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FRAZAO, Andreia (Reflexoes, 1990-2003)

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Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004 87
Reflexões sobre o uso da categoria gêneroReflexões sobre o uso da categoria gêneroReflexões sobre o uso da categoria gêneroReflexões sobre o uso da categoria gêneroReflexões sobre o uso da categoria gênero
nos estudos de História Medieval no Brasilnos estudos de História Medieval no Brasilnos estudos de História Medieval no Brasilnos estudos de História Medieval no Brasilnos estudos de História Medieval no Brasil
(1990-2003)(1990-2003)(1990-2003)(1990-2003)(1990-2003)
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
Professora do Departamento de História e do Programa de Pós-graduaçâo em
História Comparada (PPGHC) da UFRJ; Co-coordenadora do Programa de
Estudos Medievais (PEM) da UFRJ; Pesquisadora do CNPq (www.ifes.ufrj.br/-frazao).
Resumo: Neste artigo desejo verificar se, face ao crescimento dos estudos medievais no Brasil nos
últimos anos, foram desenvolvidas investigações adotando a categoria gênero. Estas preocupa-
ções surgiram no decorrer da pesquisa que venho realizando com o financiamento do CNPq, da
qual tratarei de forma específica em outro ponto deste texto. Neste sentido, estou interessada em
rastrear as regiões do país e o momento em que tais estudos foram realizados, se foram elaborados
por pessoas isoladas ou por equipes, a natureza destes trabalhos (artigos, monografias, disserta-
ções, teses, projetos de pesquisa etc), as concepções de gênero e os teóricos que tais materiais
utilizam, analisando e discutindo os dados levantados.
Palavras-Chave: Historiografia Brasileira, Concepções de Gênero, Medievalismo.
Abstract: In this article I wish to verify if investigations in Brazil were developed in recent years,
adopting the gender category due to the growth of the medieval studies. These concerns emerged
during the research I am accomplishing with CNPq financing. I am interested to analyze and
discuss the data, tracing the areas of the country and the moment in that such studies were
accomplished, if they were elaborated by isolated people or by teams, as well as the nature of
these works (goods, monographs, dissertations, theses, research projects etc), and the gender
conceptions and the theoretical foundation of such materials.
Keywords: Brazilian Historiography, Gender Conceptions, Medieval Period.
Reflexões sobre o uso da categoria gênero nos estudos de História Medieval no Brasil (1990-2003)
88 Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004
É visível, nos últimos 13 anos, o desenvolvimento
dos estudos medievais no Brasil.1 Até o fim da década
de 90 haviam poucos doutores especializados em Ida-
de Média atuando nas instituições de ensino superior
no Brasil; eram raros os títulos sobre o medievo publi-
cados por editoras brasileiras; não circulavam periódi-
cos nacionais especializados exclusivamente no medie-
valismo; as bibliotecas universitárias praticamente não
possuíam em seus acervos periódicos e livros sobre
temáticas medievais; não existia uma associação que
agregasse, em nível nacional, os interessados no ensino
e na pesquisa da Idade Média; núcleos de medievalistas
locais e/ou regionais eram praticamente inexistentes.2
Este quadro começou a mudar no início dos anos
90, quando os estudos medievais começaram a ter
maior visibilidade nos ambientes acadêmicos no Bra-
sil. Em trabalho apresentado em 1991, na XI Reunião
da Sociedade Brasileira de Estudos Medievais, Maria
Sonsoles Guerras apontava dois fatores que, certamen-
te, em muito estimularam o incremento do medievalis-
mo nacional: os principais órgãos de fomento no Bra-
sil, CNPq e CAPES, começavam a conceder Bolsas e
Auxílios para os interessados em investigar sobre a
Idade Média e diversas revistas acadêmicas abriam
espaço para a publicação de artigos sobre o medievo.3
Assim, a despeito das muitas dificuldades, cresceu
o número de estudiosos que nos últimos anos buscaram
desenvolver projetos de caráter acadêmico sobre o
período em questão. Segundo dados reunidos sob a
coordenação do Prof. José Rivair Macedo4,de 1990 a
2002, 257 dissertações de mestrado, 71 teses de dou-
torado e 5 teses de livre docência sobre temas referen-
tes ao medievalismo foram redigidas e aprovadas em
nosso país. Segundo informações publicadas pelo Jor-
nal da Abrem em seu número 11, podemos con-
tabilizar ainda mais 4 dissertações de mestrado e 6
teses de doutorado, apresentadas e aprovadas em di-
versas universidades do país durante o primeiro se-
mestre de 2003.
1 Considero como estudos
medievais todos aqueles
desenvolvidos nas diversas
áreas do conhecimento, tais
como História, Literatura,
Filosofia, Linguística, Teo-
logia, Arte, Música etc, e que
analisam temas referentes a
diversos aspectos do me-
dievo.
2 Sobre os estudos medievais
no Brasil desenvolvidos até
o início da década de 90
ver GUERRAS MARTIN,
M. S. A situação da pesquisa
de História Geral no Brasil:
História Medieval. In: WEST-
PHALEN, C. M. (Org.). Reu-
nião da Sociedade Brasileira de
Pesquisa Histórica, 11, São
Paulo, 1991. Anais... Porto
Alegre: Sociedade Brasileira de
Pesquisa Histórica, 1992. p. 13-
14; PEDRERO-SÁNCHEZ,
M. G. Los estudios medievales en
Brasil. Medievalismo, v. 4, n. 4,
p. 223-228, 1994; MELLO, J.
R. de A. O pesquisador em
História Medieval e o públi-
co brasileiro. In: RIBEIRO,
M. E. de B. (Org.). Semana de
Estudos Medievais, 2, Brasília,
Outubro de 1994. Anais...
Brasília: UNB, 1994. p. 43-46.
3 GUERRAS MARTIN, M. S.
op. cit, p. 14.
4 MACEDO, J. R. (Org.). Os
Estudos Medievais no Brasil. Ca-
tálogo de dissertações e teses: Filo-
sofia, História, Letras (1990-
2002). Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2003. p. 8.
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004 89
Examinando os dados reunidos por Macedo, é
possível verificar que em muitos casos houve uma con-
tinuidade na especialização na área de Idade Média, já
que muitos dos que obtiveram o grau de mestre, pos-
teriormente alcançaram o de doutor.5 Neste sentido,
diferentemente do que ocorria no período anterior,
há que destacar que se encontram atuando no ensino
e na pesquisa de temas medievais, ao menos nas uni-
versidades públicas de todo o Brasil, professores espe-
cialistas, em sua maioria já doutores ou doutorandos,
que, efetivamente, obtiveram a sua formação acadêmi-
ca desenvolvendo investigações nesta área.
Não só cresceu o número de especialistas e interes-
sados nos estudos medievais no Brasil, como se ampli-
aram, ou foram criados, espaços para o intercâmbio,
o diálogo e a divulgação das pesquisas. Neste sentido,
destaca-se a fundação, em 1996, da Abrem, Associação
Brasileira de Estudos Medievais, que reúne hoje mais de
400 medievalistas nacionais e estrangeiros das mais di-
versas áreas do conhecimento.6 A Abrem promove,
bi-anualmente, os Encontros Internacionais de Estu-
dos Medievais (EIEM),7 organizados em parceria com
as universidades que sediam o evento; coordena pro-
jetos coletivos de pesquisa, como o levantamento das
fontes medievais escritas e impressas presentes nas bi-
bliotecas das cidades mais importantes do país8 e das
dissertações e teses defendidas no Brasil;9 estimula o
intercâmbio com associações internacionais também
dedicadas a temas medievais; apóia eventos realizados
por núcleos locais em todo o país; é responsável pela
publicação semestral, desde 1998, do Jornal da Abrem,
um boletim informativo sobre as atividades da associ-
ação e de tudo o que é desenvolvido no Brasil na área
dos estudos medievais, e, desde 1999, da revista anual
Signum, o primeiro periódico nacional a dedicar-se
exclusivamente ao medievalismo.
Outros indicadores também apontam para o desen-
volvimento do medievalismo no Brasil: a organização
de centros locais e/ou regionais de ensino, pesquisa e
5 Há que ressaltar também que
muitos medievalistas bra-
sileiros obtiveram o grau de
doutor no exterior. Para só
citar alguns exemplos de pes-
quisadores da área de Histó-
ria: Prof.ª Dr.ª Maria Cristi-
na CorreiaLeandro Perei-
ra (UFES), Prof.ª Dr.ª Fáti-
ma Regina Fernandes (UFPR),
Prof. Dr. Renan Friguetto
(UFPR) e Prof. Dr. Marcelo
Candido da Silva (USP),
Prof.ª Dr.ª Maria Filomena
da Costa Coelho (UPIS-DF).
