferentes que podem 
explicar, em parte, o aumento considerável 
da percentagem de insucessos e). 
Como reagir peranteeste afluxo, perante 
esta disparidade social, e perante a aheca- 
tombe escolar))? 
Eis o que se fez: diversificaram-se os pro- 
gramas das (humanidades)) e as diferentes 
orientações dos estudos foram ordenadas 
segundo uma ordem decrescente de dificul- 
dades; zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAao mesmo tempo que se valorizam os 
estudos técnicos. Em 1964, na Bélgica, estes 
são rebatizados ((humanidades técnicas)), e 
aqueles que acabam o ciclo passam a ter 
acesso aos estudos universitários, ao mesmo 
título que os alunos que vinham dos outros 
programas das ((humanidades)), desde que 
sejam aprovados num exame chamado ama- 
turidade)) zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe). Esta diversificação dos progra- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(') Outra parte da explicação pode procurar- 
-se no recuo da qualidade pedagógica do próprio 
ensino: sobrecarga crescente dos programas e dos 
horários, esclerose progressiva dos valores peda- 
gógicos tradicionais, dos quais se conservam 
apenas as formas disciplinares menos bem acei- 
tes, etc. 
(') Até 1975, entretanto, o exame de matu- 
ridade deve ser feito perante um júri exterior 
ao estabelecimento, contrariamente aos restantes 
alunos. 
mas requeria, por sua vez, uma orientação 
adequada dos alunos. E, para assegurar esta 
orientação, as atenções viraram-se para 
aqueles que tinham adquirido uma certa zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAex- 
periência na orientação profissional. 
3. Esta explicação não explico tudo 
Esta explicação histórica e socioeconb 
mica (a ascenção de novas classes zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBASociais) 
que é proposta para justificar a entrada da 
psicologia nas escolas é conveniente e eu 
subscrevo-a inteiramente. Mas não parece, 
por outro lado, suficiente e deve ser cam- 
pletada, pois deixa um ponto por esclarecer: 
porque razão a orientação escolar tomou 
uma faceta psicológica? 
Não se pense que esta questão é supér- 
flua: a orientação podia ser feita de outra 
maneira e sobre outras bases que as da me- 
dida da inteligência por meio dos testes de 
Q. I., da caracteriologia e da identificação 
da personalidade por meio dos testes projec- 
tivos. 
Nada melhor do que um exemplo con- 
creto para sublinhar a nossa convicção. 
Jean Nizet sublinha muito justamente que 
se já durante os anos cinquenta, e sobretudo 
depois de 1960, se fizera apelo aos psicólo- 
gos para colaborar na orientação escolar das 
crianças, a reforma introduzida na Bélgica 
com a instauração do ensino secundário me- 
novado» permite exactamente continuar a 
atribuir A escola a responsabilidade da orien- 
tação, porquanto esta se t o m prerrogativa 
do ((conselho de classe)) que reúne todos os 
professores de uma classe de alunos. O psi. 
cólogo toma parte no conselho, evidente- 
mente, mas os professores e o director podem 
facilmente impor critérios não c<psicólogos», 
tais como os sucessos obtidos em certas ma- 
térias de ensino, a aplicação ao estudo por 
parte do aluno, ou até os interesses do pró- 
prio estabelecimento. 
Porquê então esta penetração massiva da 
psicologia na escola há vinte anos? 
4. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBANão podemos zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAinvocar a zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAevolução natural 
das idei zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAas... zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Poder-se-ia explicar tudo isto pela evolu- 
ção das ideias? O recurso a psicologia para 
assegurar a orientação teria sido uma etapa, 
e até a melhor possível em 1960, estando 
hoje ultrapassada pelas ideias novas nasci- 
das do desenvolvimento das ciências sociais? 
Teria sido em particular uma acrescida aten- 
@o. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAàs determinantes sócio-culturais, pro- 
postas como novo princípio de explicação 
dos insucessos e dos atrasos escolares das zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nwas crianças, que teria levado a propor 
hoje remédios mais especificamente apeda- 
g6gicos) ou ((institucionais))? De modo ne- 
nhura A diversificação das hipóteses desde 
os anos cinquenta, a valorização dos estu- 
dos técnicos secundários do ciclo superior 
em'1964 e a reforma dos programas e da 
pedagogia com o ((Ensino Renovado)) em 
1969 na Bélgica, são pura e simplesmente 
remédios institucionais: e no entanto, são 
contemporâneos do desenvolvimento da psi- 
cologia escolar. E podemos ainda remontar 
anais longe no passado. Entre 1900 e 1910 
já encontramos entre os pedólogos as duas 
tendências em confronto: há os que expli- 
cam o ((atraso)) emlar pela entrada tardia 
da criança na escola, ou pela frequência 
irregular do estabelecimento, ou ainda pelo 
meio social (defeituoso)) de que a criança 
era originária; e depois há os outros, sobre- 
tudo os médicos que invocam falhas orgâ- 
nicas ou psíquicas. Como vemos, trata-se 
de um velho debate! E a primeira escala 
métrica de Binet veio sem dúvida reforçar 
&da mais a convicção daqueles que acre- 
ditavam no défice de uma faculdade psí- 
quica inerente a criança; mas tem sido pos- 
sível, tanto nessa época como ainda hoje, 
interpretar esses testes não como um instru- 
mento de medida da ((inteligência)), mas 
como um instrumento cómodo do atraso 
escolar, sem emitir qualquer juízo acerca 
da natureza das suas causas. Como é evi- 
dente, a tese do déficite orgânico ou psí- 
quico impunha-se com facilidade no caso 
dos atrasos graves e aparentemente insupe- 
ráveis; no que respeita aos atrasos ligeiros, 
porém, essa tese já era então, como hoje 
de resto, menos credível visto poder ser 
minorado, aparentemente pelo menos, com 
a ajuda de intervenções pedagógicas ade- 
quadas. 
Ora é precisamente de atrasos ligeiros 
que se trata na maior parte dos casos de 
orientação de alunos que obtiveram sucesso 
no ensino primário ou mesmo num ou nou- 
tro ano do ciclo secundário. Porque é que 
então sendo a despistagem psicológica e a 
hipótese do déficite psíquico, a menos cre- 
dível na ocorrência, se impuseram a escola 
como método de orientação para o ciclo 
secundário e como remédio para a heca- 
tombe escolar? Tudo parece mais estranho 
ainda se atendemos a que, já no início do 
século, como em 1960 ou hoje em áia, os 
professores são geralmente refractários 
psicologia e reticentes, quando não hostis, a 
penetração dos psicólogos no terreno es- 
colar.. . 
5. Ter-se-ia feito apelo d psicdogi0 para 
reforçar a selecção? 
Tentemos uma segunda hípótese: ter-se-ia 
feito apelo ti psicologia para reforçar a se 
lecção escolar, e através dela, a selecção 
social? Não foram os professores nem os 
directores das escolas que pediram a ajuda 
da psicologia mas antes os responsáveis do 
ensino ao mais alto nível: trata-se, na Bél- 
gica, principalmente do Ministério da Edu- 
cação Nacional e da Direcção-Geral do En- 
sino Católico, muito importante, pok este 
tem mais alunos do que o ensino público. 
A iniciativa nasce pois dos altos respon- 
sáveis da política escolar. Terão eles que- 
rido, então, travar um afluo excessivo de 
jovens diplomados, que poderia comprome- 
ter o equilíbrio socioecon6rnico existente? 
Esta hipótese não é o resultado de elu- 
cubrações de espíritos desconfiados, ela é 
388 
. . 
plausivel. Bastará citar, para nos conven- 
cermos, um documento do Ministério da 
Educação Nacional belga, que data do iní- 
cio dos anos setenta: zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA«O adolescente deve 
ser protegido contra zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAas consequências de 
uma conjuntura económica flutuante zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(...) 
I3 igualmente vão, para o homem face ao 
devir e para a sociedade em evolução for- 
mar um grande número de diplomados, se 
se sabe antecipadamente que isso reforçará 
um desemprego intelectual e material». 
O ensino «deve ofereceraos mais dotados 
possibilidades tais de desenvolvimento que 
o ensino superior possa encontrar entre eles zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
os elementos necessários para formar a elite 
que é indispensável zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAh sociedade de ama- 
nhã» (3). 
A hipbtese é portanto plausível; mas os 
factos não parecem confirmá-la. 
I3 inegável que a escola contribui para a 
reprodução das relações sociais; a sua estru- 
tura, os seus programas, a sua pedagogia 
obedecem aos imperativos da divisão social 
do trabalho. Pela atribuição dos diplomas a 
escola legitima mesmo, desde há algumas 
dezenas de anos, as desigualdades sociais e 
a sorte que cabe a cada um. Mas esta fun- 
ção socioeconómica da instituição foi até 
agora assegurada, não tanto pelos mecanis- 
mos de sucesso ou de insucesso (salvo talvez 
no primário, e em particular os insucessos 
da primeira classe), como pela própria estru- 
tura dos programas que divide os alunos e 
os orienta para posições socioecon6micaS 
diferentes(4). A orientação das crianças 
para tais ou tais estudos, ou ainda a decisão 
de não zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA06 deixar continuar os estudos, toma 
em consideração os sucessos obtidos no en- 
sino primário, mas depende muito mais de 
determinantes socioeconómicas e culturais 
exteriores h escola(5). Pode notar-se ainda, 
que na hipótese segundo a qual os respondi- 
veis da política escolar teriam tido por fina- 
(a) zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBACitado por Hypotese d%cole, Bruxelas, 
(') ff. As análises de Bandelot e Establet. 
(3 ff,. As análises de Bourdien e Passeron. 
n.' 19, p. 3. 
lidade reforçar a selecção escolar, eles po- 
diam tê-lo feito sem recorrer ti psicologia, 
bastando-lhes para o efeito aumentar as exi- 
gências escolares do sucesso. 
Na realidade, porém, nada indica que se 
tenha procurado reforçar a selecção esco- 
lar. Um número considerável de medidas 
importantes foram tomadas, pelo contrário, 
para tentar reduzir a selecção social operada 
pela escola. No que zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAdiz respeito A Bélgica, 
as reformas introduzidas cerca de 1970 no 
ciclo dos estudos secundários, sob o nome 
de ((Ensino Renovado)), atestam claramente 
uma vontade de ((democratização)) dos estu- 
dos; e o mesmo se diga do projecto de re- 
forma do ensino primário anunciado em 
1976, que começou agora a ser aplicada a 
título experimental. Quanto ao lugar pre- 
visto para a psicologia no quadro destas re- 
formas, visa-se entre outras coisas, no que 
respeita ao ciclo secundário, fazer prevale- 
cer o critério das ((aptidões)) sobre o da ori- 
gem social, e orientar para os estudos avan- 
çados todas as crianças ((dotadas)) qualquer 
que seja o seu meio de origem. Quanto ao 
ensino primário, os psicólogos deveriam con- 
tribuir para despistar, tão cedo quanto pos- 
sível os handicaps sociocuiturais das crian- 
ças saídas dos meios desfavorecidos, a fim 
de encontrar um remédio. 
Pode evidentemente argumentar-se que 
este esforço de ((democratização)) não obteve 
grandes resultados, e que nem sequer podia 
ser bem sucedido. Pode ainda contestar-se 
o bem-fundado de uma política de compen- 
sação dos hdicaps. Mas continua a não 
ser possível explicar a entrada em força da 
psicologia na escola, por uma vontade de 
reforço da selecção escolar e da selecção 
social. 
6. A psicologia tem uma incidência sobre a 
selecção social? 
Dito isto, e posta de lado qualquer von- 
tade deliberada de selecção social, interessa- 
389 
-nos perguntar se, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAde facto, a entrada da 
psicologia na escola teve uma incidência 
sobre o processo de selecção social que 
acompanha a orientação escolar. Um estudo 
publicado em zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA1979 por dois psicólogos bel- 
gas, Michel Legrand e Philippe Stasse, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé 
extremamente esclarecedor a este propó- 
sito ("). Baseia-se sobre a análise dos dossiers 
psicológicos de uma primeira amostra de 
34 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAalunos (1974-1975) e de uma segunda 
amostra de 419 alunos (1976-1977) da 6." 
classe do primário, dossiers esses elaborados 
em dois centros pico-médico-sociais dife- 
rentes. 
Do estudo desses dossiers depreende-se 
que o j u h de orientação emitido pela zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAes- 
cola, como era de prever, era correlativo 
com a origem social das crianças: as crian- 
ças da classe operária eram mais facilmente 
orientadas para o ensino técnico(') do que zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
as crianças da classe média; estes eram 
maioritariamente orientados para estudos de 
dificuldade média (as Humanidades Moder- 
nas) ou para o ((Ensino Renovado)), uma vez 
que a orientação nesses casos deve ser reco- 
locada nos dois anos seguintes; e enfim, as 
crianças das classes superiores são orienta- 
das, na sua maioria, para os estudos consi- 
derados difíceis (Humanidades Latinas e 
Humanidades Gerais). O juízo de orienta- 
ção emitido pelo psicólogo atenua porven- 
tura a clivagem social assim estabelecida 
pela orientação escolar? De modo nenhum. 
Observa-se, pelo contrário, um reforço da 
clivagem: zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA50,5 Vo dos filhos de operários são 
orientados para os estudos técnicos pelo psi- 
(') Dossiers P. M.S., ((L'orientation scolaire: 
une seleccion sociale)), n.O 2, Juin 79. Groupe 
pour une analyse des centres PMS e OSP, rue 
Sainte Adèle, 6, Gembloux. 
(') As crianças são orientadas para o ensino 
técnico, A saída do primário, quando se presume, 
que são demasiado fracas para ter sucesso no 
ciclo superior do secundário; orientar as crianças 
para o ensino técnico, equivale na realidade a 
orientá-los para o ciclo inferior dos estudos téc- 
nicos ou para os estudos profissionais. 
cólogo, enquanto que pela escola o número 
é de 21,4 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAVo (". 
Como vemos, isto contradiz a esperança 
daqueles que contam com a psicologia para 
orientar para os estudos avançados as crian- 
ças «dotadas» dos meios modestos. 13 possí- 
vel que uma amostra de dados mais ampla 
não revelasse um tal reforço da clivagem 
social pelo psicólogo; é pouco provável, po- 
rém, que se viesse a descobrir, em sentido 
inverso, uma atenuação sensível pela psico- 
logia, da clivagem social que a escola pro- 
duz. E isso por várias razões. 
Em primeira lugar, como no-lo recordam 
os dois autores, porque as provas psicológi- 
cas são provas que efectuam uma clivagem 
social. No que se refere as provas de inteli- 
gência, isso é bem sabido, desde os trabalhos 
efectuados em Chicago, antes de 1951, por 
Eels, Davis, Havighurst, Herrick e Taylor. 
Em segundo lugar, porque os critérios aos 
quais recorre o psicólogo possuem eles pró- 
prios um valor sociocultural; a polarização 
entre os ((interesses manuais)) e ((interesses 
intelectuais)), por exemplo, longe de assen- 
tar apenas sobre disposições individuais, vai 
ao encontro dos valores culturais promovi- 
dos respectivamente nos meios de trabalha- 
dores e nos meios favorecidos. Outro exem- 
plo: as qualidades de seriedade, de disciplina, 
de regularidade, do sentido do esforço pes- 
soal durável são características dos habitus 
da pequena burguesia, mas de modo ne- 
nhum das famílias proletárias, em razão das 
suas condições materiais de existência dife- 
rentes ('). 
Em terceiro lugar, Legrand e Stasse obser- 
varam que os resultados escolares e o atraso 
escolar, como de resto o meio de origem do 
(") Quanto às (classes médias», 14,7io/, deles 
são orientados para o ensino técnico, pelos psi- 
cólogos, e apenas 7,9Vo, pela escola. 
(9 Cf. G. Lienard e E. Servars, Capital Cul- 
tural et Inégalités Sociales. Ed. Vie Ouvrière, 
Bruxelles et Presses Universitaires de Louvd, 
1978. 
390 
aluno, são explicitamentetomados em conta 
pelo psicólogo, no momento de formular o 
seu zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAjuízo de orientação e ainda que esses 
resultados corrigem o juizo que ele teria 
emitido caso se tivesse guiado exclusiva- 
mente pelos resultados dos testes. E isso 
compreende-se muito zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAbem: ia-se orientar 
para um ramo avançado numa criança que 
experimentou dificuldades em passar nas 
provas escolares, mesmo tratando-se de 
criança «dotada»? Deve além disso fazê-lo, 
quando está convencido que a criança não 
vai encontrar no seu meio familiar o apoio 
e o estímulo indispensáveis?. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA. . 
Que concluir destas observações? 
Tudo indica que a intervenção da psico- 
logia não pode modificar sensivelmente, 
num sentido ou noutro, a orientação dos 
alunos e a selecção social que ela comporta; 
os pareceres do psicólogo vão de encontro 
ao diagnóstico da escola, e mais não fazem, 
na realidade, do que zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAreforçá-lo. E a isso deve 
ainda acrescentar-se que o psicólogo não 
tem poder de decisão: caso surjam por vezes 
divergências entre o psicólogo e a escola re- 
lativamente a certos casos particulares, são 
os professores ou o director do estabeleci- 
mento, que decidirão em última instân- 
cia(lO). Isto conduz-nos a pôr a questão 
que Legrand e Stasse formulam igualmente 
no termo do seu estudo: ((Porque razão a 
nossa sociedade se dota com psicólogos es- 
colares aos quais confia uma missão no con- 
texto de uma selecção escolar enquanto que 
aparentemente poderia muito bem dispen- 
sá-los?)) 
