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CAIADO, Kátia R M Quando as pessoas com deficiência começam a falar_ histórias de resistência e lutas In_ JESUS, D M ; BAPTISTA, C R ; BARRETO, M A S C ; VICTOR, S L (Orgs )

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E! defecto no es sólo debiHdad, sino también fuerza (Vygotski, 1995 p.33).
210Editora Mediação
1 Docente no Programa de Pós-Graduação em Educação e 
e-mail: kaiado@uol.com.br.
Katia Regina Moreno Caiado1
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
no Curso de Pedagogia da PUC-Campinas,
20. QUANDO AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA COMEÇAM 
A FALAR: HISTÓRIAS DE RESISTÊNCIA E LUTAS
Dados estatísticos do censo de 2000 revelam que 14,5% da população 
brasileira possuem algum tipo de deficiência. Importante destacar que a Organiza­
ção Mundial de Saúde, em I989, já alertava para a “associação entre deficiência e 
pobreza, uma vez que em países subdesenvolvidos o percentual de deficientes 
chega a ser cerca de I5% maior quando comparado com os desenvolvidos" (Neri, 
2003, p. 105). Os dados brasileiros revelam que grande parte das pessoas deficien­
tes sofre as conseqüências da desigualdade social que assola o país e exclui milhões 
de pessoas do acesso aos direitos sociais como: educação, saúde, trabalho, trans­
porte, esporte, cultura e lazer. Todavia, a história nos revela que tais direitos são 
conquistas de lutas travadas pela cidadania (Gohn, 2001; Loureiro, 2002).
Nesse contexto, se coloca a organização de pessoas com deficiência como 
imperativa na definição de políticas públicas para a superação da exclusão e cons­
trução de uma sociedade digna.
No Brasil, as pessoas com deficiência começam a se organizar na luta por 
seus direitos em I954, com a criação do Conselho Brasileiro para o Bem-Estar 
dos Cegos. Nesse período, pais de crianças deficientes se organizavam para criar 
instituições para atendimento clínico e educacional para seus filhos, uma vez que o 
Estado oferecia vagas insuficientes em serviços públicos. Algumas dessas institui­
ções formaram grandes federações nacionais que existem ainda hoje e têm força 
política e de mobilização para interferir em definições de políticas sociais. Mas, 
sem dúvida, o marco na organização das pessoas com deficiência no Brasil é 1980, 
o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, quando se realizou o primeiro en­
contro nacional. Com o lema “Participação plena e igualdade” reuniram-se mil 
participantes dentre pessoas cegas, surdas, deficientes físicas e com hanseníase. A 
partir daí, o movimento se integra às redes internacionais e novas organizações 
surgem no Brasil (Corde, I996, p. I2-I3).
mailto:kaiado@uol.com.br
Denise Meyrelles de Jesus et al. 211
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Nesse período, avançam as mobilizações dos trabalhadores no país. A 
partir da luta contra a ditadura militar os movimentos urbanos ressurgem e se 
intensificam pela construção da cidadania. Trabalhadores e grupos até então si­
lenciados se reúnem e se organizam em sindicatos, associações e conselhos (Sader, 
1995; Dagnino, 2002; Gohn, 2003).
Em Campinas, São Paulo, no ano de 1981, é criada uma comissão para 
organizar no município as comemorações do Ano Internacional das Pessoas Defi­
cientes. Dessa comissão surgirá, posteriormente, o Conselho Municipal de aten­
ção à pessoa deficiente e com necessidades especiais.
Em pesquisa anterior, intitulada “Conselho Municipal de Atenção à Pessoa 
Deficiente: Sociedade Civil Organizada” (Caiado, 2004), participei de inúmeras 
reuniões e atividades desse conselho e assim convivi com pessoas deficientes que 
trazem histórias de vida tecidas em diferentes lugares sociais, com diferentes ma­
nifestações orgânicas, singulares vivências afetivas, diferentes percursos escolares 
e profissionais. Muito interessante destacar é a intensa e crescente participação da 
pessoa com deficiência nesse movimento. Se no início eram pais e profissionais 
que por eles reivindicavam seus direitos, aos poucos tomam a palavra e, sem tutela, 
sua voz começa a ecoar.
Dessa convivência logo percebi que, dentre os conselheiros deficientes, 
alguns representavam grupos já organizados enquanto outros vivenciavam suas 
primeiras experiências de participação social organizada.
