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Quem te obriga a levantar altas torres sobre o vento? Quem lhe deu ao pensamento as asas para voar, senão teu próprio ardimento? Então, se a cera oportuna não saíu, e te desterra a luz do Sol importuna, quando caies sobre a terra porque infamas a Fortuna? Fortuna, não, providência é da mão que o mundo rege, por mais que o esprito forceje, pôr-lhe tudo em contingência, para que nada deseje. Aquele sempre temer, aquele nunca acertar, aquele nada entender, aquele tanto enganar, que outra cousa quer dizer? Quantas vezes, persuadido da fé dos olhos, errei, e quantas vezes busquei rosas no campo florido, onde só serpes achei! E quantas, bem diferente, temendo-me dos abrolhos, caminhada impaciente, e contra o voto dos olhos fui parar ditosamente! Ai de quem se persuade da teima do pensamento, e para julgar o intento manda assentar a Vontade no trono do Entendimento! Tal o processo seria qual do juiz a eleição: a prova será profia, as rezões, a sem-razão, e a sentença, tirania. Eis-me aqui, sem diferença: doutro tal juiz que elejo executado me vejo, e por outro tal sentença que foi dar o meu desejo. 145