6 Segundo dados apresenta-
dos na assembléia geral da
Associação Brasileira de
Estudos Medievais (Abrem)
durante o V Encontro In-
ternacional de Estudos Me-
dievais, cerca de 410 pessoas
já se associaram a Abrem.
7 Os trabalhos apresentados
durante os EIEM e selecio-
nados são publicadas nas
atas do evento. Cf. as Atas
do I, III e IV EIEM. A única
exceção foram as atas do II,
quando só as conferências
foram publicadas.
8 MONGELLI, Lênia Márcia
(Org.). Fontes Primárias da Ida-
de Média. Séculos V-XV. ABREM
Associação Brasileira de Estu-
dos Medievais. São Paulo:
Íbis, 1999. 2 v.
9 MACEDO, J. R. (Org.). Os es-
tudos Medievais no Brasil..., op. cit.
Reflexões sobre o uso da categoria gênero nos estudos de História Medieval no Brasil (1990-2003)
90 Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004
extensão, tais como na UFSC, UFPR, UEL, UEM,
PUCRS, UFRGS, UFBA, UNICAP, UFPA, UNB,UFG,
UFES, USP, UNESP, UNICAMP, PUCMinas, UERJ,
UFF e UFRJ;10 multiplicaram-se as publicações, tanto
de autores nacionais quanto traduções, de trabalhos
que tratam sobre aspectos diversos do medievo, incl-
uindo as edições críticas de fontes;11 com a populari-
zação da internet no Brasil, diversos núcleos de estudo
e pesquisa em temas medievais construíram homepages,
contendo materiais disponíveis on line,12 e encontra-se
ativa, desde 1999, uma lista de discussão de caráter aca-
dêmico coordenada pelo Programa de Estudos Me-
dievais (Pem) da UFRJ; a cada ano são organizados,
em todo o país, eventos de caráter científico ou ativida-
des de extensão sobre temáticas medievais, tais como
o Ciclo A tradição Monástica e o Franciscanismo, realizado
de 7 a 11 de outubro de 2002 na UFRJ, evento promo-
vido pelo Pem e o Instituto Teológico Franciscano de
Petrópolis, ou o Curso de Extensão As reminiscências
medievais no Brasil Colonial, realizado de 13 a 15 de maio
de 2003 na Biblioteca Pública do Estado do Rio Gran-
de do Sul, para só citar dois exemplos.13
Contudo, a despeito do crescimento dos estudos
medievais no país, ainda há muito caminho a ser per-
corrido. Além dos problemas de ordem mais geral,
que afetam outras áreas do conhecimento, tais como
a escassez de materiais atualizados e específicos nas
bibliotecas universitárias, a ausência de concursos públi-
cos que reverte na falta de professores nas IES, os
constantes cortes de auxílios e de bolsas de estudo, há
muitos outros problemas de caráter específico. Para
citar apenas alguns: as temáticas medievais não são
valorizadas no ensino fundamental e médio, o que não
só leva a um desconhecimento quase total do período
como também não estimula o interesse pelos estudos
medievais ainda na infância ou na adolescência; a gran-
de maioria das escolas não inclui, em sua matriz cur-
ricular, disciplinas como o latim, não propiciando aos
alunos uma formação básica fundamental para um
10 Sobre os diversos núcleos lo-
cais/regionais dedicados ao
medievalismo no Brasil ver o
editorial do Jornal da Abrem
número 10, publicado em 2002.
11 Para só citar alguns exem-
plos recentes: OLIVEIRA, T.
(Org.). Luzes sobre a Idade Mé-
dia. Maringá: Editora da Uni-
versidade, 2002; FERNAN-
DES, F. R. Sociedade e poder na
Baixa Idade Média portuguesa.
Dos Azevedos aos Vilhena: as
famílias da nobreza medieval por-
tuguesa. Curitiba: Universidade
Federal do Paraná, 2003; PE-
REIRA, R. H. S. Avicena. A via-
gem da alma. São Paulo: Pers-
pectiva-Fapesp, 2002; LAU-
AND, J. Em diálogos com Tomás
de Aquino. São Paulo: Mandru-
vá, 2002; LE GOFF, J.,
SCHMITT, J-C. Dicionário
Temático do Ocidente Medieval. São
Paulo: Imprensa Oficial de São
Paulo/Edusc, 2002. V. 2; SIL-
VA, A. C. L. F. et. al. A Vida de
Santa Maria Madalena. Rio de
Janeiro: Programa de Estu-
dos Medievais, 2002; MON-
GELLI, L. M., VIEIRA, Y. F.
A estética medieval. Cotia: Íbis,
2003; COSTA, R. (Org.). Teste-
munhos da História. Vitória: E-
ditora da UFES, 2003; FRAN-
CO JÚNIOR, H. Legenda Áu-
rea. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003.
12 Para só citar alguns sites:
w w w. p e m . i f c s . u f r j . b r ;
http://jean_lauand.tripod.
com; www.hottopos.com;
w w w. a b re m . h e . c o m . b r ;
w w w. b r a t h a i r . c j b . n e t ;
w w w. r i c a rdocos t a . com;
w w w. g e o c i t i e s . c o m /
pjchronos; www2.fe.usp.br/
~cemoroc, www. revistami
rabilia.com.
13 Para informações sobre os
principais eventos locais e
regionais organizados no
país desde 1998 ver os diver-
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004 91
posterior aprofundamento dos estudos sobre o me-
dievo em diversas áreas; salvo no caso dos cursos de
Graduação em História, em que há pelo menos uma
disciplina obrigatória dedicada à Idade Média, os estu-
dos medievais concentram-se nos programas de pós-
graduação, com raras exceções.14 E mesmo na pós-
graduação ainda representam uma minoria. Segundo
dados apresentados por Lênia Márcia Mongelli no
III EIEM, referentes ao Programa de Pós-graduação
em História Social da USP, e que acredito serem uma
importante amostragem do que ocorre em outras uni-
versidades e continuam retratando a situação atual, até
1997 só 2,5% do total de trabalhos, entre dissertações
e teses defendidas, eram sobre temas medievais.15
Destaco ainda a desigual distribuição dos centros
dedicados aos estudos medievais pelo território nacio-
nal; estes se localizam nos principais centros urbanos
do Brasil, com realce para as regiões sudeste e sul, e
encontram-se em universidades públicas, sobretudo
federais, com exceção das universidades católicas.
A desigualdade também faz-se presente no tocante
às áreas de conhecimento em que o medievalismo é
estudado. Há um claro predomínio dos estudos de li-
teratura e lingüística, seguidos pelos históricos.16 E quan-
to às temáticas de estudo e abordagens desenvolvidas
nesses trabalhos? Todos os temas têm sido trabalhados
ou há alguns predominantes e outros esquecidos?
Neste artigo, discuto um pouco esta questão. Devi-
do à minha formação acadêmica em história, vou me
deter no estudo dos trabalhos desenvolvidos nesta área
do conhecimento. Desejo verificar se, face ao cresci-
mento dos estudos medievais no Brasil nos últimos
anos, foram desenvolvidas investigações adotando a
categoria gênero.17 Estas preocupações surgiram no
decorrer da pesquisa que venho realizando com o fi-
nanciamento do CNPq, da qual tratarei de forma espe-
cífica em outro ponto deste texto. Neste sentido, estou
interessada em rastrear as regiões do país e o momento
em que tais estudos foram realizados, se foram elabo-
sos números já publicados
do Jornal da Abrem.
14 Sobre estas questões ver
LEÃO, A. V. Os estudos me-
dievais na atualidade brasi-
leira: região sudeste e RI-
BEIRO, M. E. de B. Os estu-
dos medievais no Distrito
Federal publicados em MA-
LEVAL, M. A. T. (Org.). En-
contro Internacional de Es-
tudos Medievais, 3, 7 a 9 de
julho de 1999, UERJ. Atas...
Rio de Janeiro: Ágora da Ilha,
2001. p. 138-145, 155-158.
15 MONGELLI, M. L. de M. A
quem se destinam os estu-
dos medievais no Brasil? In:
MALEVAL, M. A. T. (Org.).
Encontro Internacional de
Estudos Medievais, 3, 7 a 9
de julho de 1999, UERJ.
Atas... Rio de Janeiro: Ágora
da Ilha, 2001. p. 146-154.
16 Os dados presentes no Catá-
logo de dissertações e teses, já men-
cionado, apresentam uma
importante amostragem des-
sa desigualdade. Dos 333 tra-
balhos listados, 147 são da área
de Língua e Literatura (44%);
121 de História (36, 5 %); 60
de Filosofia (18 %); 1 de Mú-
sica (0,3 %); 2 de Direito (0,6
%) e 2 de Teologia (0,6%). MA-
CEDO, J. R. (Org.). Os estudos
Medievais no Brasil..., op. cit. p. 9.