Compreendendo-se que movimentos sociais são “ações sociais coletivas 
de caráter sócio-político e cultural que viabilizam distintas formas da população se 
organizar e expressar suas demandas” (Gohn, 2003, p. I3), ao se organizarem as 
pessoas deficientes podem assumir um novo paradigma de sociedade e de homem, 
o que pode alterar as grades invisíveis do consenso que as proclama incapazes; 
construção secular de uma memória social que os identifica como excluídas.
Assim, ao conviver com pessoas deficientes que participam desses movi­
mentos e refletir sobre essa histórica exclusão, uma forte pergunta se impôs: 
quais dimensões da vida as impulsionam para a luta emancipatória?
Em nosso país nos acostumamos com pessoas deficientes caladas, sem 
voz. Impossibilitadas de sair de casa por barreiras materiais ou por uma visão de 
mundo hegemônica que as intitula incapazes e culpadas pela condição em que se 
encontram vítimas.
No entanto, descobri vozes firmes que se colocam na luta pela constru­
ção da cidadania e me perguntei: qual é a trama que compõe o tecido dessas vidas? 
Que tecido é esse que os impulsiona para a participação social? De qual lugar 
social falam? Quais as lembranças que compõem o tempo de suas vidas? Que 
experiências de vida relatam? O que suas memórias nos revelam sobre a constru­
ção de suas identidades?
212 INCLUSÃO, PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E TRAJETÓRIAS DE PESQUISA
Objetivos
Método e procedimentos
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Conhecer a história de vida de pessoas deficientes que participam de 
grupos organizados na luta de seus direitos e analisar algumas das dimensões da 
vida que os impulsionam para a luta.
Para alcançar os objetivos, busquei os fundamentos teórico-metodológicos 
do método dialético. Conforme Saviani (2000, prefácio à sexta edição), baseado 
no texto “Método da economia política”, de Marx, o método é caracterizado 
como um movimento que parte da síncrese (a visão caótica do todo) e chega, pela 
mediação da análise (às abstrações e determinações mais simples), à síntese (uma 
rica totalidade de determinações e de relações numerosas).
Nessa perspectiva teórico-metodológica, neste estudo os dados empíricos 
(síncrese) foram construídos com fontes orais, entrevistas com pessoas deficien­
tes. Para análise desses dados foram consideradas fontes documentais, tais como: 
revisão bibliográfica, legislação, documentos de organismos nacionais e internacio­
nais que abordam a temática em estudo. O esforço da abstração passa pela cons­
trução de categorias que colaborem na elaboração da síntese enquanto “momen­
to em que o fenômeno estudado é captado e compreendido como totalidade 
articulada” (Saviani, 2000). Assim, neste estudo trabalhei com fontes documentais 
e fontes orais. Embora a prevalência dos dados esteja nas fontes orais.
Assim, entrevistei cinco pessoas deficientes, maiores de 18 anos, que atuam 
em movimentos sociais que lutam pelo direito à vida digna. Dentre essas cinco pes­
soas, duas têm deficiência física, uma tem deficiência visual e duas são surdas. Pessoas 
com deficiência mental, na maioria das vezes, ainda são representadas por seus pais. 
Embora já existam algumas iniciativas no Brasil de criação de fóruns de auto-advoca- 
cia, que visam “ao envolvimento da própria pessoa com deficiência mental na defesa 
de seus direitos e na expressão de suas necessidades” (Neves, 2003, p. 164), não 
temos essa experiência no município da pesquisa.
As entrevistas realizadas estão filmadas (participantes surdos) ou grava­
das (demais participantes). Abro parênteses para relatar o singular processo de 
construção dos depoimentos com os participantes surdos, a Patrícia e o Nelson. 
Os dois são fluentes na língua de sinais o que exigiu uma intérprete durante as 
entrevistas. Busquei contato com uma intérprete que também participa do movi­
mento da comunidade surda, pois embora ouvinte é casada com um rapaz surdo. 
Ela intermediou a entrevista e transcreveu as fitas. Minha experiência com trans­
crição de depoimentos orais é, em média, uma hora de gravaçãopara sete horas 
de transcrição. Com depoimento gestual uma hora de gravação significou, em
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Análise e discussão dos dados
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média, trinta horas para transcrição. Luchesi (2003, p.29) que também entrevistou 
adolescentes surdos afirma que na transcrição “a dificuldade não se constituía ape­
nas em traduzir os sinais para a linguagem escrita. Havia, também, uma pletora de 
recursos expressivos dos mais ricos e variados que precisavam ser considerados. 
