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Exame Criminológico e Decisões Judiciais

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS 
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO 
 
 
 
 
 
EVELIN MARA CÁCERES DAN 
 
 
 
 
 
 
 
O EXAME CRIMINOLÓGICO E SEU ALCANCE NAS DECISÕES JUDICIAIS DE 
EXECUÇÃO PENAL: fronteiras tangíveis? 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NITEROI 
2019 
 
 
 
FICHA CATALOGRAFICA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
EVELIN MARA CÁCERES DAN 
 
 
 
O EXAME CRIMINOLÓGICO E SEU ALCANCE NAS DECISÕES JUDICIAIS DE 
EXECUÇÃO PENAL: fronteiras tangíveis? 
 
 
 
Tese apresentada ao Programada de Pós 
Graduação em Sociologia e Direito da 
Universidade Federal Fluminense, como 
requisito parcial para obtenção de título de 
doutor em Ciências Jurídicas e Sociais. 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
 ____________________________________________ 
Prof. Dr. Lenin dos Santos Pires (Orientador) 
 
 
_____________________________________________ 
Prof. Dr. Vladimir de Carvalho Luz (Coorientador) 
 
 
 _____________________________________________ 
Prof. Dr. Ronaldo Lobão (UFF) 
 
 
 
_____________________________________________ 
Profa. Dra. Klarissa Almeida Silva Platero (UFF) 
 
 
_____________________________________________ 
Profa. Dra. Paula Pimenta (UFJF) 
 
 
 
__________________________________________ 
Prof. Dr. (Membro externo) 
 
 
 
Niteroi, 2019 
 
 
Agradecimentos 
 
 
A menção de agradecimento àqueles que contribuíram e compuseram a trajetória de 
construção desse trabalho científico é algo que certamente não se esgota nessas breves linhas 
dedicadas a esse respeito. Para mim rememorar os sacrifícios, os desafios, as dificuldades e as 
angústias que compuseram esse caminho é algo que deve ser resignificado, pois não estive 
sozinha nessa jornada. Como resultado de tudo o que se apresenta, quero agradecer, 
primeiramente a Deus, não só pelas inspirações que vivenciei durante a escrita, mas também 
pela proteção experimentada em muitos momentos a medida em que foram colocados no meu 
caminho pessoas que efetivamente me apoiaram durante o doutorado. De modo especial, me 
refiro à acolhida da Dra. Silvana Mendes Lima que conduziu a minha escuta e tratamento 
durante 4 anos de terapia, tendo me resgatado do grave quadro de depressão. Ao professor Lenin 
Pires minha eterna gratidão pelo acolhimento generoso e por me conduzir a exercitar minha 
humanidade. Aos professores Vladimir Luz e Ronaldo Lobão, quero agradecer não só pela 
confiança e apoio ao meu trabalho, mas sobretudo pela sensibilidade e cuidado nos momentos 
em que estive vulnerável no doutorado. À professora Klarissa Platero e ao Luis Henrique Leite 
que tanto me ajudaram na organização das informações e dados da pesquisa. Aos amigos do 
Projeto Vivências no Cárcere (UFF), de modo especial ao João Marcelo Dias e Fernando 
Henrique Cardoso pela parceria, lealdade e cumplicidade. Aos colegas defensores públicos 
estaduais Léo Rosa e Eduardo Quintanilha pela disponibilidade e prontidão no atendimento a 
mim dispensados. Aos colegas do Laesp- Ineac- UFF que contribuíram com muitas 
ponderações sobre a presente reflexão. Ao Alexandre, meu companheiro, pelo amor dedicado 
a mim e apoio incondicional. Àos meus pais Antonio e Paula, pelo estímulo e cuidado à mim 
devotados. Aos meus irmãos Vivian e Italo pela tolerância, pelo exercício de perdão e carinho. 
Aos amigos Gustavo Coutinho, Simone Brilhante e Mara Katia por todo o amor, carinho e 
amizade devotados ao longo desses 4 anos. Aos estudantes da UFF e da Unemat, que são as 
forças motrizes pela busca do aperfeiçoamento. Enfim, quero agradecer a todos que 
compuseram essa trajetória e o resgate de mim mesma. Muito Obrigada! Trago vocêis em meus 
pensamentos, lembranças e coração! 
 
 
 
 
RESUMO 
 
A presente pesquisa se constituiu pelo interesse em compreender as premissas estruturantes da 
sujeição classificatória dos criminosos, de modo especial, as interações prático-discursivas 
derivantes dos exames criminológicos, tomados enquanto imperativo da avaliação do mérito 
dos condenados, e as decisões judiciais que apreciam a progressão de regime prisional em 
processos vinculados a Vara de Execuções Penais (VEP) da Comarca da Capital do Estado do 
Rio de Janeiro. Para tanto construí um percurso na tese em que gradativamente apresento a 
evolução dos condicionantes desse tipo de verificação, ponderando, sobretudo que com a 
assumpção da noção de periculosidade por parte dos modelos de intervenção penal no cenário 
punitivo atual, tendo estesinspiração no tipo ideal lombrosiano, o indivíduo passou a ser 
avaliado pela sociedade no nível de suas virtualidades e não no nível de seus atos. As incursões 
da pesquisa me oportunizou dar um tratamento analítico nas seguintes fontes de dados: 1- as 
decisões que requisitam os exames criminológicos dos processos de execução penal; 2- os 
exames criminológicos elaborados por peritos designados para avaliação dos apenados; 3- as 
decisões sobre a progressão de regime constantes nos processos de execução penal; 4- as 
transcrições das fichas disciplinares dos apenados; 5- os acórdãos constantes no sistema de 
buscas jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (2015-2017). Utilizo 
o método misto nas análises empreendidas. 
 
Palavras-chave: exames criminológicos – decisões judicias – execução penal – progressão de 
regime prisional 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The present research was constituted by the interest to understand the structuring premises of 
the classificatory subjection of the criminals, in particular, the practical-discursive interactions 
deriving from the criminological examinations, as imperative of the evaluation of the merits of 
the condemned, and the judicial decisions that appreciate the progression of criminals prison 
regime in proceedings linked to the Criminal Court (VEP) State of Rio de Janeiro. In the course 
of the thesis I present the evolution of the conditions of this type of verification, considering, 
above all that with the admission of the notion of danger by the models of criminal intervention 
in the current punitive scenario, having these inspiration in the ideal Lombrosian type, and the 
individual passed to be evaluated by society at the level of its virtualities and not at the level of 
its acts. The research incursions allowed me to give analytical treatment to the following data 
sources: 1- the decisions that require the criminological examinations of the criminal execution 
processes; 2- the criminological examinations prepared by experts designated for the evaluation 
of the inmates; 3- the decisions on the progression of the regime contained in the criminal 
enforcement proceedings; 4- the transcripts of the disciplinary records of the condemned; 5- the 
judgments of the Rio de Janeiro State Court of Justice (2015-2017). I use the mixed method in 
the analyzes undertaken. 
 
Keys-word: criminological examinations – judgments - penal execution - progression of prison 
regime 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sumário 
 
Introdução ..................................................................................................................................1 
 
PARTE I 
Capítulo I – Ubu Psiquiátrico-Penal e seus efeitos na punição legal .......................................21 
Capítulo II – A sujeição classificatória dos criminosos ...........................................................70 
Capítulo III – O protagonismo dos dublês do delito e sua (dis)funcionalidade na execução penal 
.................................................................................................................................................109 
 
PARTE II 
Capítulo4 – O tratamento jurisprudencial (TJ/RJ) sobre a progressão de regime: 
discursividades em movimento...............................................................................................134 
 
Notas conclusivas ...................................................................................................................156 
 
Referências Bibliográficas .....................................................................................................163 
 
Anexos ...................................................................................................................................167 
Anexo 1 ..................................................................................................................................168 
Anexo 2 ..................................................................................................................................171 
Anexo 3 ..................................................................................................................................173 
Anexo 4 ..................................................................................................................................178 
Anexo 5 ..................................................................................................................................198 
Anexo 6 ..................................................................................................................................199 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Lista de Abreviaturas 
 
ANPOCS - Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais 
BPM – Batimentos por minuto 
CID-10 – Classificação Internacional de Doenças em sua 10ª edição 
CPB – Código Penal Brasileiro 
CPF – Conselho Federal de Psicologia 
CTC – Comissão Técnica de Classificação 
DPE – Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 
DPE1 – Defensor Público [informante1] 
DPE2 – Defensor Público [informante 2] 
HC – Habeas Corpus 
H.T.P – Teste de Personalidade 
HZ - Hertz 
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social 
INEAC - Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos 
IPF/ RS – Instituto Psiquiátrico Forensedo Estado do Rio Grande do Sul 
LEP – Lei de Execuções Penais 
LC – Liberdade Condicional 
PDI – Psiquiatria Democrática Italiana 
PR- Progressão de Regime 
PROAES – Pro-reitoria de Assistência estudantil 
PROJUDI – Processo Judicial Digital 
PSIS – Psiquiátrico e Psicológico 
QI- Quociente de Inteligência 
SEAP – Secretaria de Administração Penitenciária 
 
 
SEGWEB - Sistema de Segurança do Tribunal de Justiça 
SCP – Sistema de Controle de Presos 
STF – Supremo Tribunal Federal 
TA – Pressão Arterial 
T.A.T – Teste de Apercepção Temática 
TFD – Transcrição de Ficha Disciplinar 
TJ/RJ – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 
UFF- Universidade Federal Fluminense 
VEP/RJ – Vara de Execuções Penaisdo Estado do Estado do Rio de Janeiro 
VPF – Visita Periódica a Familia 
VPL – Visita Periódica ao Lar 
WAIS – Escala de Inteligência para Adultos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Lista de Ilustrações 
 
Imagem 1- Sítio eletrônico do TJ/RJ........................................................................................13 
Tabela 1- Distribuição absoluta e percentual de categorias temáticas dos acórdãos do TJ/RJ em 
processos de execução penal .....................................................................................................14 
Tabela 2- Distribuição absoluta e percentual de categorias recursais dos acórdãos do TJ/RJ que 
tratam sobre a progressão de regime..........................................................................................15 
Gráfico 1- Distribuição anual das Decisões que requisitaram os Exames Criminológicos na 
VEP/RJ ................................................................................................................................80-81 
Gráfico 2- Distribuição absoluta da tipificação penal das Decisões que requisitaram os Exames 
Criminológicos na VEP/RJ ..................................................................................................82-83 
Imagem 2- Informações da Transcrição da Ficha Disciplinar do Detento .........................89-90 
Tabela 3- Distribuição absoluta e percentual dos contornos “raciais” da população carcerária 
do Estado do Rio de Janeiro .....................................................................................................91 
Tabela 4- Distribuição absoluta e percentual dos contornos da escolaridade da população 
carcerária do Estado do Rio de Janeiro ....................................................................................92 
Tabela 5- Distribuição absoluta dos Elementos Narrativos Justificadores da requisitação dos 
exames criminológicos da VEP/RJ .....................................................................................95-96 
Gráfico 3- Distribuição absoluta dos elementos narrativos de aferição dos requisitos subjetivos 
dos apenados .............................................................................................................................98 
Gráfico 4- Distribuição percentual do Regime Penal nas decisões que requisitam os exames 
criminológicos do juízo da VEP/RJ ...................................................................................... 106 
Imagem 3- Laudo da Assistente Social do Exame Criminológico.........................................120 
Imagem 4- Laudo da Assistente Social do Exame Criminológico 2017 ...............................121 
Imagem 5- Laudo da Assistente Social do Exame Criminológico 2017 ...............................122 
Imagem 6- Laudo da Assistente Social do Exame Criminológico 2017 ...............................123 
Imagem 7- Laudo da Assistente Social do Exame Criminológico 2017 ...............................124 
Gráfico 5- Distribuição absoluta e percentual dos pareceres dos exames 
criminológicos.................................................................................................................127-128 
Gráfico 6-Distribuição absoluta e percentual das decisões que embasaram-se nos pareceres dos 
exames criminológicos para apreciação dos pleitos de progressão de regime 
.................................................................................................................................................130 
 
 
Tabela 6- Distribuição absoluta e percentual de categorias temáticas dos acórdãos do TJ/RJ em 
processos de execução penal ...........................................................................................136-137 
Tabela 7- Distribuição absoluta e percentual de categorias recursais dos acórdãos do TJ/RJ que 
tratam sobre a progressão de regime.................................................................................137-138 
Tabela 8- Distribuição anual dos Habeas Corpus impetrados no Tribunal de Justiça do Estado 
do Rio de Janeiro tendo a correspondência temática a progressão de 
regime......................................................................................................................................140 
Tabela 9- Distribuição absoluta e percentual dos assuntos nos acórdãos do Tribunal de Justiça 
do Estado do Rio de Janeiro..............................................................................................141-142 
Tabela 10- Distribuição absoluta e percentual das decisões dos Habeas Corpus que avaliaram 
a demora do juízo da VEP/RJ.................................................................................................147 
Gráfico 7: Tipificação dos crimes e sua distribuição absoluta nos Habeas Corpus que tratavam 
sobre a progressão de regime............................................................................................150-151 
Gráfico 8: Distribuição percentual do Regime prisional nos Habeas Corpus do período de 
(2015-2016-2017)...................................................................................................................15312 
 
 
 
 
1 
 
Introdução 
 
Os condicionantes que devem ser ditos antes 
Os caminhos que me conduziram a adotar uma postura de observar o Direito numa 
perspectiva empírica foram contingenciados por numerosos atravessamentos. Poderia construir 
uma narrativa que escamoteasse as dificuldades da minha trajetória, contudo, estaria sendo 
desonesta narrando um “conto de fadas” que não se acomoda em minha vida. Assim o meu 
lugar de fala revela as próprias contradições que me situaram no lugar que ocupo. Quero dizer 
com isso que as rupturas que se deram enquanto estudante no mestrado e doutorado 
promoveram não só deslocamentos teóricos, mas também determinaram a ressignificação das 
percepções daquilo que me cerca. 
Tive uma formação acadêmica em Direito que se conformou com os fundamentos 
dogmáticos na medida em que houve a negligência da pesquisa e do mundo empírico, não 
havendo o protagonismo de qualquer professor na desconstrução dessa metodologia de ensino. 
Ainda recém-formada (2003) fui aprovada no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, 
escolhendo atuar na esfera penal. 
O desfortúnio dessa escolha se anunciada a medida em que lidava com o sistema de 
justiça criminal, presenciando inúmeros abusos por parte de autoridades judiciais e policiais 
tanto em audiências, delegacias de polícia, centrais de flagrantes e em presídios no Estado do 
Mato Grosso, tendo sido compelida a uma atuação profissional de enfrentamento as essas 
contradições instaladas nos aparelhos punitivo, sobretudo porque a dogmática jurídica não nos 
prepara para as circunstâncias reais de um sistema que representa a diferenciação de tratamento 
aos indivíduos, expondo a oposição entre as leis e as situações concretas, onde cada qual se 
socorre como pode, utilizando para isso o seu sistema de relações pessoais. 
Então, aos 26 anos fui aprovada num concurso para exercer a docência nesta mesma 
Universidade que conclui o Curso de Direito. Inicialmente me conformei com a performance 
dogmática a que estava familiarizada e requisitada pelo ensino jurídico. Contudo, houve um 
acontecimento bastante traumático que promoveu uma “quebra” com esta conformação. Em 
2010 meu irmão Igor Dan foi vítima de um assassinato, sem motivação aparente, ao interceder 
por um mendigo que estava sendo espancado pelo sobrinho de um Procurador do Estado de 
2 
 
MT, tendo este desferido 3 tiros pelas costas, ocasionando essa perda familiar, tendo alegado 
posteriormente em sua defesa estar sob o efeito de drogas psicotrópicas. 
Para não sucumbir a esse tormento orientei os meus estudos a nível de Mestrado (2011-
2013) na investigação de homicídios dolosos por indivíduos que possuíam uma condição 
econômica e social privilegiadas, tendo conduzido a escolha do “Caso Richthofen” não por 
outra razão.A imersão na teoria materialista do discurso pechêutiana contribuiu para o 
refinamento cognitivo nas análises realizadas. Desse trabalho acadêmico resultou a publicação 
da obra “O discurso sobre a anormalidade nas práticas judiciais”, lançado em 2014 pela editora 
Lumen Juris. 
Após a conclusão do Mestrado em Linguistica (2013) fui acometida por um grave 
quadro de depressão, tendo me mudado para a cidade de Niteroi-RJ, buscando 
acompanhamento terapêutico adequado. Já em 2015 consegui a aprovação para o Doutorado 
no Programa de Pós Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, 
tendo o privilégio do acompanhamento solidário e generoso dos professores Lobão, Lênin, 
Vladimir e posteriormente da professora Klarissa em minha trajetória de pesquisa. 
É importante mencionar que os incômodos genuinamente constituídos ainda enquanto 
uma jovem advogada agora passaram a ser aflorados na medida em que me integrava nas 
atividades do Laboratório de Estudos sobre Conflito, Cidadania e Segurança Pública (LAESP 
– UFF). Neste ambiente pude compartilhar com os colegas pesquisadores as minhas impressões 
relacionadas a seletividade do sistema punitivo brasileiro. Também é imprescindível destacar 
as contribuições do Projeto de Extensão “Vivências no Cárcere - UFF” (2017-2018) e seu 
impacto decisivo no aprimoramento da observação empírica e crítica do Direito, tendo 
integrado como membro os trabalhos executados nas etapas de formação e visitação nas 
unidades prisionais do Estado do Rio de Janeiro. Sobre este último, pude constatar os horrores 
a que a população carcerária é submetida, não tendo apenas a limitação de sua liberdade mas 
sobretudo o condicionamento de seus corpos a todos os tipos de violências sejam físicas, 
sexuais, e psicológicas, além das restrições aos direitos mais básicos como à água e a 
alimentação e negligências à atendimentos médicos. Amontoados como animais nesses 
depósitos fétidos, insalubres, úmidos e imundos, os presos encontram-se em situações 
degradantes e aviltantes à dignidade humana. 
3 
 
