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Portugal: Religião e Fanatismo

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Portugal desde a Reconquista (a expulsão dos árabes da Península 
Ibérica) ficara conhecido como uma nação intensamente devota, muito 
ligada ao papado. Diversas gerações de monarcas se notabilizaram por seu 
fervor cristão, quando não pela obsessão religiosa, como é o caso do rei D. 
Sebastião, morto de maneira bisonha numa espécie de nova cruzada no 
Marrocos. Junto com a Espanha, Portugal figurava como um dos 
principais promotores da Contrarreforma e da Santa Inquisição, havendo 
sido grande a perseguição aos judeus em seus domínios — o que 
tristemente inclui o Brasil.
Semelhante história não poderia deixar de sugerir uma nação tomada 
por certo fanatismo religioso, beirando quem sabe à superstição e ao 
obscurantismo. Era essa na realidade a imagem que a Europa iluminista 
tinha de Portugal — lembremos que o Iluminismo ou Era das Luzes foi um 
movimento intelectual que floresceu no século XVIII e defendia o emprego 
da razão em todas as esferas da vida humana, condenando a religião como 
um fator de alienação dos homens. A partir dessa visão, seria de se esperar 
que, como resultado de um cataclismo de proporções tão surpreendentes, 
rebentasse pelo país, depois do terremoto, uma histeria religiosa coletiva, 
com multidões saindo em procissões intermináveis, se autoflagelando ao 
som de plangentes litanias e preces de contrição. 
E foi exatamente assim que Voltaire, o grande filósofo iluminista francês 
(1694-1778), descreveu a Lisboa pós-terremoto em seu conhecidíssimo texto 
ficcional Cândido. Nessa narrativa, Cândido e seu mentor Pangloss chegam a 
Lisboa, depois de várias peripécias, precisamente no dia do terremoto. 
Apesar de escaparem da morte no desastre, os dois vão experimentar, 
segundo Voltaire, a forma lusitana de tratar terremotos:
Depois do tremor de terra que destruiu três 
quartas partes de Lisboa, os sábios do país não 
encontraram meio mais eficaz para impedir a ruína 
total da cidade do que dar ao povo um auto-de-fé. 
Fora decidido pela Universidade de Coimbra que o 
espetáculo de algumas pessoas queimadas a fogo 
lento, em grande cerimonial, era um meio infalível de 
impedir a terra de tremer. (1973, p. 30.)
Em virtude de Pangloss, durante o resgate dos sobreviventes, ter feito 
algumas considerações sobre o caráter natural do terremoto e sua adequação 
aos desígnios divinos num sentido filosófico, ele e o discípulo Cândido são 
“escolhidos” então para servirem de bode expiatório no auto-de-fé. Tratava-
se de uma cerimônia religiosa em que os condenados pelo Tribunal de 
Inquisição eram sentenciados e castigados, algumas vezes mortos na 
fogueira depois de cruéis suplícios. No caso, os dois personagens
foram levados em procissão [...] e ouviram um 
sermão patético, seguido de uma bela música em 
cantochão. Cândido foi açoitado em cadência, 
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