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A economia açucareira nordestina nos séculos XVI e XVII Furtado: capítulos 3 a 12 Sumário • Introdução • Mercado de açúcar • Cana no Brasil • Produção e tecnologia • Mão-de-obra • Renda, rentabilidade e dinâmica da economia açucareira Introdução • Povoamento do Brasil: além do extrativismo • Colonização agrícola: desafio • Açúcar: demanda crescente • Primórdios: Algarve e Ilha da Madeira • Elementos embrionários: – escravos - propriedades reduzidas – engenho real - capitais flamengos e florentinos – senhores de engenho e lavradores de cana 14 engenhos e 209 proprietários em 1494 Mercado de açúcar • Do luxo a massa: crescimento da oferta preços ainda no século XV e início XVI elevação do consumo mais popular: doces e confeitos • Expansão do mercado: distribuição – Evaldo portugueses não tinham grande frota marítima • Flamengos no século XVI Holandeses no XVII • Cristãos-novos portugueses • Refino do açúcar: Antuérpia Amsterdã em 1595 3 a 4 refinarias 25 em 1620 e 50 em 1662 • Investimentos elevados: financiamento compras e vendas a crédito: açúcar e importados Usura: juros limitados “Somente os mercadores estavam autorizados a auferir juros em empréstimos, mas com taxas limitadas a 12% ao ano e que não ultrapassassem o ganho que pudessem granjear comerciando com o valor emprestado. A Inglaterra seguiu a mesma política, e Henrique VIII fixou um limite de 10%, que, depois de revogado por seu filho, foi restaurado por Elisabeth I em 1571, para ser reduzido a 8% em 1624.[...] Os juros de mercado para empréstimos a mercadores teriam caído de cerca 8% em 1596 para cerca de 7% em 1610, e abaixo de 5,5% no final da década, segundo Oscar Gelderblom e Joost Jonker, ou, de acordo com Pit Dehing, de cerca de 10%, entre 1600 e 1604, para 6,5%, em média, entre 1610 e 1614.{B}/[nota 8] Em Portugal, como veremos, admitiam-se taxas de até 12% ao ano nas letras de câmbio. (STRUM, 2012, p. 341) Cana-de-açúcar no Brasil • Primeiras mudas e engenho de cana em São Vicente (1533) – Martim Afonso de Souza – financiamento flamengo: engenho dos Erasmos • Duarte Coelho em PE: preocupação com a distribuição, financiamento e diversificação falece em 1554 e a capitania tem 5 engenhos • Governo Geral (1548): reativa a Bahia jesuítas em 1549: catequese indígena • Expansão na segunda metade do século XVI, principalmente após 1570 • Não há restrição de terras, solo e clima favorável Produção da Madeira, São Tomé e Brasil Dízimo imposto sobre 10% do valor da produção Primeiros relatos • Pero de Magalhães Gandavo, escrevendo possivelmente na sexta década do século XVI, relaciona os engenhos do Brasil: Itamaracá: um engenho e dois em construção Pernambuco: 23 engenhos, dos quais 3 ou 4 em construção Bahia de Todos os Santos: dezoito engenhos Ilhéus: oito engenhos Porto Seguro: cinco engenhos Espírito Santo: um engenho São Vicente: quatro engenhos Total de 62 engenhos de açúcar, sendo 5 ou 6 em construção • Ambrósio Fernandes Brandão, autor dos "Diálogos das Grandezas do Brasil" (1618), afirma-nos: “É necessário que tenha 50 peças de escravos de serviço bons, 15 ou 20 juntas de bois com seus carros necessários aparelhados, cobres bastantes e bem concertados, oficiais bons, muita lenha, formaria, grande quantidade de dinheiro, além de serem muito liberais em darem a particulares dádivas de muita importância.” Produção e tecnologia - I • Cana própria e dos lavradores lavradores: livres, obrigados e arrendatários • “Uma máquina e fábrica incrível” (Pe Fernão Cardim, 1583-90) Antonil • Regadio na Europa e Ilhas fábrica • Etapas da produção: cultivo, moagem, cozimento e purga - complexidade • Variáveis chaves: tempo, jornadas longas, especialização e qualificação - mestre • Escala: grande número de braços – 50 a 60 Antonil MOEM-SE AS CANAS metendo algumas delas, limpas da palha e da lama (que para isso, se for necessário, se lavam), entre dous eixos, aonde, apertadas fortemente, se espremem, metendo-se na volta que dão os eixos, os dentes da moenda nas entrosas, para mais as apertar e espremer entre os corpos dos eixos chapeados, que vêm a unir-se nas voltas; e, depois delas passadas, torna-se de outra parte a passar o bagaço, para que se esprema