Expressões faciais, pausas e movimentos corporais faziam parte dos discursos’’.
A entrevista consistia em duas perguntas norteadoras:
- Quais as lembranças que tem da sua vida, da sua infância até os dias de hoje?
- Conte-nos sobre sua participação no movimento de luta pelos direitos 
das pessoas com deficiência.
Após a realização das entrevistas todo o material foi transcrito e apre­
sentado aos participantes.
Finalizada essa etapa, iniciou-se o trabalho de construção das categorias 
de análise. A construção das categorias se deu no processo de leitura e releitura 
das entrevistas sempre com o objetivo do trabalho presente à luz do referencial 
teórico que fundamenta o estudo. Nesse processo as categorias principais que 
emergiram são: o papel da educação e do trabalho no processo de humanização; o 
papel formador dos movimentos sociais; a superação dos preconceitos; a atitude 
de enfrentamento dos problemas; a auto-imagem positiva; o apoio familiar; as 
barreiras arquitetônicas e sociais.
As trajetórias de vida são ímpares:
Alessandro nasceu em Queimados, no Rio de Janeiro, vítima de um 
assalto na periferia de Campinas onde reside, ficou paraplégico, abandonou a esco­
la na 5a série antes do acidente.
ísis nasceu com deficiência física, tem o curso superior completo, o grau 
de escolaridade dos pais é pós-graduação, a família tem três computadores em casa. 
Atualmente é professora de educação especial na rede municipal de Campinas.
Matilde nasceu cega em Pernambuco, pai militar trouxe toda a família 
para São Paulo. Ela terminou o ensino médio e é funcionária pública. Casada e 
separada, tem dois filhos.
Nelson nasceu surdo em São Paulo, capital. O pai, da polícia militar, foi 
morto quando ele tinha 12 anos. Estudou até a 5a série. Metalúrgico aposentado, 
trabalhou 27 anos na Bosh, hoje é pastor evangélico na comunidade surda. E casa­
do e tem um filho.
Patrícia nasceu surda em São Paulo, capital. Ensino médio completo, é 
intérprete multiplicadora formada pela FENEIS e trabalha na Motorola. Casada e 
separada com rapaz surdo, o casal tem dois filhos ouvintes.
214 INCLUSÃO, PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E TRAJETÓRIAS DE PESQUISA
Excertos de falas
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O papel formador dos movimentos sociais
No momento que eu comecei a participar do movimento eu tomei consciência 
que tinha garantido por lei o meu direito de ir e vir sem barreiras arquitetônicas. Aí 
eu fui à luta querendo participar de tudo e sem ter barreiras. (Isis).
Eu pensava para que esses congressos, depois eu entendi esses congressos 
mostra para surdos como é importante os surdos podem ser inteligentes, os surdos 
podem usar Língua de Sinais não importa ser oralizado e fazer boa leitura labial ou 
nada de leitura labial mais importante é a cabeça ser inteligente. Eu sempre observava 
e continuava em vários congressos (Patrícia).
Em comum todos residem em casa própria e apenas um entrevistado não 
tem plano de saúde. A renda mensal declarada é maior do que cinco salários míni­
mos em todas as famílias, a maior renda declarada foi de IO salários mínimos. A 
mortalidade infantil está presente na família de origem de três dos entrevistados. O 
grau de escolaridade dos pais dos entrevistados é no mínimo a 4a série completa.
A superação dos preconceitos
Na rua de cima eu conheci uma moça, foi a primeira pessoa que me olhou como 
gente. Todos me olhavam com espanto, curiosidade e até repulsa. Ela me olhou como 
olharia qualquer outra pessoa. Nossa, depois de tanto tempo espiado como bicho, 
foi cativante. Isso me impressionou e eu pensei que outras pessoas poderiam me 
olhar assim...o ser humano sabe ser cruel, com palavras, com gestos, com brincadeiras 
e piadas. Mas eu tentei lidar, ignorar. Também surgiram aqueles que não discriminavam 
e vinham para conversar (Alessandro).
Eu comecei a freqüentar movimentos envolvidos na área de deficiência, porque 
em 1981 foi o ano internacional da pessoa com deficiência. Eu já estava em Campinas 
nessa época e vi várias deficiências, conheci várias pessoas deficientes, e vi que estas 
pessoas estavam trabalhando e lutando, e estavam lutando por dias melhores e 
enfrentando a sociedade! (Matilde).
