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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO EVELIN MARA CÁCERES DAN O EXAME CRIMINOLÓGICO E SEU ALCANCE NAS DECISÕES JUDICIAIS DE EXECUÇÃO PENAL: fronteiras tangíveis? NITEROI 2019 FICHA CATALOGRAFICA EVELIN MARA CÁCERES DAN O EXAME CRIMINOLÓGICO E SEU ALCANCE NAS DECISÕES JUDICIAIS DE EXECUÇÃO PENAL: fronteiras tangíveis? Tese apresentada ao Programada de Pós Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção de título de doutor em Ciências Jurídicas e Sociais. BANCA EXAMINADORA ____________________________________________ Prof. Dr. Lenin dos Santos Pires (Orientador) _____________________________________________ Prof. Dr. Vladimir de Carvalho Luz (Coorientador) _____________________________________________ Prof. Dr. Ronaldo Lobão (UFF) _____________________________________________ Profa. Dra. Klarissa Almeida Silva Platero (UFF) _____________________________________________ Profa. Dra. Paula Pimenta (UFJF) __________________________________________ Prof. Dr. (Membro externo) Niteroi, 2019 Agradecimentos A menção de agradecimento àqueles que contribuíram e compuseram a trajetória de construção desse trabalho científico é algo que certamente não se esgota nessas breves linhas dedicadas a esse respeito. Para mim rememorar os sacrifícios, os desafios, as dificuldades e as angústias que compuseram esse caminho é algo que deve ser resignificado, pois não estive sozinha nessa jornada. Como resultado de tudo o que se apresenta, quero agradecer, primeiramente a Deus, não só pelas inspirações que vivenciei durante a escrita, mas também pela proteção experimentada em muitos momentos a medida em que foram colocados no meu caminho pessoas que efetivamente me apoiaram durante o doutorado. De modo especial, me refiro à acolhida da Dra. Silvana Mendes Lima que conduziu a minha escuta e tratamento durante 4 anos de terapia, tendo me resgatado do grave quadro de depressão. Ao professor Lenin Pires minha eterna gratidão pelo acolhimento generoso e por me conduzir a exercitar minha humanidade. Aos professores Vladimir Luz e Ronaldo Lobão, quero agradecer não só pela confiança e apoio ao meu trabalho, mas sobretudo pela sensibilidade e cuidado nos momentos em que estive vulnerável no doutorado. À professora Klarissa Platero e ao Luis Henrique Leite que tanto me ajudaram na organização das informações e dados da pesquisa. Aos amigos do Projeto Vivências no Cárcere (UFF), de modo especial ao João Marcelo Dias e Fernando Henrique Cardoso pela parceria, lealdade e cumplicidade. Aos colegas defensores públicos estaduais Léo Rosa e Eduardo Quintanilha pela disponibilidade e prontidão no atendimento a mim dispensados. Aos colegas do Laesp- Ineac- UFF que contribuíram com muitas ponderações sobre a presente reflexão. Ao Alexandre, meu companheiro, pelo amor dedicado a mim e apoio incondicional. Àos meus pais Antonio e Paula, pelo estímulo e cuidado à mim devotados. Aos meus irmãos Vivian e Italo pela tolerância, pelo exercício de perdão e carinho. Aos amigos Gustavo Coutinho, Simone Brilhante e Mara Katia por todo o amor, carinho e amizade devotados ao longo desses 4 anos. Aos estudantes da UFF e da Unemat, que são as forças motrizes pela busca do aperfeiçoamento. Enfim, quero agradecer a todos que compuseram essa trajetória e o resgate de mim mesma. Muito Obrigada! Trago vocêis em meus pensamentos, lembranças e coração! RESUMO A presente pesquisa se constituiu pelo interesse em compreender as premissas estruturantes da sujeição classificatória dos criminosos, de modo especial, as interações prático-discursivas derivantes dos exames criminológicos, tomados enquanto imperativo da avaliação do mérito dos condenados, e as decisões judiciais que apreciam a progressão de regime prisional em processos vinculados a Vara de Execuções Penais (VEP) da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Para tanto construí um percurso na tese em que gradativamente apresento a evolução dos condicionantes desse tipo de verificação, ponderando, sobretudo que com a assumpção da noção de periculosidade por parte dos modelos de intervenção penal no cenário punitivo atual, tendo estesinspiração no tipo ideal lombrosiano, o indivíduo passou a ser avaliado pela sociedade no nível de suas virtualidades e não no nível de seus atos. As incursões da pesquisa me oportunizou dar um tratamento analítico nas seguintes fontes de dados: 1- as decisões que requisitam os exames criminológicos dos processos de execução penal; 2- os exames criminológicos elaborados por peritos designados para avaliação dos apenados; 3- as decisões sobre a progressão de regime constantes nos processos de execução penal; 4- as transcrições das fichas disciplinares dos apenados; 5- os acórdãos constantes no sistema de buscas jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (2015-2017). Utilizo o método misto nas análises empreendidas. Palavras-chave: exames criminológicos – decisões judicias – execução penal – progressão de regime prisional ABSTRACT The present research was constituted by the interest to understand the structuring premises of the classificatory subjection of the criminals, in particular, the practical-discursive interactions deriving from the criminological examinations, as imperative of the evaluation of the merits of the condemned, and the judicial decisions that appreciate the progression of criminals prison regime in proceedings linked to the Criminal Court (VEP) State of Rio de Janeiro. In the course of the thesis I present the evolution of the conditions of this type of verification, considering, above all that with the admission of the notion of danger by the models of criminal intervention in the current punitive scenario, having these inspiration in the ideal Lombrosian type, and the individual passed to be evaluated by society at the level of its virtualities and not at the level of its acts. The research incursions allowed me to give analytical treatment to the following data sources: 1- the decisions that require the criminological examinations of the criminal execution processes; 2- the criminological examinations prepared by experts designated for the evaluation of the inmates; 3- the decisions on the progression of the regime contained in the criminal enforcement proceedings; 4- the transcripts of the disciplinary records of the condemned; 5- the judgments of the Rio de Janeiro State Court of Justice (2015-2017). I use the mixed method in the analyzes undertaken. Keys-word: criminological examinations – judgments - penal execution - progression of prison regime Sumário Introdução ..................................................................................................................................1 PARTE I Capítulo I – Ubu Psiquiátrico-Penal e seus efeitos na punição legal .......................................21 Capítulo II – A sujeição classificatória dos criminosos ...........................................................70 Capítulo III – O protagonismo dos dublês do delito e sua (dis)funcionalidade na execução penal .................................................................................................................................................109 PARTE II Capítulo4 – O tratamento jurisprudencial (TJ/RJ) sobre a progressão de regime: discursividades em movimento...............................................................................................134 Notas conclusivas ...................................................................................................................156 Referências Bibliográficas .....................................................................................................163 Anexos ...................................................................................................................................167 Anexo 1 ..................................................................................................................................168 Anexo 2 ..................................................................................................................................171 Anexo 3 ..................................................................................................................................173 Anexo 4 ..................................................................................................................................178 Anexo 5 ..................................................................................................................................198 Anexo 6 ..................................................................................................................................199 Lista de Abreviaturas ANPOCS - Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais BPM – Batimentos por minuto CID-10 – Classificação Internacional de Doenças em sua 10ª edição CPB – Código Penal Brasileiro CPF – Conselho Federal de Psicologia CTC – Comissão Técnica de Classificação DPE – Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro DPE1 – Defensor Público [informante1] DPE2 – Defensor Público [informante 2] HC – Habeas Corpus H.T.P – Teste de Personalidade HZ - Hertz INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INEAC - Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos IPF/ RS – Instituto Psiquiátrico Forensedo Estado do Rio Grande do Sul LEP – Lei de Execuções Penais LC – Liberdade Condicional PDI – Psiquiatria Democrática Italiana PR- Progressão de Regime PROAES – Pro-reitoria de Assistência estudantil PROJUDI – Processo Judicial Digital PSIS – Psiquiátrico e Psicológico QI- Quociente de Inteligência SEAP – Secretaria de Administração Penitenciária SEGWEB - Sistema de Segurança do Tribunal de Justiça SCP – Sistema de Controle de Presos STF – Supremo Tribunal Federal TA – Pressão Arterial T.A.T – Teste de Apercepção Temática TFD – Transcrição de Ficha Disciplinar TJ/RJ – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro UFF- Universidade Federal Fluminense VEP/RJ – Vara de Execuções Penaisdo Estado do Estado do Rio de Janeiro VPF – Visita Periódica a Familia VPL – Visita Periódica ao Lar WAIS – Escala de Inteligência para Adultos Lista de Ilustrações Imagem 1- Sítio eletrônico do TJ/RJ........................................................................................13 Tabela 1- Distribuição absoluta e percentual de categorias temáticas dos acórdãos do TJ/RJ em processos de execução penal .....................................................................................................14 Tabela 2- Distribuição absoluta e percentual de categorias recursais dos acórdãos do TJ/RJ que tratam sobre a progressão de regime..........................................................................................15 Gráfico 1- Distribuição anual das Decisões que requisitaram os Exames Criminológicos na VEP/RJ ................................................................................................................................80-81 Gráfico 2- Distribuição absoluta da tipificação penal das Decisões que requisitaram os Exames Criminológicos na VEP/RJ ..................................................................................................82-83 Imagem 2- Informações da Transcrição da Ficha Disciplinar do Detento .........................89-90 Tabela 3- Distribuição absoluta e percentual dos contornos “raciais” da população carcerária do Estado do Rio de Janeiro .....................................................................................................91 Tabela 4- Distribuição absoluta e percentual dos contornos da escolaridade da população carcerária do Estado do Rio de Janeiro ....................................................................................92 Tabela 5- Distribuição absoluta dos Elementos Narrativos Justificadores da requisitação dos exames criminológicos da VEP/RJ .....................................................................................95-96 Gráfico 3- Distribuição absoluta dos elementos narrativos de aferição dos requisitos subjetivos dos apenados .............................................................................................................................98 Gráfico 4- Distribuição percentual do Regime Penal nas decisões que requisitam os exames criminológicos do juízo da VEP/RJ ...................................................................................... 106 Imagem 3- Laudo da Assistente Social do Exame Criminológico.........................................120 Imagem 4- Laudo da Assistente Social do Exame Criminológico 2017 ...............................121 Imagem 5- Laudo da Assistente Social do Exame Criminológico 2017 ...............................122 Imagem 6- Laudo da Assistente Social do Exame Criminológico 2017 ...............................123 Imagem 7- Laudo da Assistente Social do Exame Criminológico 2017 ...............................124 Gráfico 5- Distribuição absoluta e percentual dos pareceres dos exames criminológicos.................................................................................................................127-128 Gráfico 6-Distribuição absoluta e percentual das decisões que embasaram-se nos pareceres dos exames criminológicos para apreciação dos pleitos de progressão de regime .................................................................................................................................................130 Tabela 6- Distribuição absoluta e percentual de categorias temáticas dos acórdãos do TJ/RJ em processos de execução penal ...........................................................................................136-137 Tabela 7- Distribuição absoluta e percentual de categorias recursais dos acórdãos do TJ/RJ que tratam sobre a progressão de regime.................................................................................137-138 Tabela 8- Distribuição anual dos Habeas Corpus impetrados no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro tendo a correspondência temática a progressão de regime......................................................................................................................................140 Tabela 9- Distribuição absoluta e percentual dos assuntos nos acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro..............................................................................................141-142 Tabela 10- Distribuição absoluta e percentual das decisões dos Habeas Corpus que avaliaram a demora do juízo da VEP/RJ.................................................................................................147 Gráfico 7: Tipificação dos crimes e sua distribuição absoluta nos Habeas Corpus que tratavam sobre a progressão de regime............................................................................................150-151 Gráfico 8: Distribuição percentual do Regime prisional nos Habeas Corpus do período de (2015-2016-2017)...................................................................................................................15312 1 Introdução Os condicionantes que devem ser ditos antes Os caminhos que me conduziram a adotar uma postura de observar o Direito numa perspectiva empírica foram contingenciados por numerosos atravessamentos. Poderia construir uma narrativa que escamoteasse as dificuldades da minha trajetória, contudo, estaria sendo desonesta narrando um “conto de fadas” que não se acomoda em minha vida. Assim o meu lugar de fala revela as próprias contradições que me situaram no lugar que ocupo. Quero dizer com isso que as rupturas que se deram enquanto estudante no mestrado e doutorado promoveram não só deslocamentos teóricos, mas também determinaram a ressignificação das percepções daquilo que me cerca. Tive uma formação acadêmica em Direito que se conformou com os fundamentos dogmáticos na medida em que houve a negligência da pesquisa e do mundo empírico, não havendo o protagonismo de qualquer professor na desconstrução dessa metodologia de ensino. Ainda recém-formada (2003) fui aprovada no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, escolhendo atuar na esfera penal. O desfortúnio dessa escolha se anunciada a medida em que lidava com o sistema de justiça criminal, presenciando inúmeros abusos por parte de autoridades judiciais e policiais tanto em audiências, delegacias de polícia, centrais de flagrantes e em presídios no Estado do Mato Grosso, tendo sido compelida a uma atuação profissional de enfrentamento as essas contradições instaladas nos aparelhos punitivo, sobretudo porque a dogmática jurídica não nos prepara para as circunstâncias reais de um sistema que representa a diferenciação de tratamento aos indivíduos, expondo a oposição entre as leis e as situações concretas, onde cada qual se socorre como pode, utilizando para isso o seu sistema de relações pessoais. Então, aos 26 anos fui aprovada num concurso para exercer a docência nesta mesma Universidade que conclui o Curso de Direito. Inicialmente me conformei com a performance dogmática a que estava familiarizada e requisitada pelo ensino jurídico. Contudo, houve um acontecimento bastante traumático que promoveu uma “quebra” com esta conformação. Em 2010 meu irmão Igor Dan foi vítima de um assassinato, sem motivação aparente, ao interceder por um mendigo que estava sendo espancado pelo sobrinho de um Procurador do Estado de 2 MT, tendo este desferido 3 tiros pelas costas, ocasionando essa perda familiar, tendo alegado posteriormente em sua defesa estar sob o efeito de drogas psicotrópicas. Para não sucumbir a esse tormento orientei os meus estudos a nível de Mestrado (2011- 2013) na investigação de homicídios dolosos por indivíduos que possuíam uma condição econômica e social privilegiadas, tendo conduzido a escolha do “Caso Richthofen” não por outra razão.A imersão na teoria materialista do discurso pechêutiana contribuiu para o refinamento cognitivo nas análises realizadas. Desse trabalho acadêmico resultou a publicação da obra “O discurso sobre a anormalidade nas práticas judiciais”, lançado em 2014 pela editora Lumen Juris. Após a conclusão do Mestrado em Linguistica (2013) fui acometida por um grave quadro de depressão, tendo me mudado para a cidade de Niteroi-RJ, buscando acompanhamento terapêutico adequado. Já em 2015 consegui a aprovação para o Doutorado no Programa de Pós Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, tendo o privilégio do acompanhamento solidário e generoso dos professores Lobão, Lênin, Vladimir e posteriormente da professora Klarissa em minha trajetória de pesquisa. É importante mencionar que os incômodos genuinamente constituídos ainda enquanto uma jovem advogada agora passaram a ser aflorados na medida em que me integrava nas atividades do Laboratório de Estudos sobre Conflito, Cidadania e Segurança Pública (LAESP – UFF). Neste ambiente pude compartilhar com os colegas pesquisadores as minhas impressões relacionadas a seletividade do sistema punitivo brasileiro. Também é imprescindível destacar as contribuições do Projeto de Extensão “Vivências no Cárcere - UFF” (2017-2018) e seu impacto decisivo no aprimoramento da observação empírica e crítica do Direito, tendo integrado como membro os trabalhos executados nas etapas de formação e visitação nas unidades prisionais do Estado do Rio de Janeiro. Sobre este último, pude constatar os horrores a que a população carcerária é submetida, não tendo apenas a limitação de sua liberdade mas sobretudo o condicionamento de seus corpos a todos os tipos de violências sejam físicas, sexuais, e psicológicas, além das restrições aos direitos mais básicos como à água e a alimentação e negligências à atendimentos médicos. Amontoados como animais nesses depósitos fétidos, insalubres, úmidos e imundos, os presos encontram-se em situações degradantes e aviltantes à dignidade humana. 