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A ~átlca do Plolcorerapio . ·. . Infantil . · .. · . , : EIZIRIK; AOUI-}1! & SCHEsTATSKY • Palcot.>rapla de Orienta. :·:·". _, çao·Aharltlca ·Teoriae~tjca . '.ETCHEGOYEN, R. Honlclo•F\mdamentO<idaTknica Palcanalítica · ~ :·oABà'AAi>; Olen • PalqUiatria P.aioodinâmica na Prática Clinico ' -' .GIOVACCHINJ,'Poter. Tátlciu e T<lcnicu Paicanaliticaa: D. W • . Wlnnic:Ctt • Tomo lll · :GRANA, RobertO & Cols. ! Técnlca Paiooterápica na Adolescência .. -.,ORE.ENSPAN. A Entreviaía Clinico com a Crionça · :. ·HORNSTEIN,-Luiz • Cura·Palcanalítlca a Sublimoçio ·., ~: ' KERI'lBERG, -p,, .& . CHAZAN, S. • Monual de Paicorerapia de ,. · · -' Cíiançu com Tritnot.o~o 4& Conduta ·KERNBERG,.Otto F., Agreodo nos Transtomoo de Poroonoli· -:: · dade e naa.Pervel'8Ôél - ·. ·. : : •. K&RNBERG, Ott.o F: • Condições Bor<krliM & Narcioismo · Pat.o16gioo . .-. ~ -KERNBERO, Otlil·F .• Ploicopatologia du Relações Amorosa• ~_. · KBRNBERO, Ott.o F. ~. ~iooteropla Ploi09'flnimica de Pacienre• F •• Tranatom03 Gravea do Poroonalidade ,, .. ~,~··~~,, .u••• " ''" • Paicoter'apla de Depreosiio a Paicanálloe .~J:CUSINÊTz<OFlP, Juai>:Càrj,~• • Plicoterapia Breve na Adolescência Pl.icoterapia ;;~aic<>tei·apiiaBreva ·A Téeniea Focal 1- .:; TRANSTORNOS GRAVES DE PERSONALIDADE estratégias psicoterapêuticas Otto F. Kernberg Tradução: Rita de Cássia Sobreira Lopes Doutoranda em Psicologia pela Universidade de Londres Consultoria, coordenação e supervisão desta edição: Adriane Kiperman Psicóloga 4RTES IVEDICAS PORTO ALEGRE, 1995 Publicado originalmente em inglês, sob o título SEVERE PERSONALITY DISORDERS: PSYCHOTHERAPEUTIC STRA TEGIES © Yale University-Press, 1984 New Haven and London Capa: Mário Rohnelt ~ ' :: Preparação do original: Flávio Dotti Cesa, Leda Kiperman, Márcia Camargo Supervisão editorial: Letícia Bispo Composição e arte: LASER HOUSE - m.q.o.f Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à EDITORA ARTES MÉDICAS SUL LTDA. Av. Jerônimo de Ornelas, 670- Fones (051) 330-3444 e 330-2183 ·FAX (051) 330-2378-90040-340 Porto Alegre, RS, Brasil LOJA CENTRO Rua General Vitorino, 277 - Fone (051) 225-8143 90020-171 Porto Alegre, RS, Brasil IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL À MEMÓRIA DOS MEUS PAIS Leo e Sonia Kernberg e À MEMÓRIA DO MEU PROFESSOR E AMIGO Dr. Carlos Whiting D' Andurain Prefácio São dois os meus objetivos neste livro. O primeiro é o de apresentar extensões dos achados e formulações contidas no meu trabalho anterior, com ênfas·e especial sobre aspectos do diagnóstico e do tratamento de casos graves de patologia borderline e narcisista. O segundo é o de examinar outros desenvolvimentos recentes relativos a estas questões no campo da psiquiatria clínica e da psicanálise e o de revisá-los criticamente à luz do meu pensamento atual. Uma preocupação especial refletida por todo livro é o desejo de tornar as minhas formulações teóricas clinicamente relevantes e, particularmente, de fornecer ao clínico instrumentos técnicos para diagnosticar e tratar estes casos difíceis. Com esta finalidade, começo tentando reduzir a confusão numa área muito difícil através da descrição de um modo específico de diagnóstico diferencial e uma técnica para conduzir o que chamo de entrevista diagnóstica estrutural. Também estabeleço ligações entre aquela técnica e os critérios para o prognóstico e o tipo de tratamento mais apropriado para