mais, e de todo o sumo, ou licor que conserva. E este sumo (ao qual depois chamam caldo) cai da moenda em uma cocha de pau, que está deitada debaixo da ponte dos aguilhões, e daí corre por uma bica a um parol metido na terra, que chamam parol do caldo, donde se guinda com dous caldeirões ou cubos para cima, com roda, eixo e correntes, e vai para outro parol, que está em um sobradinho alto, a quem chamam guinda, para daí passar para a casa das caldeiras, aonde se há de alimpar. No espaço de vinte e quatro horas, mói-se uma tarefa redonda de vinte e cinco até trinta carros de cana, e em uma semana das que chamam solteiras (que vem a ser, sem dia santo) chegam a moer sete tarefas, e o rendimento competente é uma forma ou pão de açúcar por fouce, a saber, quanto corta um negro em um dia. Nem o fazer mais açúcar depende de moer mais cana, Produção e tecnologia - II • Incentivos da Coroa: controle da tecnologia • Restrição da moagem: força hidráulica • Engenho de Entrosas: inovação ±1610 – Três rolos na vertical, A. B. Castro • Engenhos mais eficientes e movido a tração animal expansão canavieira • Cresce a produção média dos engenhos • Melhor participação aos lavradores na renda Ilha da Madeira desloca-se para a vinicultura Antonil Quem chamou às oficinas, em que se fabrica o açúcar, engenhos, acertou verdadeiramente no nome. Porque quem quer que as vê, e considera com a reflexão que merecem, é obrigado a confessar que são um dos principais partos e invenções do engenho humano, o qual, como pequena porção do Divino, sempre se mostra, no seu modo de obrar, admirável. Dos engenhos, uns se chamam reais, outros, inferiores, vulgarmente engenhocas. Os reais ganharam este apelido por terem todas as partes de que se compõem e de todas as oficinas, perfeitas, cheias de grande número de escravos, com muitos canaviais próprios e outros obrigados à moenda; e principalmente por terem a realeza de moerem com água, à diferença de outros, que moem com cavalos e bois e são menos providos e aparelhados; ou, pelo menos, com menor perfeição e largueza, das oficinas necessárias e com pouco número de escravos, para fazerem, como dizem, o engenho moente e corrente. Mão-de-obra – I • Escravidão: escassez populacional na Europa e abundância de terras na colônia • Trabalho no engenho “insuportável” ao europeu, só por curto período nas Antilhas • Indígenas: dificuldade do trabalho excedente, além da subsistência – Mortalidade e epidemias – resistência e fugas – Relegado às áreas mais pobres índio administrado – Reduções jesuítas no NO e Sul Além das doenças: Guerras do gentio Proibições à escravidão indígena Mão-de-obra – II • Africano: “são as mãos e os pés do senhor” Antonil – Já empregado na Madeira e em Portugal desde 1441 – Tráfico amplia acumulação - Novais • Associação com povos locais facilitou a oferta africana regular de braços • Escravos ocuparam até mesmo as funções mais qualificadas • Assalariados também trabalhavam em menor número • Diferenciação entre senhores e lavradores • Sistema do Brasil: concessão de roças aos escravos adotado no Caribe: brecha camponesa na escravidão? Mão-de-obra qualificada Stuart Schwartz (1977, p. 73) Caso de um engenho na Bahia em 1789: “Em um determinado número de pontos fica claro que os escravos estavam acostumados a criarem o seu próprio sustento. As demandas por dois dias livres, de responsabilidade para o senhor do Engenho, com o direito de pescar, plantar arroz, e de cortar lenha indicam um certo grau de independência econômica e de auto–suficiência. O fato de que estes escravos eram capazes de produzir um excedente comercializável é sublinhado pela sua exigênciade que o proprietário da plantação deveria lhes emprestar um grande barco para transportar os seus produtos para o mercado em Salvador e libertá–los dos habituais custos de transporte.” Elione Guimarães (2009) Mar de Espanha (MG) em 1870: Costa Fonseca, o primeiro administrador, relatou que pouco após assumir a gerencia dos bens: Diversos escravos apareceram logo reclamando o pagamento do que o falecido Casimiro lhes ficou a dever de mantimentos que plantaram e colheram em dias santificados, e eu depois de me informar dos empregados e pessoas da casa sobre a veracidade das