3 Em grande parte, a presente tese reverbera uma inquietação que venho acalentando desde o Mestrado, quando realizei a pesquisa nos autos de execução penal em estudo do Caso Richthofen. Isto porque ao lidar com a materialidade processual destacou-se os fundamentos que embasaram a decisão denegatória da progressão de regime1 tendo esta se erigido em premissas moralizantes, tendo sido empregado uma série de noções tais como a de orgulho, de maldade, de imaturidade, de falsidade, dentre outras, em sua avaliação psicológica sendo esta componente do exame criminológico requisitado para avaliação subjetiva da apenada. Meu problema de pesquisa atual é de certa forma uma extensão desse estudo principiado no mestrado. Assim, a desconfiança de que as decisões sobre os incidentes de execução penais vêm formalmente se embasando através do resgate das categorias elementares da moralidade, da contrariedade à ética e mera reprovabilidade de um comportamento - o que em sua concreta efetivação destacaria no criminoso um determinado comportamento, ou uma atitude caracterizando-se eminentemente por sua natureza moral, não sendo de ordem patológica nem infracional, sendo essas ambiguidades infra liminares que os peritos procuram reconstruir em seus laudos -constituem-se como norteadoras das reflexões problematizadas. Contudo, as observações realizadas se dão num universo mais ampliado, dando relevância a análise em inúmeros processos judiciais de execução penal vinculados ao juízo da Vara de Execuções Penais do Estado do Rio de Janeiro2. Nesta pesquisa observo as estruturas que condicionam a sujeição classificatória dos criminosos ou os dispositivos que permitem oferecer ao aparelho judiciário as avaliações sobre a interioridade dos apenados, sendo estas asseguradas tanto pela pericia que se destina a avaliar a responsabilidade penal dos sujeitos jurídicos bem como pelos exames criminológicos em sede de execução penal. Estou ciente de que esse é um empreendimento de enormes proporções, do qual toquei apenas a margem. Sei também que invadi os terrenos bem delimitados de outras ciências, como a psiquiátrica e psicológica, sem ter uma compreensão aprofundada de suas disciplinas. Seria 1 Sentença proferida em 15 de outubro de 2009, constante nos autos de Execução Penal nº. 677. 533, vinculada à Vara de execuções criminais (VEC) de Taubaté-SP. 2É importante destacar que a jurisdição do juízo da VEP/RJ abarca as Unidades do Complexo de Gericinó, as Unidades do Complexo de Niteroi e interior, e também as unidades do Grande Rio. Ou seja, existe uma única Vara judicial para atender todo o efetivo carcerário do Estado do Rio de Janeiro. Como regra, cabe ao Juiz da Vara de Execuções Penais decidir sobre progressão de regime, livramento condicional, remição e outros direitos, assim como também deverá decidir sobre eventuais faltas disciplinares praticadas pelo apenado.Segundo o último levantamento as SEAP (Secretaria de AdministraçãoPenitenciária) o efetivo carcerário nas unidades prisionais do Estado do RJ correspondia em 30/07/2019 à 53.149 apenados, cabendo ao juízo da VEP/RJ a apreciação dos direitos aos benefícios legais previsto em lei de todo esse efetivo. 4 tolice protestar dizendo que outros já saquearam o campo jurídico exatamente com os mesmos objetivos. Eu prefiro basear minha justificativa na necessidade de atravessar essas fronteiras disciplinarias, para que seja possível ter algum resultado positivo na compreensão do próprio fenômeno jurídico. O Caso Richthofen Trata-se de um crime de parricídio cometido, em 2002, por Suzane Louise Von Richthofen, seu namorado Daniel Cravinhos e Christian Cravinhos, tendo causado grande comoção na sociedade brasileira e ganhando ampla repercussão na mídia, uma vez que escapavam à compreensão leiga as motivações que levariam uma jovem de boa aparência, rica, estudada, a tramar a execução dos próprios pais. A pesquisa me oportunizou o acesso aos autos de Ação Penal Pública movida contra a ré em questão, processo n. 052.02.4354-8, assim também como os autos de Execução Penal n. 677. 533, a partir dos quais foram feitas incursões ao I Tribunal do Júri da cidade de São Paulo onde encontravam-se arquivados. Segundo o que constava na Denúncia, os irmãos Cravinhos desferiram diversos golpes nos crânios das vítimas, ou seja, nos pais de Suzane, causando inúmeros ferimentos e a morte do casal. Contudo, tal êxito só foi possível pela participação decisiva da filha das vítimas, Suzane Louise Von Richthofen (DAN, 2014). Daniel e Suzane eram namorados, à época dos fatos, sendo que esse relacionamento não era aceito por parte das vítimas, sendo hostis à relação e passaram a exercer um rígido controle sobre o casal (Ibidem). As decorrentes tensões geradas por essa forma de controle e a decisão de ambos em manter o relacionamento, levaram os então namorados a planejarem a morte das vítimas. Daniel cuidou de fabricar porretes e Suzane de guardar luvas cirúrgicas com a intenção de munir-se dos aprovisionamentos capazes de não deixar vestígios (Ibidem). Após firmarem o plano, integrou-se ao conjunto, Christian, irmão de Daniel, a quem foi prometido, pela participação no crime, pagamento em dinheiro. Ela franqueou, então, o acesso dos irmãos Cravinhos à casa e ao quarto de seus pais, momento em que o grupo se dividiu, pois, enquanto Daniel e Christian, munidos de porretes, desferiam sucessivos golpes nas vítimas, que não tiveram nenhuma possibilidade de reação, Suzane se dirigia ao escritório 5 da casa para simular um cenário de roubo, abrindo uma valise da mãe, em que era guardado dinheiro. Finda a execução, os três trocaram de roupas e saíram de casa. Depois desse intervalo de tempo, Suzane retorna a sua casa, na companhia de seu irmão, procurando agir como se nada tivesse acontecido (Ibidem). A investigação concluiu pela oferta de denúncia contra Suzane Louise Von Richthofen, Daniel Cravinhos e Christian Cravinhos, sendo todos acusados da prática de homicídios dolosos contra as vidas de Manfred Richthofen e Marisia Richthofen, sendo levados, portanto, ao crivo do respectivo juízo natural (Ibidem). Todos os reús vieram a ser condenados e passaram a cumprir em regime fechado as penas sentenciadas. Como já anunciado anteriormente, destacou-se nas incursões dessa pesquisa a fundamentação da Sentença Denegatória da Progressão de Regime de Suzane, tendo se erigido por noções elementares da moralidade ou pelas noções de orgulho, maldade, imaturidade, falsidade, dentre outras, constantes no laudo psicológico componente do exame criminológico requisitado pela autoridade julgadora, tendo sido esse incômodo que despertou o desejo de aprofundamento nas investigações a nível de doutorado. Apresentação do tema de pesquisa A presente pesquisa se constituiu pelo interesse em compreender as premissas estruturantes da sujeição classificatória dos criminosos, de modo especial, as interações prático- discursivas derivantes dos exames criminológicos, tomados enquanto imperativo de avaliação do mérito dos condenados e as decisões judiciais que apreciam a progressão de regime prisional em processos vinculados a Vara de Execuções Penais (VEP) da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Fundamental, portanto, apresentar breves considerações sobre o modelo penal que instrumentaliza a Lei de Execuções Penais (Lei n. 7210/84). A execução penal se constitui por um conjunto de atos processuais que visam a concretização punitiva, materializando a pretensão executória da punição proferida em sentença condenatória do processo de conhecimento penal. Nesse sentido, a ação penal executória inicia- se, em regra, pela determinação do juiz de conhecimento a expedição da carta de guia ou recolhimento para o cumprimento da pena, remetendo-a ao juízo de execução para instaurar o processo de execução penal. 6 Com a edição da Lei de Execução Penal (Lei n. 7210/84) se unificou as normas dos planos administrativo e jurisdicional, sob o mesmo diploma legal. Isto quer dizer que há uma divisão das atividades entre o Poder Judiciário, que exerce sua tutela no âmbito processual e o Poder Executivo que administra os estabelecimentos penais. Assim, a execução penal apresenta tanto uma carga administrativa, que é exercida pelo diretor do estabelecimento prisional, quanto jurisdicional, por meio de um processo judicial. O reconhecimento da natureza jurídica da execução penal como sendo jurisdicional, por parte da doutrina, defronta-se com os procedimentos práticos que se destinam a averiguação da personalidade e periculosidade do agente, uma vez que os direitos dos condenados, materializados nos incidentes de execução penal, se subordinam aos laudos técnicos e aos procedimentos disciplinares sendo ambos de cunho administrativo. Assim é que alguns benefícios legais3 necessitam, além do preenchimento dos requisitos objetivos, como o cumprimento do quantum da pena, de um diagnóstico favorável do corpo clinico criminológico e da verificação das faltas disciplinares no sistema prisional. Isto porque esse modelo penal integrado intenta uma política de prevenção do crime e o tratamento do delinquente, estando tal premissa presente tanto na parte geral do Código Penal, de modo especial no que concerne a aplicação da pena, bem como na Lei de Execução penal (LEP). Esta estrutura se consubstancia em duas premissas: a primeira se volta a avaliação da personalidade do condenado mediante o emprego da matriz criminológico-administrativa- psiquiatrizada, sendo assegurada pelos pareceres da comissão técnica de classificação e laudos periciais dos exames criminológicos; e a segunda dedica-se a análise do comportamento do preso à partir de uma estrutura meritocrática de averiguação das faltas disciplinares ( materializada em processos disciplinares), sendo disposta na Transcrição das Fichas Disciplinares – TFD dos condenados. É assim que, para orientar a individualização da execução penal, o condenado, ao ingressar na instituição penitenciária, será submetido a um exame, realizado pela Comissão Técnica de Classificação (CTC), com o objetivo da obtenção dos dados reveladores de sua 3 Utilizo o termo “benefícios” para referir-me à progressão de regime, livramento condicional, comutação e indulto, não atribuindo o sentido de “privilégio” ao condenado, uma vez que, tais institutos são reconhecidos como direitos subjetivos dos condenados. 7 personalidade. E, não obstante o trabalho das CTC, durante a execução da pena o apenado poderá ser submetido às perícias criminológicas (asseguradas pelos exames criminológicos), visando prognoses sobre a potencial periculosidade que representa para a sociedade, na medida em que se busca, por meio da avaliação de suas condições pessoais,indícios que façam presumir a não reincidência ao crime para consubstanciar as decisões judiciais. Em suma, de acordo com a LEP, existem duas modalidades de exames criminológicos, sendo estes: (i) realizado com o ingresso do condenado à pena privativa de liberdade na instituição penitenciária, se dando de forma obrigatória no cumprimento de regime fechado e facultativamente no regime semi-aberto, a fim de subsidiar a classificação dos presos ; e outro (ii) elaborado nos incidentes formados para a concessão de benefícios legais, tais como pedidos de progressão de regime prisional, livramento condicional, indulto e comutação de penas, durante a execução penal, objetivando instruir as decisões judiciais a esse respeito (art. 112 LEP). Em atendimento as especificidades da presente tese, me deterei em considerar apenas a segunda modalidade de exame criminológico, considerando sua valoração sobre o provimento da progressão de regime. A execução da pena privativa de liberdade se orienta pelo sistema progressivo no seu cumprimento, com a passagem do regime mais rigoroso ao mais brando. E para tanto é necessário, em regra, além do cumprimento do lapso temporal mínimo de 1/6 (um sexto avos) em regime anterior mais gravoso, a ostentação de bom comportamento carcerário por parte do apenado, conforme a preleciona o art.112, caput, da LEP4, encontrando-se alicerçada numa estrutura meritória na qual avalia-se a personalidade do condenado e o seu comportamento carcerário, como já mencionado anteriormente. Com a reforma da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84) promovida com entrada em vigor da Lei n. 10.792/03, substituiu-se a necessidade do exame criminológico para a progressão de regime por um simples atestado de bom comportamento carcerário. Ou seja, revogou-se expressamente a necessidade do exame criminológico como requisito indispensável 4Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. (BRASIL, 1984). 8 para análise da progressão de regime dos condenados. Dessa forma, a opção de solicitar ou não o laudo criminológico passou a ser inteiramente calcada no entendimento e na necessidade pessoal do juiz. Diante da oportunidade do aprofundamento dessa questão a nível de doutorado orientei meus estudos no desenvolvimento de uma pesquisa mais ampla tendo me dedicado a dar um tratamento analítico ao campo de discussões no qual se insere o benefício da progressão de progressão de regime sob duas perspectivas. O primeiro viés analisa o instituto da progressão em processos de execução penal (em sede de 1ª instância) vinculados a Vara de Execuções Penais (VEP/TJRJ), considerando como elemento condicionante da preleção a requisitação dos exames criminológicos para apreciação do benefício. O segundo viés analisa os acórdãos e jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (em sede de 2 instância) sobre referido benefício. Considerando a necessidade de adequação das fontes de dados a uma abordagem que possibilitasse um entendimento mais completo do problema de pesquisa tomo como materiais de análise: 1- as decisões que requisitam os exames criminológicos dos processos de execução penal; 2- os exames criminológicos elaborados por peritos designados para avaliação dos apenados; 3- as decisões sobre a progressão de regime constantes nos processos de execução; 4- as transcrições das fichas disciplinares dos apenados; 5- os acórdãos constantes no sistema de buscas jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (2015-2017). A análise das decisões que requisitam os exames criminológicos busca identificar as razões/argumentos que fundamentam a imprescindibilidade de referidas provas periciais na apreciação do pedido de progressão de regime do apenado já que a lei faculta a sua dispensa. A análise dos “diagnósticos” constantes nos laudos periciais permite identificar as funções que vem sendo desempenhadas pelos exames criminológicos nas práticas judiciais além de possibilitar a verificação da correspondência (ou não) entre o diagnóstico e a decisão judicial que o toma como imperativo na valoração pretendida. As decisões que apreciam os pedidos de progressão de regime nos darão pistas sobre a consideração (ou não) dos pareceres constantes nos laudos periciais na formação da convicção íntima da autoridade julgadora. As transcrições das fichas disciplinares, são tomadas como fonte da avaliação sobre os contornos da população carcerária, em complementariedade a pesquisa realizada, trazendo informações relacionadas aos marcadores sociais “etnia/raça” e “escolaridade” dos detentos do sistema prisional do Estado do Rio de Janeiro. Por fim, em caráter suplementar, a pesquisa jurisprudencial notabilizada pelos acórdãos coletados, possibilita a compreensão dos entendimentos que vem 9 sendo consolidados em sede de 2ª instância, ou seja no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro a respeito do instituto da progressão de regime prisional. A escolha de tais fontes de dados não se deu de forma ocasional uma vez que ilustram o posicionamento dos atores que integram, estruturam e sustentam a dinâmica da reinvindicação classificatória da personalidade delitiva dos apenados, manifestando a posição que ocupam no sistema judicial, ou seja, coloca em evidência como cada um desses sujeitos percebem e significam, em sua realidade de atuação profissional a postulação dos exames criminológicos, que atestam sobre as condições psico-sociais dos detentos para efeitos de demonstratividade ou contemplação dos requisitos subjetivos fundamentadores das decisões que apreciam o benefício de progressão de regime. A estrutura da tese No primeiro capítulo analiso as condições histórico-sociais que possibilitaram o movimento de adjeção do saber médico às práticas jurídicas, tomando o método arqueológico, proposto por Michel Foucault, para pensar os discursos enquanto práticas que obedecem a regras, desnaturalizando as mudanças ocorridas dentro de uma ordem de saber. Buscando demonstrar os deslocamentos discursivos atribuídos a responsabilização criminal dos indivíduos, tomo como referencial analítico o laudo psiquiátrico que busca avaliar a responsabilidade penal, em estudo de caso, de “Baptistela” como norteador das considerações, destacando que se antes os exames médico-legais tinham como propósito verificar se o sujeito jurídico era responsável por seu ato e medicamente qualificado como tal, agora passou a desempenhar um outro papel na medida em que deve ser constatado se existem irregularidades comportamentais nos acusados devendo estas serem relacionadas com a infração em questão. No segundo capítulo, proponho uma reflexão que pretende verificar a quem está sendo destinado os exames criminológicos na atualidade, procurando identificar as categorias criminais ou tipos penais que vem sendo privilegiados pelas autoridades julgadoras bem como os argumentos que vem fundamentando a imprescindibilidade dessa requisitação, já que a lei faculta a sua dispensa. Para tanto, tomo como fonte de dados as decisões que requisitam os exames criminológicos para apreciar os pleitos de progressão de regime em processos vinculados a Vara de Execuções Penais do Estado do Rio de Janeiro (VEP/RJ). Mais especificamente trato do regramento instituído pela Vara de Execuções Penais (VEP/RJ) sobre as concessões dos benefícios da execução penal que importem liberdade desvigiada do apenado. 