O papel da educação e do trabalho no processo de humanização
Antes de sair da depressão, minha mãe trazia os livros e eu comecei a ler, lia 
tudo. Vamos dizer que eu saia da cama e conhecia lugares, pessoas. Os livros mudaram 
a minha cabeça, fiz uma reforma gera! Eu queria conhecer mais, saber mais...tr para a 
escola era um desafio, um teste. Eu queria saber como lidaria com esse ambiente, 
longe da família, dos vizinhos...Quando eu era criança desmontava todos os brinquedos, 
depois se tinha mau contato no ferro de passar eu abria e consertava. Mas no livro de 
eletrônica eu aprendi o fundamento, o nome da peça, qual era o defeito e como fazer 
para consertar. E o pessoal começou a trazer vídeo game, microondas, televisão, e 
comecei a fazer serviços, o pessoal valorizou e todo mundo me traz coisas para 
arrumar, eu desenvolví essa parte do convívio social eganho um dinheiro (Alessandro).
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A auto-imagem positiva
Nunca eive vergonha de andar de carrinho, de andador ou de cadeira de rodas. 
Meus pais me criaram muito legal com essa visão: eu sou muito bonita! Não temos 
que nos menosprezar, temos que gostar muito do que fazemos e do que somos. Eu 
acho que é isso (Isis).
O apoio familiar
Quando eu tinha quatorze anos e ia fazer quinze, nunca me esqueço desse 
momento, foi em outubro, no fórum permanente de acessibilidade, minha mãe disse: 
Isis, está na hora de você começar a participar dos movimentos. Eu vou te levar a um 
seminário, na escola de cadetes. Minha mãe me levou e ficou lá comigo o dia inteiro. 
Aliás, foram dois dias. O primeiro dia ela foi comigo e no segundo dia eu já fui sozinha 
(Isis).
Voltando, antes a professora Ditinha tinha me ensinado como falar, me ensinou, 
eu aprendi falar porque eu tinha vontade (com ênfase na expressão facial), 
entendeu!...Primeiro colegial não precisava professor de reforço, não precisava eu já 
tinha aprendido, porque eu tinha me esforçado muito (Patrícia).
Nada me deprime ou me deixa triste, porque a deficiência ela está em mim não 
está em você e se eu não me amar como pessoa, eu não conseguiría viver nem com os 
meus filhos! (Matilde).
Passado Bosh sindicato anunciou para esperar e parar de trabalhar. Eu trabalhando 
ouvinte chamou eu e falou para parar de trabalhar. Eu perguntei por que parar! Por 
quê! Homem falou sindicato avisou parar porque chefe mandou embora um eu ajudar 
o homem. Todos pararam eu também. Surdo seis eu fui procurar surdos para avisar
Uma atitude de enfrentamento dos problemas
Na Motorola, todos os surdos não tinham coragem de lutar. Todos tinham medo, 
se eu lutar Motorola manda embora, eles pensa. Eu falei não nós temos direito. Eu 
pensei, perguntei para o supervisor: por favor se tiver outra reunião ou palestra traz 
um intérprete,por favor. Ele falou:Tá bom, tá bom...já outra reunião e nada intérprete, 
não tem. Eu sofri. Tive idéia na internet. Eu procurei lei de intérprete, encontrei, 
achei, imprimi três papéis. Levei na Motorola e chamei grupo de surdos. Todos 
assustaram. - Você coragem! - Vocês têm medo!! Eu coragem! Dei para supervisor ele 
falou depois vou ter. Eu falei: Ta bom, mas por favor, té verdade. Eu fiquei torcendo. 
Demorou..., um mês depois teve palestra, eu fiquei de queixo cai do porque teve a 
Vanessa intérprete.Eu fiquei feliz (Patrícia).
As barreiras arquitetônicas e sociais
As salas ambientes foram torturantes, porque eu me locomovia muito devagar 
e acabava perdendo metade das aulas. A partir da terceira série já tinha sala ambiente 
e ficava muito difícil para eu ir de um lado para outro e a escola não arredou o pé do 
sistema da sala ambiente (Isis).
Resiliència, resistência e deficiência
relações humanas, na
Editora Mediação
Na época da separação fui alugar uma casa e o dono falou: Mesmo a senhora 
trabalhando se não tiver um fíador eu não alugo a casa, porque não tem condições de 
uma pessoa que não enxerga morar aqui com duas crianças! (Matilde).