A orientação pela psicologia não faz se- 
não reforçar a orientação e a selecção social 
feitas pela escola. Mas então ela não serve 
para nada? 
Para nada!. . . a menos que o facto de ope- 
rar esse reforço sirva para qualquer coisa. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(Io) No que respeita il Bélgica, já acima no- 
támos que a orientação escolar era uma prerro- 
gativa do «conselho de classe» no sistema de 
t<Ensaio Renovado». 
7. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAFoi necessário repensar a escola 
13, exactamente disso que se trata: aquilo 
que a psicologia oferece à orientação esco- 
lar, não é uma orientação diferente, é uma 
nova legitimidade. Mas convém medir bem 
toda a amplitude desta legitimação da es- 
cola pela psicologia. Ela não consiste so- 
mente em acrescentar às decisões de orien- 
tação tomadas pela escola a caução da 
psicologia. De resto, quando a instituição 
escolar fez apelo maciço à psicologia zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe aos 
psicólogos, estes não dispunham de um cré- 
dito ou de uma autoridade social suficientes 
junto da opinião pública, ou junto dos res- 
ponsáveis políticos da escola, ou junto dos 
professores, para constituir essa caução. Foi 
o inverso que se produziu: a psicologia 
adquiriu prestígio e credibilidade no dia em 
que as nossas instituições lhe abriram as par- 
tas de par em par. 
O apelo à psicologia pela escola não re- 
sultou da astúcia de responsáveis preocupa- 
dos em pintar com cores agradáveis o arbi- 
trário da orientação escolar, e a selecção 
social que ela comporta?). Pelo contrário, 
eles acreditam que a psicologia constituía 
verdadeiramente o remédio para assegurar 
uma orientação de qualidade, num momento 
em que no conjunto dos países industriali- 
zados as pessoas se preocupavam com a ahe- 
catombe» dos insucessos escolares e do custo 
financeiro que recaía sobre o Estado, em 
que se reprovam como imoral o sistema 
competitivo dos concursos, e em que se con- 
sideravam como desumanos os insucessas, 
as repetições de classe ou de ano e as hu- 
milhações daí resultantes: num momento 
em que os valores pedagógicos tradicionais 
('I) O recurso il psicologia mascara efectiva- 
mente a selecção social que acompanha a orien- 
tação escolar, fazendo valer a falta de aptidões 
da criança como único motivo da decisão tomada, 
em particular aos olhos dos pais. Mas eu quero 
afirmar aqui que não foi por isso que a escola fez 
apelo A psicologia há cerca de 20 anos. 
391 
*., . . zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA'j 
... >;- 
já não eram aceites como indiscutíveis; 
num momento, enfim, em que os professo- 
res já não dispunham do crédito e da auto- 
ridade que outrora gozaram junto dos pais. 
Antes toda a gente sabia muito bem que 
havia os cancros e os génios, os barras da 
matemática e zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAos alérgicos zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAh história da Bél- 
gica, e era evidente que os concursos eram 
dignos de fé e que os professores do primá- 
rio ou do secundário eram juízes imparciais 
e clarividentes. Agora já nada disso era in- 
contestável, a escola tinha perdido zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAas suas 
evidências e os professores, uma parte do 
seu poder social. Era necessário repensar a 
escola, reforçar, emendar, completar o bem- 
-fundado das decisões que era necessário 
tomar e as reformas que iam ser introduzi- 
das. Como zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé que se fez tudo zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAisso? Fez-se 
não fundamentando já essas decisões e essas 
reformas sobre os valores e as exigências da 
escola, mas sobre o que são as crianças, 
sobre a natureza de cada um, sobre aquilo 
que se sabe da sua ((psicologia)). 
Numa palavra, aquilo que se introduziu 
na escola com a psicologia, foi uma outra 
maneira de zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBApensar, no zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBApreciso momento em 
que a escola tinha maior necessidade disso: 
no momento em que os valores tinham pre- 
sidido 2t sua criação e que tinham acompa- 
nhado a sua expansão, já não bastavam para 
estabelecer a sua legitimidade, e para coman- 
dar as reformas inadiáveis. 
8. Um zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcurioso volte-face 
Se se pudesse explicar a intervenção da 
psicologia na orientação escolar, pela cau- 
ção que ela lhe traz e a máscara que em- 
presta 2t selecção social, dispor-se-ia de uma 
explicação funcional do papel da psicologia 
na escola. Pelo contrário, afastamo-nos de 
um tal modelo de explicação, se se confir- 
mar que a psicologia escolar é uma maneira 
de pensar da escola, ou para dizê-lo de outra 
maneira, se foi a maneira de pensar da es- 
cola que se tornou «psicológica». Já não 
seria necessário, nesse caso, conceber a psi- 
cologia escolar como uma disciplina cientí- 
fica dispondo de uma autonomia relativa e 
h qual a escola recorreu, um belo zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAdia, para 
resolver dificuldades novas As quais ela se 
encontrava confrontada; a psicologia esco- 
lar, seria antes uma forma nova, assumida 
pelo discurso escolar, de uma remodelação 
desta. A dita remodelação teria como espe- 
cificidade o facto de autorizar a inserção 
neste discurso, de qualquer coisa que antes 
aí desempenhava um pequeno papel, ou 
seja, a tomada em linha de conta das apti- 
dões e da personalidade de cada uma das 
crianças tomadas isoladamente. E já não se- 
ria necessário considerar os psicólogos esco- 
lares como um corpo de profissionais autó- 
nomo a quem a escola teria solicitado os 
bons serviços; antes seriam considerados 
como agentes da instituição escolar, ao lado 
dos professores, dos directores, do pessoal 
auxiliar e dos funcionários da Educação Na- 
cional. 
Eis-nos perante um curioso volteface, 
que está em desacordo com as abordagens 
habituais da psicologia, e de um certo nú- 
mero de evidências. B, porém, esclarecedor 
a vários títulos. Vou tentar justificar este 
ponto de vista. 
9. A psicologização das estruturas da insti- 
tuição 
Ao afirmar que com a psicologia se in- 
troduziu uma nova maneira de pensar, não 
quero dizer s6 que um certo número de 
agentes da instituiçãose pôs a pensar de 
outra maneira; é evidente que esse não é 
senão um aspecto secundário da evolução 2t 
qual se assistiu, e lembro que numerosos 
professores continuam a assistir i penetra- 
ção das ideias de inspiração psicológica. 
fi muito mais importante observar que a 
reforma que a escola teve que operar no 
secundário perante o afluxo de novas cama- 
392 
das zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAde população (principalmente a multi- 
plicação das vias e a renovação pedagógica) 
e as reformas zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAb quais se assiste hoje em dia 
no ensino primário, na Bélgica e na França, 
por exemplo, fundamentam todo o seu sen- 
tido na tomada em consideração das dispo- 
sições individuais da criança (as aptidões, 
mas também a personalidade, os gostos e os 
interesses e, enfim, o «ritmo» de desenvolvi- 
mento de cada um). 
Não tomo em linha de conta neste mo- 
mento, portanto, as condições socioeconó- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
micas que provocaram estas reformas, tais 
como o afluxo de novas classes médias, mas 
antes o sentido que lha presidiu. Como jus- 
tificar a criação de um grande número de 
vias e de opções, e a oportunidade de repar- 
tir as crianças entre elas? Isso foi feito para 
melhor responder b suas disposições: indi- 
viduais, o que devia levar -pelo menos 
assim. se esperava- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& redução do número 
de insucessos. Os valores pedagógicos tradi- 
cionais de educação e de instrução, as nor- 
mas morais e as qualidades intelectuais que 
a escola até então se atribuía como missão 
inculcar, se recomendavam para todas as 
crianças, elas tinham um alcance universal; 
eles não podiam, pois, servir para funda- 
mentar a orientação das crianças em direc- 
ção a programas de estudos diversificados, 
ou em direcção a grupos de níveis «fortes» 
e «fracos». A diferenciação dos programas 
e dos níveis nem sequer se preocupou em 
conformar-se aos imperativos do mercado 
do emprego, aos pedidos do patronatom. 
Essa diferenciação pretendeu ser uma res- 
posta & existência de diferenças entre as 
crianças. As coisas são ainda mais evidentes 
no que diz respeito & reforma do primário 
em que na organização dos estudos se to- 
mou em conta o ritmo - lento ou rápido - zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
0 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA organização da vida económica explica 
as grandes divisões que se perpetuam na diferen- 
ciação dos programas em estudos fortes, médios 
e fracos. Mas ela não explica a multiplicação das 
vias i3 qual se assistiu. 
do desenvolvimento infantil p). As próprias 
estruturas da instituição foram psiculogi- 
ZadaS. 