10 No terceiro capítulo, procuro aprofundar sobre as aferições pretendidasdos exames criminológicos, sobretudo as investigações da personalidade e periculosidade dos detentos, demonstrando sua (dis) funcionalidade na execução penal pátria. Por fim o capítulo IV, objetiva dar um tratamento analítico ao campo de discussões no qual se insere o benefício legal da progressão de regime prisional, em sede de segunda instância, considerando os posicionamentos das câmaras decisoras do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ). Para tanto, tomo como fonte de dados as jurisprudências hospedadas no sítio eletrônico de referido Tribunal. Notas metodológicas O esforço de evitar o olhar de uma deidade sobre o objeto a ser investigado– já que a pesquisa não seria um meio de defesa de um ponto de vista, mas sim uma construção analítica na medida em que a pesquisa empírica e a inferência de dados possuem uma relação causal - enseja a indispensabilidade de um certo cuidado na escolha dos métodos a serem empregados nas compreensões decorrentes das análises realizadas. A esse respeito Silva (2013, p. 22) orienta: Uma forma possível de pensar a relação entre teoria e metodologia é que esta se desenha por vias de reflexividade, quando o pesquisador se vê obrigado a pensar e repensar seu objeto como linha de argumentação teórica [...] cotejar linhas teóricas diferentes e unir técnicas metodológicas pode trazer resultados mais amplos, posto que o objetivo final é o de procurar abarcar a amplitude do objeto. Nesse sentido, o desenvolvimento dos métodos foi sendo construído à medida que a pesquisa os exigiram, conformando com um “modelo artesanal de ciência, no qual cada trabalhador produz as teorias e métodos necessários para o trabalho que está sendo feito” (BECKER, 1993, p. 12). O primeiro desafio a ser superado foi exatamente a escolha do método a ser usado, sendo delineado no planejamento e na execução da investigação. Assim, ao me deparar com um grande conjunto e número de informações oriundos dos acórdãos do sistema de buscas jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, recorri a Professora Adjunta do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos no Curso de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense Dra. Klarissa Almeida Silva Platero buscando orientações quanto as alternativas de processamento desses dados, isto porque tais 11 acórdãos me proporcionariam a identificação dos autos5 a serem examinados em etapa posterior no juízo da VEP/RJ. Em sua avaliação, sugeriu a aplicação do método misto na corrente análise. A esse respeito, Tashakkori e Creswell (2007b, p.4 apud Creswell 2013, p. 21-22) explica que: [...] a pesquisa de métodos mistos é definida como aquela em que o investigador coleta e analisa os dados, integra os achados e extrai inferências usando abordagens ou métodos qualitativos e quantitativos em um único estudo ou programa de investigação. Dessa forma, considerei a viabilidade de aplicar o método misto, neste recorte, para as análises a serem empreendidas. É oportuno dizer que, nesse processo, ponderei sobre as críticas asseveradas por Lobão sobre a abordagem quantitativa em seu artigo que propõe “a perspectiva não positivista para a observação empírica do direito” ou o distanciamento dos “fundamentos dogmáticos ou lógicos na pesquisa em direito quanto de uma perspectiva que tem na experiência de laboratório moderna o fundamento de validade da comprovação científica”. Esta reflexão procurou destacar as limitações atribuídas ao método quantitativo em dar significado às dimensões contextuais, o que poderia promover uma representação distorcida ou interessada da realidade, tendo se utilizado para tanto, das inferências de uma pesquisa quantitativa sobre a política de ação afirmativa nas faculdades de direito estadunidenses como exemplo ilustrativo desse tipo de ocorrência. Não é razão que sua análise serviu de precaução quanto as possíveis interpretações equivocadas que poderiam advir da abordagem quantitativa. Ao empregar o método misto nas análises das fontes documentais selecionadas, não pretendo deslocar a empiria da realidade para os dados por meio do tratamento estatístico, nem tampouco conduzir deduções analíticas fechadas ou estabilizadoras dos processos que compõem as dimensões contextuais e sociais. O que busco nessa conciliação de perspectivas analíticas (qualitativa e quantitativa) é melhor explicar os resultados gerados com a combinação de ambos. Não por outra razão que essa combinação permitiu um direcionamento na condução da pesquisa que potencializou o entendimento mais completo do problema de pesquisa do que cada uma das abordagens isoladamente. É assim que, referido método possibilitou a organização das informações catalogadas, produzindo um resumo numérico passível de ser interpretado, viabilizando um recorte preciso das textualidades a serem examinadas. 5 Ou seja, os processos de execução penal vinculados a Vara de Execuções Penais. 12 Importa acrescer que em outra oportunidade, a professora Klarissa propôs a submissão de um projeto de pesquisa ao Sistema de Bolsas de Assistência Estudantil (PROAES) solicitando 1 (uma) bolsa estudantil que seria destinada a um estudante do curso de segurança pública da UFF, para me auxiliar na inserção dos dados ou informações derivantes do sistema de buscas jurisprudenciais do TJ/RJ. O Projeto de Pesquisa intitulado “Exames criminológicos e acórdãos: uma pesquisa de métodos mistos em Direito, Sociologia e Antropologia” teve como pesquisadora responsável referida professora do Departamento de Segurança Pública e como bolsista o aluno Luiz Henrique Leite dos Santos tendo sido aprovado em 29/03/2018 e validado por 1 ano. Assim, as compilações das informações oriundas das pesquisas jurisprudenciais e seu processamento por meio de resumos numéricos e gráficos produzidos foi resultado desse esforço conjunto, não abrangendo, contudo, as análises qualitativas realizadas. A pesquisa jurisprudencial nessa base de dados original do sítio eletrônico de buscas jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou as seguintes variáveis que foram inseridas nos descritores de buscas: 1. Pesquisa Livre: “exames criminológicos”(variável texto) 2. Origem: “Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro 2ª instância” (variável texto) 3. Competência:“Criminal” (variável texto) 4. Julgados a partir de “2015 até 2017” (variável ano)6 A imagem colacionada abaixo facilita a visibilização da pesquisa jurisprudencial empreendida na base dados considerada. 6Cumpre esclarecer que, inicialmente, quando submetemos o Projeto de Pesquisa ao PROAES/UFF havíamos considerado como variável o período de 2010-2015. Contudo, referido marco temporal restou-se inviável, optando- se por reduzi-lo na investigação uma vez que aspirava-se ter acesso as decisões que tratam sobre a progressão de regime bem como os exames criminológicos que estivessem hospedados no extrato de movimentação dos autos eletrônicos da Vara de Execução Penal (juízo de primeiro grau). Para efeitos da presente investigação considerou- se os anos de 2015, 2016 e 2017. Essa delimitação permitiu sumariar os dados obtidos para efeitos de demonstração por amostragem 13 Imagem 1: Site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ) Fonte: TJRJ(2018) O que resultou na relação de 714 (setecentos e quatorze) acórdãos derivantes dos filtros estabelecidos. Ao se proceder a compilação dos dados, derivantes dessas unidades de análise inseridas no descritor de buscas jurisprudenciais, verificou-se a predominância de 4 (quatro) categorias temáticas de que tratavam os acórdãos à respeito dos pedidos de reexames submetidos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: A primeirareferente aos pleitos sobre a Progressão de Regime no cumprimento de pena7 (PR), a segunda sobre a Liberdade Condicional8 (LC), a terceira sobre a Visita Periódica à Família9 (VPF ou VPL) e a quarta 7 Benefício concedido ao condenado em que permite a execução da pena de forma progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso, ou seja do regime fechado para o semi-aberto e deste para o aberto, conforme previsão nos arts. 110 à 119 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84). 8 Liberdade antecipada concedida ao condenado em pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos. Neste caso, a solicitação dos exames criminológicos (objetivando avaliar a periculosidade do criminoso) se dá apenas nas condenações por crimes dolosos, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, não sendo exigido aos demais crimes. O art. 83 do Código Penal (Decreto-Lei n. 2848/40) estabelece os requisitos para referida concessão do benefício. Sua forma de execução está prescrita nos arts. 131 à 146 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84). 9 Saída temporária do estabelecimento penal concedido ao interno que cumpre o regime semi-aberto para visita ao Lar ou Familiares, conforme condições estabelecidas pelos arts. 122 à 125 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84). 