17 Também é inquestionável
a expansão dos estudos de
gênero no Brasil nos últi-
mos anos: crescem os cen-
tros de pesquisa, multipli-
cam-se as publicações, são
organizados eventos. Para
um balanço referenteaos es-
tudos de gênero e a história
ver MATOS, M. I. S. de. Por
uma história da Mulher. Bauru:
Edusc, 2000. Faz-se impor-
tante ressaltar que nenhum
título sobre História Medie-
val é citado pela autora.
Reflexões sobre o uso da categoria gênero nos estudos de História Medieval no Brasil (1990-2003)
92 Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004
rados por pessoas isoladas ou por equipes, a natureza
destes trabalhos (artigos, monografias, dissertações,
teses, projetos de pesquisa etc), as concepções de gêne-
ro e os teóricos que tais materiais utilizam, analisando
e discutindo os dados levantados.
Faz-se importante ressaltar que é grande o número
de textos de História Medieval publicados nos últimos
anos no exterior e que empregam a categoria gênero.18
Explorando documentos de variadas naturezas e tra-
tando de aspectos tão diferenciados como santidade,
vida religiosa, cruzadas, pobreza, reprodução,
travestismo, alcoolismo, sexualidade, política etc, estes
estudos discutem como tais fenômenos perpassam as
construções culturais de gênero em diferentes momen-
tos e espaços. Mais do que obras de síntese, os traba-
lhos mergulham em reflexões sobre temas particula-
res, formando grandes coletâneas, cujos textos foram
redigidos, em sua maioria, por historiadores(as) ligados
a centros de estudo anglo-saxões19 e, portanto, tratam
preferencialmente de temáticas relacionadas à Inglaterra
medieval.20 Os medievalistas brasileiros têm sido influ-
enciados por tais trabalhos?
Antes de apresentar e discutir a produção dos me-
dievalistas brasileiros que elaboram suas pesquisas em
História utilizando a categoria gênero, faz-se importante
destacar o que entendo por estudos de gênero, visto
que não há consenso entre os especialistas sobre tal
ponto.21
Seguindo as propostas teóricas de Joan Scott e Jane
Flax,22 considero estudos de gênero aqueles que partem
de paradigmas pós-modernistas e estão atentos à análi-
se de como, em diversas sociedades e momentos, um
dado grupo ou indivíduo dá significação ao feminino
e ao masculino. São estudos qualitativos que elegem o
particular, sem buscar leis causais e universais para a
explicação das diferenças sexuais, tratando homem-
mulher ou feminino-masculino não como categorias
fixas, mas constantemente mutáveis. A categoria gêne-
ro, portanto, rejeita o determinismo biológico e sublinha
18 Utilizando como palavra-cha-
ve o termo gênero e delimi-
tando os anos de 2003 a 2001,
realizamos uma pesquisa no
site Feminae: Medieval Women and
Gender Index (http://www. ha
verford.edu/library/referen
ce/mschaus/mfi/mfi.html),
um banco de dados on line,
organizado em 1996, que sele-
ciona e reúne dados proveni-
entes de artigos, resenhas de
livros, capítulos de livros, te-
ses e ensaios dos trabalhos
considerados mais significa-
tivos sobre as mulheres e gê-
nero publicados em todo o
mundo e em várias línguas.
Foram listados 817 títulos,
entre resenhas, obras coleti-
vas, artigos em periódicos, e
teses. Faz-se importante res-
saltar que nenhuma referên-
cia de trabalho elaborado em
português figurou como res-
posta à pesquisa.
19 Os medievalistas franceses e-
laboram, sobretudo, trabalhos
de História da Mulher, como
um campo da História Social
ou da História do Imaginário.
Um claro exemplo desta ten-
dência pode ser verificada na
obra organizada por J. C. Schmitt
e O. G. Oaxle, Les tendances actu-
elles de l’histoire du Moyen Âge en
France et en Allemagne, atas refe-
rentes aos colóquios de Sèvres
(1997) e de Gottingen (1998)
publicada em 2002. Dentre os
temas selecionados para deba-
te encontra-se “Pour une his-
toire des femmes”. O termo
gênero não figura.
20 Para só citar alguns trabalhos
recentes: BENNETT, Judith
M. England: Women and Gen-
der. In: RIGBY, S. H. (Ed.) A
Companion to Britain in the Later
Middle Ages. Londres: Blackwell
Publishing, 2003. p. 87-106;
CLARK, Anne L. The priest-
hood of the Virgin Mary: gen-
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004 93
que a distinção sexual não é natural, universal ou
invariante, a despeito das diferenças anatômicas entre
machos e fêmeas na espécie humana, mas constrói-se
discursivamente de forma inter-relacional, pressupon-
do relações hierárquicas de dominação.
Os estudos de gênero configuram-se como um
campo da História Cultural e detém-se em discutir
como uma dada visão de gênero construiu-se e impôs-
se discursivamente num determinado grupo num certo
momento, apontando para a sua historicidade, descons-
truindo-a. Não são sinônimos da História das Mulheres
nem da História Social das relações entre os sexos e
visam, mais do que descrever e interpretar, analisar e
explicar as construções de gênero, que implicam na
configuração de instituições, representações e práticas
pelas quais os grupos elaboram o masculino e o femi-
nino, legitimando-as; em relações de dominação, em
símbolos, em normas, em papéis sociais e em identida-
des subjetivas e coletivas.
Gênero, dentro desta perspectiva teórica, não é si-
nônimo de sexo.23 É uma categoria que denomina a
construção cultural da diferença sexual que está presente
em todos os aspectos da experiência humana, constitu-
indo-os parcialmente, e que, portanto, pode ser relaciona-
do a outras categorias, como etnia, idade, religião etc.
Esta reflexão sobre o uso da categoria gênero na
produção histórica sobre o medievo no Brasil funda-
menta-se, prioritariamente, em dados qualitativos. Não
encontrei uma base de dados que contenha o registro
de todas as produções bibliográficas em História da
Idade Média elaboradas no Brasil de 1990 até 2003.24
Para as reflexões apresentadas aqui, utilizei um material
que se encontra disperso, mas que representa uma
amostragem significativa do que tem sido produzido
pelos historiadores brasileiros sobre o medievo. Desta
forma, consultei: o Jornal da Abrem, a Revista Signum
e as Atas de eventos cuja temática referia-se unicamente
ao medievo, que consideramos as principais publica-
ções nacionais especializadas sobre o tema; informa-
der trouble in the Twelth Cen-
tury. Journal of Feminist Studies
in Religion, v. 18, n. 1, p. 5-24,
2002; RICHES Samantha J. E.,
SALIH, Sarah (Ed.). Gender and
Holiness: Men, Women, and Saints
in Late Medieval Europe. Rou-
tledge, 2002; RASMUSSEN,
Ann Marie. Gendered Know-
ledge and Eavesdropping in
the Late-Medieval “Minnere-
de”. Speculum, v. 77, n. 4, p. 1168-
1194, Oct./ 2002; MCCLA-
NAN; Anne L., ENCARNA-
CIÓN, Karen Rosoff (Ed.) The
Material Culture of Sex, Procrea-
tion, and Marriage in Premodern
Europe. Nova York: Palgrave,
2002; SALIH, Sarah. Queering
“Sponsalia Christi”: Virginity,
Gender, and Desire in the
Early Middle English Ancho-
ritic Texts. New Medieval Lite-
ratures, n. 5, p. 155-175, 2002;
ASHLEY, Kathleen and CLARK,
Robert L. A. (Ed.) Medieval Conduct.
Minessota: University of Min-
nesota Press, 2001; LAMBERT,
Sarah, EDGINGTON, Susan
B. (Ed.) Gendering the Crusades.
University of Wales Press,
2001; CLARK, Elizabeth A.
Woman, Gender, and the Stu-
dy History. Church History, v.
70, n. 3, p. 395-426, 2001;
MARTIN, A. L. Alcohol, Sex, and
Gender in Late Medieval and Early
Modern Europe. Nova York: Pal-
grave, 2001; FARMER, S. Sur-
viving poverty in medieval Pa-
ris. Gender, Ideology, and the daily
lives of the poor. Ithaca: Cornell
University Press, 2002.
21 VARIKAS, E. Gênero, experi-
ência e subjetividade: a pro-
pósito do desacordo Tilly-
Scott. Cadernos Pagu, n. 3, p. 63-
84, 1994; POMATA, G. His-
toire des Femmes et “Gender
History” (note critique). Anna-
les ESC, n. 4, p. 1019-1026, ju-
lho-agosto de 1993; TILLY, L.