Em grande parte, a presente tese reverbera uma inquietação que venho acalentando 
desde o Mestrado, quando realizei a pesquisa nos autos de execução penal em estudo do Caso 
Richthofen. Isto porque ao lidar com a materialidade processual destacou-se os fundamentos 
que embasaram a decisão denegatória da progressão de regime1 tendo esta se erigido em 
premissas moralizantes, tendo sido empregado uma série de noções tais como a de orgulho, de 
maldade, de imaturidade, de falsidade, dentre outras, em sua avaliação psicológica sendo esta 
componente do exame criminológico requisitado para avaliação subjetiva da apenada. 
Meu problema de pesquisa atual é de certa forma uma extensão desse estudo 
principiado no mestrado. Assim, a desconfiança de que as decisões sobre os incidentes de 
execução penais vêm formalmente se embasando através do resgate das categorias elementares 
da moralidade, da contrariedade à ética e mera reprovabilidade de um comportamento - o que 
em sua concreta efetivação destacaria no criminoso um determinado comportamento, ou uma 
atitude caracterizando-se eminentemente por sua natureza moral, não sendo de ordem 
patológica nem infracional, sendo essas ambiguidades infra liminares que os peritos procuram 
reconstruir em seus laudos -constituem-se como norteadoras das reflexões problematizadas. 
Contudo, as observações realizadas se dão num universo mais ampliado, dando relevância a 
análise em inúmeros processos judiciais de execução penal vinculados ao juízo da Vara de 
Execuções Penais do Estado do Rio de Janeiro2. 
Nesta pesquisa observo as estruturas que condicionam a sujeição classificatória dos 
criminosos ou os dispositivos que permitem oferecer ao aparelho judiciário as avaliações sobre 
a interioridade dos apenados, sendo estas asseguradas tanto pela pericia que se destina a avaliar 
a responsabilidade penal dos sujeitos jurídicos bem como pelos exames criminológicos em sede 
de execução penal. 
Estou ciente de que esse é um empreendimento de enormes proporções, do qual toquei 
apenas a margem. Sei também que invadi os terrenos bem delimitados de outras ciências, como 
a psiquiátrica e psicológica, sem ter uma compreensão aprofundada de suas disciplinas. Seria 
 
1 Sentença proferida em 15 de outubro de 2009, constante nos autos de Execução Penal nº. 677. 533, vinculada à 
Vara de execuções criminais (VEC) de Taubaté-SP. 
2É importante destacar que a jurisdição do juízo da VEP/RJ abarca as Unidades do Complexo de Gericinó, as 
Unidades do Complexo de Niteroi e interior, e também as unidades do Grande Rio. Ou seja, existe uma única Vara 
judicial para atender todo o efetivo carcerário do Estado do Rio de Janeiro. Como regra, cabe ao Juiz da Vara de 
Execuções Penais decidir sobre progressão de regime, livramento condicional, remição e outros direitos, assim 
como também deverá decidir sobre eventuais faltas disciplinares praticadas pelo apenado.Segundo o último 
levantamento as SEAP (Secretaria de AdministraçãoPenitenciária) o efetivo carcerário nas unidades prisionais do 
Estado do RJ correspondia em 30/07/2019 à 53.149 apenados, cabendo ao juízo da VEP/RJ a apreciação dos 
direitos aos benefícios legais previsto em lei de todo esse efetivo. 
4 
 
tolice protestar dizendo que outros já saquearam o campo jurídico exatamente com os mesmos 
objetivos. Eu prefiro basear minha justificativa na necessidade de atravessar essas fronteiras 
disciplinarias, para que seja possível ter algum resultado positivo na compreensão do próprio 
fenômeno jurídico. 
O Caso Richthofen 
Trata-se de um crime de parricídio cometido, em 2002, por Suzane Louise Von 
Richthofen, seu namorado Daniel Cravinhos e Christian Cravinhos, tendo causado grande 
comoção na sociedade brasileira e ganhando ampla repercussão na mídia, uma vez que 
escapavam à compreensão leiga as motivações que levariam uma jovem de boa aparência, rica, 
estudada, a tramar a execução dos próprios pais. 
A pesquisa me oportunizou o acesso aos autos de Ação Penal Pública movida contra a 
ré em questão, processo n. 052.02.4354-8, assim também como os autos de Execução Penal n. 
677. 533, a partir dos quais foram feitas incursões ao I Tribunal do Júri da cidade de São Paulo 
onde encontravam-se arquivados. 
Segundo o que constava na Denúncia, os irmãos Cravinhos desferiram diversos golpes 
nos crânios das vítimas, ou seja, nos pais de Suzane, causando inúmeros ferimentos e a morte 
do casal. Contudo, tal êxito só foi possível pela participação decisiva da filha das vítimas, 
Suzane Louise Von Richthofen (DAN, 2014). 
Daniel e Suzane eram namorados, à época dos fatos, sendo que esse relacionamento 
não era aceito por parte das vítimas, sendo hostis à relação e passaram a exercer um rígido 
controle sobre o casal (Ibidem). 
As decorrentes tensões geradas por essa forma de controle e a decisão de ambos em 
manter o relacionamento, levaram os então namorados a planejarem a morte das vítimas. Daniel 
cuidou de fabricar porretes e Suzane de guardar luvas cirúrgicas com a intenção de munir-se 
dos aprovisionamentos capazes de não deixar vestígios (Ibidem). 
Após firmarem o plano, integrou-se ao conjunto, Christian, irmão de Daniel, a quem 
foi prometido, pela participação no crime, pagamento em dinheiro. Ela franqueou, então, o 
acesso dos irmãos Cravinhos à casa e ao quarto de seus pais, momento em que o grupo se 
dividiu, pois, enquanto Daniel e Christian, munidos de porretes, desferiam sucessivos golpes 
nas vítimas, que não tiveram nenhuma possibilidade de reação, Suzane se dirigia ao escritório 
5 
 
da casa para simular um cenário de roubo, abrindo uma valise da mãe, em que era guardado 
dinheiro. Finda a execução, os três trocaram de roupas e saíram de casa. Depois desse intervalo 
de tempo, Suzane retorna a sua casa, na companhia de seu irmão, procurando agir como se nada 
tivesse acontecido (Ibidem). 
A investigação concluiu pela oferta de denúncia contra Suzane Louise Von 
Richthofen, Daniel Cravinhos e Christian Cravinhos, sendo todos acusados da prática de 
homicídios dolosos contra as vidas de Manfred Richthofen e Marisia Richthofen, sendo 
levados, portanto, ao crivo do respectivo juízo natural (Ibidem). Todos os reús vieram a ser 
condenados e passaram a cumprir em regime fechado as penas sentenciadas. 
Como já anunciado anteriormente, destacou-se nas incursões dessa pesquisa a 
fundamentação da Sentença Denegatória da Progressão de Regime de Suzane, tendo se erigido 
por noções elementares da moralidade ou pelas noções de orgulho, maldade, imaturidade, 
falsidade, dentre outras, constantes no laudo psicológico componente do exame criminológico 
requisitado pela autoridade julgadora, tendo sido esse incômodo que despertou o desejo de 
aprofundamento nas investigações a nível de doutorado. 
 
Apresentação do tema de pesquisa 
A presente pesquisa se constituiu pelo interesse em compreender as premissas 
estruturantes da sujeição classificatória dos criminosos, de modo especial, as interações prático-
discursivas derivantes dos exames criminológicos, tomados enquanto imperativo de avaliação 
do mérito dos condenados e as decisões judiciais que apreciam a progressão de regime prisional 
em processos vinculados a Vara de Execuções Penais (VEP) da Comarca da Capital do Estado 
do Rio de Janeiro. Fundamental, portanto, apresentar breves considerações sobre o modelo 
penal que instrumentaliza a Lei de Execuções Penais (Lei n. 7210/84). 
A execução penal se constitui por um conjunto de atos processuais que visam a 
concretização punitiva, materializando a pretensão executória da punição proferida em sentença 
condenatória do processo de conhecimento penal. Nesse sentido, a ação penal executória inicia-
se, em regra, pela determinação do juiz de conhecimento a expedição da carta de guia ou 
recolhimento para o cumprimento da pena, remetendo-a ao juízo de execução para instaurar o 
processo de execução penal. 
6 
 
Com a edição da Lei de Execução Penal (Lei n. 7210/84) se unificou as normas dos 
planos administrativo e jurisdicional, sob o mesmo diploma legal. Isto quer dizer que há uma 
divisão das atividades entre o Poder Judiciário, que exerce sua tutela no âmbito processual e o 
Poder Executivo que administra os estabelecimentos penais. Assim, a execução penal apresenta 
tanto uma carga administrativa, que é exercida pelo diretor do estabelecimento prisional, quanto 
jurisdicional, por meio de um processo judicial. 
O reconhecimento da natureza jurídica da execução penal como sendo jurisdicional, 
por parte da doutrina, defronta-se com os procedimentos práticos que se destinam a averiguação 
da personalidade e periculosidade do agente, uma vez que os direitos dos condenados, 
materializados nos incidentes de execução penal, se subordinam aos laudos técnicos e aos 
procedimentos disciplinares sendo ambos de cunho administrativo. 
Assim é que alguns benefícios legais3 necessitam, além do preenchimento dos 
requisitos objetivos, como o cumprimento do quantum da pena, de um diagnóstico favorável 
do corpo clinico criminológico e da verificação das faltas disciplinares no sistema prisional. 
Isto porque esse modelo penal integrado intenta uma política de prevenção do crime e 
o tratamento do delinquente, estando tal premissa presente tanto na parte geral do Código Penal, 
de modo especial no que concerne a aplicação da pena, bem como na Lei de Execução penal 
(LEP). 
Esta estrutura se consubstancia em duas premissas: a primeira se volta a avaliação da 
personalidade do condenado mediante o emprego da matriz criminológico-administrativa-
psiquiatrizada, sendo assegurada pelos pareceres da comissão técnica de classificação e laudos 
periciais dos exames criminológicos; e a segunda dedica-se a análise do comportamento do 
preso à partir de uma estrutura meritocrática de averiguação das faltas disciplinares ( 
materializada em processos disciplinares), sendo disposta na Transcrição das Fichas 
Disciplinares – TFD dos condenados. 
É assim que, para orientar a individualização da execução penal, o condenado, ao 
ingressar na instituição penitenciária, será submetido a um exame, realizado pela Comissão 
Técnica de Classificação (CTC), com o objetivo da obtenção dos dados reveladores de sua 
 