14 denominada “Outros” devido a diversidade temática afeita aos benefícios da execução penal mas que tem menor ocorrência nos pedidos de reexames formulados. Para efeitos de demonstração da frequência temática nesses acórdãos elaborei a tabela abaixo que apresenta a sua distribuição absoluta e percentual, bem como a média anual correspondente: Tabela 1: Distribuição absoluta e percentual de categorias temáticas dos acórdãos do TJ/RJ em processos de execução penal: Tipologia/ Categorias temáticas 2015 2016 2017 Total Média Anual Número absoluto (N) (%) Número absoluto (N) (%) Número absoluto (N) (%) Número absoluto (N) (%) Progressão de regime 124 55,6% 108 46,6% 121 46,7% 353 49,4% 88,25 Livramento condicional 77 34,5% 95 40,9% 97 37,5% 269 37,7% 67,25 Visita periódica Familiar 18 8,1% 21 9,1% 21 8,1% 60 8,4% 15 Outros 4 1,8% 8 3,4% 20 7,7% 32 4,5% 8,0 Total 223 100% 232 100% 259 100% 714 100% 178,5 Fonte: TJRJ / Tabulação própria (2018) Da análise dos dados tabulados verifica-se a predominância da categoria temática que trata sobre a progressão de regime (doravante PR) perfazendo, em média, o total de 49,4% (quarenta e nove inteiros e quatro décimos porcento) de frequência nos acórdãos pesquisados, enquanto que as demais categorias observa-se uma menor incidência tendo a temática sobre o livramento condicional correspondido a 37,7% (trinta e sete inteiros e sete décimos porcento), a visita periódica familiar totalizado 8,4% (oito inteiros e quatro décimos porcento) e por fim a categoria nominada outros correspondido a 4,5% (quatro inteiros e cinco décimos porcento) do total dos acórdãos. Em outras palavras, do total de 714 (setecentos e quatorze) acórdãos, foi possível identificar 353 (trezentos e cinquenta e três) julgados que tratavam sobre a progressão de regime, desconsiderando-se as demais categorias uma vez que não correspondem ao presente objeto de estudo. 15 Ocorre que esse total de 353 (trezentos e cinquenta e três) julgados encontram-se distribuídos nos seguintes pedidos de reexames10 submetidos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: a) Habeas Corpus11, correspondendo uma amostra de 217 (duzentos e dezessete) acórdãos; b) Agravo de Execução Penal12, correspondendo uma amostra de 136 (cento e trinta e seis) acórdãos conforme demonstração abaixo: Tabela 2: Distribuição absoluta e percentual de categorias recursais dos acórdãos do TJ/RJ que tratam sobre a progressão de regime: Categorias Recursais/ Progressão de regime 2015 2016 2017 Total Média Anual Número absoluto (N) (%) Número absoluto (N) (%) Númer o absolut o (N) (%) Número absoluto (N) (%) Habeas Corpus 89 41,0% 73 33,6% 55 25,3% 217 61,5% 72,3333333 Agravo de Execução 36 26,5% 32 23,5% 68 50,0% 136 38,5% 45,3333333 Total 125 35,4% 105 29,7% 123 34,8% 353 100% 117,666667 Fonte: TJRJ / Tabulação própria (2018) Verifica-se que a categoria recursal Habeas Corpus tem uma maior incidência, correspondendo a 61,5% (sessenta e um inteiros e cinco décimos porcento) de frequência, do 10 Aqui consideradas como “categorias recursais” para efeito de nominação, já que a natureza jurídica do Habeas Corpus não o constitui como um recurso e sim como uma ação constitucional. 11 Ação judicial com o objetivo de proteger o direito de liberdade de locomoção lesado ou ameaçado por ato abusivo de autoridade.Tem o seu fundamento basilar no art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal nos seguintes termos: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (BRASIL, 1988). As presentes ações impetradas em sede de execução penal fundamentam-se na previsão do art. 647 do Código de Processo Penalque define: “dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar” (BRASIL, 1941). 12 Consiste em uma forma de recurso utilizado na impugnação de toda e qualquer decisão, despacho ou sentença prolatada pelo juiz da vara da execução penal ao Tribunal de Justiça (2 instância), que de alguma forma prejudique as partes principais envolvidas no processo, podendo ser interposto tanto pelo Ministério Público quanto pela Defesa. Tem o seu fundamento basilar no art. 197 da Lei de Execução Penal que prevê o seguinte: “Das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo” (BRASIL, 1984) https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10612072/artigo-647-do-decreto-lei-n-3689-de-03-de-outubro-de-1941 https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10612072/artigo-647-do-decreto-lei-n-3689-de-03-de-outubro-de-1941 16 total destes acórdãos selecionados, enquanto que a do agravo de execução perfaz-se do total de 38,5% (trinta e oito inteiros e cinco décimos porcento). Como ambas as categorias poderiam ser recortadas, opteipor eleger os Habeas Corpus (217 julgados) que possuem em sua centralidade temática o benefício da progressão de regime. A desconsideração dos acórdãos oriundos da interposição do recurso de Agravo de Execução Penal, que também tratavam sobre a progressão de regime, se deu em razão do conteúdo manifestado. Isto porque possuem em sua centralidade ementaria a irresignação do Ministério Público quanto a dispensa da realização do exame criminológico para apreciação da progressão de regime pela autoridade julgadora da Vara de Execuções Penais (VEP/RJ). Em síntese, o campo de discussões aludido não corrobora com a delimitação do objeto da pesquisa deduzindo-se que os autos a serem investigados em etapa posterior poderiam ter dispensado os exames criminológicos, sendo estes tomados como objeto de análise da presente pesquisa. Desse modo, considerei as informações contidas nos 217 (duzentos e dezessete) acórdãos de Habeas Corpus, que tratam sobre a progressão de regime, como elementos-chave na identificação dos processos junto a Vara de Execução Penal (VEP/RJ) da Comarca da Capital, já que a íntegra do acórdão jurisprudencial menciona o nome dos pacientes ou apenados, sendo inventariados em etapa posterior. Outrossim, esse recorte permitiu as análises jurisprudenciais realizadas constituindo-se como uma reflexão complementar ao escopo da presente tese.Diante da necessidade de organizar esses dados jurisprudenciais levantados elaboramos uma base de dados utilizando a plataforma Microsoft Excell© quedispôs das variáveis estruturantes desse agrupamento de informações, derivante das descrições dos acórdãos, procedendo sua análise através da extração de estatísticas descritivas simples. Referida base de dados pode ser sintetizada pelo seguinte esquema analítico: 1. Número do processo: variável texto 2. Nome do “paciente” (apenado): variável texto 3. Assunto de que trata os habeas corpus consultados: variável categórica a. Demora na apreciação da progressão de regime b. Exigência de exame criminológico c.Transferência para unidade prisional compatível d. Outros: referente aos demais pedidos e que devido a sua menor ocorrência optou-se por uma nominação mais ampla inserindo nesta variável p. ex. os pedidos concernentes as retificações de cálculo para progressão de regime etc. 17 4. Tipificação jurídica (“crime”) pelo qual o “paciente” foi condenado: variável texto 5. Regime penal a que o paciente está cumprindo: variável categórica a. Fechado b. Semiaberto 6. Decisão do Tribunal de Justiça: variável categórica a. Ordem concedida b. Ordem concedida parcialmente c. Ordem denegada 7. Data da decisão do habeas corpus: variável data 8. Câmara que analisou o pedido: variável numérica Essa disposição ou agrupamento de informações de referida base de dados permitiu a extração dos resumos numéricos passíveis de interpretação, estando suas análises contempladas no Capítulo 4. O segundo desafio residiu na dificuldade de acesso dos processos judiciais e documentos que almejava analisar, ou seja, esta segunda etapa, concebida como “inventário das unidades selecionadas”, tinha como propósito relacionar os materiais oriundos dos processos da Vara de Execuções Penais (VEP/RJ). Ocorre que, por força do Ato Normativo Conjunto TJ/CGJ/n° 74/2016, de 11.03.2016, a Vara de Execuções Penais do Estado do Rio de Janeiro (VEP/RJ) deflagrou a migração de dados dos processos executivo-penais hospedados em autos físicos cadastrados no Sistema de Controle de Presos (SCP) para o novo sistema eletrônico denominado PROJUDI (Processo Eletrônico do Judiciário do Rio de Janeiro). Em outras palavras, deu-se início à virtualização dos processos executivo-penais para meio eletrônico, na forma da Lei nº 11.419/0613. Dentre as diretrizes adotadas o art. 2 § 2º14 (Ato normativo Conjunto nº 74/2016) estabeleceu que os autos físicos dos processos executivos penais não seriam digitalizados para o sistema PROJUDI nem tampouco documentos antigos já processados. A consequência prática da ausência de digitalização consiste em que, na esfera virtual, o processo eletrônico não contém qualquer peça processual do processo físico de onde 13Dispõe sobre a informatização do processo judicial. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm>. Acessado em 05/06/2018. 14Art. 2º: A migração será realizada conforme o disposto nos parágrafos 2º ao 6º do artigo 2º do Ato Normativo Conjunto TJ/CGJ nº 19 de 20 de julho de 2015, publicado no DOERJ de 22 de julho de 2015. § 2º. Não haverá digitalização de processos físicos bem como de documentos antigos já processados. (Ato normativo Conjunto nº 74/2016). Disponível em <https://seguro.mprj.mp.br/documents/10227/14335586/ato_normativo_conjunto_tj_cgj_n_74_de_2016.pdf> Acessado em:18/05/2018. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm https://seguro.mprj.mp.br/documents/10227/14335586/ato_normativo_conjunto_tj_cgj_n_74_de_2016.pdf 18 os dados enxertados no sistema PROJUDI seriam retirados, tais como petições, pedidos de benefícios, exames criminológicos e decisões judiciais, contendo apenas no movimento do extrato dos processos os atos ordinatórios e peças processuais praticados após a data de 11.03.2016. Ainda neste particular, o art. 5 § 5º15, do mesmo ato normativo, estabeleceu que após 6 meses da conclusão da etapa de certificação dos dados pela Central de Depuração de Dados, os processos físicos seriam encaminhados ao arquivo geral, inviabilizando o acesso dos mesmos por meio da carga processual (processo físico). Desse modo, optei em examinar os processos hospedados em meio eletrônico. Insta esclarecer que, para se ter acesso aos processos hospedados nesse sistema, o usuário deve ter um login e uma senha exigindo-se a realização de autenticação no Sistema de Segurança do Tribunal de Justiça (SEGWEB) mediante o cadastro na forma presencial na respectiva serventia de interesse, conforme determinação do Ato Normativo TJ Nº 30/2009 de 10.12.200916. Após a adesão ao sistema de cadastramento tornou-se possível apenas a visualização dos dados gerais dos processos e seus extratos de movimentações já que inúmeras peças processuais (de modo especial os exames criminológicos) e atos ordinatórios praticados e hospedados no sistema possuem restrições ao acesso. O sistema requisita uma habilitação provisória aos advogados cadastrados facultando a visualização dessas informações no prazo de 1 (um) dia. Isto é, dada a dificuldade apontada de acesso as informações constantes nos exames criminológicos dos apenados inevitavelmente me habilitei nos processos selecionados. Uma outra dificuldade, refere-se ao sistema de buscas no PROJUDI. Isto porque há necessidade da indicação nos filtros de busca do número do processo, ou nome da parte, ou RG, 15Art. 2º§ 5º. Os processos físicos estarão disponíveis para a vista no cartório aos advogados, Defensoria Pública e Ministério Público, pelo período de 6 (seis) meses após a certificação da CDD, quando serão encaminhados ao arquivo geral. (Ato normativo Conjunto nº 74/2016). Disponível em <https://seguro.mprj.mp.br/documents/10227/14335586/ato_normativo_conjunto_tj_cgj_n_74_de_2016.pdf> Acessado em: 18/05/2018. 16 Art. 3º. O Cadastro Presencial deverá ser feito pelo usuário interessado que necessite atuar em processo eletrônico, nos órgãos ou serventias eletrônicas, mediante assinatura do termo de cadastramento e adesão ao sistema, com a apresentação compulsória dos seguintes documentos originais acompanhados de cópia: I - Documento de identificação oficial de âmbito nacional com foto; II - Cadastro de Pessoa Física, do Ministério da Fazenda - CPF, ou documento oficial de âmbito nacional com foto que conste o referido número de cadastro.III- Comprovante de residência. Parágrafo único. O cadastro presencial será igualmente obrigatório para os casos em que for necessário o acesso, via internet, à movimentação de processos que tramitem em segredo de Justiça e para acesso às audiências gravadas no sistema de registro audiovisual. Disponível em <http://webfarm.tjrj.jus.br/biblioteca/index.html> Acessado em 05/06/2018. http://webfarm.tjrj.jus.br/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=139852&integra=1 http://webfarm.tjrj.jus.br/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=139852&integra=1 https://seguro.mprj.mp.br/documents/10227/14335586/ato_normativo_conjunto_tj_cgj_n_74_de_2016.pdf http://webfarm.tjrj.jus.br/biblioteca/index.html 19 ou nome da mãe ou nome do pai ou ainda caso seja procurador do apenado há um filtro específico que possibilita a seleção dos processos de atuação pessoal ou a identificação do processo de outro advogado, o que foi descartado por não ser causídica em nenhum processo de execução penal no Estado do Rio de Janeiro e desconhecer colegas com uma atuação extremamente ampla para servir de suporte em minha pesquisa. Me valendo das informações coletadas em etapa anterior, qual seja, do banco de dados jurisprudencial, elegi como ferramenta de busca o nome do apenado. Diante da necessidade de se organizar a gama de informaçõesprocessuais a serem analisadas, elaborei um segundo banco de dados sumariando as referências por: 1. Número do processo: variável texto 2. Nome do “apenado” (réu): variável texto 3. Exames criminológicos: variável texto a. Disponível b. Indisponível 4. Indicação do parecer da CTC (Comissão Técnica de Classificação): variável texto: a. Favorável ao Apenado b. Desfavorável ao Apenado 5. Decisão sobre a progressão de regime: variável texto a. Disponível b. Indisponível 6. Indicação sobre a progressão de regime: variável texto a. Concessão do benefício (PR) b. Denegação do benefício (PR) Sequencialmente, a compilação do material encontrado organizei o seu armazenamento em pastas de arquivos individualizadas, procedendo sua análise individual posteriormente. Importa ressaltar que o tratamento analítico dispensado aos documentos provenientes dessa base de dados se deu em razão de sua disponibilidade em arquivo no sistema PROJUDI da VEP/RJ. Por fim o terceiro desafio da pesquisa consistiu em realizar entrevistas com representantes do Poder Judiciário e peritos ou técnicos responsáveis pelas avaliações dos exames criminológicos vinculados a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro (SEAP). Em relação ao juízo da VEP/RJ após o envio de insistentes e-mails e 20 nenhuma resposta fui pessoalmente tentar marcar uma entrevista com o então juiz titular Exmo Sr. Rafael Estrela, contudo sem êxito, tendo sido informada pela secretaria que o magistrado não encontrava-se no Estado do Rio de Janeiro e que caso houvesse interesse entraria em contato, o que até o presente momento ainda não se deu. Já a entrevista dos peritos que compõem as Comissões Técnicas de Classificação e exames criminológicos mostrou-se dificultada pelo sistema organizacional da Escola de Gestão Penitenciária do Rio de Janeiro. Ao entrar em contato com a secretaria de referido órgão fui informada que deveria entrar com um requerimento a Direção, juntando cópia do projeto de pesquisa após qualificação o que seria apreciado por um comitê que decidiria a respeito da autorização de entrevistas com os peritos levando em média 6 meses para a análise do pedido. Infelizmente, não obtive qualquer resposta até o presente momento. Contudo as entrevistas com membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro me auxiliaram a esclarecer alguns questionamentos levantados na tese. 21 PARTE I CAPÍTULO I O UBU-PSIQUIÁTRICO-PENAL E SEUS EFEITOS NA PUNIÇÃO LEGAL Neste capítulo realizo uma análise histórica dos deslocamentos discursivos sofridos pelo saber médico ponderando sobre seus efeitos nas práticas punitivas atuais. Com o intuito de problematizar as continuidades históricas irrefletidas procuro demonstrar que tais deslocamentos não se justificam por si mesmos, sendo um efeito de uma construção com regras definidas, controladas e justificadas para se legitimarem, isto é, não se desvinculam da prática sócio-política nem tão pouco dos modos de exercício de poder, uma vez que com estes se articula e se autodeterminam. As primeiras considerações tratam da identificação dos marcos histórico-ideológicos que permitiram o movimento de adjeção da medicina ao campo jurídico e o estabelecimento de uma relação simbiótica entre esses campos de saberes, considerando suas (re)significações teórico-práticas. Como segunda ponderação trato da incumbência do saber médico-legal em averiguar a questão da responsabilidade dos criminosos, se constituindo como um valioso dispositivo de verificação sobre a capacidade intelectiva e volitiva do sujeito jurídico, oferecendo elementos para continuar a justificar a punição legal. Para tanto, tomo como referencial analítico o laudo psiquiátrico que busca avaliar a responsabilidade penal, em estudo de caso, de “Baptistela” como norteador das considerações sobre as derivações funcionais desse dispositivo avaliativo já que a verificação que se assentou a pretexto legal do art. 26 do Código Penal Brasileiro - buscando avaliar se era mentalmente são e se possuía capacidade de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, quando do cometimento do delito - produziu desdobramentos distintos do escopo do exame. Conforme argumentarei ao longo de minhas considerações estabeleceu-se uma conexão entre a sua história de vida e os sintomas estruturantes de uma presumível personalidade criminosa e, logo, de sua periculosidade. 22 Nesse debate, proponho uma reflexão que toma, em sua centralidade teórica o pensamento foucaultiano e seu método arqueológico para consubstanciar as análises empreendidas a seguir. 1.1. As rupturas com as continuidades irrefletidas Ao investigar os processos históricos que promoveram os deslocamentos prático- discursivos derivantes do embricamento do saber médico às práticas jurídicas pondero sobre os fatores contingenciadores desse tipo de arranjo. Assim, procurando retirar do campo das especulações as continuidades históricas que naturalizam as mudanças dentro de uma ordem de saber tomo o método arqueológico foucaultiano para pensar os discursos enquanto práticas que obedecem a regras. Nesse sentido, a arqueologia fundamenta a compreensão do sentido do discurso em sua dimensão de acontecimento, investigando as condições histórico-sociais que possibilitaram seu aparecimento e questionando porque determinado enunciado apareceu e nenhum outro em seu lugar (FOUCAULT, 2005). Ao considerar a medicina como unidade discursiva não pretendo estudar a sua configuração interna ou suas contradições, mas apenas o modo como os jogos de verdade e estratégias de poder podem ser articulados nas práticas sejam elas clínicas, legislativas, normativas e políticas. Assim, o primeiro esforço consiste no abandono do jogo de noções que diversificam, cada uma à sua maneira, o tema da continuidade histórica, deixando em suspenso certas categorias que sempre mantiveram essa ideia, quais sejam: as noções de tradição17, de influência18, de desenvolvimento e evolução19, e por fim a noção de mentalidade ou de espírito20 (FOUCAULT, 2005). O comprometimento das análises históricas se dá na medida em que os acontecimentos discursivos são naturalizados. Ou seja, acabam sendo considerados como precipitações da evolução numa determinada ordem de saber, tendo justificadas suas mudanças e normalizado o continuísmo de seu desenvolvimento. 