216 inclusão, práticas pedagógicas e trajetórias de pesquisa
em língua de sinais o que estava acontecendo. O homem do sindicato falava no 
microfone. Todo mundo olhando ouvinte e o grupo de surdos fícava conversando. 
Eles perguntavam para mim o que falavam na reunião eu falava não sei deixa para lá 
vamos conversar outra coisa (Nelson).
Resiliència é um conceito utilizado na física e na engenharia desde 1807. 
Define-se como “a capacidade de um material absorver energia sem sofrer deforma­
ção plástica” (Yunes; Szymanski, 2002, p. 15). Na área da saúde,“resiliència é a capacida­
de de uma pessoa resistir a uma doença, a uma infecção” (Pereira, 2002, p.86).
Na psicologia o conceito aparece em trabalhos da década de 80 muito 
associado ao conceito de invulnerabilidade que é empregado para descrever cri­
anças que, mesmo sob intensa carga de estresse e sofrimento, apresentavam saúde 
mental. O foco desses estudos centrava-se na capacidade individual de resistir à 
adversidade, adaptar-se à situação e, portanto, ser invencível ou invulnerável 
(Sapienza; Pedromônico, 2005).
Atualmente, Grotberg (2005, p. 15) afirma que o avanço na área do de­
senvolvimento humano aponta que, relacionados ao conceito de resiliència, estão 
os conceitos de prevenção e de promoção. Portanto, nessa perspectiva, o 
enfrentamento às adversidades é um processo social de aprendizado e não uma 
simples resposta individual e espontânea ao estresse. Infante (2005, p.24) diferen­
cia os conceitos de invulnerabilidade como algo intrínseco ao indivíduo e resiliència 
como um processo dinâmico de aprendizado social, que envolve características 
individuais, familiares e comunitárias. Grotberg afirma que a definição atual de 
resiliència é apresentada como “a capacidade humana para enfrentar, vencer e ser 
fortalecido ou transformado por experiências de adversidade” (op.cit., p. 15) e 
que, diferentemente dos trabalhos anteriores, essa capacidade humana é agora 
vista como construção social que pode ser promovida nas 
escola, na comunidade, na família.
Estudos em países da América Latina definem a resiliència comunitária 
como uma possibilidade de repensar o objeto de estudo na área dos atributos dos 
indivíduos às condições coletivas de grupos humanos ou sociedades para enfrentar 
as adversidades e procurar, em conjunto, a obtenção de seu bem-estar (Ojeda, 
2005, p.49).
A complexidade que o conceito atualmente ganha é apontada por Assis, 
Pesce e Avanci (2006) que alertam para a facilidade com que se pode entrar num
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Eu defendo todos surdos porque eu estou vendo minha carne já sofreu. Eu vi, eu 
vou lutar até eu morrer eu vou mesmo eu velhinha ou cadeirante eu vou lutar, eu vou 
(ênfase corporal).
discurso ideológico ao trabalhar a resiliência numa perspectiva de adaptação soci­
al, ou seja, são resilientes quem se submete às normas sociais vigentes e aqueles 
que estariam mais protegidos principalmente por pertencerem às camadas privile­
giadas. Para as autoras, “a resiliência está ancorada em dois grandes pólos: o da 
adversidade, representado pelos eventos desfavoráveis, e o da proteção, voltado 
para a compreensão de fatores internos e externos do indivíduo, mas que o levam 
necessariamente a uma reconstrução singular diante do sofrimento causado por 
uma adversidade (p. I9)”.
Ao retomar um dos objetivos desta pesquisa que foi analisar algumas das 
dimensões da vida que os impulsionam à luta, entendo a importância do conceito de 
resiliência para a compreensão das possíveis determinações que engendram forças 
em algumas pessoas com deficiência para se dedicarem às lutas coletivas de conquis­
ta dos direitos para todo o segmento. É inegável que os entrevistados trazem carac­
terísticas pessoais de auto-estima, disposição interna para a resolução e o 
enfrentamento de problemas e apoios sociais, seja na família ou comunidade. Aqui se 
entende que essas características pessoais são construídas na intersubjetividade, na 
relação com o outro, com a cultura. Mas também é inegável que a possibilidade de 
participação, a abertura de canais sociais para mobilização em busca de políticas 
públicas está associada ao modelo proposto por Ojeda (2005) que propõe a resiliência 
comunitária como forma de garantir o enfrentamento coletivo das adversidades e a 
compreensão de que é na força do grupo que a força individual emerge.
Diante de todos os relatos quanto às barreiras arquitetônicas e sociais 
que enfrentam cotidianamente fica a pergunta: a adversidade é a deficiência ou a 
falta de políticas públicas que favoreçam condições adequadas de mobilidade, de 
formação sólida para educadores, enfim na garantia dos direitos à vida digna?
Se as trajetórias de vida são ímpares, todas se encontraram na disposição 
que cada participante revelou de lutar por seus direitos à vida com dignidade e de 
ampliar essa luta a todas as pessoas com deficiência.
Refletir sobre as dimensões da vida que os impulsionaram para a luta nos 
levou a discutir vários temas: o papel da educação e do trabalho no processo de 
humanização; o papel formador dos movimentos sociais; a superação dos precon­
ceitos; a atitude de enfrentamento dos problemas; a auto-imagem positiva; o apoio 
familiar; as barreiras arquitetônicas e sociais.
Numa primeira reflexão pode-se pensar que as barreiras não impulsio­
nam, são fatores de risco e vulnerabilidade. No entanto, no contexto das trajetó­
rias de cada um dos participantes, elas funcionaram como um doloroso aprendiza­
do, como muito bem sintetizou a Patrícia:
218 INCLUSÃO, PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E TRAJETÓRIAS DE PESQUISA
Referências
Editora Mediação
ASSIS, S. G.; PESCE, R. P.jAVANCI, J. Q. Resiliêndar. enfatizando a proteção dos adolescentes. Porto Alegre: 
Artmed, 2006.
Ao nos emprestarem suas lembranças, eles nos contam que, com os li­
vros, a escola, o trabalho e o movimento reencontraram a vida, saíram de casa, 
adentraram no espaço social, cultural e histórico. Portanto, nos espaços criados e 
transformados pelos homens.
Saviani (2000) afirma que o homem precisa produzir continuamente sua 
existência pelo processo de transformação da natureza que é feito pelo trabalho, 
e para realizar o trabalho precisa se apropriar do conhecimento socialmente pro­
duzido. Na singularidade de cada participante, ao entrar em contato com a leitura, 
com a escola enquanto espaço ímpar na sociedade atual de socialização do saber e 
com o trabalho, ele reencontra-se como homem, sujeito histórico.
Ao encontrarem os grupos organizados que discutem e lutam por seus 
direitos, têm a possibilidade de re-elaborar uma nova identidade, estabelecem 
parâmetros de pertencimento a um coletivo e, com a experiência da luta que 
travam dentro das organizações, têm a oportunidade de se perceberem cidadãos 
com direitos. E o papel formador do indivíduo, sujeito histórico, dentro dos movi­
mentos sociais pela participação nos “processos de lutas sociais voltadas para a 
transformação das condições existentes na realidade social” (Gohn, 2001, p.25).
Sobre os impulsos para a vida, recordam as dores dos preconceitos, a 
importância de pertencer novamente ao grupo e ter convívio social.
Alessandro, no olhar da moça que o percebe como gente, sem curiosida­
de, repulsa ou espanto, descobre que pode retornar à vida entre pares. Desse 
encontroganha forças vitais para enfrentar os olhares marcados pelo preconceito 
e, assim, a se constituir menos vulnerável. Dentro da abordagem histórico-cultural, 
na qual o homem se constitui na relação com o outro, essa energia vital que nos 
faz buscar o convívio social engendra mecanismos de compensação psicológica que 
nos impulsionam para a vida coletiva (Vygotski, 1995).
Esta é uma das possíveis leituras que pude fazer nesta pesquisa. Aqui, 
trabalhar com a história oral foi uma opção política de dar voz aos excluídos e 
uma opção científica metodológica de estudar o indivíduo real, socialmente cons­
tituído, produto e criador da história, indivíduo que pertence a um grupo social, 
que vive em relações. A trajetória de vida passa a ser uma unidade de análise 
reveladora da relação entre o social e o indivíduo, uma vez que as lembranças 
marcadas na memória dessa vida expressam as possibilidades históricas concretas 
de ela se constituir.
Denise Meyrelles de Jesus et al. 219
Editora Mediação
CAIADO, K. R. M. A luta pela cidadania na voz da pessoa deficiente: o Conselho Municipal de Atenção à 
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