Se nos contentássemos em constatar a di- 
fusão de ideias de natureza psicoh5gica en- 
tre os agentes da instituição escolar, pode- 
ríamos, talvez, supor que isto é devido pura 
e simplesmente ií influência dos psicólogos, 
ou ?t irradiação das suas investigações, ou 
das correntes de ideias como foi o caso da 
psicanálise na França no início dos anos 70. 
Quando observamos, entretanto, que uma 
maneira de pensar que põe em evidencia 
as diferenças de aptidões, de personalidade, 
ou de ritmo intelectual está no cerne da 
reestruturação institucional da escola e que 
é exigida por esta reestruturação, sobrevem 
a hesitação: terá sido a existência da psico- 
logia e a acção dos psic6logos que provoca- 
ram ou permitiram esta reestruturação da 
escola? Ou, pelo contrário, terá sido a ne- 
cessidade da própria escola se reestruturar 
em resposta A evolução social, que está na 
origem do desenvolvimento de uma maneira 
de pensar psicol6gica na instituição? 
Se a expansão da psicologia escolar re- 
sulta das transformações institucionais da 
escola, e da crise dos seus valores tradicio- 
nais, isso não quer dizer que lhe deva, por 
conseguinte, a sua existência: a psicologia 
escolar existe, sob formas bastante mais m e 
destas, desde zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo princípio do século. Já vol- 
taremos a este assunto. Aquilo que eu quero 
mostrar aqui é que a escola não se trans- 
forma sob a influência da psicologia, mas 
antes que a escola se psicologiza em função 
de imperativos próprios da instituição. E, 
seguidamente, tentarei entender esta hip& 
tese aos outros sectores de aplicação da psi- 
(") Uma vez ainda, se se pode avançar a hipó- 
tese que esta reforma do primário continuará a 
reproduzir a divisão social das crianças na escola, 
isso não passa de mais um efeito desta reforma, 
que encontra zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo seu sentido na constatação de que 
umas crianças aprendem mais lentamente do que 
outras. 
393 
cologia: a psicologização das nossas insti- 
tuições não resulta do desenvolvimento da 
psicologia; estas psicologizam-se no mo- 
mento em que os valores que lhes são pró- 
prios já lhes não asseguram uma legitimi- 
dade suficiente, ou já lhes não fornecem as 
razões que permitiam fundamentar e orien- 
tar zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAas reformas que a evolução social ou 
económica lhes impunham. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
10. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA psicologia escolar tem origem na 
escoZa 
Não estaremos, entretanto, obrigados a 
reconhecer uma autonomia relativa zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA2I psi- 
cologia escolar como disciplina científica, 
face ti instituição escolar? zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA15 verdade que ela 
existia já antes das profundas reformas rea- 
lizadas pela escola após 1950. Se quisermos, 
porém, remontar mais atrás na história, 
observamos que a psicologia escolar se cons- 
titui desde a origem como resposta aos atra- 
sos zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAescoZares das crianças. E no que diz res- 
peito aos atrasos, eles não existiriam se a zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
escola não tivesse reagmpado as crianças 
em classes de idade. 
Aquilo que diferencia a psicologia escolar 
das meras respostas pedagógicas que eram 
dadas Aqueles atrasos, é que ela os atribui 
a um princípio «interno» A criança, orgâ- 
nico ou mental. I3 a partir deste postulado 
que a psicologia pode fazer valer o uso de 
técnicas psicométricas e constituir-se numa 
abordagem autónoma. Mas as deficiências 
a j a origem ela situa na natureza das crian- 
ças, são, e continuam a ser, deficiências 
relativamente aos resultados escolares. Elas 
não se observam sobre a criança 2I maneira 
das deficiências orgânicas. S6 na escola p 
dem ser detectadas, muito embora se pre- 
tenda situar a sua origem na criança. E, se 
num segundo tempo, podemos ter a ilusão 
de que essas deficiências existem igualmente 
fora da escola, uma vez que até se podem 
medir por meio de testes, é preciso não es- 
quecer que os testes foram eles próprios va- 
lidados pela correlação dos seus resultados 
com os resultados escolares. Mas, no caso 
de continuarmos a sustentar que a psicolo- 
gia está no seu direito de extrapolar e de 
interpretar as deficiências escolares como 
deficiências gerais, autonomizando desse 
modo o seu objecto em relação ti escola, 
seria necessário reconhecer que essa auto- 
nomia é mediada, que ela é adquirida atra- 
vés da escola e a partir da escola. A psico- 
logia escolar não era originariamente um 
sistema de conhecimentos sobre a criança, 
posto 21 disposição das escolas; a psicologia 
escolar nasceu da escola e da sua organiza- 
ção em classes de idade. 
Se existe autonomia, é necessário enten- 
dê-la no sentido de uma autonomização 
desta disciplina operada a partir de uma ins- 
tituição específica e dos seus imperativos 
próprios; uma tal autonomia é diferente da- 
quela que podemos reconhecer a outras dis- 
ciplinas científicas. 
1 1. A psicologia da pedagogia 
Não falei ainda da psicologização da pe- 
dagogia. De facto, a maior parte da inves-tigação em psicologia escolar tem tido por 
objectivo encontrar uma explicação e uma 
solução para os atrasos escolares das crian- 
ças, tentando determinar quais são as suas 
aptidões, e assegurar-lhes uma melhor orien- 
tação escolar. Mas também não é menos 
verdade que desde o início do século se vem 
assistindo a iniciativas visando reconverter a 
pedagogia numa pedagogia psicológica. E 
isto em duas direcções, uma procurando me- 
lhorar a qualidade da instrução ou do en- 
sino, e outra preocupando-se com a arte de 
educar as crianças. 
Como instruir as crianças? A psicologia 
tem vindo a propor teorias e técnicas de 
aprendizagem; ou então, seguindo uma via 
completamente diferente, ela tem estudado 
o desenvolvimento ou a agénese)) do pensa- 
mento infantil, a fim de adaptar os progra- 
394 
mas de ensino. Num e noutro caso, esta 
psicologização de uma pedagogia da instru- 
ção respondia ao problema dos insucessos e 
dos atrasos escolares, e a organização da 
escola em classes de idade anuais. 
Como educar as crianças? Neste aspecto, 
aquilo que se esperava da psicologia era um 
melhor conhecimento do carácter e da per- 
sonalidade das crianças, e das molas da sua 
vida afectiva, a fim de os compreender me- 
lhor. Segundo certos autores, isso devia 
também poder explicar e resolver em parte 
a questão dos insucessos escolares. Mas por 
outro lado, tratava-se de transformar as re- 
lações humanas entre o educador e a crian- 
ça, no sentido de uma maior autonomia 
consentida as crianças. 
A muitos de nós parece-nos evidente, hoje 
em dia, que um melhor conhecimento psico- 
lógico da criança constitui a base ou zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo fun- 
damento de toda a educação. Nada, porém, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
é menos evidente. Até zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA1860, na Bélgica, a 
escola estava exclusivamente zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAnas zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAmãos da 
Igreja Católica. A educação era aí mais im- 
portante do que a instrução, e guiava-se 
pelos princípios da ética cristã, e pelos valo- 
res morais que se impunham nessa época: a 
caridade, a temperança, a humildade, a 
obediência, mas igualmente a justiça, a ho- 
nestidade, o sentido do trabalho e da disci- 
plina. No fim do século XIX, e sob a pres- 
são do liberalismo radical, o acento será 
posto sobre a instrução tanto nas escolas 
confessionais como nas laicas. Pode expli- 
car-se a promoção da instrução nessa época 
pela evolução da situação social e econó- 
mica; mas não é menos verdade que se lhe 
reconhece igualmente, e por longo tempo, 
até após a guerra de 1939-1945, um alto va- 
lor educativo. A escola é, para o movimento 
laico, um instrumento de libertação e de 
promoção social; e ela é igualmente, para 
todos, uma educação do espírito e do cora- 
ção. Nessa época, ainda estamos longe dos 
programas sobrecarregados que conhecemos 
desde há trinta anos. Ler, escrever e contar, 
abrir zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAos olhos sobre a vida pela história na- 
tural, e adquirir o sentido do civismo pela 
história da Bélgica, eis o que é necessário 
aprender na escola primária; M escola pro- 
fissional, aprende-se uma profissão; e para 
os que prosseguem o ensino secundário, a 
sintaxe do latim e do grego, a geometria e 
a álgebra são os meios através dos quais os 
jovens zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAsão formados em ordem a um juizo 
seguro e a um raciocínio rigoroso; o resto 
fará deles homens cultos. Mas através da 
instrução é igualmente o sentido do dever e 
da disciplina no trabalho que se lhes incul- 
cará. Deste modo, que se trate de moral ou 
de instrução, o adulto pode guiar-se por va- 
lores seguros. Eles constituem o fundamento 
da educação. Nestas condições não há qual- 
quer necessidade da psicologia. I3 a religião, 
a moral e os valores do espfrito ou da cd- 
tura que ordenam ao educador aquilo que 
deve ou não ser feito. 