A. Gênero, História das Mu-
Reflexões sobre o uso da categoria gênero nos estudos de História Medieval no Brasil (1990-2003)
94 Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004
ções variadas disponíveis na internet; dados enviados
através das listas de discussão mantidas pelo Programa
de Estudos Medievais da UFRJ e pela Anpuh;25 publi-
cações sobre estudos de gênero; e o já citadocatálogo
de dissertações e teses. Em alguns casos, localizei so-
mente a referência da publicação, sem ter tido acesso
direto aos textos.26
Só reuni dados quantitativos seguros sobre as dis-
sertações e teses produzidas no período, reunindo os
dados presentes no catálogo já citado, a Plataforma
Lattes e o Jornal da Abrem. Estas informações, por
si só, podem ser consideradas uma importante amos-
tragem da produção em História Medieval no Brasil
nos últimos anos e é por elas que vamos começar.
Encontrei dados referentes a 125 dissertações e
teses apresentadas e defendidas em Programas de Pós-
graduação em História do país entre 1990 até o primei-
ro semestre de 2003. Destas, somente 4 empregam a
categoria gênero, perfazendo somente 3,2% do total
de trabalhos. A seguir, vou apresentar uma síntese de
cada um desses trabalhos, por ordem cronológica das
defesas.
Segundo os dados encontrados, a Prof.ª Dr.ª Dulce
Oliveira Amarante dos Santos, da Universidade Fede-
ral de Goiás, é a pioneira no uso da categoria gênero
em pesquisa de História Medieval no Brasil. Em um
artigo publicado nas Atas do I Encontro Internacional
de Estudos Medievais, Imagens de mulheres nos reinos ibé-
ricos de Leão, Castela e Portugal (1250-1350), afirma que
sua pesquisa “insere-se num projeto mais amplo de
composição de uma história global das mulheres e
das relações de gênero”, pautando-se nas reflexões
de Joan Scott, presente em seu artigo, já clássico, Gênero:
uma categoria útil de análise histórica, citado em nota.27
Entretanto, sua abordagem do gênero, em certos as-
pectos, aproxima-se da Sociologia.28
Como informa neste artigo, em sua pesquisa, a
referida professora analisaria documentos de naturezas
diversas, como o Fuero real, as Siete Partidas, o penitencial
lheres e História Social. Cader-
nos Pagu, n. 3, p. 29-62, 1994;
DIERKS, K. Men’s History,
Gender history, or cultural
History? Gender & History, v.
14, n. 1, p. 147-151, 2002.
22 SCOTT, W. J. Prefácio a Gen-
der and Politics of History.
Cadernos Pagu, n. 3, p. 11-27,
1994; ___. El género: una ca-
tegoría útil para el análisis his-
tórico. In: LAMAS, M. (Org.).
El género: la construccion cultural
de la diferencia sexual. Cidade do
México: PUEG, 1996. FLAX,
J. Pós-modernismo e relações
de gênero na teoria feminista.
In: HOLLANDA, H. B. (Org.)
Modernismo e Política. Rio de Ja-
neiro: Rocco, 1991, p. 217-50.
23 Sobre as distintas constru-
ções culturais sobre sexo e
gênero ver LAQUEUR, T. In-
ventando o Sexo. Corpo e Gênero
dos gregos a Freud. Rio de Janei-
ro: Relume-Dumará, 2001 e
BUTLER, J. Problemas de gênero:
feminismo e subversão da identida-
de. Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira, 2003.
24 Há um levantamento sendo
feito pelo Prof. Dr. Ruy de
Oliveira Andrade para o Inter-
national Medieval Bibliography
mantido para a University of
Leedes, cuja consulta, porém, é
restrita aos associados. Tam-
bém consultamos a Platafor-
ma Lattes, mantida pelo CNPq.
Tomando a Idade Média co-
mo palavra chave e limitando-
nos à área de História e ao pe-
ríodo posterior a 1990, chega-
mos a 1230 entradas, entre ar-
tigos completos em periódi-
cos, resumos, trabalhos com-
pletos em anais, participações
em congressos, como pales-
trante ou ouvinte, bancas, arti-
gos em revistas e jornais de
grande circulação etc.. Contu-
do, muitas entradas figuram
mais de uma vez, são conta-
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004 95
de Martim Perez, o corpus satírico delimitado por
Manuel Lapa. Sua investigação dividir-se-ia em duas
etapas. Na primeira, faria um estudo do imaginário
masculino sobre as mulheres. Em um segundo mo-
mento, sua preocupação recairia na delimitação sexual
dos campos de trabalho masculino e feminino.
Como resultados desta pesquisa, a autora publi-
cou alguns trabalhos,29 além de concluir a sua própria
tese, em 1997, O corpo dos pecados: representações e práticas
sócio-culturais femininas nos reinos ibéricos de Leão, Castela e
Portugal (1250-1350), que foi orientada pelo Prof. Dr.
Victor Deodato Silva e desenvolvida junto ao Pro-
grama de Pós-graduação em História Social da USP.
Na tese, segundo o Catálogo de dissertações e teses,30 são
estudados diversos elementos que referendaram a
construção de representações corporais masculinas e
femininas, bem como dos pecados do corpo, por
meio da análise de textos eclesiásticos de caráter mo-
delador.
Nos últimos anos, a professora Dulce tem explora-
do novos objetos e fontes. Contudo, as suas preocupa-
ções relacionadas às mulheres, ao imaginário masculino
sobre o feminino e ao corpo permanecem. Neste sen-
tido, em seu trabalho Egéria a peregrina numa carta de
Valério de Bierzo, ressalta, dentre outros elementos, a
contraposição pautada no gênero realizada por este
autor eclesiástico entre o corpo frágil feminino e o
corpo vigoroso masculino.31
Faz-se importante ainda ressaltar que esta pesqui-
sadora participa do grupo de pesquisa cadastrado no
CNPq Historia, Política e Cultura, o único em que uma
das linhas de pesquisa é Gênero e Cultura na Idade Média
Ocidental.
Em 1999, Milton José Zamboni obteve o grau de
mestre junto ao Programa de Pós-Graduação em
História da ciência da PUCSP, ao ter sua dissertação,
O Fuero de Cuenca: uma interpretação das relações de gênero
em fins do século XII, orientada pela Prof.ª Dr.ª Ana Maria
Alfonso-Goldfarb. Infelizmente, só tivemos acesso a
bilizados como trabalhos his-
toriográficos aqueles proveni-
entes de outras áreas, em espe-
cial literatura e filosofia, mui-
tos dados foram informados
pelos pesquisadores de forma
incorreta ou incompleta.
25 Quero agradecer aos colegas
Dulce O. Amarante dos San-
tos, José Rivair de Macedo,
Ricardo da Costa, Valéria Fer-
nandes da Silva, Carolina Coe-
lho Fortes, que gentilmente
enviaram dados para que eu
pudesse utilizar neste artigo.
26 Refiro-me especificamente
aos trabalhos SCHWEINBER-
GER, Maria Luisa Tomasi. A
mulher entre o individual e
o coletivo no final da Idade
Média. Varia Scientia, Cascavel,
v.1, n.1, p.139-146, 2001; SAN-
TOS, G. S. A Santa e o Lavrador:
gênero e poder na Baixa Idade
Média portuguesa (1282-1325).
Acervo: Revista do Arquivo Nacio-
nal, Rio de Janeiro, v.9, n.01-
02, p. 69-84, 1997; ___. A Rai-
nha e os Pares do Rei. Arrabal-
des Cadernos de História, Niterói,
v. 1, p. 79-89, 1996. Nossas ten-
tativas de contatar as autoras
foram infrutíferas até o mo-
mento de finalizarmos este
artigo.
27 SANTOS, Dulce O. Amaran-
te dos. Imagens de mulheres nos
reinos ibéricos de Leão, Castela e
Portugal (1250-1350). In: En-
contro Internacional de Es-
tudos Medievais, 1, 4 a 6 de
julho. Atas...São Paulo: USP-
UNICAMP- UNESP, 1995. p.
157-160.
28 Verificando o currículo da
prof.ª Dr.ª Dulce O. Amarante
dos Santos, disponível na Pla-
taforma Lattes, nota-se, através
das palavras-chaves que acom-
panham a sua produção acadê-
mica, uma oscilação teórica
em sua produção entre uma
história de gênero de matriz
Reflexões sobre o uso da categoria gênero nos estudos de História Medieval no Brasil (1990-2003)
96 Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004
um resumo do trabalho.
Na dissertação, Zamboni analisou as relações de
gênero e o controle do corpo a partir da análise do
Fuero de Cuenca, texto jurídico ibérico do século XII.
Como não tivemos acesso ao texto completo nem
conseguimos contatar o autor, não sabemos que au-
tores teóricos fundamentaram suas reflexões.
Em fevereiro de 2001, a Prof.ª Ms. Valéria Fer-
nandes da Silva teve sua dissertação de mestrado, Rela-
ções de gênero no processo de construção do Mosteiro de São
Damião, por mim orientada, apresentada e aprovada
no Programa de Pós-graduação em História Social
(PPGHIS) da UFRJ. Acompanhando a professora
Valéria desde a graduação, juntas aceitamos o desafio
de empregar a categoria gênero em seu trabalho de
mestrado. Neste sentido, devo a esta minha ex-ori-
entanda o despertar do meu interesse pelos estudos
de gênero.