cada caso. Especifico, então, as estratégias de tratamento para pacientes borderline, dando atenção particular aos casos mais graves. Nesta seção do livro incluo um exame sistemático da psicoterapia expressiva e psicoterapia de apoio, ambas derivadas de um referencial psicanalítico. Em vários capítulos sobre o tratamento da patologia narcisista, enfatizo os desenvolvimentos da técnica que achei úteis para lidar com resistências de caráter graves e difundidas. Uma outra área problemática do tratamento é a do manejamento do paciente não-responsivo ou difícil: como manejar com sucesso os impasses no tratamento, como lidar com pacientes que com persistência ameaçam suicídio, como diferenciar pacientes anti-sociais tratáveis dos intratáveis, como responder aos pacientes com vi vii regressões paranóides na transferência que parecem beirar a psicose. Estas são algumas questões tratadas na ·quarta parte. Finalmente, ofereço um modelo de tratamento hospitalar para pacientes que requerem hospitalização prolongada, que se baseia em modelos de tratamento anteriores, apesar de deles diferirem um pouco. Este livro é, então, basicamente clínico. O meu objetivo é o de munir o psicoterapeuta e o psicanalista de um amplo arsenal de técnicas psicoterapêuticas . específicas. Ao mesmo tempo, no contexto de dados clínicos relevantes, descrevo as minhas contribuições teóricas anteriores relativas à psicopatologia da fragilidade egóica e à difusão da identidade com novas hipóteses concernentes à patologia grave do superego. Este volume, portanto, contém os últimos desenvolvimentos na psicologia do ego e na teoria das relações objetais. Agradecimentos As elaborações teóricas referidas no prefácio apóiam-se fortemente no trabalho mais recente de Edith Jacobsq~. Suas formulações e a investigação e aplicação criativas destas formulações por Margaret Mahler a estudos do desenvol vimento infantil continuam a inspirar meu modo de pensar. Um pequeno grupo de psicanalistas ilustres e amigos próximos continuamen te forneceram-se feedback desafiador e crítico, mas aprobativo, que considero inestimável. Desejo agradecer em particular ao Doutor Ernst Ticho, com o qual tenho trabalhado em colaborações por 22 anos, e os Doutores Martin Bergmann, Harold Blum, Arnold Cooper, William Grossman, Donald Kaplan, Paulina Kernberg e Robert Mifhels, os quais não só me ofereceram generosamente seu tempo, mas também sentiram-se livres para discordar fortemente e apontar problemas em minhas formulações. Também agradeço aos Doutores William Frosch e Richard Munich pela sua revisão crítica do meu pensamento relativo ao tratamento hospitalar e à comunidade terapêutica, e aos Doutores Ann Appelbaum e Arthur Carr por sua infindável paciência para com meus pedidos de ajuda para formular minhas idéias com mais precisão. Finalmente, agradeço ao Dr. Malcolm Pines por seu incentivo à minha crítica à comunidade terapêutica e ao Dr. Robert Wallerstein por sua refletida crítica às minhas concepções à psicoterapia de apoio. Os doutores Stephen Bauer, Arthur Carr, Harold Koenigsberg, John Oldham, Lawrence Rock.land, Jessie Schomer, e Michael Selzer, da Divisão Westchester do New York Hospital, contribuíram para o desenvolvimento de metodologias de diagnóstico clínico envolvidas no diagnóstico diferencial da organização borderline de personalidade. Mais recentemente, eles, juntamente com os Doutores Ann Appelbaum, John Clarkin, