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Teatro Antropológico e Museologia


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APRESENTAÇÃO 
 
Neste número dos Informal Museology Studies republicamos um 
conjunto de textos de Cristina Tolentino sobre o Teatro antropológico e 
Eugénio Barba. Textos publicados pela autora, no âmbito dos seus 
trabalhos no grupo de teatro do Bayu, em Minas Gerais, estado de Belo 
Horizonte. 
BAYU, termo usado no Teatro-Dança Balinês, significa "vento, 
respiração". "Bayu define normalmente a energia do ator para os 
balineses. A expressão pengunda bayu afirma que esta energia está bem 
distribuída. O Bayu balinês interpreta literalmente o crescer e o decrescer 
de uma força que eleva. 
Os textos de Cristina Tolentino apresentam a sua aproximação ao 
teatro antropológico de Eugénio Barba, fundador do tatro Odin, nos anos 
setenta, que viaja pelo mundo até ao brasil. Entre nós encontra alguas 
expressões em algumas proposta desenvolvidas em museus e espaço 
culturais, nos quais sobressaem os trabalhos de Rita Sales nos seus 
“Foto.conto.grafias” do Teatro do elefante1, através da qual viajamos por 
pela proposta do teatro antropológico. 
O uso do teatro em museologia e nos Estudos do Património é o 
tema da reflexão que aqui fazemos a partir dos nossos trabalhos sobre a 
Poética da Intersubjetividade e o uso das metodologias psicodramáticas 
na museologia que fundamentam a oficina “Teatro da Memória” 
Ilha de Moçambique, outubro 2016 
 
Pedro Pereira Leite. 
 
 
1 http://wordpress.teatrodoelefante.net/o-teatro/equipa/rita-sales/ 
Informal Museology Studies, 15, autumn 2016 2 
DRAMA MUSEOLOGIA E PATRIMÓNIOS 
 
Pedro Pereira Leite2 
 
A museologia critica e compreensiva e os estudos do património não têm 
dado a relevância necessária á dramatização. A questão é tanto mais 
estranha se consideramos que a criação expografica é, em larga medida, 
a produção dum cenário onde se inscreve uma determinada narrativa. 
Por vezes a dramatização surge no âmbito dos serviços educativos como 
auxiliar dos processos de ensino aprendizagem. 
Há em vários museus, serviços educativos que 
procuram “animar” as visitas escolares através 
da dramatização das personagens históricas que 
os museus procura narrar. Nada temos contra 
este tipo de usos dos processos dramáticos em 
contexto museológico. Trata-se duma 
ferramenta comunicativa que se constitui como 
um complemento à narrativa base da instituição 
museológica que a aplica. 
No entanto essas estratégias comunicativas não exploram o potencial 
intersubjetivo que a dramatização pode desenvolver em profundidade. 
Essa é uma narrativa unidirecional, destinada a motivar aquele que 
assiste para uma dada história de que é apenas recetor passivo. Não 
são, nesse sentido estratégias ativas de aprendizagem. É nessa 
dimensão de emancipação, que a museologia crítica, tributária do 
pensamento nómada, se coloca propondo um uso da dramatização em 
contexto patrimonial, com a proposta do “teatro da memória”. Um uso 
criativo e inovador para uma ação emancipatória que apela à criação 
duma atitude ou ação crítica através do Drama. 
Entre a motivação da visita e a criação da ação emancipatória encontra-
se um largo espetro de possibilidade de ação nos processos museológicos 
que valerá pena refletir. Todos eles recorrem às técnicas teatrais. 
Técnicas ou instrumento que podem ser usados com maior ou menor 
destreza, com diferentes propósitos. 
 
2Mestre em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (1999); Diretora e 
Pesquisadora Teatral junto ao Grupo Bayu - Núcleo de Pesquisa Teatral, Coordenadora 
de Arte e Cultura do Colégio Marista Dom Silvério, Professora da disciplina Criação de 
Figurino do Curso Design de Moda da UNIBH 
Informal Museology Studies, 15, autumn 2016 3 
A questão da utilização das ferramentas dramáticas em museologia 
necessita de ser refletida e treinada. Não se trata apenas dum processo 
comunicativo para tornar a narrativa preexistente mais atraente, ou para 
criar uma motivação adicional para despertar a curiosidade pela visita. 
Trata-se duma atividade que permite aprender a ser, as estar e a fazer, 
permitindo os atos performativos treinar ou simular processos reais. 
Nesse sentido as técnicas performativas podem ser entendidas como um 
jogo. Um jogo que utiliza ferramentas que recorrem á criatividade e 
expressividade. 
Noutro trabalho voltaremos à questão da produção de criatividade e 
inovação social em museologia. Neste artigo apenas faremos uma 
revisão da nossa proposta de uso da 
museologia nómada como 
instrumento de trabalho no âmbito 
dos processos participativos 
museológicos e patrimoniais. 
Instrumentos e técnicas para 
intervir na sociedade, através da 
expressão dramática, como 
laboratório social. Um laboratório 
social que permite um encontro dos 
participantes consigo mesmo, com 
os outros e catalizar aprendizagens de vida, nas palavras de Maria Célia 
Moura Bastos3 
Na proposta da Poética da Intersubjetividade, (Leite, 20124) enunciamos 
os princípios do uso das técnicas performativas nos processos 
museológicos participativos. Na altura a propósito das hermenêuticas 
sócio biográficas enunciamos três desafios para o museólogo em 
contexto dos processos de investigação-ação. O primeiro, o 
autorreconhecimento como agente transformador. O segundo, a sua 
capacidade de agregar em grupo de relações horizontais (os círculos 
museológicos), enquanto espaço de experiencia laboratorial e de 
reconstrução de narrativas. E o terceiro, o sentido da ação política que 
desenvolve. Uma ação política que é transformadora, não apenas porque 
desafio o poder, mas uma ação que é transformadora porque procura 
 