dividas e tendo em vista diversos assentos em tiras de papel que me apresentaram os mesmos escravos e calculando que pouco poderia exceder de [espaço em branco] não duvidei a fazer o pagamento reclamado. Piastras: 8 reales Felipe II – Sergovia Escudo de Portugal 27 gramas de prata e 4 cm Monopólio e desarticulação • Quase monopólio da produção de açúcar desde o final do século XV • Espanha afluxo dos metais preciosos, geração de um excedente G militares e corte déficit comercial saída de prata Decadência não levou a expansão da produção de açúcar • União Ibérica (1580-1640) morte de D. Sebastião (1578) D. Henrique Aceitação de Felipe II (Habsburgo) como rei Solução distinta da Revolução de Avis – havia alternativa Interesse da burguesia, ligações da nobreza e as tropas espanholas União Ibérica • Consequências fim de Tordesilhas desbravar o interior avanço na foz do Amazonas: Belém 1616 comércio no Prata – Peru: prata fornecimento de escravos africanos para os espanhóis: asiento para portugueses desde 1583 Ordenações Filipinas de 1603 Tribunal da Relação na Bahia em 1609 retração das relações com a Holanda • comércio “livre” com os holandeses: 1580-1605 crescente pirataria: caravelas naus urcas e fluits na exportação do açúcar: maior porte trégua de 1609 a 1622 entre Espanha e Províncias Unidas Concorrência crescente • Ingleses e Holandeses ao final do século XVI redução de riscos do comércio: seguro • Criação de companhias sociedade em cada viagem: lucro de até 400% pimenta EIC (1600) e VOC (1602): fortes perdas no Oriente Império português concentra-se no Atlântico • Companhias vantagens: – privada e aval do Estado: monopólio de comércio asiático – sociedade por ações (Bolsa em 1610) e registro contábil – demanda inelástica e oferta elástica: controlar a oferta – capital permanente mais recursos e melhor diluição dos riscos: longo prazo EIC VOC 1600-10 17 76 1610-20 77 117 1620-30 58 141 1630-40 59 157 1640-50 75 164 Dividendos 10% depois 1630 Companhia das Índias Ocidentais • Conflitos crescentes com Habsburgos • Constituída em 1621 por refugiados de Antuérpia • Invasão da Bahia em 1624 sem sucesso • Pernambuco (1630) e depois África – Ocupação conjunta América e África: tráfico – Conquistar os produtores: açúcar e alimentos – Financiamento aos produtores Recife holandês 1639 Restauração portuguesa (1640-68) • Afluxo de prata reduziu-se após 1620 menores ganhos aos comerciantes portugueses • Desinteresse pelos territórios ultramarinos portugueses descontentamento com a União • Nova dinastia de Bragança – 1640 Reconquista com apoio Francês: conflito longo e reconhecimento difícil retomada de Angola em 1648 e PE em 1654 • Guerra e custos elevados da reconquista portuguesa inspirado nos dízimos da Igreja criou-se a décimas da Coroa (1641-1668) • Política de neutralidade dos conflitos europeus Holanda e a concorrência • Holandeses levam a técnica para o Caribe menor distância da Europa e grandes recursos sistema de plantation: GBR, FRA e HOL • Mantém o tráfico de escravos para América Espanhola: assiento 1667 • Concorrência quebra do monopólio ↓ P açúcar 1650 3$500 1668 2$400 1688 1$300 • Retração das exportações portuguesas levantar a moeda quebrar 6 vezes entre 1640-88 e desvalorizar em 243% última desvalorização da moeda: 20% em 1688 valores das dívidas mantiveram-se: favorecendo devedores Carrara, 2011, p. 16 Reação portuguesa • Crise colonial • Medidas do Conde de Ericeira: 1686 a 1687 incentivo à exportação para o Brasil de manufaturas portuguesas proteção as fábricas portuguesas construção de navios: Marques de Fronteira crescimento da vinicultura tráfico de escravos para Espanha continua: asiento aproximação da Inglaterra – acordos 1642, 1654 e 1661 • Companhia Geral do Brasil em 1649 sistema de comboio: frotas para proteção e exclusivo fornecimento regular de escravos companhia não foi bem sucedida, fim do exclusivo em 1658 mas frotas de retorno a Portugal continuam até 1765 Caribe • Caribe: disputa GBR e FRA início pequena propriedade e mão-de-obra branca sucesso comercial: fumo plantation escravista Furtado: açúcar “incompatível com o sistema da pequena propriedade” Demanda: bens de subsistência da América do Norte Falta de recursos hídricos