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LLPT_LiteraturaPortuguesaI_impresso-135

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Semelhante resposta foi a do v. p. frei António das Chagas, que, 
avisado por certa pessoa não falasse tão acremente nos sermões da morte, 
porque se arriscava a ser desterrado, disse mui seguramente:
– Desterrar-me? Para onde? Quem não tem aqui pátria não pode ter 
daqui desterro.
Mas, além desta pátria do lugar comum, há outra do particular, que é a 
terra onde cada um nasceu. Quanto esta é mais pequena, tanto une mais os 
seus filhos, de sorte que parece o mesmo ser compatriotas que parentes, 
especialmente quando se acham fora dela. E parece-se este amor com a 
virtude da erva tápsia, da qual escreve Teofrasto que, metida na panela 
com a carne a cozer, de tal modo conglutina os pedaços dela que, para os 
tirar, é necessário quebrá-la. Quanto, porém, a pátria é terra mais 
populosa, rica e ilustre, tanto costuma ser matéria de vaidade aos que 
põem a sua glória fora de si. Assim se esvaneciam os Arianos da sua 
Constantinopla, lançando em rosto a S. Gregório Nazianzeno a sua 
terrinha, que nem muros a cingiam. Porém o santo doutor lhes respondeu 
que, se isso era culpa nele, também o seria no golfinho não haver nascido 
na terra, e no boi não haver nascido mo mar. E, pelo contrário, se neles era 
glória, também o seria para os jumentos da cidade assoberbarem os do 
campo.
Quanto à terceira pátria, é esta o lugar onde estamos naturalizados, 
por mercê da república, ou rescrito dos príncipes, ou habitação continua, 
de modo que Sto. António se chama de Pádua, não sendo senão de Lisboa, 
e S. Nicolau de Tolentino, sendo de Saint-Angel. Tomando, porém, isto 
espiritualmente, onde cada um habita com o espírito e desejo, daí é 
natural. Por isso, Cristo disse a seus adversários que eles eram cá de baixo: 
Vos deorsum estis... vos de mundo hoc estis. E, pelo contrário, a seus 
discípulos, que eles não eram deste mundo: De mundo non estis.
Dom Francisco Manuel de 
Melo [2]
O fidalgo militar Dom Francisco Manuel de Melo é autor de vasta obra 
em prosa doutrinária e em verso. Eis um exemplo, na escrita da época, de 
sua Carta de guia de casados, em que se percebe a visão da época sobre o 
cotidiano matrimonial:
CARTA DE GUIA DE CASADOS
Ande a mulher toda vestida, e sempre composta por sua casa, e jàmais 
a vejão seus criados em habito indecente. Como para ella não he bem que 
haja outro mundo que seu marido, crea que assi convem aparecer a seu 
marido, como se aparecera a todo o mundo.
Estou de candeas às avessas com hum novo costume de hũas capinhas, 
que não sei donde vierão; porque me não lembra que tal visse em nenhũa 
parte. Ora seja, ou não seja de outra nação, elle não he trajo autorizado, 
 nem (a meu juizo) decente; e jà tão vulgar, que isso mesmo pudera 
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