Certamente que desde o inicio do século 
se observam os sinais de uma psicologização 
da educação. M a s constata-se igualmente 
que esta tendência continua extremamente 
minoritária; e que ela não tem outra finaii- 
dade, nessa época, que não seja a de ajudar 
a melhor inculcar os valores religiosos, mo- 
rais e culturais. Uma maior autonomia e 
responsabilidades mais amplas concedidas 
às crianças, deveriam favorecer uma adesão 
consciente a esses valores e sua interiori- 
zação mais firme e mais duradoura. Se a 
partir dos anos 60 se começa a espalhar a 
ideia de que a educação deve assentar sobre 
a psicologia e isso numa perspectiva com- 
pletamente nova: o conhecimento psicol6- 
gico das crianças não nos dirá. somente como 
é que é preciso lidar com as crianças, pois 
se lhe pede igualmente que diga para onde 
é necessário conduzi-las. Assistese então a 
uma reviravolta radical do pensamento psi- 
cológico, cuja importância não é demais 
sublinhar. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA33 a crise dos valores tradicionais 
da educação na escola, valores religiosos, 
morais e culturais que conduz a procurar, 
daí em diante, na própria criança, as razÓes 
e as normas às quais o educador se deverá 
395 
. . *.̂ 4 
conformar. Este último, anteriormente, era 
o portador e o garante dos valores aos quais zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
as crianças se deviam vergar, ele era a bús- 
sola que Ihes mostrava o caminho, detinha 
a autoridade, a experiência e o saber reque- 
ridos para distinguir entre o bem e o mal, 
para recompensar a boa conduta e reprimir 
a falta. A sua autoridade, porém, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé a partir 
de agora suspeita, tendo em conta todos os 
abusos disciplinares gerados pela ((escola-ca- 
serna)). E os valores que ele tinha a obriga- 
ção de promover perdem uma larga parte 
do seu crédito. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAOs valores da instrução so- 
frem o efeito, sem dúvida, da sobrecarga 
crescente dos programas e da parcelização 
do ensino entre um número demasiada- 
mente elevado de titulares de curso, obriga- 
dos a passar de uma classe zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAh outra e inca- 
pazes de levar um projecto educativo a bom 
termo num lapso de tempo demasiado curto; 
uma tal evolução traduz ela própria uma 
mudança de objectivo atribuída h instrução: 
não mais assegurar a formação do espírito, 
mas antes acrescentar uma informação de 
qualidade. Quanto aos valores religiosos e 
aos valores morais, eles enfraquecem devido 
a causas mais complexas, ligadas provavel- 
mente ao desenvolvimento industrial; tere- 
mos ocasião de voltar a este assunto nos 
artigos seguintes. Para aquilo que nos pro- 
pomos, é suficiente observar desde já que 
uma das saídas encontradas para esta situa- 
ção, foi propor a criança como bússola, 
mostrando o caminho ao educador. Seria 
então um melhor conhecimento psicológico 
da ((natureza interna)) de cada criança que 
ensinaria ao educador como é que ele se 
deve conduzir com cada uma delas. A 
criança torna-se deste modo o princípio e a 
norma da educação ... e do educador. 
€I inútil insistir sobre o facto de que'a 
investigação psicológica solicitada ao ser- 
v i ~ da educação, inspirada de perto ou de 
longe pela psicologia das profundidades, pe- 
las ideias psicanalíticas, ou pela psiquiatria, 
não atinge de modo nenhum a grande ope- 
racionalidade obtida pelos estudos de pico- 
396 
logia da inteligência; e além disso seria bem 
difícil legitimar, num plano metodológico, 
esta espécie de indução segundo a qual se 
pretende deduzir da observação do perfil 
psicológico de uma criança, sem outra me- 
diação, uma regra de conduta para o educa- 
dor. Trata-se, antes de mais, de zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAuma espe- 
rança e de uma atitude, que consiste em 
esperar da psicologia que ela sirva de palia- 
tivo para aausência de critérios éticos para 
a acção educativa, e em esperar do psic6logo 
que ele preste zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAsocorro ao educador desorien- 
tado quando a criança resiste ou se conduz 
de modo diferente do previsto. Existe um 
sentido generalizado de que a única dter- 
nativa para uma disciplina repressiva e bru- 
tal, reside num melhor conhecimento psico- 
lógico da criança e num processo educativo 
inspirado nas práticas psicoterapêuticas. 
De um outro ponto de vista seria con- 
veniente interrogarmo-nos -não é esse, 
porém, o meu propósito aqui-sobre as 
consequências que podem advir para as 
crianças desta autêntica reviravolta do pen- 
samento psicológico que acabo de zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAevocar: 
já não será Deus, nem a razão moral, nem 
os adultos que a encarnam a norma como a 
qual toda a acção se deve conformar, mas 
a criança que a encarna. 
Já não há um modelo a seguir, pois que 
a criança é ela própria o modelo ao qual 
se deverá conformar a sua mesma educafio. 
Ela é como o barco que Werner Heisen- 
berg e4) evocava, ((construído como uma tão 
grande quantidade de aço e de ferro que a 
bússola marítima, em lugar de indicar o 
Norte, se orientava, ao contrário, para a 
massa de ferro do barco. Um tal barco não 
chegaria nunca a parte alguma; entregue ao 
vento e aS correntes, tudo o que ele pode 
fazer é rodar sobre si próprio». 
Na realidade a psicologizaçáo da educa- 
ção escolar não é a única alternativa hoje. 
(I') W. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAHeisenberg, La zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAnuture duns Ia Physi- 
que Conternporuine. Ed. Gaiiimard, Coiection 
Idées, p. 35, 1962. 
Existe igualmente, muito minoritário zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAmas 
vigoroso, o modelo cooperativo na educa- 
ção. Se alguns dos seus representantes, en- 
tretanto, são tentados a misturar a isto umas 
pinceladas de psicologia, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé preciso não zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAesc 
quecer que a sua lógica própria se afasta, 
igualmente, de uma abordagem psicológica 
da criança e da escola-caserna. 
Feitas estas observações, bastar-nos-á re- 
ter que a psicologização mais ou menos 
aprofundada da pedagogia MS nossas esco- 
las se processou de uma forma abrupta zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAa 
partir do momento em que os valores ligados 
il instrução, os ditados pela moral e os re- 
queridos pelo funcionamento da instituição, 
tinham perdido uma grande parte da sua 
credibilidade. Esta crise dos valores da es- 
cola inscrevese num processo mais amplo 
de decomposição da microcultura tradicie 
nal da escola, que acompanha a reestrutu- 
ração da sua organização sob o efeito da 
evolução social que evoquei mais atrás. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
CONCLUSAO 
Resumamos os resultados aos quais nos con- 
duziu este exame da significação social da 
psicologia escolar. Vamos formulá-los em 
quatro pontos. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1." zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA- 0 s efeitos socids que a psicologia 
escolar produz sobre os jovem que frequen- 
tam a escola são insignificantes. Já vimos, 
com efeito, que a intervenção da psicologia 
não parece modificar sensivelmente a orien- 
tação dos alunos feita pela escola, nem a se- 
lecção social que ela comporta. Os parece- 
res da orientação que o psic6logo comunica 
ti escola, estão em consonilncia a maior 
parte das vezes com aqueles que são formu- 
lados pelos professores; e quando são diver- 
gentes, raramente são seguidos. Enfim, cer- 
tas observações mostram que o parecer do 
psicólogo não atenua a incidência dos deter- 
minantes sociais (em particular o estatuto 
socioeconómico da família da criança) so- 
bre a avaliação feita, e que pode memo vir 
reforçá-la. 
Não podemos afastar desde já a hipótese 
que a psicologia contribui, por seu lado, 
para a função de repruáução das relações 
sociais que é assegurada pela instituição es- 
colar. Contribuição fraca, entretanto, se ti- 
vermos em conta o impacto do diagnóstico 
psicológico sobre as medidas de orientação 
escolar. O papel social da psicologia escolar 
revela-se muito importante, pelo contrário, 
se prestarmos atenção ao facto de que ela 
se tornou um instrumento poderoso de legi- 
timação da escola, não somente porque for- 
nece uma caução aos seus pareceres de 
orientação, mas também porque ela justi- 
fica, ao nível dos princípios, a reestrutura- 
ção dos programas, num vasto leque de cur- 
sos escolares de dificuldade decrescente. E 
este ponto conduz-nos a duas novas conclu- 
sões. 
2." - A pSkOlO@Q escoIar niío tem efeitos 
sociais específicos. Os efeitos sociais que ela 
contribui para produzir, fornecendo h escola 
as justificações de que ela tinha necessidade 
para se reestruturar, confundem-se com os 
efeitos da própria instituição escolar p). 