3 Utilizo o termo “benefícios” para referir-me à progressão de regime, livramento condicional, comutação e 
indulto, não atribuindo o sentido de “privilégio” ao condenado, uma vez que, tais institutos são reconhecidos como 
direitos subjetivos dos condenados. 
7 
 
personalidade. E, não obstante o trabalho das CTC, durante a execução da pena o apenado 
poderá ser submetido às perícias criminológicas (asseguradas pelos exames criminológicos), 
visando prognoses sobre a potencial periculosidade que representa para a sociedade, na medida 
em que se busca, por meio da avaliação de suas condições pessoais,indícios que façam presumir 
a não reincidência ao crime para consubstanciar as decisões judiciais. 
Em suma, de acordo com a LEP, existem duas modalidades de exames criminológicos, 
sendo estes: (i) realizado com o ingresso do condenado à pena privativa de liberdade na 
instituição penitenciária, se dando de forma obrigatória no cumprimento de regime fechado e 
facultativamente no regime semi-aberto, a fim de subsidiar a classificação dos presos ; e outro 
(ii) elaborado nos incidentes formados para a concessão de benefícios legais, tais como pedidos 
de progressão de regime prisional, livramento condicional, indulto e comutação de penas, 
durante a execução penal, objetivando instruir as decisões judiciais a esse respeito (art. 112 
LEP). 
Em atendimento as especificidades da presente tese, me deterei em considerar apenas 
a segunda modalidade de exame criminológico, considerando sua valoração sobre o provimento 
da progressão de regime. 
A execução da pena privativa de liberdade se orienta pelo sistema progressivo no seu 
cumprimento, com a passagem do regime mais rigoroso ao mais brando. E para tanto é 
necessário, em regra, além do cumprimento do lapso temporal mínimo de 1/6 (um sexto avos) 
em regime anterior mais gravoso, a ostentação de bom comportamento carcerário por parte do 
apenado, conforme a preleciona o art.112, caput, da LEP4, encontrando-se alicerçada numa 
estrutura meritória na qual avalia-se a personalidade do condenado e o seu comportamento 
carcerário, como já mencionado anteriormente. 
Com a reforma da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84) promovida com entrada em 
vigor da Lei n. 10.792/03, substituiu-se a necessidade do exame criminológico para a 
progressão de regime por um simples atestado de bom comportamento carcerário. Ou seja, 
revogou-se expressamente a necessidade do exame criminológico como requisito indispensável 
 
4Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime 
menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime 
anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as 
normas que vedam a progressão. (BRASIL, 1984). 
 
8 
 
para análise da progressão de regime dos condenados. Dessa forma, a opção de solicitar ou não 
o laudo criminológico passou a ser inteiramente calcada no entendimento e na necessidade 
pessoal do juiz. 
Diante da oportunidade do aprofundamento dessa questão a nível de doutorado orientei 
meus estudos no desenvolvimento de uma pesquisa mais ampla tendo me dedicado a dar um 
tratamento analítico ao campo de discussões no qual se insere o benefício da progressão de 
progressão de regime sob duas perspectivas. O primeiro viés analisa o instituto da progressão 
em processos de execução penal (em sede de 1ª instância) vinculados a Vara de Execuções 
Penais (VEP/TJRJ), considerando como elemento condicionante da preleção a requisitação dos 
exames criminológicos para apreciação do benefício. O segundo viés analisa os acórdãos e 
jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (em sede de 2 instância) 
sobre referido benefício. 
Considerando a necessidade de adequação das fontes de dados a uma abordagem que 
possibilitasse um entendimento mais completo do problema de pesquisa tomo como materiais 
de análise: 1- as decisões que requisitam os exames criminológicos dos processos de execução 
penal; 2- os exames criminológicos elaborados por peritos designados para avaliação dos 
apenados; 3- as decisões sobre a progressão de regime constantes nos processos de execução; 
4- as transcrições das fichas disciplinares dos apenados; 5- os acórdãos constantes no sistema 
de buscas jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (2015-2017). 
A análise das decisões que requisitam os exames criminológicos busca identificar as 
razões/argumentos que fundamentam a imprescindibilidade de referidas provas periciais na 
apreciação do pedido de progressão de regime do apenado já que a lei faculta a sua dispensa. A 
análise dos “diagnósticos” constantes nos laudos periciais permite identificar as funções que 
vem sendo desempenhadas pelos exames criminológicos nas práticas judiciais além de 
possibilitar a verificação da correspondência (ou não) entre o diagnóstico e a decisão judicial 
que o toma como imperativo na valoração pretendida. As decisões que apreciam os pedidos de 
progressão de regime nos darão pistas sobre a consideração (ou não) dos pareceres constantes 
nos laudos periciais na formação da convicção íntima da autoridade julgadora. As transcrições 
das fichas disciplinares, são tomadas como fonte da avaliação sobre os contornos da população 
carcerária, em complementariedade a pesquisa realizada, trazendo informações relacionadas 
aos marcadores sociais “etnia/raça” e “escolaridade” dos detentos do sistema prisional do 
Estado do Rio de Janeiro. Por fim, em caráter suplementar, a pesquisa jurisprudencial 
notabilizada pelos acórdãos coletados, possibilita a compreensão dos entendimentos que vem 
9 
 
sendo consolidados em sede de 2ª instância, ou seja no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de 
Janeiro a respeito do instituto da progressão de regime prisional. 
A escolha de tais fontes de dados não se deu de forma ocasional uma vez que ilustram 
o posicionamento dos atores que integram, estruturam e sustentam a dinâmica da reinvindicação 
classificatória da personalidade delitiva dos apenados, manifestando a posição que ocupam no 
sistema judicial, ou seja, coloca em evidência como cada um desses sujeitos percebem e 
significam, em sua realidade de atuação profissional a postulação dos exames criminológicos, 
que atestam sobre as condições psico-sociais dos detentos para efeitos de demonstratividade ou 
contemplação dos requisitos subjetivos fundamentadores das decisões que apreciam o benefício 
de progressão de regime. 
A estrutura da tese 
No primeiro capítulo analiso as condições histórico-sociais que possibilitaram o 
movimento de adjeção do saber médico às práticas jurídicas, tomando o método arqueológico, 
proposto por Michel Foucault, para pensar os discursos enquanto práticas que obedecem a 
regras, desnaturalizando as mudanças ocorridas dentro de uma ordem de saber. Buscando 
demonstrar os deslocamentos discursivos atribuídos a responsabilização criminal dos 
indivíduos, tomo como referencial analítico o laudo psiquiátrico que busca avaliar a 
responsabilidade penal, em estudo de caso, de “Baptistela” como norteador das considerações, 
destacando que se antes os exames médico-legais tinham como propósito verificar se o sujeito 
jurídico era responsável por seu ato e medicamente qualificado como tal, agora passou a 
desempenhar um outro papel na medida em que deve ser constatado se existem irregularidades 
comportamentais nos acusados devendo estas serem relacionadas com a infração em questão. 
No segundo capítulo, proponho uma reflexão que pretende verificar a quem está 
sendo destinado os exames criminológicos na atualidade, procurando identificar as categorias 
criminais ou tipos penais que vem sendo privilegiados pelas autoridades julgadoras bem como 
os argumentos que vem fundamentando a imprescindibilidade dessa requisitação, já que a lei 
faculta a sua dispensa. Para tanto, tomo como fonte de dados as decisões que requisitam os 
exames criminológicos para apreciar os pleitos de progressão de regime em processos 
vinculados a Vara de Execuções Penais do Estado do Rio de Janeiro (VEP/RJ). Mais 
especificamente trato do regramento instituído pela Vara de Execuções Penais (VEP/RJ) sobre 
as concessões dos benefícios da execução penal que importem liberdade desvigiada do 
apenado. 
10 
 
No terceiro capítulo, procuro aprofundar sobre as aferições pretendidasdos exames 
criminológicos, sobretudo as investigações da personalidade e periculosidade dos detentos, 
demonstrando sua (dis) funcionalidade na execução penal pátria. 
Por fim o capítulo IV, objetiva dar um tratamento analítico ao campo de discussões 
no qual se insere o benefício legal da progressão de regime prisional, em sede de segunda 
instância, considerando os posicionamentos das câmaras decisoras do Tribunal de Justiça do 
Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ). Para tanto, tomo como fonte de dados as jurisprudências 
hospedadas no sítio eletrônico de referido Tribunal. 
Notas metodológicas 
O esforço de evitar o olhar de uma deidade sobre o objeto a ser investigado– já que a 
pesquisa não seria um meio de defesa de um ponto de vista, mas sim uma construção analítica 
na medida em que a pesquisa empírica e a inferência de dados possuem uma relação causal - 
enseja a indispensabilidade de um certo cuidado na escolha dos métodos a serem empregados 
nas compreensões decorrentes das análises realizadas. A esse respeito Silva (2013, p. 22) 
orienta: 
Uma forma possível de pensar a relação entre teoria e metodologia é que esta 
se desenha por vias de reflexividade, quando o pesquisador se vê obrigado a 
pensar e repensar seu objeto como linha de argumentação teórica [...] cotejar 
linhas teóricas diferentes e unir técnicas metodológicas pode trazer resultados 
mais amplos, posto que o objetivo final é o de procurar abarcar a amplitude 
do objeto. 
Nesse sentido, o desenvolvimento dos métodos foi sendo construído à medida que a 
pesquisa os exigiram, conformando com um “modelo artesanal de ciência, no qual cada 
trabalhador produz as teorias e métodos necessários para o trabalho que está sendo feito” 
(BECKER, 1993, p. 12). 
O primeiro desafio a ser superado foi exatamente a escolha do método a ser usado, 
sendo delineado no planejamento e na execução da investigação. Assim, ao me deparar com 
um grande conjunto e número de informações oriundos dos acórdãos do sistema de buscas 
jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, recorri a Professora 
Adjunta do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos no Curso de 
Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense Dra. Klarissa Almeida Silva Platero 
buscando orientações quanto as alternativas de processamento desses dados, isto porque tais 
11 
 