Em seu trabalho, desenvolvido junto ao Programa
de EstudosMedievais da UFRJ, Valéria F Silva voltou-
se para os primórdios da Segunda Ordem Franciscana
a partir do estudo das normas que o papado impôs à
primeira comunidade de seguidoras de Francisco que
se fixaram na Igreja de São Damião, em Assis, desde
o início da comunidade até alguns anos após a morte
de Clara. Ela analisa, em perspectiva comparativa, as
regras beneditina e franciscana e as formas de vida32
de Hugolino, de Inocêncio IV e de Clara de Assis,
empregando a categoria gênero tal como a define Joan
Scott.
Segundo destaca a autora, a tensão entre estes do-
cumentos é evidente, já que as regras, escritas origina-
riamente para grupos de homens, apresentam normas
que se chocam com as adaptações presentes nas for-
mas de vida redigidas especificamente para as mulheres
e que respondiam a necessidades históricas imediatas.
Valéria F. Silva conclui que na primeira metade do
século XIII foram estabelecidas interdições compor-
tamentais diferenciadas para os seguidores de Francisco
sociológica e outra de caráter
mais filosófico e linguístico,
o que é muito frequente entre
os que se dedicam ao estudo
de gênero em todo o mundo.
Esta questão, inclusive, tem
sido tema de diversos artigos,
como os citados na nota 20.
29 Dentre outros, O corpo dos
pecados: as representações fe-
mininas nos reinos ibéricos.
Textos de História. Brasília, v. 9,
n. 1/2, p. 13-30, 2001; Outros
olhares sobre a jograria ibérica
urbana. História Revista. Goiâ-
nia, v. 5, n. 1/2, p.71-88, 2000;
Práticas mágicas nos reinos
ibéricos medievais. Estudos de
História. Franca-SP, v. 6, n. 2, p.
11-22, 1999.
30 Op. cit., p. 120.
31 SANTOS, D. O. A. dos. Egéria
a peregrina numa carta de Va-
lerio de Bierzo. In: MALE-
VAL, Maria do Amparo Tava-
res (Org.). Encontro Interna-
cional de Estudos Medievais,
3, Rio de Janeiro, 7 a 9 de ju-
lho de 1999. Anais... Rio de
Janeiro: Ágora da Ilha, 2001.
p. 566-569.
32 A diferença entre regras e
formas de vida é um aspecto
destacado na dissertação da
professora Valéria F. Silva. As
regras são textos reconhecidos
oficialmente pela Igreja e que
apresentam as normas de co-
mo um determinado grupo
de pessoas, dedicados a vida
religiosa, devem viver. Elas
também fornecem base jurí-
dica para o reconhecimento
formal deste grupo. As for-
mas de vida também são tex-
tos de caráter jurídico, exigido
o reconhecimento oficial da
Igreja, que porém pode ser
concedido por um bispo ou
cardeal Possui caráter comple-
mentar, funcionando como
uma espécie de complemen-
to à regra, adaptando-a a situa-
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004 97
com vistas ao controle da prática religiosa, criando
um discurso de gênero que buscava integrar homens
e mulheres em um sistema de regras construídas, assi-
métricas e hierarquizadas.33
Atualmente ela cursa o doutorado no Programa
de Pós-graduação em História da UNB, pesquisando
sobre a orientação da Prof.ª Dr.ª Tânia Navarro Swain.
Como o título provisório de sua pesquisa revela, A
Maternidade nos Escritos Franciscanos do Século XIII – Uma
Abordagem de Gênero, continua a refletir sobre o me-
dievo empregando a categoria gênero. Ainda em está-
gio inicial, a pesquisa tem como objetivo estudar o
processo de construção e disseminação de um modelo
ideal de maternidade, e por extensão de um feminino,
através dos textos hagiográficos, em especial aqueles
produzidos no seio da Ordem Franciscana durante o
século XIII.
Em março de 2003, a dissertação de mestrado Os
atributos masculinos das santas na Legenda Áurea: os casos de
Maria e Madalena, redigida pela Prof.ª Ms. Carolina Coe-
lho Fortes sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Leila Rodri-
gues da Silva, foi apresentada e aprovada no Programa
de Pós-graduação em História Social (PPGHIS) da
UFRJ. Como esta pesquisa foi desenvolvida no âmbito
do Programa de Estudos Medievais da UFRJ, pude
acompanhá-la sistematicamente.
Em sua dissertação, Carolina Fortes analisou a obra
Legenda Áurea de Tiago de Vorágine, frade dominicano
do século XIII. Seu objetivo era discutir como este
autor caracterizou as santas e santos em sua obra. Para
tanto, estudou as vidas de dois homens, Domingos e
Vicente, para depreender seu perfil de santidade e
contrapô-lo ao das santas Madalena e Maria, conside-
radas pela autora como representativas dos modelos
do feminino no cristianismo.
A autora defendeu que em sua caracterização da
santidade feminina, Tiago acabou por masculinizar as
santas, ou seja, atribuiu a elas traços considerados mas-
culinos na sociedade medieval ocidental, ainda que as
ções específicas ou comple-
mentando-as nos casos em
que aquela é omissa.
33 Como etapas do desenvolvi-
mento desta pesquisa ou
seus desdobramentos, a pro-
fessora Valéria F. Silva publi-
cou Gênero e discurso: descons-
truindo as fontes do primeiro século
francicano. In: Tecendo Saberes.
Rio de Janeiro: CFCH-UFRJ,
2000 (CD-ROM); No limiar
da exclusão: das relações entre
damianitas e o papado (1215-
1223). In: MALEVAL, M. A.
T. (Org.). Encontro Interna-
cional de Estudos Medievais,
3, 7 a 9 de julho de 1999.
Anais... Rio de Janeiro: Ágora
da Ilha, 2001. p. 609-613; Sa-
ber e gênero: discutindo o lugar do
“saber intelectual” para os fran-
ciscanos nos escritos de Tomás de
Celano. In: SILVA, Andréia
Cristina Lopes Frazão da,
SILVA, Leila Rodrigues da
(Org.) Semana de Estudos
Medievais, 4, 14 a 18 de maio
de 2001. Rio de Janeiro: Pro-
grama de Estudos Medievais,
2001. p. 304-309; O poder da
fala e a imposição do silêncio: exer-
cício da religiosidade laica e restri-
ções de gênero no século XIII, em
co-autoria com o Prof. Ms.
Marcelo Pereira Lima, In:
COSTA, S., SILVA, A. C. L. F.,
SILVA, L. R. A tradição monásti-
ca e o franciscanismo. Rio de Ja-
neiro: Programa de Estudos
Medievais - Instituto Teológi-
co Franciscano, 2003, p. 153-
161; Gênero e Hagiografia: Clara
de Assis e a Construção de um
novo modelo de santidade feminina
no século XIII. In: Seminário
Nacional Mulher e Literatu-
ra, 9, 22, 23 e 24 de agosto de
2001. Atas... Belo Horizonte:
UFMG, 2002. CD-ROM.
Reflexões sobre o uso da categoria gênero nos estudos de História Medieval no Brasil (1990-2003)
98 Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004
tenha mantido com várias de suas características femi-
ninas. A autora concluiu que o padrão de santidade
apresentado pelo hagiógrafo dominicano pressupunha
uma valorização dos elementos considerados mascu-
linos naquela sociedade, que foram alçados à esfera
de perfeição. Assim, o único meio das mulheres serem
reconhecidas por sua santidade seria negando os atri-
butos considerados como naturalmente femininos
naquela sociedade e incorporando, à sua conduta, os
masculinos.
Há que ressaltar que, em sua introdução, fica clara
a sua cautela em empregar a categoria gênero, seguin-
do as propostas teóricas de Joan Scott. Nesse sentido,
questionou: “é possível aplicar o conceito gênero ao
período medieval, já que a quase totalidade das obras
escritas o foram por homens?” A autora saiu deste
impasse apontando que estudar gênero em perspetiva
histórica, sobretudo em um período em que a docu-
mentação é escassa e em sua grande maioria de auto-
ria de homens, não significa que o pesquisador tenha
que contemplar, necessariamente, tanto a visão da mu-
lher quanto a do homem sobre um determinado assun-
to, mas comparando perspectivas diferenciadas sobre
os gêneros. No caso, vidas de santos e de santas.34
Além das dissertações e teses apresentadas, destaco
o desenvolvimento de dois projetos de pesquisa. O
primeiro, A ginecofobia medieval: mulher, sexualidade e relações
de gênero nos contos dos séculos XIII e XIV, realizado entre
março de 1997 a fevereiro de 1999, pelo Prof. Dr.
José Rivair Macedo, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, com o apoio financeiro do CNPq
através de uma Bolsa de Produtividade em Pesquisa.
O objetivo da pesquisa era analisar a forma como
as relações entre homens e mulheres são representados
nos fabliaux, nos contos narrativos cômicos dos sécu-
los XIII e XIV,dando destaque à sexualidade feminina
e ao tratamento dado ao adultério.
Segundo informações remetidas pelo pesquisador,
como principais resultados desta investigação já foram
34 Enquanto realizava sua dis-
sertação de mestrado, Caro-
lina Coelho Fortes teve seu
texto, O corpo e o sagrado,
publicado. Nele, a autora dis-
cute como, durante o medie-
vo, os homens e mulheres
utilizavam seu corpo de for-
ma diferenciada na busca pe-
lo sagrado. Cf. In: Jornada
Científica do CMS Waldyr
Franco, 3, 22 a 26 de outubro
de 2000, Rio de Janeiro. Atas
das 3ª e 4ª Jornadas Científicas do
CMS Waldyr Franco. Rio de Ja-
neiro: Prefeitura da Cidade
do Rio de Janeiro - Secretaria
Municipal de Saúde, Centro
de Estudos do CMS Waldyr
Franco, 2002. (CD-ROM)
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004 99
publicados dois trabalhos e um terceiro está no prelo.35
O artigo A face das filhas de Eva: os cuidados com a aparên-
cia num manual de beleza do século XIII,36 analisa o manual
de beleza Ornatus mulierum, datado do século XIII. A
partir desse documento, que apresenta diversas receitas
de beleza, realizando uma verdadeira confluência entre
os saberes circulantes no período, tanto formais como
populares, estes últimos dominados, sobretudo, pelas
mulheres, discute-se a visão feminina sobre seu próprio
corpo. Neste trabalho a categoria gênero não é empre-
gada e não é feita uma análise relacional ou compara-
tiva contrapondo a visão de homens e mulheres quanto
aos seus corpos. Sua abordagem, portanto, aproxima-
se da história das mulheres.
No texto Transgressão conjugal e mutilação sexual nos
fabliaux do Século XIII,37 a partir da análise do conto
Des treces, o autor traça considerações sobre as relações
de gênero no casamento, discutindo as diferentes res-
postas sociais na punição dos adúlteros, realçando o
caráter conflituoso, violento e desigual destas relações.
Apesar de usar o termo gênero como sinônimo de
sexo e não citar, no corpo do texto ou na bibliografia
final, autores teóricos que aplicam tal categoria, o autor
analisa uma obra literária, aponta para as relações
hierarquizadas de gênero e demonstra como, na socie-
dade ocidental em fins da Idade Média, as diferenças
culturais entre os sexos estavam bem marcadas, mas
também haviam pessoas que transgrediam as regras
de gênero hegemônicas.
O segundo projeto de pesquisa que desejo apresen-
tar, Santidade e Gênero na hagiografia mediterrânica do século
XIII: um estudo comparativo, é de minha autoria. Desde
1998, em função da decisão de orientar a pesquisa de
mestrado desenvolvida por Valéria Fernandes da Silva,
como já assinalado, comecei a estudar a categoria gêne-
ro.38 Só a partir de 2001 incorporei tal conceito como
uma das diretrizes teóricas de minhas pesquisas indi-
viduais. Assim, encaminhei para o CNPq o projeto de
pesquisa citado, sendo agraciada com uma bolsa PQ
35 Amor e adultério no Tristan, de
Béroul, a ser publicado no li-
vro organizado por Hilário
Franco Jr , O adultério na Idade
Média, em preparação.
36 A face das filhas de Eva: os
cuidados com a aparência
num manual de beleza do
século XIII. História (UNESP),
v. 17-18, p. 293-314, 1998-1999.
Disponível on line em www.
abrem.he.com.br
37 Transgressão conjugal e muti-
lação sexual nos fabliaux do
Século XIII”. In: MALEVAL,
M. A. T. (Org). Atualizações da
Idade Média. Rio de Janeiro:
UERJ-PPG de Letras, 2000.
p. 187-222 Disponível on line
em www.abrem.he.com.br.
38 Antes de 2001 eu já havia feito
algumas incursões pelo cam-
po da História das Mulheres.
Assim publiquei A mulher
segundo os clérigos medie-
vais: reflexões acerca de uma
exceção no Boletim do Núcleo de
Estudos de Gênero e Pesquisa sobre
a Mulher, Uberlândia, ano 6, n.
12, p. 1-2, 2º semestre de 1998;
e resenhas das obras M. BAR-
TOLI, Clara de Assis, na Signum,
São Paulo, ano 1, n.º 1, p. 235 -
239, 1999, e Hambly, Gavin R.
G., ed., Women in the Medieval
Islamic World: Power, Patronage,
Piety, em português em Gênero
em Pesquisa, Uberlândia, n. 14,
ano 7, p. 3-8, 2º semestre de
1999 e em inglês em The Medie-
val Review, University of Mi-
chingan, 99.08.15 [www.hti/
umich.edu/b/bmr/]. No ano
passado voltei à temática, es-
crevendo Hildegarda de Bin-
gen e as Sutilezas da Natureza
das Diversas Criaturas, traba-
lho apresentado na IV Jornada
Científica do Waldyr Franco
e publicado nas Atas do even-
Reflexões sobre o uso da categoria gênero nos estudos de História Medieval no Brasil (1990-2003)
100 Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004
nível 2C em agosto do mesmo ano.
A pesquisa analisa, em perspectiva comparativa, as
obras redigidas por dois contemporâneos: Gonzalo
de Berceo, clérigo secular e poeta que viveu no Reino
de Castela, e Tomás de Celano, natural do Reino de
Sicília e franciscano. Dentre o conjunto da produção
destes hagiógrafos, optamos por analisar os poemas
berceanos Vida de Santo Domingo de Silos (VSD) e a Vi-
da de Santa Oria (VSO) e as obras Vida I (1 Cel), a
Vida II (2 Cel) e a Legenda de Santa Clara (LSC), re-
digidas por Celano.
A VSD narra a biografia de Domingo, que foi,
sucessivamente, clérigo secular, eremita, prior do
mosteiro emilianense e abade reformador do cenóbio
de Silos. Já a VSO relata a vida de Oria, que, muito
jovem, tornou-se reclusa no mosteiro de la Cogolla.
A 1 Cel e 2 Cel apresentam a biografia e milagres de
Francisco de Assis, fundador da Ordem Franciscana,
e a LSC, a trajetória e os feitos milagrosos de Clara, a
primeira mulher a seguir os ideais franciscanos.39
A biografia e a produção hagiográfica de Berceo
e Celano possuem traços comuns: ambos viveram e
produziram suas obras na primeira metade do século
XIII; eram cultos; escreveram sobre santos e santas
que foram contemporâneos e atuaram na mesma área
geográfica. Porém, não obstante as diversas semelhan-
ças, faz-se necessário destacar, também, as particulari-
dades. O hagiógrafo ibérico compôs suas obras em
romance, em forma de versos, a pedido de um mostei-
ro que seguia a regra beneditina, celebrizando santos
locais que viveram dois séculos anteriores à redação
dos poemas e voltadas para um grande público. Quan-
to às obras de Celano, foram escritas em latim; em
prosa; a pedido de autoridades eclesiásticas; narra a
biografia e os feitos maravilhosos de santos que conhe-
ceu e para os quais aspirava o reconhecimento universal
e tinham, como principal objetivo, divulgar, sobretu-
do entre o corpo eclesial e os próprios membros da
nascente Ordem Franciscana, o culto aos santos recém
to em CD-ROM ( Atas das 3ª e
4ª Jornadas Científicas do CMS
Waldyr Franco. Rio de Janeiro:
Prefeitura da Cidade do Rio
de Janeiro - Secretaria Muni-
cipal de Saúde, Centro de
Estu-dos do CMS Waldyr
Franco, 2002).
39 Discutiu-se, durante algum
tempo, quem seria o autor
desta legenda. Pelas caracterís-
ticas estilísticas, concluiu-se
que foi Tomás de Celano, hi-
pótese que hoje é consenso
entre os pesquisadores. So-
bre o debate quanto a autoria
da LSC ver BARTOLI, M.
Clara de Assis. Petrópolis: Vo-
zes, 1998, p. 17, nota 24, e
URIBE, F. Introducción a las
hagiografías de San Francisco y
Santa Clara de Asís (siglos XIII
y XIV) . Murcia: Espigas,
1999. p. 461-462.
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004 101
canonizados oficialmente pela Igreja.