e madeira • EUA: liberdade de comerciar as Antilhas francesas conflitos entre as potências no século XVIII grande fornecedor de produtos: abastecimento do Caribe rum para o comércio com os escravos Capitalização e Renda Furtado, cap. 8-9 • Indústria do açúcar: características Investimento e escala grande: equipamentos e escravos importados Capital variável pequeno - 1/5 do fixo escravos capital variável ou fixo? elevada lucratividade reinvestimento larga escala de produção mão-de-obra especializada economia reflexa: dependência Y = f(X) “Economia primária exportadora” Capitalização e Renda: Furtado • 120 engenhos: capital de 1,8 milhões £ • 15 mil cativos no setor açucareiro: 375 mil £ • X = 2,5 milhões no final do século XVI • Renda líquida exportada = 1,5 milhões fretes, tributação, juros e comerciantes = 1 milhão • Hipótese: Export. = 0,75 Renda • Renda total = 2 milhões para 30 mil livres • Riqueza da colônia: renda per capita elevada Fluxo de renda: Furtado • Gastos monetários da economia açucareira Renda líquida da colônia 1,5 milhões £ serviços internos: frete/armazém (5%) salários (2%), gado e lenha (3%) -0,15 Proprietários recebem 90% 1,35 Reposição dos fatores externos -0,15 Lucro dos produtores coloniais 1,2 Gastos de bens de consumo importado -0,6 Capital de 1,8, mas apenas 1,2 monetário Lucro de 50% duplicação em dois anos • Despesa interna restrita: gado e lenha, transporte/armazém e salários = 10% da renda Fluxo de renda e rentabilidade • Reduzido efeito multiplicador da renda – Elevado coeficiente de importação – Concentração da renda • Negócio nobre rentabilidade extraordinária • Possibilidade quase ilimitada de expansão, esterilizada por meio de gastos conspícuos renda de não residentes enviada ao exterior: comerciantes • Potencial não realizado, evitando queda dos preços administra a oferta para evitar perda de receita? Stuart Schwartz • Phd Columbia em 1968: Tribunal da Relação da Bahia 1609-1751 • Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial 1550-1835 (1985 e 1988) • Professor de História da Universidade de Yale “O que falta em Casa Grande & Senzala é aquela gama de pessoas que não eram nem senhores e nem escravos. O mundo dos engenhos era cheio de vários grupos sociais. Eu acho que a minha contribuição principal é essa: o reconhecimento dos lavradores de cana, as pessoas livres que viviam às margens dos engenhos, artesãos, carreiros, ferreiros, ex-escravos que viviam também no mundo dos engenhos. Tudo isso é bastante ausente no livro de Gilberto Freyre. Ele trata do mundo do senhor e do escravo como se essa fosse a única relação naquela época.” Recôncavo baiano • Schwartz e Barickman: novas fontes para sociedade açucareira: inventários e livros contábeis • Lucratividade de 5% a 10% no século XVIII • Taxa de juros de 5% a 6% ao ano entre 1680-1715 • Engenho não era um enclave: fortes encadeamentos internos, importância dos alimentos, como farinha 1666-Albernaz-Engenhos Capital e despesas - Schwartz• Importância das terras e escravos no capital animais no máximo de 15,4% em 1716 • Equipamentos menores gastos no máximo 13,5% em 1741 • Diferença de senhores e lavradores lavradores + concentrados em escravos e – em terras, equipamentos e edifícios • Gastos do Engenho: não era um enclave Salários = Escravos = Lenha ≈ 20% Alimentos = equipamentos ≈ 10% % Ativo na riqueza Terras Escravos 1716 28% 36% 1741 30% 42% 1816 53% 19% Lucro dos Engenhos - Schwartz • Beneditinos (1652-1780) Retorno 40,3% em 1652-56 e 10,3% em 1663-67 8,6% em 1700-03 • Engenho Sergipe do Conde (1611-1754) Retorno líquido de 565 mil réis a 1:578 Capital estimado do engenho 46:800 Retorno = 1,2% a 3,4% • Engenho Santana (1730-1750) Retorno de 2% a 4% • Antilhas Britânicas Lucro de 5% a 10% Estimativa de Lucro na Economia Açucareira Bahiana • 1758 158 engenhos, capital médio de 24 contos de réis Lavradores de cana / engenho = 4 Lavrador de cana, capital médio de 4 contos Engenhos= 180x24= 4.320 Lavouras=180x4x4=2.880 Capital total = 7.200 Exportação = 450 Retorno = 450/7200 = 6,25% • Taxa bruta – taxa de juros oficial = líquida Retorno estimado de 3% Renda melado e aguardente + 1% a 2% Post - 1651 Modesto Brocos - 1892 Mercado Interno - I • Dois setores: exportação e mercado interno • Subsistência X mercado interno não monetário: “um mercado de ínfimas dimensões” - Furtado • Especialização conduziu a fomes • Lei obriga a plantar mandioca a partir de 1642, reeditada em 1688, 1690, 1701 e até 1798: 500 covas por escravo Holandeses também recorreram a tal prática e ao confisco • Escassez preços elevados dos alimentos Açúcar 1.760 réis por @ em 1637 Carne 312 réis por @ em 1682 Mandioca 192 réis por alqueire em 1674 Escravo 50.000 réis em 1636-37 Manuel Ferreira da Câmara • Senhor de engenho rico e ilustrado na Bahia • “não planto um só pé de mandioca, para não cair no absurdo de renunciar a melhor cultura do país pela pior que nela há” (1807) • “O certo é que nunca se vendeu o açúcar pelo preço que se compra hoje a farinha; e que o líquido produto deste não tem chegado a ninguém para se sustentar, e aos escravos.” (1834) Preço real da farinha (preços por meio cesta de bens) e Preço do açúcar branco em farinha Mercado interno - II • Três possibilidades de abastecimento produção própria: autoconsumo na propriedade brecha camponesa: terra e tempo para os escravos autoconsumo X excedentes compra de outros produtores • Beneficiamento mais simples: raspar, lavar, ralar, prensar, peneirar e torrar • Demanda rural e urbana senhores que preferem comprar a farinha de mandioca e gado do que produzir ou dar pequenos lotes população das cidades demandavam alimentos • Divisão do espaço entre grande lavoura e mercado interno Grande lavoura: açúcar Lavoura de abastecimento: mandioca, fumo e gado associado Pecuária extensiva: distante do litoral Delimitação do espaço • “o decreto deixa transparecer uma política definida: a de limitar em áreas próprias e resguardar as três paisagens que passarão a configurar a economia rural da Colônia, isto é, a grande lavoura com seus campos definidos, incluída a área industrial, a lavoura de abastecimento que atendia aos interesses de consumidores urbanos e comerciantes de Salvador, devendo incluir a criação controlada de animais de tiro necessários ao transporte das mercadorias ao porto e, por fim, a pecuária extensiva na fronteira móvel, a cargo de sesmeiros e arrendatários, último elo fundamental de um macro-modelo agrário.” (Linhares, 1996, p. 106) Mercado interno - III • Pecuária projeção da economia açucareira extensiva e itinerante: pequeno investimento (primeiros animais) densidade econômica muito reduzida Prado Jr: “a única, afora as destinadas aos produtores de exportação, que tem alguma importância” dificuldade de criação no litoral e até proibição em 1701 a 10 léguas da costa caatinga restrição era o sal, mas havia afloramentos próximos ao São Francisco • civilização do couro roupas, móveis e utensílios • Escravidão na pecuária? absenteísmo e sistema da quarta: crias • Dinâmica própria da pecuária: permanente expansão sem fatores limitativos a expansão: pastos naturais abundantes produtividade e especialização reduzida expansão vegetativa: renda média diminui Capistrano de Abreu - Capítulos Mercado: oferta regular e numerosos produtores Furtado: total de 650 mil cabeças na BA e PE no início do XVII Antonil: estimativa de um estoque de 1,5 milhões em 1711 Bahia 500 mil, Pernambuco 800 mil, RJ 60 mil e SP 140 mil só na Bahia matança anual de 55 mil cabeças Furtado: fluxo de 50 mil cabeças consumidas Demais bens de mercado interno • Outros bens agrícolas típicos de mercado interno milho, feijão, arroz, banana – pequenos produtores convívio com a produção de exportação • Madeiras lenha, construção de casa, móveis e navios • Olarias, ferreiros, latoeiros, tecelã e fiadora telhas, tijolos, ferraduras, tachos, tecidos e fios etc. • Sal importado por contrato de estanco e produzido localmente • Produtos vendidos no interno e externo gado no interno e couros no externo açúcar no externo e aguardente no interno e África • Comércio entre colônias Brasil e África e Prata Dinâmica da Economia - I • Escravidão não impossibilitou o mercado interno • Relação positiva: não rival economia interna e de exportação – crescimento conjunto • Crescimento extensivo +terra +cativos nos dois setores fronteira aberta ≠ Caribe • Quase monopólio português quebrado no início do XVII deslocamento da produção para Antilhas declínio dos preços na segunda metade do século XVII • Flutuação dos preços do açúcar ∆ Rentabilidade • Oferta inelástica de produção a curto prazo preservação da estrutura produtiva: capacidade ociosa Complexo Nordestino • Pecuária setor amortecedor dos choques externos • Manutenção da produção açucareira: custos fixos e interação com a subsistência • Complexo Nordestino • Retração: reduzida pressão de custos monetários assalariados escravos postergação da reposição externa: mão-de-obra e equipamentos • Economia resistente a redução de preços Dinâmica da Economia - II • Sem pressão social por mudança da sociedade • Absorção dos excedentes populacionais do litoral pela subsistência • Involução econômica: ↓ renda per capita e da produtividade Crescimento populacional e animal: endógeno • Tendência: lento processo de atrofiamento até hoje • Conjuntura favorável em certos momentos crise em outros produtores das Antilhas Considerações finais • Sucesso da colonização • Expansão açucareira até meado do século XVII, após mantido o patamar de produção • Elementos: escravidão africana, articulação com o setor interno condicionamento mútuo • Controle e melhora da tecnologia: monopólio • Riqueza considerável para a metrópole e colônia, mas lucros não tão fabulosos • Economia de dois setores: exportador e interno formação do Complexo Nordestino Crise econômica e expansão territorial • Mercado mais concorrencial diferentes produtores ↓ P açúcar interiorização • Portugueses controlam a foz do Amazonas atividade econômica • Maranhão: açorianos em 1619 Pará em 1667 e depois em Macapá em 1751 conflitos com os jesuítas para escravizar indígenas Companhia Geral do Maranhão em 1682 revolta de Beckman em 1684: expulsão dos jesuítas e conflitos com a companhia outras no período: Palmares, mascates • Pará prospera no século XVIII exportação de produtos da floresta: cacau, canela, cravo, baunilha dispersão faz depender dos indígenas na extração colaboração dos jesuítas em manter estruturas comunitárias • São Vicente e São Paulo açúcar não prospera também e dificuldade com os escravos indígenas Colônia de Sacramento em 1680: escravos mercadoria importante 1740 – Albrizzi Comércio do Rio da Prata “No Rio da Prata tal foi a atração exercida pelo comércio de escravos que os governadores solicitavam ao Rei seus saláriosem licenças de escravos; os juízes que funcionavam nos arremates de escravos, preferiam receber em escravos negros o terço que lhes cabia.” (Canabrava, 1984, 140). “Importante lembrar que parte dos africanos desembarcados no Brasil foi, legal ou ilegalmente, reembarcada para Buenos Aires, de onde seguiam para as minas de Potosi. Foi em troca desses escravos que os portugueses tiveram acesso à prata espanhola. Referindo-se ao Brasil, o viajante Pyrard de Laval, que passou pelo Brasil em 1610, declarou nunca ter visto uma terra onde a prata circulasse tão livremente. Depois de 1621 esse circuito de contrabando foi atacado pelas ações do governo no Rio da Prata e por uma mudança geral na economia atlântica, mas, mesmo em menor escala do que desejavam os moradores de Buenos Aires e os comerciantes do Brasil, o contrabando de escravos e prata continuou.” (Schwartz, 2008, p. 217). Sociedade Bandeirante • Bandeiras apresamento indígena Monções no Rio Tietê para Cuiabá • Antônio Alcântara Machado (1929): Vida e morte do bandeirante • Inventários dos Séculos XVI e XVII (1578-1700) • “Assim completos e minudenciosos, os inventários constituem depoimentos incomparáveis do teor da vida e da feição das almas na sociedade colonial.” (p. 34). • 450 inventários, apenas vinte denotam alguma abastança (p. 41). • “Ora, a fortuna que vem da agricultura e da pecuária é lenta e difícil.” (p. 38) • Visão: Bandeirante pobre e analfabeto, grosseiro de modos e de haveres parcos Almeida Junior - 1897 Tropeiros no Tietê Século XVIII Debret - 1827 Fonte: Inventários e Testamentos • Relaciona os herdeiros, descreve bens e dívidas e partilha os bens e suas avaliações fonte para os que tem posses • Testamento: vontades e desejos • Disponível para todo o território brasileiro e desde o século XVI até hoje • Muito utilizado nas pesquisas para o RJ e MG • Análise da realidade econômico-social