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Reflexão sobre Ficção e História


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Um exemplo deste recurso pode ser visto em diferentes obras de José 
Saramago, especialmente, em História do cerco de Lisboa. Nesta obra, o 
narrador, partindo da atitude do protagonista , um revisor de texto que 
trabalha na revisão de um volume sobre a história da tomada de Lisboa aos 
mouros, no ano de 1147, e não resiste a tentação de modificar a versão dos 
fatos, constrói uma fascinante reflexão sobre as relações entre ficção e 
história, o vivido e o narrado. O revisor nega um acontecimento conhecido e 
registrado pela história oficial - o fato de que cruzados europeus, antes de 
partirem para o oriente médio, ajudaram os portugueses a cercar e tomar 
Lisboa aos mouros. Essa atitude de corrigir a versão do historiador desperta 
a ira dos dirigentes da Editora da qual é funcionário e desencadeia a 
necessidade de reescrever a história e contar o cerco e a vitória a partir da 
ausência de auxílio dos cruzados. O romance explora, portanto, as 
possibilidades de recriação do passado e do presente, do que foi e do que 
poderia ter sido.
Trecho do romance em que o protagonista Raimundo Silva, enquanto 
examina o seu próximo trabalho de revisão (depois de já ter sido repreendido 
pelo deslize de modificar a história oficial), faz considerações sobre o 
romance e a história e revela uma característica da literatura contemporânea 
a indefinição entre real e ficção:
No escritório, só para tomar conhecimento do novo trabalho, 
Raimundo Silva examina o original que o Costa lhe deixou, oxalá 
não me saia uma História de Portugal completa, que não 
faltariam nela outras tentações de Sim e de Não, ou aquela, quiçá 
ainda mais sedutoramente especulativa, de um infinito Talvez 
que não deixasse pedra sobre pedra nem facto sobre facto. Afinal, 
é apenas um romance entre os romances, não tem que preocupar-
se mais com introduzir nele o que nele já se encontra, porque 
livros destes, as ficções que contam, fazem-se todos e todas, com 
uma continuada dúvida, com um afirmar reticente, sobretudo a 
inquietação de saber que nada é verdade e ser preciso fingir que o 
é, ao menos por um tempo, até não se poder resistir à evidência 
inapagável da mudança, então vai-se ao tempo que passou, que só 
ele é verdadeiramente tempo, e tenta-se reconstituir o momento 
que não soubemos reconhecer, que passava enquanto 
reconstituíamos outro, e assim por diante, momento após 
momento, todo o romance é isso, desespero, intento frustrado de 
que o passado não seja coisa definitivamente perdida. Só não se 
acabou ainda de averiguar se é o romance que impede o homem 
de esquecer-se, ou é a impossibilidade do esquecimento que o 
leva a escrever romances. (SARAMAGO, 2010, p.56)
Outras características da literatura contemporânea podem ser vistos no 
poema de "A vida é cópia da arte", de Wally Salomão, e no poema "Morte de 
alguns", de Francisco Alvim: 
CLIQUE AQUI PARA VER O POEMA A VIDA É CÓPIA DA ARTE
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