3."-A significqão socíd da psicologíio 
escolar reside, essencialmente, na intrdur 
ção na escola, de umai outra maneira de 
pensar. 
Procuraremos detenninar de uma ma- 
neira mais aprofundada, em que reside a 
originalidade da maneira psicológica de pen- 
es) Como se vê, deixamos aqui de lado a ques- 
tão da incidência que a psicologia escolar pode 
ter sobre a história individual das crianças: por 
exemplo qual é o impacto que pode ter a comu- 
nicação feita aos professores ou il própria criança, 
do seu Q.I.? Ou quais os resultados que se podem 
esperar das intervenções de aspiração psicotera- 
pêutica, ou psico-sociol6gica, feitas il escola? A 
repercussão da psicologia sobre a evolução das 
crianças consideradas individualmente, deveria 
entretanto poder ser avaliada il escala social. Tra- 
ta-se de um aspecto da significação social da psi- 
cologia que aqui não é abordado. 
397 
sar, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAno quarto artigo desta série. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAMas zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAjá 
pudemos dar-nos conta, no que diz respeito 
ii escola, que esta maneira de pensar consis- 
tiu em deixar de fundamentar as decisões de 
orientação e de selecção, assim como as re- 
formas dos programas, sobre os valores es- 
colares tradicionais e sobre as exigências 
próprias da instituição, e passar a funda- 
mentá-las sobre aquilo que as crianças são, 
sobre a natureza de cada um. E notávamos 
num segundo tempo, que o mesmo se pas- 
sava em relação zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAàs práticas pedagógicas na 
escola. Esta curiosa inversão de perspectiva, 
esta psicologização da escola, encontra a sua 
explicação no facto de que os valores e as 
normas da instituição tinham perdido muito 
do seu crédito, e não conseguiam sozinhos 
orientar as reformas necessárias, face ao 
afluxo de populações novas às escolas. Não 
é pois exagerado afirmar que a psicologia 
escolar deu ii instituição escolar um novo 
alicerce. Quando se conhece a importância 
do lugar que a instituição escolar ocupa nos 
países industrializados desde há um século, 
facilmente demonstramos como é impor- 
tante a significação social da psicologia es- 
colar, assim definida. 
4."-O último resultado importante ao 
qual chegamos é que a psicologia escolar zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tem a zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAsuai origem na instituição escolm. 
Para além de nos acrescentar qualquer coisa 
mais sobre a significação social da psicolo- 
gia escolar, ou seja, a sua origem social, esta 
quarta conclusão poderia levar-nos a zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAilumi- 
nar como uma nova luz a questão do esta- 
tuto epistemológico, porventura muito parti- 
cular, da psicologia. Chegaríamos entretanto 
a semelhantes conclusões, ao abordarmos 
outros sectores da psicologia? Veremos esta 
questão no próximo artigo, em queprocura- 
remos determinar a significação social da 
psicologia industrial ou das organizações. 
398 
Anilise zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAPsicológica (1982). 4(II):647-S68 
Significação zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBASocial 
da Psicologia (continuação) zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
II zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA- Porque se pratica a Psicologia industrial?( *) zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ROBERT FRANCK (**) 
Introdução 
Porque é que a psicologia se desenvolveu 
nos países altamente desenvolvidos? Que 
efeitos produz ela na vida social? Qual tem 
sido a importância destes efeitos? 
S 6 fazendo a análise das três instituições 
que permitiram o desenvolvimento das três 
orientações principais da psicologia, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAse po- 
derá responder a estas questões. A institui- 
ção escolar deu origem A psicologia escolar. 
A empresa industrial permitiu a emergência 
da psicologia industrial, da psicologia do 
trabalho e da psicologia das organizações. 
A instituição psiquiátrica está na origem da 
psicologia terapêutica. 
Entre as conclusões que um breve exame 
da instituição escolar nos permitiu tirar, no 
artigo precedente, gostaria aqui de recor- 
dar uma: a escola não se transformou sob 
o efeito da expansão da psicologia escolar; 
(*) Este é o segundo de uma série de 4 arti- 
gos a publicar na Análise Psicológica sobre a sig- 
nificação social da psicologia nos quais são reto- 
mados aspectos focados nas aulas dadas ao 1.* 
ano do ISPA-História e sistemas de Psicolo- 
gia-no ano de 1982183. 
(**) Professor na Universidade Católica de 
Lovaina. 
pelo contrário, é a expansão da psicologia 
escolar que resulta das transformações ins- 
titucionais da escola, e da crise dos seus 
valores tradicionais. Mais especificamente, 
a psicologia escolar não é uma estrutura de 
conhecimentos sobre a criança que um belo 
dia penetrou nos conhecimentos escolares; 
bem ao contrário, a psicologia escolar re- 
sulta da própria escola. Foi a própria escola 
que se psicologizou. A psicologia escolar é 
uma forma nova tomada pelo discurso es- 
colar, ou uma remodelação deste tomada 
necessária em virtude de imperativos pró- 
prios a instituição. Esta remodelação con- 
siste numa tomada em consideração das 
aptidões e da personalidade de cada uma das 
crianças tomadas isoladamente. Esta toma- 
ida em consideração não se dirige somente 
hs práticas de orientação e As práticas pe- 
dagógicas, ela passa a comandar também, 
daí em diante, as próprias estruturas da 
instituição. 
O exame da evolução da empresa con- 
duzir-nos-á a uma evolução análoga, no que 
diz respeito a psicologia industrial? Efecti- 
vamente, a maneira de pensar na empresa 
psicologizou-se em dois sectores limitados, 
mas importantes, o do recrutamento e o da 
gestão de pessoal. Esta psicologização não 
se explica, entretanto, pela influência cres- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
547 
cente da psicologia industrial, ou pelos seus 
sucessos e eficácia; antes se produziu zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBApor- 
que zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAas novas formas de organização do tra- 
balho zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAjá não permitiam assegurar o recru- 
tamento, assim como a integração das pes- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
soas na instituição, com a ajuda da3 normas 
e dos valores tradicionais da empresa. 
Não se regista, porém, uma psicologiza- 
ção das estruturas da empresa, no que se 
diferencia da escola: aquelas continuam sub- 
metidas a um imperativo prioritário, o de 
permitirem um controle máximo sobre o 
pessoal e sobre a produção. 
Nas páginas que se seguem, tentarei mos- 
trar que a psicologia industrial nasceu da 
empresa e das necessidades, e que ela não zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé 
um corpo estranho que aí tivesse um dia 
penetrado, com maior ou menor facilidade. 
Antes, porém, toma-se necessário explicar 
porquê e como é que as novas formas de 
organização do trabalho se encontram pre- 
cisamente na origem desta psicologização 
parcial da empresa. 
1. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA psicologia: industrial é ou não Tuylo- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
rista? 
«A psicologia do trabalho é Taylorista)), 
declarava de Montmollin, no decorrer de 
uma conferência dada na Bélgica em 1979. 
Explicava ele, ainda, que a psicologia do 
trabalho, tal como o Taylorismo, tem por 
objecto assegurar a ordem na empresa e 
gerir os conflitos que a atravessam. Pode 
tratar-se de conflitos abertos, mas igual- 
mente de conflitos latentes que se traduzem 
pela ausência de motivação, absentismo, 
Turn-over, etc. Será conveniente assimilar 
tão estreitamente a psicologia industrial ao 
Taylorismo? 
Para além do crescimento da produtivi- 
dade, a nova organização do trabalho lan- 
Cada por Taylor permitiu estender o con- 
trole do patronato sobre o conjunto do 
processo de trabalho industrial. Com efeito, 
certos aspectos do trabalho de produção 
escapavam, até então, ao seu controle. De 
modo muito especial os conhecimentos pro- 
fissionais, uma vez que eles estavam &rei- 
tamente ligados ao saber fazer empírico, 
continuavam em parte, pelo menos, nas 
mãos de uma ((aristocracia)) operária; esta 
por sua vez, através do seu saber, conser- 
vava um poder considerável na organização 
do trabalho. A parcelização do trabalho, 
- recordese Os Tempos Modernos de Char- 
lie Chaplin - conduziu a dequalificação 
destes trabalhadores, e a transferência do 
saber para gabinetes de estudos estreita- 
mente associados a direcção. Desta maneira 
o controle sobre o trabalho operário tor- 
nava-se ainda maior, em particular devido 
ao controle dos tempos de produção: os 
«ther bligs)), a cadeia de produção, etc. 
Qual o lugar da psicologia do trabalho neste 
processo de Taylorização? 