da época até mesmo a história dos costumes (objetos, livros) Ex: Inventário de Damião, sapateiro, de 1578 outro de 1826 em Serra (ES): partilha Relacionada na partilha, uma escrava de Damião foi leiloada na praça da vila de São Paulo do Campo, ainda pertencente à Capitania de São Vicente. Um morador arrematou a coitada, tratada no documento como “uma escrava velha”, por “cinco mil e duzentos” réis – a serem pagos à viúva em açúcar, e no janeiro seguinte. Um tinteiro também foi leiloado: 200 réis em dinheiro. Mais adiante, no decorrer do processo, aparece um outro escravo, homem, avaliado em 20 mil réis. Sociedade bandeirante • Escassez de moeda metálica substitutos pagamento em produto: açúcar, pano, cera, couro etc. • Preços relativos espingarda vale mais que uma fazenda fazenda de tecido importado mais que uma casa falta de cama redes • Crédito forma reduzir a demanda por moeda venda da fazenda “fiada pelo tempo que bem lhe parecer, visto ter vindo muitas vezes nesta praça sem se vender nada” (p. 143) Alcântara Machado: Preço relativo “Porque não possuem dinheiro de prata nem ouro, e não lavram ouro nem prata, ou por não haver dinheiro na terra, ou pelo pouco dinheiro que nela há, mandam os testadores que as esmolas e os legados sejam pagos em cousas que valham, em fazenda a preço de dinheiro, em fardas, gêneros, gado vacum, em drogas e cousas da terra, naquilo que houver e correr pela terra, no que houver por casa, na fazenda que se achar em casa, ou que a terra tem, nas cousas que houver por casa, naquilo que a terra dá (p. 143). “Ao passo que se dá o valor de cinco mil réis às casas da vila, um colchão velho é estimado em mil e duzentos, e em cinco mil réis se avalia uma saia do reino de Londres” (p. 43) Alcântara Machado: Mão-de-obra “É em 1607 que aparece pela primeira vez um negro de Guiné. Estimam-no em quarenta mil réis, soma exorbitante para a época. O valor das peças da Índia, ou da Angola, ou fôlegos vivos, aumenta de tal sorte com o decorrer dos anos...” (p. 183) “Por muito pobrezinho que seja, não há espolio em que se não conte um exemplar do gentio. Representam as peças a propriedade mais proveitosa nesta terra. Nelas está o remédio principal que nesta terra os órfãos tem, e por isso morrerem os pais por os adquirir para seus filhos.” (p. 181) Alcântara Machado: “Escravidão” indígena “Poucos, a princípio, os índios assim classificados. Mas o número deles vai crescendo, dia a dia, em progressão vertiginosa, ao passo que vai minguando paralelamente o dos escravos. Antes de iniciado o segundo quartel do século XVII a escamoteação está consumada. Somem-se das avaliações os cativos de gentio brasílico, e aparece marcado como gente forra, almas ou gente do Brasil, serviços obrigatórios, peças forras serviçais, todo o rebanho humano que opulenta os acervos. Depois os indígenas oprimidos passam a chamar-se administrados do inventariado ou servos de sua administração. Simples mudança de rótulo, sem consequências.” (p. 170) Credores na colônia • Moeda nas mãos de poucos comércio e crédito • Atuação dos capitalistas e comerciantes contabilidade: livros de razão • Outras instituições antes dos bancos Irmandades, santa casa e ordens religiosas Juiz de Órfãos: cofre da caixa • Instrumentos utilizados para o crédito livros de conta corrente: débitos e créditos declaração obrigando os “bens havidos e por haver” confiança: palavra sem documento: “sem clareza” Conta corrente Débito e crédito Passivo e Ativo Antonil importância da confiança para o crédito “O CRÉDITO de um senhor de engenho funda-se na sua verdade, isto é, na pontualidade e fidelidade em guardar as promessas. E, assim como o hão de experimentar fiel os lavradores nos dias que se lhes devem dar para moer a sua cana, e na repartição do açúcar que lhes cabe, os oficiais nas pagas das soldadas, os que dão a lenha para as fornalhas, madeira para a moenda, tijolos e formas para a casa de purgar, tábuas para encaixar, bois e cavalos para a fábrica, assim também se há de acreditar dom os mercadores e correspondentes na praça, que lhe deram dinheiro, para comprar peças, cobre, ferro, aço, enxárcias, breu, velas e outras fazendas fiadas.” (ANDREONI, 1982, p. 35). Controle social dos devedores