acórdãos me proporcionariam a identificação dos autos5 a serem examinados em etapa posterior 
no juízo da VEP/RJ. Em sua avaliação, sugeriu a aplicação do método misto na corrente análise. 
A esse respeito, Tashakkori e Creswell (2007b, p.4 apud Creswell 2013, p. 21-22) explica que: 
[...] a pesquisa de métodos mistos é definida como aquela em que o investigador coleta 
e analisa os dados, integra os achados e extrai inferências usando abordagens ou 
métodos qualitativos e quantitativos em um único estudo ou programa de 
investigação. 
Dessa forma, considerei a viabilidade de aplicar o método misto, neste recorte, para as 
análises a serem empreendidas. É oportuno dizer que, nesse processo, ponderei sobre as críticas 
asseveradas por Lobão sobre a abordagem quantitativa em seu artigo que propõe “a perspectiva 
não positivista para a observação empírica do direito” ou o distanciamento dos “fundamentos 
dogmáticos ou lógicos na pesquisa em direito quanto de uma perspectiva que tem na experiência 
de laboratório moderna o fundamento de validade da comprovação científica”. 
Esta reflexão procurou destacar as limitações atribuídas ao método quantitativo em dar 
significado às dimensões contextuais, o que poderia promover uma representação distorcida ou 
interessada da realidade, tendo se utilizado para tanto, das inferências de uma pesquisa 
quantitativa sobre a política de ação afirmativa nas faculdades de direito estadunidenses como 
exemplo ilustrativo desse tipo de ocorrência. Não é razão que sua análise serviu de precaução 
quanto as possíveis interpretações equivocadas que poderiam advir da abordagem quantitativa. 
Ao empregar o método misto nas análises das fontes documentais selecionadas, não 
pretendo deslocar a empiria da realidade para os dados por meio do tratamento estatístico, nem 
tampouco conduzir deduções analíticas fechadas ou estabilizadoras dos processos que 
compõem as dimensões contextuais e sociais. O que busco nessa conciliação de perspectivas 
analíticas (qualitativa e quantitativa) é melhor explicar os resultados gerados com a combinação 
de ambos. Não por outra razão que essa combinação permitiu um direcionamento na condução 
da pesquisa que potencializou o entendimento mais completo do problema de pesquisa do que 
cada uma das abordagens isoladamente. É assim que, referido método possibilitou a 
organização das informações catalogadas, produzindo um resumo numérico passível de ser 
interpretado, viabilizando um recorte preciso das textualidades a serem examinadas. 
 
5 Ou seja, os processos de execução penal vinculados a Vara de Execuções Penais. 
12 
 
Importa acrescer que em outra oportunidade, a professora Klarissa propôs a submissão 
de um projeto de pesquisa ao Sistema de Bolsas de Assistência Estudantil (PROAES) 
solicitando 1 (uma) bolsa estudantil que seria destinada a um estudante do curso de segurança 
pública da UFF, para me auxiliar na inserção dos dados ou informações derivantes do sistema 
de buscas jurisprudenciais do TJ/RJ. O Projeto de Pesquisa intitulado “Exames criminológicos 
e acórdãos: uma pesquisa de métodos mistos em Direito, Sociologia e Antropologia” teve como 
pesquisadora responsável referida professora do Departamento de Segurança Pública e como 
bolsista o aluno Luiz Henrique Leite dos Santos tendo sido aprovado em 29/03/2018 e validado 
por 1 ano. Assim, as compilações das informações oriundas das pesquisas jurisprudenciais e 
seu processamento por meio de resumos numéricos e gráficos produzidos foi resultado desse 
esforço conjunto, não abrangendo, contudo, as análises qualitativas realizadas. 
A pesquisa jurisprudencial nessa base de dados original do sítio eletrônico de buscas 
jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou as seguintes variáveis que 
foram inseridas nos descritores de buscas: 
1. Pesquisa Livre: “exames criminológicos”(variável texto) 
2. Origem: “Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro 2ª instância” (variável texto) 
3. Competência:“Criminal” (variável texto) 
4. Julgados a partir de “2015 até 2017” (variável ano)6 
A imagem colacionada abaixo facilita a visibilização da pesquisa jurisprudencial 
empreendida na base dados considerada. 
 
6Cumpre esclarecer que, inicialmente, quando submetemos o Projeto de Pesquisa ao PROAES/UFF havíamos 
considerado como variável o período de 2010-2015. Contudo, referido marco temporal restou-se inviável, optando-
se por reduzi-lo na investigação uma vez que aspirava-se ter acesso as decisões que tratam sobre a progressão de 
regime bem como os exames criminológicos que estivessem hospedados no extrato de movimentação dos autos 
eletrônicos da Vara de Execução Penal (juízo de primeiro grau). Para efeitos da presente investigação considerou-
se os anos de 2015, 2016 e 2017. Essa delimitação permitiu sumariar os dados obtidos para efeitos de demonstração 
por amostragem 
13 
 
Imagem 1: Site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ) 
 
Fonte: TJRJ(2018) 
O que resultou na relação de 714 (setecentos e quatorze) acórdãos derivantes dos filtros 
estabelecidos. Ao se proceder a compilação dos dados, derivantes dessas unidades de análise 
inseridas no descritor de buscas jurisprudenciais, verificou-se a predominância de 4 (quatro) 
categorias temáticas de que tratavam os acórdãos à respeito dos pedidos de reexames 
submetidos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: A primeirareferente aos pleitos 
sobre a Progressão de Regime no cumprimento de pena7 (PR), a segunda sobre a Liberdade 
Condicional8 (LC), a terceira sobre a Visita Periódica à Família9 (VPF ou VPL) e a quarta 
 
7 Benefício concedido ao condenado em que permite a execução da pena de forma progressiva, com a transferência 
para regime menos rigoroso, ou seja do regime fechado para o semi-aberto e deste para o aberto, conforme previsão 
nos arts. 110 à 119 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84). 
8 Liberdade antecipada concedida ao condenado em pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos. 
Neste caso, a solicitação dos exames criminológicos (objetivando avaliar a periculosidade do criminoso) se dá 
apenas nas condenações por crimes dolosos, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, não sendo exigido 
aos demais crimes. O art. 83 do Código Penal (Decreto-Lei n. 2848/40) estabelece os requisitos para referida 
concessão do benefício. Sua forma de execução está prescrita nos arts. 131 à 146 da Lei de Execução Penal (Lei 
7.210/84). 
9 Saída temporária do estabelecimento penal concedido ao interno que cumpre o regime semi-aberto para visita ao 
Lar ou Familiares, conforme condições estabelecidas pelos arts. 122 à 125 da Lei de Execução Penal (Lei 
7.210/84). 
 
14 
 
denominada “Outros” devido a diversidade temática afeita aos benefícios da execução penal 
mas que tem menor ocorrência nos pedidos de reexames formulados. 
Para efeitos de demonstração da frequência temática nesses acórdãos elaborei a tabela 
abaixo que apresenta a sua distribuição absoluta e percentual, bem como a média anual 
correspondente: 
Tabela 1: Distribuição absoluta e percentual de categorias temáticas dos acórdãos do 
TJ/RJ em processos de execução penal: 
 
 
 
Tipologia/ 
Categorias 
temáticas 
2015 2016 2017 Total 
 
Média 
Anual 
Número 
absoluto 
(N) 
 (%) 
Número 
absoluto 
(N) 
 (%) 
Número 
absoluto 
(N) 
(%) 
Número 
absoluto 
(N) 
 (%) 
Progressão 
de regime 
124 55,6% 108 46,6% 121 46,7% 
 
353 
 
 
49,4% 
 
 
88,25 
 
Livramento 
condicional 
77 34,5% 95 40,9% 97 37,5% 269 37,7% 67,25 
Visita 
periódica 
Familiar 
18 8,1% 21 9,1% 21 8,1% 
 
60 
 
 
8,4% 
 
 
15 
 
Outros 4 1,8% 8 3,4% 20 7,7% 32 4,5% 8,0 
Total 223 100% 232 100% 259 100% 714 100% 178,5 
Fonte: TJRJ / Tabulação própria (2018) 
Da análise dos dados tabulados verifica-se a predominância da categoria temática que 
trata sobre a progressão de regime (doravante PR) perfazendo, em média, o total de 49,4% 
(quarenta e nove inteiros e quatro décimos porcento) de frequência nos acórdãos pesquisados, 
enquanto que as demais categorias observa-se uma menor incidência tendo a temática sobre o 
livramento condicional correspondido a 37,7% (trinta e sete inteiros e sete décimos porcento), 
a visita periódica familiar totalizado 8,4% (oito inteiros e quatro décimos porcento) e por fim a 
categoria nominada outros correspondido a 4,5% (quatro inteiros e cinco décimos porcento) do 
total dos acórdãos. Em outras palavras, do total de 714 (setecentos e quatorze) acórdãos, foi 
possível identificar 353 (trezentos e cinquenta e três) julgados que tratavam sobre a progressão 
de regime, desconsiderando-se as demais categorias uma vez que não correspondem ao presente 
objeto de estudo. 
15 
 