3 Santos, Maria Célia (2002). “Reflexões museológicas: caminhos de vida” in Cadernos 
de Sociomuseologia Nº18- ULHT, Lisboa. 
4 Leite, Pedro Pereira (2012). Olhares Biográficos: a poética da intersubjetividade em 
museologia, Lisbos/Ilha de Moçambique, Marca D’Agua. 
Informal Museology Studies, 15, autumn 2016 4 
criar inovação. Inovação e criatividade como desafio político de 
transformação e como proposta dialógica. 
Após esse enquadramento, descrevemos a proposta do “Playback 
Theater” como proposta de trabalho em museologia. Como um 
instrumento de mediação onde, escrevemos então “a linguagem como 
narrativa performativa se constitui num processo de construção do real, 
dum real construído por cada um dos sujeitos” e que se encontra no 
grupo (Leite, 2012, 42). 
Apresentámos essa proposta como estratégia de mediação. Desde essa 
altura que temos vindo a aprofundar, em termos teóricos e em termos 
práticos esta proposta. Em termos teóricos, através da teoria e do 
método do Sociodrama, em termos práticos, através de vária oficinas, 
entra as quais salientamos a “Árvore das memórias”5. O método da 
oficina encontra-se descrito nesse documento. No entanto, neste último 
ano temos vindo a introduzir algumas metodologias do teatro de 
libertação no âmbito do sociodrama. 
Na “Oficina do teatro da memória” a técnica é introduzida na fase do 
aquecimento, procurando, ou propondo que cada participante crie uma 
frase duma história. É aconselhável que os participantes se encontrem 
em círculo, e cada um enuncia uma frase, que deverá ser completada 
pelo participante que se encontra ao lado de forma criativa para dar 
sequência à ação. É criada assim uma história coletiva a partir das frases 
e personagens de cada um. 
As personagens principais são de seguida convidadas a assumir a 
representação. A assistência pode entrar ou siar de personagens. 
Durante a representação, o diretor pode intervir, usando as técnicas do 
sociodrama, tal como o solilóquio, o espelho, a inversão do papel, o 
duplo, a estátua e propor interpolação de resistência, ou representações 
simbólicas de acordo com a sua avaliação do drama. No final a discussão 
segue os procedimentos normaisde escutar a consciência da ação a 
partir do indivíduo. 
Ao longo deste cinco anos o uso do método, em contexto escolar e 
universitário mostrou a sua validade e potencialidade. Através dele 
criamos relações de proximidade e reconhecimento do outro. Criamos 
pontos de encontro e pontes para o reconhecimento da diferença. 
 
5 
http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/handle/10437/7312/arvoredasmemoriascidadee
ducadoras_artigo.pdf?sequence=1 
Informal Museology Studies, 15, autumn 2016 5 
A aplicação da proposta duma pedagogia relacional, não só acrescentou 
consciência sobre o outro, base dos laços de confiança onde se constrói a 
ação social, como nos conduziu através do exercício da memória. Em 
suma a proposta de uso da metodologia de dramatização permitiu criar, 
ao longo deste tempo diferentes representações do mundo como 
expressão da vontade das 
consciências dos participantes. 
Na altura verificamos também, 
para além da inovação do uso 
das técnicas de representação 
dramática, aplicada ao 
conhecimento dos indivíduos e 
dos grupos, para produção de 
processos museológicos, que o 
rigor no manejo da técnica era 
fundamental para assegurar a 
qualidade e fiabilidade dos resultados. Ao longo dos últimos anos temos 
vindo a comprovar essa necessidade e continuamos empenhados em 
estudar a sua prática e a criar condições laboratoriais para a sua 
experiencia. 
Na verdade, como então concluímos, a poética da intersubjetividade que 
emerge dos métodos de representação são formas base da experiencia 
de si dos sujeitos epistémicos, ao mesmo tempo que constituem 
momentos de libertação por via de ações comunicativas. Através da 
consciência de si emerge a dimensão de libertação que é uma dimensão 
poética que traduz uma síntese dos olhares sobre o mundo. A 
convergência dos olhares sobre o mundo permite a emergência da 
emancipação social e o empoderamento dos seres e das comunidades. 
Um empoderamento que se concretiza no espaço e no tempo. 
Os textos que se seguem constituem uma proposta de reflexão teórica a 
partir da teoria do teatro, que suportam o nosso “teatro da memória”.

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