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forma de execução dos dois conselheiros não é atestada pelo cronista, ou seja, não havia documentos que comprovasse essa informação, sendo portanto algo que foi transmitido por via oral: “dita pelo miudo”. Posteriormente, a tradição ainda acrescentou que o rei mordeu um dos corações arrancados, numa espécie de antropofagia à moda europeia. O “TEATRO” DO JULGAMENTO DE INÊS O primeiro texto puramente literário em que comparece o drama de Inês e Pedro é de autoria de Garcia de Resende (1470-1536), Trovas à morte de Inês de Castro, do qual citamos um trecho logo no início deste capítulo. Nesse poema se destaca a súplica que Inês teria feito ao rei Afonso IV para que poupasse a sua vida e, assim, a orfandade de seus filhos. O rei se sensibiliza com as lágrimas da mulher, mas, incitado por um de seus oficiais, acaba permitindo a execução de Inês. Aqui já nos encontramos num momento de transição entre o Humanismo, de que Fernão Lopes foi o grande nome na crônica, e o Classicismo (1527-1580). O poeta e cronista Resende ainda é catalogado pelos estudos literários no Humanismo, mas sua obra já preparava as condições para o surgimento dos escritores classicistas. O cancioneiro geral, onde foram publicadas as Trovas, é uma coletânea da produção poética do Humanismo e, portanto, uma síntese da literatura do período. VERSÃO TEXTUAL O Classicismo propriamente não foi um rompimento com o Humanismo, mas sim uma espécie de radicalização. A fim de se livrar definitivamente dos princípios e do pensamento medievais, os artistas da nova escola vão retomar os valores clássicos, ou seja, a estética e as formas artísticas da Antiguidade, especificamente da Grécia e Roma clássicas. No teatro, a tragédia de concepção greco-romana dominará por completo as produções dramatúrgicas. E um dos principais nomes portugueses desse gênero será Antônio Ferreira (1528-1569), cuja obra- prima, por sinal, leva o nome de Castro. Segundo a estudiosa Maria L. Machado de Sousa, essa peça é a primeira tragédia europeia com tema “moderno”, ou seja, na qual os personagens não são nem deuses nem heróis da Antiguidade, mas sim figuras históricas recentes (cf. Sousa 1984:12). Ferreira é ainda avaliado por críticos como António Saraiva e Óscar Lopes como o mais íntegro representante da escola Clássica em seu país (2005:255), havendo por isso realizado com essa tragédia uma brilhante integração entre um tema moderno e a estética clássica. Sem dúvida, o dramaturgo português retomou a ideia da defesa de Inês na Trovas de Garcia de Resende e ampliou-a no quarto ato de sua peça na forma de um julgamento, onde comparecem ainda dois dos conselheiros reais no papel de promotores. 8