Ocorre que esse total de 353 (trezentos e cinquenta e três) julgados encontram-se 
distribuídos nos seguintes pedidos de reexames10 submetidos ao Tribunal de Justiça do Estado 
do Rio de Janeiro: a) Habeas Corpus11, correspondendo uma amostra de 217 (duzentos e 
dezessete) acórdãos; b) Agravo de Execução Penal12, correspondendo uma amostra de 136 
(cento e trinta e seis) acórdãos conforme demonstração abaixo: 
 
Tabela 2: Distribuição absoluta e percentual de categorias recursais dos acórdãos do 
TJ/RJ que tratam sobre a progressão de regime: 
 
 
 
Categorias 
Recursais/ 
Progressão 
de regime 
2015 2016 2017 Total 
 
Média 
Anual 
Número 
absoluto 
(N) 
 (%) 
Número 
absoluto 
(N) 
 (%) 
Númer
o 
absolut
o (N) 
(%) 
Número 
absoluto 
(N) 
 (%) 
Habeas 
Corpus 
89 41,0% 73 33,6% 55 25,3% 217 61,5% 72,3333333 
 
Agravo de 
Execução 
36 26,5% 32 23,5% 68 50,0% 136 38,5% 45,3333333 
Total 125 35,4% 105 29,7% 123 34,8% 353 100% 117,666667 
Fonte: TJRJ / Tabulação própria (2018) 
 
Verifica-se que a categoria recursal Habeas Corpus tem uma maior incidência, 
correspondendo a 61,5% (sessenta e um inteiros e cinco décimos porcento) de frequência, do 
 
10 Aqui consideradas como “categorias recursais” para efeito de nominação, já que a natureza jurídica do Habeas 
Corpus não o constitui como um recurso e sim como uma ação constitucional. 
11 Ação judicial com o objetivo de proteger o direito de liberdade de locomoção lesado ou ameaçado por ato 
abusivo de autoridade.Tem o seu fundamento basilar no art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal nos seguintes 
termos: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou 
coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (BRASIL, 1988). As presentes ações 
impetradas em sede de execução penal fundamentam-se na previsão do art. 647 do Código de Processo 
Penalque define: “dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência 
ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar” (BRASIL, 1941). 
12 Consiste em uma forma de recurso utilizado na impugnação de toda e qualquer decisão, despacho ou sentença 
prolatada pelo juiz da vara da execução penal ao Tribunal de Justiça (2 instância), que de alguma forma 
prejudique as partes principais envolvidas no processo, podendo ser interposto tanto pelo Ministério Público 
quanto pela Defesa. Tem o seu fundamento basilar no art. 197 da Lei de Execução Penal que prevê o seguinte: 
“Das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo” (BRASIL, 1984) 
 
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10612072/artigo-647-do-decreto-lei-n-3689-de-03-de-outubro-de-1941
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10612072/artigo-647-do-decreto-lei-n-3689-de-03-de-outubro-de-1941
16 
 
total destes acórdãos selecionados, enquanto que a do agravo de execução perfaz-se do total de 
38,5% (trinta e oito inteiros e cinco décimos porcento). Como ambas as categorias poderiam 
ser recortadas, opteipor eleger os Habeas Corpus (217 julgados) que possuem em sua 
centralidade temática o benefício da progressão de regime. 
A desconsideração dos acórdãos oriundos da interposição do recurso de Agravo de 
Execução Penal, que também tratavam sobre a progressão de regime, se deu em razão do 
conteúdo manifestado. Isto porque possuem em sua centralidade ementaria a irresignação do 
Ministério Público quanto a dispensa da realização do exame criminológico para apreciação da 
progressão de regime pela autoridade julgadora da Vara de Execuções Penais (VEP/RJ). Em 
síntese, o campo de discussões aludido não corrobora com a delimitação do objeto da pesquisa 
deduzindo-se que os autos a serem investigados em etapa posterior poderiam ter dispensado os 
exames criminológicos, sendo estes tomados como objeto de análise da presente pesquisa. 
Desse modo, considerei as informações contidas nos 217 (duzentos e dezessete) acórdãos de 
Habeas Corpus, que tratam sobre a progressão de regime, como elementos-chave na 
identificação dos processos junto a Vara de Execução Penal (VEP/RJ) da Comarca da Capital, 
já que a íntegra do acórdão jurisprudencial menciona o nome dos pacientes ou apenados, sendo 
inventariados em etapa posterior. Outrossim, esse recorte permitiu as análises jurisprudenciais 
realizadas constituindo-se como uma reflexão complementar ao escopo da presente tese.Diante da necessidade de organizar esses dados jurisprudenciais levantados 
elaboramos uma base de dados utilizando a plataforma Microsoft Excell© quedispôs das 
variáveis estruturantes desse agrupamento de informações, derivante das descrições dos 
acórdãos, procedendo sua análise através da extração de estatísticas descritivas simples. 
Referida base de dados pode ser sintetizada pelo seguinte esquema analítico: 
1. Número do processo: variável texto 
2. Nome do “paciente” (apenado): variável texto 
3. Assunto de que trata os habeas corpus consultados: variável categórica 
a. Demora na apreciação da progressão de regime 
b. Exigência de exame criminológico 
c.Transferência para unidade prisional compatível 
d. Outros: referente aos demais pedidos e que devido a sua menor ocorrência 
optou-se por uma nominação mais ampla inserindo nesta variável p. ex. os 
pedidos concernentes as retificações de cálculo para progressão de regime etc. 
17 
 
4. Tipificação jurídica (“crime”) pelo qual o “paciente” foi condenado: variável texto 
5. Regime penal a que o paciente está cumprindo: variável categórica 
a. Fechado 
b. Semiaberto 
6. Decisão do Tribunal de Justiça: variável categórica 
a. Ordem concedida 
b. Ordem concedida parcialmente 
c. Ordem denegada 
7. Data da decisão do habeas corpus: variável data 
8. Câmara que analisou o pedido: variável numérica 
Essa disposição ou agrupamento de informações de referida base de dados permitiu a 
extração dos resumos numéricos passíveis de interpretação, estando suas análises contempladas 
no Capítulo 4. 
O segundo desafio residiu na dificuldade de acesso dos processos judiciais e 
documentos que almejava analisar, ou seja, esta segunda etapa, concebida como “inventário das 
unidades selecionadas”, tinha como propósito relacionar os materiais oriundos dos processos 
da Vara de Execuções Penais (VEP/RJ). Ocorre que, por força do Ato Normativo Conjunto 
TJ/CGJ/n° 74/2016, de 11.03.2016, a Vara de Execuções Penais do Estado do Rio de Janeiro 
(VEP/RJ) deflagrou a migração de dados dos processos executivo-penais hospedados em autos 
físicos cadastrados no Sistema de Controle de Presos (SCP) para o novo sistema eletrônico 
denominado PROJUDI (Processo Eletrônico do Judiciário do Rio de Janeiro). Em outras 
palavras, deu-se início à virtualização dos processos executivo-penais para meio eletrônico, na 
forma da Lei nº 11.419/0613. Dentre as diretrizes adotadas o art. 2 § 2º14 (Ato normativo 
Conjunto nº 74/2016) estabeleceu que os autos físicos dos processos executivos penais não 
seriam digitalizados para o sistema PROJUDI nem tampouco documentos antigos já 
processados. A consequência prática da ausência de digitalização consiste em que, na esfera 
virtual, o processo eletrônico não contém qualquer peça processual do processo físico de onde 
 
13Dispõe sobre a informatização do processo judicial. Disponível em 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm>. Acessado em 05/06/2018. 
14Art. 2º: A migração será realizada conforme o disposto nos parágrafos 2º ao 6º do artigo 2º do Ato Normativo 
Conjunto TJ/CGJ nº 19 de 20 de julho de 2015, publicado no DOERJ de 22 de julho de 2015. 
§ 2º. Não haverá digitalização de processos físicos bem como de documentos antigos já processados. (Ato 
normativo Conjunto nº 74/2016). Disponível em 
<https://seguro.mprj.mp.br/documents/10227/14335586/ato_normativo_conjunto_tj_cgj_n_74_de_2016.pdf> 
Acessado em:18/05/2018. 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm
https://seguro.mprj.mp.br/documents/10227/14335586/ato_normativo_conjunto_tj_cgj_n_74_de_2016.pdf
18 
 
os dados enxertados no sistema PROJUDI seriam retirados, tais como petições, pedidos de 
benefícios, exames criminológicos e decisões judiciais, contendo apenas no movimento do 
extrato dos processos os atos ordinatórios e peças processuais praticados após a data de 
11.03.2016. 
Ainda neste particular, o art. 5 § 5º15, do mesmo ato normativo, estabeleceu que após 
6 meses da conclusão da etapa de certificação dos dados pela Central de Depuração de Dados, 
os processos físicos seriam encaminhados ao arquivo geral, inviabilizando o acesso dos mesmos 
por meio da carga processual (processo físico). Desse modo, optei em examinar os processos 
hospedados em meio eletrônico. Insta esclarecer que, para se ter acesso aos processos 
hospedados nesse sistema, o usuário deve ter um login e uma senha exigindo-se a realização de 
autenticação no Sistema de Segurança do Tribunal de Justiça (SEGWEB) mediante o cadastro 
na forma presencial na respectiva serventia de interesse, conforme determinação do Ato 
Normativo TJ Nº 30/2009 de 10.12.200916. 
Após a adesão ao sistema de cadastramento tornou-se possível apenas a visualização 
dos dados gerais dos processos e seus extratos de movimentações já que inúmeras peças 
processuais (de modo especial os exames criminológicos) e atos ordinatórios praticados e 
hospedados no sistema possuem restrições ao acesso. O sistema requisita uma habilitação 
provisória aos advogados cadastrados facultando a visualização dessas informações no prazo 
de 1 (um) dia. Isto é, dada a dificuldade apontada de acesso as informações constantes nos 
exames criminológicos dos apenados inevitavelmente me habilitei nos processos selecionados. 
Uma outra dificuldade, refere-se ao sistema de buscas no PROJUDI. Isto porque há 
necessidade da indicação nos filtros de busca do número do processo, ou nome da parte, ou RG, 
 