Michel Bonami diz-nos que desde o início 
os psicólogos se distanciaram das posições 
Tayloristas. Eles não querem ((selecção de 
bois», e não admitem que o homem seja uma 
peça anexa da máquina. Torna-se impres- 
cindível, ao invés, tomar em consideração 
as aptidões mentais, os factores afectivos e 
a situação global na qual se encontram in- 
seridos o trabalho e o trabalhador. Numa 
tal perspectiva, a psicologia industrial não 
situaria ela, então, a contra-corrente do 
Taylorismo? Aquilo que ela propõe, é asse- 
gurar a selecção, e a afectação das pessoas 
ao posto que melhor lhes convém, é me- 
lhorar as aptidões em relação ao trabalho, 
ou ainda favorecer a boa integração dos 
trabalhadores na empresa; ora isso não pode 
ser útil senão na medida em que certas 
qualificações ou aptidões particulares são 
efectivamente requeridas pelo posto de tra- 
balho, na medida em que, igualmente, o 
trabalhador conserva uma relativa autono- 
mia que torna a sua assiduidade incerta, e 
na medida, em que, enfim, o trabalho requer 
formas de cooperação que necessitam uma 
boa integração dos trabalhadores. Mas a 
qualificação, a autonomia e a cooperação 
548 
são precisamente aquilo que o Taylorismo 
procura eliminar? 
A psicologia do trabalho zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAnão zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé Taylorista. 
As suas formas de intervenção são diferen- 
tes das da ((organização científica do tra- 
balho» (O. C. T.) promovida por Taylor; só 
a medida das aptidões sensorio-motrizes 
encontra um lugar na lógica da O. C. T. 
A sua concepção do homem no trabalho 
-concepção que supõe que este conserve 
uma parte de iniciativa no processo de pro- 
dução-é oposta aquela que Taylor defen- 
de. Evidentemente, a psicologia do traba- 
lho procura como o Taylorismo, elevar a 
capacidade da força de trabalho. Mas a psi- 
cologia acrescenta-lhe uma preocupação 
complementar: a de reencontrar ao mesmo 
tempo o interessedo trabalhador, de lhe 
assegurar maior satisfação no trabalho, de 
valorizar as suas aptidões, de melhorar a 
sua formação, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe de o orientar para tarefas 
conformes zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAas suas aspirações. 
Constata-se, deste modo, que a psicologia 
industrial se opõe ao Taylorismo. No en- 
tanto, se ela se lhe opõe, a psicologia indus- 
trial encontra-se ligada ao Taylorismo de 
uma outra maneira. 
2. A psicologia industrial e o Taylorismo 
são duas respostas opostas a uma mesma 
realidade, saída da história da industriatiza- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ção. 
Na realidade, o Taylorismo inscreve-se 
ele próprio num processo mais amplo e mais 
antigo de reorganização do trabalho, o da 
industrialização da produção. O desapare- 
cimento da produção manufactureira fa- 
miliar e a concentração dos produtores nas 
fábricas, o progresso das máquinas e a sua 
apropriação pelos detentores de capitais, da 
socialização do trabalho, a liberdade profis- 
sional e o sistema salarial, são geradores de 
relações sociais novas. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
33 neste quadro geral que é necessário re- 
situar o Taylorismo, como de resto a psico- 
logia industrial, para levar em linha de conta 
a medida da sua importância, e para deter- 
minar como eles estão ligados entre si. 
Contrariamente ao artesão, o operário não 
decide acerca daquilo que vai produzir: a 
decisão pertence ao proprietário dos meios 
de produção. Ele não decide, igualmente, 
acerca da maneira como será organizado o 
seu trabalho, pois o trabalho colectivo re- 
quer uma coordenação do trabalho de cada 
um, coordenação essa que será assegurada, 
também, pelo proprietário, ou pelos seus 
delegados. Nestas condições, o operário não 
tem grande coisa a dizer no seu trabalho, 
contentando-se apenas em executar as or- 
dens que lhe são dadas. Apesar de tudo, 
ele conserva uma margem de autonomia 
na parcela de trabalho que lhe está atribuí- 
da, porquanto aí pode ele fazer valer a sua 
habilidade, a sua capacidade zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAem manusear 
os instrumentos, as ferramentas e as má- 
quinas, na execução de tarefas parcelares, 
mas muitas vezes complexas. Esta part0 de 
autonomia, entretanto, vai-se encontrar, por 
sua vez, reduzida pela introdução de má- 
quinas-ferramentas: neste caso já não é o 
homem que comanda a máquina, pelo con- 
trário, é a máquina que determina a natu- 
reza e o ritmo dos seus gestos 0 dos seus 
movimentos. É sobejamente conhecida esta 
análise marxista do modo de produção in- 
dustrial, que mostra quanto o operário se 
encontra alienado nu seu trabalho: desaps- 
sado do fruto do seu trabalho, igualmente, 
do controle do processo de trabalho ele 
encontra-se, enfim, submetido e anexado i~ 
máquina. 
Para fazer esta análise, não foi preciso 
esperar a aparição do Taylorismo! Encarado 
como modelo de organização do trabalho, o 
Taylorismo não constitui zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAuma inovação: 
ele propõe um conjunto de técnicas que pu- 
xam ao extremo e por vezes até a carica- 
tura, caracteres essenciais e inerentes ao 
modo de produção industrial capitalista. O 
Taylorismo 6 novo, porém, do ponto de 
vista da estratégia patronal: ele esforça-se, 
de maneira declarada, em eliminar sistema- 
549 
ticamente as ((fontes de incerteza)), como 
Ihes chama zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABonami(4), zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe que ainda subsis- 
tem no processo de trabalho. As fontes de 
incerteza zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAsão pura e simplesmente as mar- 
gens de iniciativa e de autonomia de que 
dispõem ainda certas categorias de traba- 
lhadores, segundo a natureza das tarefas 
ou dos postos de trabalho. Mas teme-se o 
quê? Não se afirma hoje que a ((humaniza- zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
çãm do trabalho, o enriquecimento das ta- 
refas, as equipas semi-autónomas, reforçam 
a motivação dos trabalhadores e a sua inte- 
gração na empresa e que elas aumentam o 
rendimento? Diz-se isso de facto, mas acres- 
centa-se logo que zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé preciso igualmente pru- 
dência; poucas empresas se arriscam nesta 
direcção apesar dos resultados concludentes, 
e zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo movimento, longe de se expandir, parece 
estagnar (". 
Porquê é que é preciso ser prudente? 
Quando o trabalhador se encontra desapos- 
sado do fruto do seu trabalho e do domínio 
do processo de trabalho, não se pode espe- 
rar que ele invista afectivamente naquilo 
qu0 produz! Se d e trabalha, é sobretudo 
para zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAobter um salário. Se os salários zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAsão 
baixos, e as condições de trabalho más, ele 
utilizará os restos de autonomia de que ainda 
dispõe no trabalho, para escapar, na medida 
do possível, a essas condições, ou para fazer 
pressão sobre a direcção com vista a obter 
melhores salários e melhores condições de 
trabalho. A solução, nesse caso, vai no sen- 
tido de reduzir ainda aquilo que lhe resta 
de margem de manobra, de tornar o tra- 
balhador em autómato. Mas, é possível re- 
duzir o homem a um objecto? Teremos de 
convir que é possível! Mas igualmente po- 
demos constatar que não se pode consegui- 
-lo de maneira total. O programa de Taylor 
comportava um elemento essencial que por 
vezes se esquece: ele propunha uma subida 
nítida de salários, com o fim de obter a in- 
dispensável adesão dos trabalhadores as no- 
vas condições de trabalho! Mas isso não bas- 
tou. A autonomia que parecia eliminada, 
voltou a surgir na empresa de maneira ve- 
lada, sob a forma de absentismo, de «ava- 
rias espontâneas)) encadeadas, de turn- 
+ver (6), do peças e máquinas partidas, de 
desperdícios.. .; ela ressurge igualmente a 
pleno dia nas lutas sociais, as greves e as 
manifestações, e finalmente nas greves sel- 
vagens e nas ocupações de fábrica. 
A psicologia industrial e o Taylorismo 
são duas respostas-duas respostas opos- 
tas-a uma mesma realidade. Enquanto 
que o taylorismo tenta eliminar a parte de 
autonomia que o trabalhador ainda con- 
(l) «Significação Social da psicologia. A Psi- 
cologia escolar)). Análise Psicológica, n.' 213 
-série II - Out. 1981/Março 1982. 
(a) Michel BONAMI, «Significações sociais 
das práticas psicológicas na empresa)), inédito. 
e) Artigo citado. 
(') As tentativas de ((hurnanização)) foram 
efectuadas por sociedades com grandes recursos 
financeiros, em sectores cuidadosamente limita- 
dos da produção, e num período de alta con- 
juntura económica, em que o crescimento cons- 
tante dos salários foi acompanhado por vezes de 
uma participação dos trabalhadores directamente 
nos lucros da produção, permitindo apostar na 
hipótese da colaboração dos trabalhadores. Hoje 
já se não tomam riscos desses. 
(') Rotação de pessoal: deixa-se a empresa 
desde que se possa encontrar um outro trabalho. 