17 Que visa a dar uma importância temporal a um conjunto de fenômenos, que, ao mesmo tempo, se sucedem, ou são idênticos ou pelo menos análogos (FOUCAULT, 2005, p.23-24). 18 Que fornece um suporte aos fatos de transmissão e comunicação, ou que atribui a um processo de andamento causal os fenômenos de semelhança ou de repetição, ou ainda que liga, à distância e através do tempo, unidades definidas como indivíduos, obras, noções ou teorias (Ibidem). 19 Que permite reagrupar uma sucessão de acontecimentos dispersos, relacionando-os a um único e mesmo princípio organizador (Ibidem). 20 Que permite estabelecer entre os fenômenos simultâneos de uma determinada época uma comunidade de sentido ou que fazem surgir, como princípio de unidade e de explicação, a soberania de uma consciência coletiva (Ibidem). 23 Ao desprezar o fio da continuidade, assumo deliberadamente, as brechas, o descontínuo, buscando pelo emaranhado de fatos discursivos anteriores a um acontecimento que o explicam e o determinam. De outra maneira, essa problematização das formas prévias de continuidades irrefletidas demonstra que os acontecimentos discursivos cristalizados em nossa cultura não se justificam por si mesmos, sendo sempre o efeito de uma construção “[...] cujas regras devem ser conhecidas e cujas justificativas devem ser controladas” (FOUCAULT,2005, p. 28). Nesse sentido, num processo anterior à análise de qualquer materialidade, devemos nos atentar a um conjunto de enunciados que cada um ao seu modo influenciou o movimento de adjeção do saber médico às práticas jurídicas e seus deslocamentos prático-discursivos derivantes (FOUCAULT, 2005) 1.2. O movimento de adjeção do saber médico com o campo jurídico esuas construções nas ordens discursivas É sabido que a partir do século XVIII houve o favorecimento do nascimento de determinados saberes sendo estes pronunciados como formas de controle social através das instituições sociais, como consequência da sociedade reguladora e disciplinadora incipiente (MUCHAIL, 2004). Nesse contexto as construções nas ordens discursivas impulsionaram o surgimento de ciências que oferecessem diagnósticos explicativos das condutas humanas, tendo desse modo, a psiquiatria, a sociologia, a criminologia e tantas outras ciências, encontrado ressonância para suas teorizações a respeito dos comportamentos dos indivíduos, especialmente os dissidentes da sociedade, procurando em muitos casos explicar e justificar as suas condutas. Como resultado, viabilizaram sua possível recuperação implementando a sua adequação através de medidas integradoras e ajustadoras a que poderiam submete-los. De outra maneira, esse modelo de sociedade inaugurou um modo de exercício de poder no qual a sujeição não se faz apenas pela repressão, mas, sobretudo, por um método mais sutil de adestramento, definindo a produção de comportamentos e também o surgimento de determinadas instituições, como as prisões e os manicômios, que se articularam ao surgimento de saberes e ao exercício do poder disciplinar (MUCHAIL,2004). É desse modo que o projeto de medicalização da sociedade brasileira também esteve condicionado à essa lógica incipiente. Vê-se, a partir do século XIX, o advento da medicina social, inaugurando uma intervenção de maneira global na sociedade, que se caracterizou como uma forma de controle constante, por sua vigilância contínua sobre o espaço e o tempo sociais. Como efeitos temos, primeiramente, a penetração da medicina na sociedade, incorporando o 24 meio urbano como alvo da reflexão e da prática médica; e segundo, as concessões à medicina o status de um corpo científico indispensável ao exercício do poder do Estado. Assim, “[...] se a Medicina se coloca a serviço do Estado, ela exige em contrapartida, que este se deixe instrumentalizar” (MACHADO, 1978, p. 126). Releva assinalar que, se no período colonial a concepção de saúde só era percebida pela presença da realidade representada pela doença, se constituindo como um problema, detentora de sua marca negativa associada à morte, a correspondente transformação do objeto da medicina também significou um deslocamento prático-discursivo inverso da doença para a saúde. De outro modo, essa renovação do paradigma faz com que seja consolidado a produção histórica do sentido de que a sociedade, por sua desorganização e mau funcionamento, é a causadora de doenças, cabendo a medicina atuar sobre seus componentes naturais, urbanísticos e institucionais, visando neutralizar todo perigo possível. O projeto médico passou então a reivindicar por uma posição em que o direito, a educação, a política e a moral seriam condicionadas a seu saber. É assim que, por exemplo, na ordem jurídica as decisões judiciais começam a ser tematizadas por tal projeto a partir de 1830, oportunidade em que a Sociedade de Medicina critica a legislação pátria por não oferecer suficientes garantias à liberdade e segurança pessoais, argumentado que a Medicina legal consubstanciaria a vanguarda de tais direitos (MACHADO, 1978, p. 194). Outrossim, instituiu medidas de controle sociais que decorrem de sua própria essência na estrutura do Estado, se tornando indispensável ao funcionamento do mesmo. Portanto, a medicina social é necessariamente política, tendo penetrado nas instituições do Estado e avançado sobre o campo jurídico, requisitando-lhe um lugar para pronunciar-se enquanto saber/poder especializado. É assim que do processo de medicalização da sociedade surge o projeto da psiquiatria de patologizar a loucura constituindo-se a principal pauta médico-legal. Esse primeiro deslocamento sofrido pelo saber médico constituiu um domínio que individualizou a psiquiatria como uma especialidade médica, que tendo passado por constantes renovações paradigmáticas em seu campo de saber sorveu práticas clínicas e discursivas correspondentes. Acompanha-se na história da loucura. Se a princípio os loucos foram considerados possuídos ou endemoniados enfurecidos, posteriormente, passaram a ser punidos pela loucura por meio da reclusão nas prisões e nos hospícios, mantidos fechados entre grades e correntes (FOUCAULT, 2010). Tal ofensiva implementou a criação de uma instituição de enclausuramento, o hospício, este tido como principal instrumento terapêutico destinado aos loucos, consubstanciando 25 práticas clínicas que implementaram a necessidade de trata-los, não importando as variadas sinonímias afeitas a loucura se alienação mental, psicopatia, psicose, demência, insanidade etc., tampouco a espécie da doença mental resultante, a consequência seria a mesma: isolamento ou internação. Ocorre que, após a segunda guerra mundial, se irrompe um acontecimento discursivo21 que promoveu rupturas não só com as teorizações até então formuladas mas com um conjunto de práticas clínicas que validavam essa ordem de saber, passando a (re)significar a sua própria essência. Isto porque, se por um lado o paradigma psiquiátrico clássico havia transformado a loucura em doença mental -produzindo uma demanda por espaços de confinamento e por práticas de diagnósticos que justificassem sua intervenção, tendo assim uma identificação com as estruturas sociais excludentes (manicômios e prisões) - de outro, a conjuntura do pós-guerra deflagrou a ruptura radical em relação à psiquiatria tradicional22, instaurando uma reformulação das premissas fundantes e concebendo como novo dispositivo a saúde mental, instituindo inclusive seu projeto de reforma que assentou-se sobre o questionamento do papel e da natureza ora da instituição asilar, ora do saber psiquiátrico. A experiência psiquiátrica do pós-guerra: [...] chama a atenção da sociedade para a deprimente condição dos institucionalizados em hospitais psiquiátricos, mal comparada a lembrança dos campos de concentração[...] (AMARANTE, 1998, p. 28). A descontinuidade do modelo clínico da psiquiatria clássica nos faz perquirir como é possível que se tenha, em certos momentos e em certas ordens de saber, mudanças bruscas, consideradas como precipitações de evolução, como transformações que não correspondem à imagem tranquila e continuísta histórica que normalmente se admite? Essas (re)significações23 das práticas e do saber instaladas na ordem do discurso psiquiátrico se deram como efeitos da modificação nas regras de formação dos enunciados, não se constituindo como uma refutação de erros antigos, nem tampouco como uma renovação de seu paradigma. Nesse contexto histórico-social-econômico o pós-guerra instaurou um cenário de colapso social na Europa, desencadeando a necessidade de reformulação da concepção de 21Considerado como um conjunto de enunciados em sua dispersão de acontecimento e na instância própria de cada um (FOUCAULT, 2005). 22 E seu dispositivo da alienação. 23 Tomadas aqui como verdadeiras mutações. 26 Estado e a estruturação de novas práticas discursivas com sua correspondente produção histórica de sentidos. Desse modo, esse novo modelo24 possibilitou a irrupção de um conjunto de enunciados (discursos) que se organizaram como efeito dessa construção e propiciaram a manutenção do estado de crença que determina a circularidade das