15Art. 2º§ 5º. Os processos físicos estarão disponíveis para a vista no cartório aos advogados, Defensoria Pública 
e Ministério Público, pelo período de 6 (seis) meses após a certificação da CDD, quando serão encaminhados ao 
arquivo geral. (Ato normativo Conjunto nº 74/2016). Disponível em 
<https://seguro.mprj.mp.br/documents/10227/14335586/ato_normativo_conjunto_tj_cgj_n_74_de_2016.pdf> 
Acessado em: 18/05/2018. 
16 Art. 3º. O Cadastro Presencial deverá ser feito pelo usuário interessado que necessite atuar em processo 
eletrônico, nos órgãos ou serventias eletrônicas, mediante assinatura do termo de cadastramento e adesão ao 
sistema, com a apresentação compulsória dos seguintes documentos originais acompanhados de cópia: I - 
Documento de identificação oficial de âmbito nacional com foto; II - Cadastro de Pessoa Física, do Ministério da 
Fazenda - CPF, ou documento oficial de âmbito nacional com foto que conste o referido número de cadastro.III- 
Comprovante de residência. Parágrafo único. O cadastro presencial será igualmente obrigatório para os casos em 
que for necessário o acesso, via internet, à movimentação de processos que tramitem em segredo de Justiça e para 
acesso às audiências gravadas no sistema de registro audiovisual. Disponível em 
<http://webfarm.tjrj.jus.br/biblioteca/index.html> Acessado em 05/06/2018. 
 
http://webfarm.tjrj.jus.br/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=139852&integra=1
http://webfarm.tjrj.jus.br/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=139852&integra=1
https://seguro.mprj.mp.br/documents/10227/14335586/ato_normativo_conjunto_tj_cgj_n_74_de_2016.pdf
http://webfarm.tjrj.jus.br/biblioteca/index.html
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ou nome da mãe ou nome do pai ou ainda caso seja procurador do apenado há um filtro 
específico que possibilita a seleção dos processos de atuação pessoal ou a identificação do 
processo de outro advogado, o que foi descartado por não ser causídica em nenhum processo 
de execução penal no Estado do Rio de Janeiro e desconhecer colegas com uma atuação 
extremamente ampla para servir de suporte em minha pesquisa. Me valendo das informações 
coletadas em etapa anterior, qual seja, do banco de dados jurisprudencial, elegi como ferramenta 
de busca o nome do apenado. 
Diante da necessidade de se organizar a gama de informaçõesprocessuais a serem 
analisadas, elaborei um segundo banco de dados sumariando as referências por: 
1. Número do processo: variável texto 
2. Nome do “apenado” (réu): variável texto 
3. Exames criminológicos: variável texto 
a. Disponível 
b. Indisponível 
4. Indicação do parecer da CTC (Comissão Técnica de Classificação): variável texto: 
a. Favorável ao Apenado 
b. Desfavorável ao Apenado 
5. Decisão sobre a progressão de regime: variável texto 
a. Disponível 
b. Indisponível 
6. Indicação sobre a progressão de regime: variável texto 
a. Concessão do benefício (PR) 
b. Denegação do benefício (PR) 
Sequencialmente, a compilação do material encontrado organizei o seu armazenamento 
em pastas de arquivos individualizadas, procedendo sua análise individual posteriormente. 
Importa ressaltar que o tratamento analítico dispensado aos documentos provenientes dessa 
base de dados se deu em razão de sua disponibilidade em arquivo no sistema PROJUDI da 
VEP/RJ. 
Por fim o terceiro desafio da pesquisa consistiu em realizar entrevistas com 
representantes do Poder Judiciário e peritos ou técnicos responsáveis pelas avaliações dos 
exames criminológicos vinculados a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do 
Rio de Janeiro (SEAP). Em relação ao juízo da VEP/RJ após o envio de insistentes e-mails e 
20 
 
nenhuma resposta fui pessoalmente tentar marcar uma entrevista com o então juiz titular Exmo 
Sr. Rafael Estrela, contudo sem êxito, tendo sido informada pela secretaria que o magistrado 
não encontrava-se no Estado do Rio de Janeiro e que caso houvesse interesse entraria em 
contato, o que até o presente momento ainda não se deu. Já a entrevista dos peritos que 
compõem as Comissões Técnicas de Classificação e exames criminológicos mostrou-se 
dificultada pelo sistema organizacional da Escola de Gestão Penitenciária do Rio de Janeiro. 
Ao entrar em contato com a secretaria de referido órgão fui informada que deveria entrar com 
um requerimento a Direção, juntando cópia do projeto de pesquisa após qualificação o que seria 
apreciado por um comitê que decidiria a respeito da autorização de entrevistas com os peritos 
levando em média 6 meses para a análise do pedido. Infelizmente, não obtive qualquer resposta 
até o presente momento. Contudo as entrevistas com membros da Defensoria Pública do Estado 
do Rio de Janeiro me auxiliaram a esclarecer alguns questionamentos levantados na tese. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
21 
 
PARTE I 
 
CAPÍTULO I 
 
O UBU-PSIQUIÁTRICO-PENAL E SEUS EFEITOS NA PUNIÇÃO LEGAL 
 
Neste capítulo realizo uma análise histórica dos deslocamentos discursivos sofridos pelo 
saber médico ponderando sobre seus efeitos nas práticas punitivas atuais. Com o intuito de 
problematizar as continuidades históricas irrefletidas procuro demonstrar que tais 
deslocamentos não se justificam por si mesmos, sendo um efeito de uma construção com regras 
definidas, controladas e justificadas para se legitimarem, isto é, não se desvinculam da prática 
sócio-política nem tão pouco dos modos de exercício de poder, uma vez que com estes se 
articula e se autodeterminam. 
As primeiras considerações tratam da identificação dos marcos histórico-ideológicos 
que permitiram o movimento de adjeção da medicina ao campo jurídico e o estabelecimento de 
uma relação simbiótica entre esses campos de saberes, considerando suas (re)significações 
teórico-práticas. Como segunda ponderação trato da incumbência do saber médico-legal em 
averiguar a questão da responsabilidade dos criminosos, se constituindo como um valioso 
dispositivo de verificação sobre a capacidade intelectiva e volitiva do sujeito jurídico, 
oferecendo elementos para continuar a justificar a punição legal. 
Para tanto, tomo como referencial analítico o laudo psiquiátrico que busca avaliar a 
responsabilidade penal, em estudo de caso, de “Baptistela” como norteador das considerações 
sobre as derivações funcionais desse dispositivo avaliativo já que a verificação que se assentou 
a pretexto legal do art. 26 do Código Penal Brasileiro - buscando avaliar se era mentalmente 
são e se possuía capacidade de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com 
esse entendimento, quando do cometimento do delito - produziu desdobramentos distintos do 
escopo do exame. Conforme argumentarei ao longo de minhas considerações estabeleceu-se 
uma conexão entre a sua história de vida e os sintomas estruturantes de uma presumível 
personalidade criminosa e, logo, de sua periculosidade. 
22 
 
Nesse debate, proponho uma reflexão que toma, em sua centralidade teórica o 
pensamento foucaultiano e seu método arqueológico para consubstanciar as análises 
empreendidas a seguir. 
1.1. As rupturas com as continuidades irrefletidas 
Ao investigar os processos históricos que promoveram os deslocamentos prático-
discursivos derivantes do embricamento do saber médico às práticas jurídicas pondero sobre os 
fatores contingenciadores desse tipo de arranjo. Assim, procurando retirar do campo das 
especulações as continuidades históricas que naturalizam as mudanças dentro de uma ordem de 
saber tomo o método arqueológico foucaultiano para pensar os discursos enquanto práticas que 
obedecem a regras. Nesse sentido, a arqueologia fundamenta a compreensão do sentido do 
discurso em sua dimensão de acontecimento, investigando as condições histórico-sociais que 
possibilitaram seu aparecimento e questionando porque determinado enunciado apareceu e 
nenhum outro em seu lugar (FOUCAULT, 2005). 
Ao considerar a medicina como unidade discursiva não pretendo estudar a sua 
configuração interna ou suas contradições, mas apenas o modo como os jogos de verdade e 
estratégias de poder podem ser articulados nas práticas sejam elas clínicas, legislativas, 
normativas e políticas. Assim, o primeiro esforço consiste no abandono do jogo de noções que 
diversificam, cada uma à sua maneira, o tema da continuidade histórica, deixando em suspenso 
certas categorias que sempre mantiveram essa ideia, quais sejam: as noções de tradição17, de 
influência18, de desenvolvimento e evolução19, e por fim a noção de mentalidade ou de espírito20 
(FOUCAULT, 2005). 
O comprometimento das análises históricas se dá na medida em que os acontecimentos 
discursivos são naturalizados. Ou seja, acabam sendo considerados como precipitações da 
evolução numa determinada ordem de saber, tendo justificadas suas mudanças e normalizado 
o continuísmo de seu desenvolvimento. 
 
17 Que visa a dar uma importância temporal a um conjunto de fenômenos, que, ao mesmo tempo, se sucedem, ou 
são idênticos ou pelo menos análogos (FOUCAULT, 2005, p.23-24). 
18 Que fornece um suporte aos fatos de transmissão e comunicação, ou que atribui a um processo de andamento 
causal os fenômenos de semelhança ou de repetição, ou ainda que liga, à distância e através do tempo, unidades 
definidas como indivíduos, obras, noções ou teorias (Ibidem). 
19 Que permite reagrupar uma sucessão de acontecimentos dispersos, relacionando-os a um único e mesmo 
princípio organizador (Ibidem). 
20 Que permite estabelecer entre os fenômenos simultâneos de uma determinada época uma comunidade de sentido 
ou que fazem surgir, como princípio de unidade e de explicação, a soberania de uma consciência coletiva 
(Ibidem). 
23 
 
Ao desprezar o fio da continuidade, assumo deliberadamente, as brechas, o descontínuo, 
buscando pelo emaranhado de fatos discursivos anteriores a um acontecimento que o explicam 
e o determinam. De outra maneira, essa problematização das formas prévias de continuidades 
irrefletidas demonstra que os acontecimentos discursivos cristalizados em nossa cultura não se 
justificam por si mesmos, sendo sempre o efeito de uma construção “[...] cujas regras devem 
ser conhecidas e cujas justificativas devem ser controladas” (FOUCAULT,2005, p. 28). 
Nesse sentido, num processo anterior à análise de qualquer materialidade, devemos nos 
atentar a um conjunto de enunciados que cada um ao seu modo influenciou o movimento de 
adjeção do saber médico às práticas jurídicas e seus deslocamentos prático-discursivos 
derivantes (FOUCAULT, 2005) 
1.2. O movimento de adjeção do saber médico com o campo jurídico esuas construções 
nas ordens discursivas 
É sabido que a partir do século XVIII houve o favorecimento do nascimento de 
determinados saberes sendo estes pronunciados como formas de controle social através das 
instituições sociais, como consequência da sociedade reguladora e disciplinadora incipiente 
(MUCHAIL, 2004). Nesse contexto as construções nas ordens discursivas impulsionaram o 
surgimento de ciências que oferecessem diagnósticos explicativos das condutas humanas, tendo 
desse modo, a psiquiatria, a sociologia, a criminologia e tantas outras ciências, encontrado 
ressonância para suas teorizações a respeito dos comportamentos dos indivíduos, especialmente 
os dissidentes da sociedade, procurando em muitos casos explicar e justificar as suas condutas. 
Como resultado, viabilizaram sua possível recuperação implementando a sua adequação através 
de medidas integradoras e ajustadoras a que poderiam submete-los. 
De outra maneira, esse modelo de sociedade inaugurou um modo de exercício de poder 
no qual a sujeição não se faz apenas pela repressão, mas, sobretudo, por um método mais sutil 
de adestramento, definindo a produção de comportamentos e também o surgimento de 
determinadas instituições, como as prisões e os manicômios, que se articularam ao surgimento 
de saberes e ao exercício do poder disciplinar (MUCHAIL,2004). 
É desse modo que o projeto de medicalização da sociedade brasileira também esteve 
condicionado à essa lógica incipiente. Vê-se, a partir do século XIX, o advento da medicina 
social, inaugurando uma intervenção de maneira global na sociedade, que se caracterizou como 
uma forma de controle constante, por sua vigilância contínua sobre o espaço e o tempo sociais. 
Como efeitos temos, primeiramente, a penetração da medicina na sociedade, incorporando o 
24 
 
meio urbano como alvo da reflexão e da prática médica; e segundo, as concessões à medicina 
o status de um corpo científico indispensável ao exercício do poder do Estado. Assim, “[...] se 
a Medicina se coloca a serviço do Estado, ela exige em contrapartida, que este se deixe 
instrumentalizar” (MACHADO, 1978, p. 126). 
Releva assinalar que, se no período colonial a concepção de saúde só era percebida pela 
presença da realidade representada pela doença, se constituindo como um problema, detentora 
de sua marca negativa associada à morte, a correspondente transformação do objeto da medicina 
também significou um deslocamento prático-discursivo inverso da doença para a saúde. De 
outro modo, essa renovação do paradigma faz com que seja consolidado a produção histórica 
do sentido de que a sociedade, por sua desorganização e mau funcionamento, é a causadora de 
doenças, cabendo a medicina atuar sobre seus componentes naturais, urbanísticos e 
institucionais, visando neutralizar todo perigo possível. 
O projeto médico passou então a reivindicar por uma posição em que o direito, a 
educação, a política e a moral seriam condicionadas a seu saber. É assim que, por exemplo, na 
ordem jurídica as decisões judiciais começam a ser tematizadas por tal projeto a partir de 1830, 
oportunidade em que a Sociedade de Medicina critica a legislação pátria por não oferecer 
suficientes garantias à liberdade e segurança pessoais, argumentado que a Medicina legal 
consubstanciaria a vanguarda de tais direitos (MACHADO, 1978, p. 194). Outrossim, instituiu 
medidas de controle sociais que decorrem de sua própria essência na estrutura do Estado, se 
tornando indispensável ao funcionamento do mesmo. Portanto, a medicina social é 
necessariamente política, tendo penetrado nas instituições do Estado e avançado sobre o campo 
jurídico, requisitando-lhe um lugar para pronunciar-se enquanto saber/poder especializado. 
É assim que do processo de medicalização da sociedade surge o projeto da psiquiatria 
de patologizar a loucura constituindo-se a principal pauta médico-legal. Esse primeiro 
deslocamento sofrido pelo saber médico constituiu um domínio que individualizou a psiquiatria 
como uma especialidade médica, que tendo passado por constantes renovações paradigmáticas 
em seu campo de saber sorveu práticas clínicas e discursivas correspondentes. Acompanha-se 
na história da loucura. Se a princípio os loucos foram considerados possuídos ou endemoniados 
enfurecidos, posteriormente, passaram a ser punidos pela loucura por meio da reclusão nas 
prisões e nos hospícios, mantidos fechados entre grades e correntes (FOUCAULT, 2010). 
Tal ofensiva implementou a criação de uma instituição de enclausuramento, o hospício, 
este tido como principal instrumento terapêutico destinado aos loucos, consubstanciando 
25 
 
práticas clínicas que implementaram a necessidade de trata-los, não importando as variadas 
sinonímias afeitas a loucura se alienação mental, psicopatia, psicose, demência, insanidade etc., 
tampouco a espécie da doença mental resultante, a consequência seria a mesma: isolamento ou 
internação. 
Ocorre que, após a segunda guerra mundial, se irrompe um acontecimento discursivo21 
que promoveu rupturas não só com as teorizações até então formuladas mas com um conjunto 
de práticas clínicas que validavam essa ordem de saber, passando a (re)significar a sua própria 
essência. Isto porque, se por um lado o paradigma psiquiátrico clássico havia transformado a 
loucura em doença mental -produzindo uma demanda por espaços de confinamento e por 
práticas de diagnósticos que justificassem sua intervenção, tendo assim uma identificação com 
as estruturas sociais excludentes (manicômios e prisões) - de outro, a conjuntura do pós-guerra 
deflagrou a ruptura radical em relação à psiquiatria tradicional22, instaurando uma reformulação 
das premissas fundantes e concebendo como novo dispositivo a saúde mental, instituindo 
inclusive seu projeto de reforma que assentou-se sobre o questionamento do papel e da natureza 
ora da instituição asilar, ora do saber psiquiátrico. 
A experiência psiquiátrica do pós-guerra: [...] chama a atenção da sociedade para a 
deprimente condição dos institucionalizados em hospitais psiquiátricos, mal comparada a 
lembrança dos campos de concentração[...] (AMARANTE, 1998, p. 28). 
A descontinuidade do modelo clínico da psiquiatria clássica nos faz perquirir como é 
possível que se tenha, em certos momentos e em certas ordens de saber, mudanças bruscas, 
consideradas como precipitações de evolução, como transformações que não correspondem à 
imagem tranquila e continuísta histórica que normalmente se admite? 
Essas (re)significações23 das práticas e do saber instaladas na ordem do discurso 
psiquiátrico se deram como efeitos da modificação nas regras de formação dos enunciados, não 
se constituindo como uma refutação de erros antigos, nem tampouco como uma renovação de 
seu paradigma. 
Nesse contexto histórico-social-econômico o pós-guerra instaurou um cenário de 
colapso social na Europa, desencadeando a necessidade de reformulação da concepção de 
 
21Considerado como um conjunto de enunciados em sua dispersão de acontecimento e na instância própria de cada 
um (FOUCAULT, 2005). 
22 E seu dispositivo da alienação. 
23 Tomadas aqui como verdadeiras mutações. 
26 
 
Estado e a estruturação de novas práticas discursivas com sua correspondente produção 
histórica de sentidos. Desse modo, esse novo modelo24 possibilitou a irrupção de um conjunto 
de enunciados (discursos) que se organizaram como efeito dessa construção e propiciaram a 
manutenção do estado de crença que determina a circularidade das

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