(') Será a forma capitalista da produção in- 
dustrial que divide o homem, ou será que esta 
divisão resulta ela própria da industrialização da 
produção ela mesma? A resposta a esta questão 
depende da maneira como se responda a esta 
outra questão: a produção industrial pode - real- 
mente-ser acompanhada de um controle co- 
lectivo dos trabalhadores sobre o conjunto do 
processo de trabalho e sobre o produto do tra- 
balho? Podem-se evocar cooperativas, os sovietes, 
a autogestão jugoslava, as tentativas de autoges- 
tão na Europa Ocidental, o modo de gestão im- 
plementado nas empresas chinesas durante a re- 
volução cultural.. . O controle dos trabalhadores 
sobre o processo de produção estará assegurado 
nestes casos? Evidentemente que não. Apesar 
de tudo, tais estruturas institucionais tornam-no 
possível, em graus diversos, contrariamente ao 
modelo capitalista.550 
serva no processo de produção, a psicologia 
industrial, ao contrário, procura circunscre- 
ver certos «locais» da instituição em que ela 
se pode exercer sem comprometer zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo tra- 
balho. 
De que ((lugares)) da instituição se trata? 
Pode tratar-se, no melhor dos casos, das 
equipas semi-autónomas que certos psicoso- 
ciólogos conceberam, e que contribuíram 
para criar numa ou noutra empresa. São 
também os processos de muiquecimento)) 
das tarefas que por vezes, encorajaram, um 
sentido contrário zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAiis zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAopções tayloristas. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ 
pois no próprio seio do processo de trabalho 
que se encontram circunscritas mini-praias 
de autonomia, individual ou colectiva, man- 
tendo-se, evidentemente, a preocupação de 
evitar que os trabalhadores voltassem a apro- 
priar-se do conjunto desse processo. Na 
maior parte das vezes, como é sabido, a 
psicologia industrial procura reencontrar a 
autonomia dos trabalhadores, a margem do 
processo de trabalho. Procura, por exem- 
plo, oferecer-lhes satisfações marginais ao 
trabalho, como a difusão de música nos 
ateliers, a presença de cores ou de repro- 
dução de obras de arte nas paredes, a taça 
de café, um local de repouso, etc. E quando 
se trata de quadros técnicos, é-lhes ofere- 
cida uma ocasião de afirmar a sua inde- 
pendência em sessões de formação em rda- 
ções humanas, a medida que as funções de 
management se encontram, por sua vez, de- 
compostas, as responsabilidades parcelizadas 
e a sua autonomia nas decisões reduzida. 
Aquilo que eles perdem em termos de 
autonomia no trabalho, o operário tal como 
o quadro técnico, são convidados a reencon- 
trá-lo zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAdgures. O indivíduo encontra-se se- 
parado em duas partes, uma parte perdida 
e uma parte reencontrada, separação essa 
que vamos encontrar igualmente na sepa- 
ração do trabalho e dos tempos livres, e que 
resulta, ao fim e ao cabo, do modo de pro- 
dução industrial capitalista. 
3. O modo de produção industrial capitalista 
divide o homem em dois 
Terá sido o modo de produção industrial 
capitalista que dividiu zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo homem em dois? 
A tradição filosófica anterior ii revolução 
industrial testemunha de muitas tentativas 
para dar conta do fosso que se cava na 
consciência que o homem tem de si pr6prio. 
Mas esse desfasamento pode ser vivido de 
maneiras diversas pelos indivíduos e ele 
pode também materializar-se em formas s6- 
cio-históricas diferentes. O modo de pro- 
dução industrial é um exemplo diso. 
Neste caso o homem encontra-se separado 
da sua força de trabalho. A sua força de 
trabalho, quer dizer, a sua força muscular, 
a inteligência e a atenção que ele emprega 
no trabalho e que se encontram esgotadas, 
a noite, devido a fadiga, essa força que, na 
realidade não é outra coisa senão ele pró- 
prio, ele cede-a ao seu patrão em troca de 
um zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAsalário. Esta força de trabalho tornou-se 
mercadoria que se oferece sobre o mercado 
de trabalho e que tem um preço. Mas, como 
6 patente, o operário é simultaneamente o 
mercador e a mercadoria. I3 simultaneamen- 
te sujeito autónomo, livre de trabalhar ou 
de não trabalhar, e objecto de mercado. Ao 
alugar os seus serviços ele já se não pertence 
a si próprio durante o tempo fixado no 
contrato e o ((comprador)) dispõe da sua 
força de trabalho. E apesar de tudo ele 
não é um escravo, pois continua a ser, em 
certa medida, o proprietário da sua força de 
trabalho e pode retomá-la sob certas condi- 
ções. A relação salarial que nos é hoje tão 
Ifamiliar não deixa de ter inerente a ela uma 
ambiguidade e uma complexidade extremas! 
E isso a tal ponto que pucos assalariados 
são capazes de perceber onde terminam as 
suas obrigações e onde começam os seus 
direitos; até que ponto eles se pertencem ou 
não se pertencem a si próprios? O que é 
que se pode aceitar e o que é que se pode 
recusar ao seu empregado? 
Esta ambiguidade resulta do facto de a 
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força de trabalho não ser uma parte zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAdis- 
tinta do homem, ela não zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé outra coisa senão 
ele próprio no trabalho; de modo que, ao 
ceder a sua força de trabalho ao patrão, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
6 ele pr&prio, todo inteiro, que zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAse cede ao 
patrão! A menos que ... a menos que h re- 
Ia@o salarial se não sobreponha um pro- 
cesso de objectivação da força de trabalho: 
é zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAisso que acontece quando o assalariado se 
deve separar de uma parte de autonomia 
no exercício da sua força, e mais ainda 
quando ele zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAjá não assegura senão tarefas zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
de execução comandadas por uma vontade 
estrangeira, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe por maioria de razão quando 
a sua força é integrada no trabalho da má- 
quina. Neste zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcaso o homem separado da 
sua força de trabalho já não fica separado 
dele próprio todo inteiro, porquanto ele está 
dividido em dois: aquilo que ele entrega 
ao patrão em troca de um salário, é uma 
força de trabalho cega, enquanto que aquilo 
que ele guarda para si 6 o seu pensamento, 
as suas aspirações e a sua vontade. A bem 
dizer, a ausência de toda a objectivação da 
força de trabalho é rara na relação salarial, 
.e não pode ser observada senão entre os 
mais altos quadros técnicos, dispondo da 
maior autonomia no trabalho, e entregan- 
do-se por sua vez inteiramente ao trabalho, 
em troca de um salário ... No lado oposto 
da escola, onde se encontram os trabalhos 
de execução altamente mecanizados, parce- 
lizados, desqualificados, a objectivação da 
força de trabalho é a mais forte e é acom- 
panhada da mais fraca adesão ao processo 
de trabalho, aliada a uma ausência extrema 
de iniciativa. Contra a Taylorização mais 
brutal, porém, muitos trabalhadores ainda 
conseguem opor a .essa situação, uns restos 
de bom senso ('). 
Assim, de alto a baixo da hierarquia, o 
trabaihador assalariado encontra-se, a diver- 
50s graus, separado dele próprio, mas tam- 
bém igualmente dividido dentro dele mesmo: 
ele é simultaneamente um sujeito e um 
objecto. I3 este homem dividido que colnsti- 
tui o objecto da psicologia industrial. A psi- 
cologia industrial divide-se ((com toda a na- 
turalidade)) em duas orientações: uma orien- 
tação psicotécnica dirigida sobre o trabalha- 
dor-objecto, sobre a sua força de trabalho; 
e uma orientação psicosociol6gica dirigida 
sobre o trabalhador sujeito, sobre as suas 
((motivações)). 
4. Uma outra maneira de pensar m em- 
presa 
A maneira de pensar na empresa tor- 
nou-se -pelo menos em parte- psicoló- 
gica ... E isso aconteceu, não sob a influên- 
cia crescente da psicologia industrial ou gra- 
ças aos seus SUÇ~SSOS, mas porque como eu 
já o dissera de forma análoga para a es- 
cola - a empresa se encontrou, um belo dia, 
confrontada com a realidade que ela já não 
podia dominar apenas com a ajuda das suas 
próprias normas (no que respeita ao em- 
prego e ao recrutamento), e que ela já não 
podia gerir recorrendo apenas aos seus pró- 
prios valores (no que respeita A integração 
das pessoas na instituição). 
Tornou-se necessário que ela inserisse no 
seu discurso e que ela tomasse em consids 
ração, qualquer coisa que antes aí não d e 
smpenhava senão um papel secundário, ou 
seja, as ((aptidões)) e a «personalidade» de 
cada um dos seus agentes. Esta tomada em 
consideração tornou-se necessária em dois 
domínios limitados, mas importantes, o do 
recrutamento, e o da gestão do pessoal. 
I2 isso que

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