Nossa pesquisa tem como principal objetivo rela-
cionar o espaço de produção das VSD, VSO, 1 Cel, 2
Cel e LSC, a formação intelectual e a inserção na Igreja
de Gonzalo de Berceo e Tomás de Celano e os discur-
sos de gênero, à luz dos seguintes aspectos: as mudanças
nas concepções de santidade verificadas entre os sé-
culos XII - XIIII, a propagação, no século XIII, do
projeto de sociedade idealizado pela Igreja sob a lide-
rança papal, o crescimento da vida religiosa feminina
e a sistematização do pensamento misógino eclesiástico
ocidental neste mesmo período.
Em nosso estudo, estamos articulando as categorias
gênero e santidade. Entendemos por santidadeo con-
junto de comportamentos, atitudes e qualidades que
num determinado lugar e tempo são critérios para
considerar um indivíduo como venerável, seja pelo
reconhecimento oficial pela Igreja ou não. Ou seja,
trata-se de um saber, uma construção histórica, que
ganha nuanças e particulariza-se em diferentes culturas,
espaços e períodos, assim como o gênero. No caso
específico de nossa investigação, queremos discutir
como uma dada concepção de santidade, que estava
ao alcance de homens e mulheres nas sociedades me-
diterrânicas ocidentais no século XIII, foi apreendida
e direcionada a cada gênero. Quanto à categoria gênero,
adotamos a definição, pautada em Joan Scott e Jane
Flax, já apresentada neste artigo.
Trata-se de uma pesquisa original, já que não exis-
tem trabalhos que se preocuparam em comparar, de
forma sistemática, a obra destes dois hagiógrafos, nem
os analisaram sob a abordagem que escolhemos.40
Defendemos, como hipótese principal, que nas
obra em análise, os hagiógrafos ressaltam as nuanças
e particularidades da vida de homens e mulheres consi-
derados santos, apontando que o caminho para a san-
tidade pressupunha condutas específicas para cada
gênero culturalmente instituídos.
Como resultado do desenvolvimento destas pes-
40 Em nosso levantamento bi-
bliográfico preliminar não
encontramos nenhum traba-
lho que compare as obras de
Gonzalo de Berceo e Tomás
de Celano. Localizamos al-
guns textos, sobretudo arti-
gos, que comparam aspectos
isolados da obra de Gonzalo
de Berceo com a de outros
hagiógrafos, sobretudo ibéri-
cos. No caso da obra de Cela-
no, os trabalhos comparati-
vos são ainda mais raros. En-
contramos alguns poucos
exemplares que, em sua maio-
ria, contrapõem as obras de
Celano às de outros hagió-
grafos franciscanos. Estes tra-
balhos, contudo, não objeti-
vam conhecer o pensamento
do hagiógrafo, mas recons-
truir a biografia do santo de
Assis. Quanto a estudos em-
pregando o conceito de gê-
nero, encontramos alguns
poucos trabalhos. O interes-
sante é que os autores dos
materiais encontrados só se
detiveram na análise das vidas
das santas selecionadas. Além
disso, tratam de aspectos iso-
lados, não se configurando
como trabalhos sistemáticos.
Reflexões sobre o uso da categoria gênero nos estudos de História Medieval no Brasil (1990-2003)
102 Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004
quisas foram produzidas comunicações apresentadas
em eventos científicos41 e realizada uma conferência,42
bem como foram redigidos textos,43 dois já publica-
dos.44 Vamos nos deter nas conclusões parciais pre-
sentes nesses textos já publicados.
Em Reflexões metodológicas sobre a análise do discurso em
perspectiva histórica: paternidade, maternidade, santidade e gê-
nero, o objetivo era traçar algumas reflexões sobre o
conceito de discurso, em especial dos discursos de
gênero, apontando um possível caminho para a sua
análise histórica. Neste sentido, incluí no texto um
exemplo prático de estudo dos discursos, escolhendo
como unidade de análise o relacionamento dos santos
e santas com seus pais, ou seja, a paternidade e a mater-
nidade.
Verificamos que, em sua enunciação, Gonzalo de
Berceo materializa um discurso de gênero, no qual há
uma associação entre a santidade dos genitores e a de
seus filhos, e que só se faz possível devido à liderança,
moral e espiritual, dos homens na família, seguindo o
topos hagiográfico da santidade herdada, típico de tais
obras, e que reafirma o caráter hierárquico das relações
de gênero no seio das organizações familiares na Ida-
de Média.
Quanto a Celano, na 1 Cel, utilizando o topos da
santidade herdada às avessas, o autor adverte sobre a
má influência dos pais na formação dos filhos, defen-
dendo que o pecado do pai, como o da mãe, é a raiz
dos pecados dos filhos. Na 2 Cel, a figura da mãe de
Francisco é realçada, mas não é feita nenhuma associa-
ção entre a santidade do filho e a santidade da mãe.45
Assim, sem associar a santidade de Francisco à educa-
ção recebida por seu pai, parece preferir omitir este
elemento. O discurso de gênero, neste caso, materializa-
se por meio do silêncio.
Na LSC, obra voltada para um público feminino,
há destaque para a mãe da santa, que, apesar de casada,
é vista como uma mulher piedosa. Segundo a obra,
ela teria imprimido tal piedade à filha, que se tornou
41 Reflexões sobre os discursos de gê-
nero e a representação do corpo na
hagiografia mediterrânica do sécu-
lo XIII, comunicação apre-
sentada no Ciclo de Debates
do LHIA-UFRJ, em novem-
bro de 2002; A vida monástica
e as diretrizes de gênero na obra
berceana, comunicação apre-
sentada no V EIEM na UFBA,
em julho de 2003.
42 Gênero, Corpo e Sexualidade na
Península Ibérica Medieval: uma
leitura das obras Vida de Santo
Domingo de Silos e Vida de Santa
Oria, palestra proferida na
UERJ em novembro de 2002.
43 Encontra-se no prelo Represen-
tações da morte em Tomás de Celano,
a ser publicado pelo Centro
de Memória do Oeste de Santa
Catarina nos Cadernos do CEOM,
nº 16, no dossiê Representa-
ções do corpo e da morte.
Este artigo foi escrito em par-
ceria com minha orientanda
Elisabeth da Silva Passos e dis-
cute a forma como o hagió-
grafo Tomás de Celano repre-
senta as mortes de Francisco e
Clara de Assis, um homem e
uma mulher considerados
santos, a partir de diretivas de
gênero e à luz das relações de
poder no seio da Ordem Fran-
ciscana e da Igreja Romana.
44 Reflexões Metodológicas so-
bre a análise do discurso em
perspectiva histórica...., op. cit.;
Moda, santidade e gênero na
obra hagiográfica de Tomás
de Celano. In: COSTA, S.,
SILVA, A. C. L. F., SILVA, L. R.
A tradição monástica e o francisca-
nismo. Rio de Janeiro: Programa
de Estudos Medievais - Insti-
tuto Teológico Franciscano,
2003, p. 230-239.
45 Há que destacar que fazer uma
relação entre a santidade de
Francisco com a de seu pai
era, certamente, impossível, já
que os conflitos entre os dois
eram de conhecimento geral.
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004 103
uma virgem consagrada a Deus, aperfeiçoando, de
certa forma, a vivência da fé ensinada por sua mãe.
Assim, na relação entre Clara e Hortolana os dois
modelos ideais de comportamento feminino, a mu-
lher casada devotada à fé e aos filhos e a virgem de-
dicada a Deus, fazem-se presentes na enunciação de
Celano, voltada prioritariamente às mulheres, seguindo
os discursos de gênero presentes naquela sociedade.
No artigo Moda, santidade e gênero na obra hagiográfica
de Tomás de Celano, o objetivo é analisar os textos deste
hagiógrafo contemporâneo ao nascimento da moda
no Ocidente,46 a partir das duas categorias principais
de análise que temos empregado em nossas investiga-
ções: santidade e gênero.
Mesmo tendo ingressado em uma ordem mendi-
cante, e talvez até por ter abraçado os ideais francis-
canos, Tomás de Celano não pôde ignorar esta con-
juntura. A forma como ele apreendeu o surgimento
da moda e os atos de Francisco e Clara face à produ-
ção, comércio e consumo das indumentárias ficaram
registradas em suas obras. Como outros hagiógrafos
contemporâneos, ele considerou a renúncia à moda
como uma expressão de santidade. Contudo, ele in-
terpretou esta renúncia com diretivas de gênero: para
Francisco, abandonar as vestes suntuosas foi, sobre-
tudo, um símbolo de sua opção pela pobreza; para
Clara, foi signo da negação de sua sexualidade.