e até religioso: ações de alma Santa Casa da Misericórdia da Bahia • Recebia doações e heranças • Disponibilidade de recursos elevados • Preferência por moeda a imóveis • Empréstimos a 6,25% a a. nos séculos XVII e XVIII “A Misericórdia era ativa nesse campo, aplicando teoricamente os juros na assistência social. Na verdade, não apenas a irmandade freqüentemente não recebia os juros como perdia, também, o investimento de capital. Os regulamentos estritos sobre garantias de empréstimos não eram observados. Muitos devedores descobriam que a melhor maneira de ocultar suas deficiências no pagamento de dívidas era serem eleitos para a Mesa.” (RUSSELL-WOOD, 1981, p. 82) Condições dos empréstimos • Crédito destinado aos escravos a senhores • Juros, em geral, não superiores a 8% ao ano casos excepcionais de 40% e até 50% • Prazos, em geral, curtos até um ano até uma festa religiosa “à volta do sertão” ou “quando vier das minas” • Restrições da coroa e da Igreja execuções dos senhores de engenho em 1663 e as vezes lavradores de cana, como em 1681 Usuras excessivas em 1757 depois do terremoto Execuções e usura: limitações Alvará de 23/12/1663 “Proíbe que se arrematem os engenhos de açúcar no Brasil pelas dívidas de seus donos, devendo pagar-se os credores pelos rendimentos dos mesmos, mediante ação judicial;” Alvará de 26/2/1681 “haver concedido, por provisão de 27/10/1673, aos moradores da capitania do Rio de Janeiro, que por tempo de outros seis anos não fossem executados, nem se pudesse fazer execução, nas fábricas de seus engenhos e das lavoura de açúcar, por seus credores, e que somente se pudesse fazer execução nos rendimentos dos engenhos e lavouras, com declaração que as fábricas ficariam obrigadas aos credores (...) tanto que se acabaramos seis anos referidos, se fizeram logo execuções, de qualidade, que se desfabricaram dois engenhos, e se ia continuando com elas, de sorte que estavam as cadeias cheias de escravos dos moradores, e desfabricariam muitos mais (...) hei por bem prorrogar ... Alvará de 17/01/1757 “sendo-me presente as excessivas usuras que algumas pessoas costumam levar do dinheiro que emprestam a juros e a risco para fora do Reino, com os afetados pretextos de lucro cessante, dano emergente, câmbio marítimo e outros semelhantes, de que resulta grave prejuízo ao comércio interior e exterior (...) Sou servido ordenar, que nestes Reinos, e seus domínios, se não possa dar dinheiro algum a juro, ou a risco, para a terra, ou fora dela, que exceda o de cinco por cento ao ano, proibindo o abuso praticado por alguns homens de negócio, de darem e tomarem dinheiro de empréstimo com o interesse de um por cento a cada mês. (...) Porém as sobreditas proibições não haverão por ora lugar no comércio, que se faz destes Reinos para a Índia Oriental” (Ordenações Filipinas, aditamentos, livro IV, p. 1044). Necessidade de juros maiores Em 1810: “era por extremo útil ao aumento do comércio marítimo o determinar-se que fosse lícito a qualquer ajustar o premio que pudesse conseguir em todas as negociações marítimas; por que desta maneira não só entrariam no giro do comércio muitos cabedais estagnados, sendo impraticável que aos proprietários deles fosse proveitoso dá-los a risco pela módica quantia de 5%, quando por essa mesma taxa os podiam dar a juro com segurança de penhores e hipotecas;” (BRASIL, 1891, p. 100). Bibliografia • Barickman, Bert J. Um contraponto baiano; açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. • Cardim, Padre Fernão. Tratados da terra e gentes do Brasil. 3ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional/INL, 1978. • Castro, Antonio Barros de. Brasil, 1610: mudanças técnicas e conflitos sociais. Rio de Janeiro: Pesquisa e Planejamento Econômico. Vol. 10, nº 3, p. 679-712, dez. 1980. • Furtado, Celso M. Formação econômica do Brasil. 17ª ed. São Paulo: Nacional, 1980. • Mello, Evaldo Cabral de. Uma questão de nuança. São Paulo: Folha de São Paulo, 23 de janeiro de 2000. • Novais, Fernando A. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial. São Paulo: HUCITEC, 1979. • Schwartz, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras/CNPq, 1988. Franz Post – Pernambuco 1667 Franz Post – Pernambuco Eckhout - Mandioca