Finalizando esta apresentação, gostaria ainda de
destacar as conclusões do artigo Entre a Pintura e a
Poesia: o nascimento do Amor e a elevação da condição feminina
na Idade Média, escrito pelo Prof. Dr. Ricardo da Costa,
do Departamento de História da Universidade Fede-
ral do Espírito Santo e por Priscilla Lauret Coutinho,
aluna do curso de graduação em História desta mes-
ma universidade. Sem utilizar o termo ou a categoria
gênero, os autores estudam o nascimento do amor
nos séculos XII-XIII. Ao fazê-lo, apresentam diferentes
construções culturais sobre as relações entre homens
e mulheres, a partir da análisede documentos icono-
46 Dentre outras acepções, mo-
da pode ser definida como
“conjunto de usos coletivos
que caracterizam o vestuário
de determinado grupo hu-
mano num dado momento;
a indústria ou o comércio da
roupa; história, desenvolvi-
mento e produção da roupa”.
É neste sentido, de fenôme-
no associado à produção, co-
mércio, consumo e transfor-
mações na indumentária, que
podemos afirmar que a moda
surgiu na chamada Baixa Ida-
de Média. NOVO Aurélio. O
Dicionário da Língua Portugue-
sa. Século XXI. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2000 (CD-
ROM); DICIONÁRIO eletrônico
Houaiss da língua portuguesa 1.0.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2001
(CD-ROM).
Reflexões sobre o uso da categoria gênero nos estudos de História Medieval no Brasil (1990-2003)
104 Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004
gráficos (iluminuras e uma tapeçaria) e escritos. Sem
configurar-se como um estudo de gênero, o mérito
deste trabalho é justamente questionar a “monocórdia
imagem misógina no período”, contribuindo, assim,
para desconstruir os discursos de gênero hegemônicos
no período medieval que enfatizam apenas a produção
clerical, oferecendo assim uma visão parcial da imagem
feminina do período em questão.
Fazendo um balanço dos dados encontrados, po-
demos apontar que, a despeito do avanço dos estudos
medievais, esta área ainda não está definitivamente
consolidada em nosso país. No campo específico da
História da Idade Média, no qual nos detivemos, ainda
há muito o que ser explorado, tanto em termos temá-
ticos, quanto em formas de abordagem, documentos
a serem analisados, e na aplicação de diferentes teorias,
métodos e técnicas de pesquisa, incluindo aí o uso da
categoria gênero.
Pelos dados inventariados, que representam uma
amostragem qualitativa do que vem sendo pesquisado
no Brasil no campo da História Medieval, podemos
concluir que as pesquisas que incorporam a categoria
gênero começaram a surgir em meados da década
passada, mas ainda são quase pontuais. Em muitos
casos, são trabalhos de conclusão de curso, como dis-
sertações e teses, realizados como etapas da formação
intelectual e nos quais há, efetivamente, a motivação
para estudar temáticas ainda pouco desenvolvidas e
aplicar teorias e métodos ainda não convencionais.
Muitos destes trabalhos já ganham visibilidade nacional,
já que suas conclusões foram apresentadas em eventos
como os EIEM ou publicadas em periódicos de cir-
culação nacional ou na internet, porém ainda não ultra-
passaram as fronteiras nacionais.
As pesquisas encontradas foram desenvolvidas por
pesquisadores isolados e dispersos espacialmente (USP,
UFG, PUCSP, UFRGS, UFRJ, UNB). O Pem da
UFRJ é o núcleo que concentra o maior número de
trabalhos, 3 dentre os 7 citados, ainda que não se con-
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004 105
figure como um centro específico para os estudos
medievais de gênero.
Nestas investigações, Joan Scott apresenta-se como
a teórica mais influente, o que pode ser explicado pelo
fato dela ser uma historiadora e ter sido uma das pri-
meiras autoras a refletir, de forma sistemática, sobre
o uso da categoria gênero nas investigações históri-
cas.47 Entretanto, é marcante a oscilação teórica, em
muitos destes trabalhos, entre os estudos de gênero
de matriz sociológica e os de caráter filosófico e lite-
rário. Em outros casos, ainda que a abordagem se
aproxime da dos estudos de gênero pós-modernistas,
isto é feito de forma tímida, já que a categoria sequer
figura nos textos.
Como explicar o desinteresse dos historiadores
brasileiros dedicados ao estudo da Idade Média pelo
uso da categoria gênero? Em primeiro lugar, destaco
o próprio caráter ainda marginal dos estudos medie-
vais em muitas universidades do país. Mantendo os
velhos argumentos de que no Brasil não houve Idade
Média, ou que não há documentação e bibliografia
disponíveis para a realização de pesquisa, muitos de
nossos colegas historiadores desqualificam as pesquisas
desenvolvidas sobre o medievo no Brasil. As próprias
dificuldades inerentes à formação do medievalista
nacional também levam a que muitos desistam no meio
do caminho. Assim, se há poucos trabalhos sobre a
Idade Média, logo teremos também poucos trabalhos
que priorizem o gênero.
Em segundo lugar, os estudos de gênero estão ain-
da associados, mesmo nos meios acadêmicos, aos mo-
vimentos feministas ou a grupos de homossexuais e
lésbicas, e não são vistos como uma opção teórica.
Além disso, muitos questionam a aplicabilidade desta
categoria para os estudos medievais, pautados, sobre-
tudo, no caráter relacional dos estudos de gênero e na
ausência de documentação em que a voz feminina pos-
sa ser ouvida. Estes autores, porém, esquecem que o
gênero está presente em todos os aspectos da experiên-
47 Os trabalhos de Joan Scott
são a principal referência te-
órica para os historiadores
em geral que estudam as ques-
tões de gênero no Brasil.
Reflexões sobre o uso da categoria gênero nos estudos de História Medieval no Brasil (1990-2003)
106 Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004
cia humana, constituindo-os parcialmente, e portanto,
possível de ser analisado a partir de qualquer vestígio
do passado. Em terceiro lugar, aponto para a pouca
discussão e aprofundamento das questões teóricas nos
trabalhos. O termo gênero é utilizado, mas as análises
oscilam entre as abordagens pós-modernistas e ilu-
ministas.48 Esta inconsistência teórica, em grande parte,
pode ser explicada pelo fato de que os(as) historiado-
res(as) brasileiros(as) são profundamente influencia-
dos(as) pelos(as) medievalistas franceses e, como já
assinalamos neste artigo, os estudos de gênero não
tiveram grande acolhida na França. Grande parte dos
trabalhos desenvolvidos no país sobre a temática gê-
nero repousam suas reflexões em obras como as de
George Duby, Cavaleiro a mulher e o padre, Idade média,
idade dos homens, Eva e os padres, Heloísa, Isolda e outras
damas do século XII. Tais estudos, porém, não questio-
nam as categorias de mulher e homem culturalmente
construídas e privilegiam o estudo das mulheres e do
feminino, em abordagens generalizantes e descritivas,
o que é rejeitado pelos estudos de gênero.49 Em contra-
partida, pouca acolhida ainda tem entre os medievalistas
brasileiros a historiografia anglo-saxã, que efetivamente
tem produzido estudos de gênero. Acredito que com
a expansão da internet, este quadro tenderá a ser supe-
rado nos próximos anos. E sinais desta mudança co-
meçam a aparecer. Assim, já é possível encontrar, em
alguns textos nacionais, reflexões e citações de trabalhos
de medievalistas americanos que utilizam a categoria
gênero em suas pesquisas, como Caroline Bynum,
Catharine M. Mooney e Sarah Salih.
Concluindo, ainda há um grande campo para os
estudos medievais no Brasil e o emprego da categoria
gênero poderá revolucionar as pesquisas. Pautando-
se no estudo do qualitativo e do particular, valorizando
a perspectiva do investigador e o trabalho analítico,
dialogando com os especialistas estrangeiros, os estu-
dos de gênero podem ser desenvolvidos no Brasil e
ganhar respeitabilidade internacional a despeito das
48 Sobre os paradigmas ilumis-
tas e pós-modernistas em
História ver CARDOSO, C.
F. História e Paradigma Rivais.
In: ___. e VAINFAS, R. Domí-
nios da História: ensaios de teoria
e metodologia. Rio de Janeiro:
Campus, 1997. p. 1-23.
49 Uma interessante critica pós-
modernista aos trabalhos de
George Duby pode ser en-
contrada no texto SILVA,
Paulo Thiago S. Gonçalves
Idade Média, idade das “tre-
vas”? Uma análise sobre a
historiografia das mulheres
medievais, publicado on line
no número 1-2, julho/de-
zembro 2002, da revista La-
brys, Estudos Feministas, dispo-
nível em www.unb.b/ih/his
/gefem.
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
Caderno Espaço Feminino, v. 11, n. 14, Jan./Jul. 2004 107
muitos dificuldades que se impõe aos medievalistas
em nosso país.50
50 Agradeço aos professores
Elias Nunes Frazão, Leila
Rodriguesda Silva, e Maria
Cristina Correia Leandro
Pereira, que gentilmente
leram os originais deste ar-
tigo e deram excelentes su-
gestões.

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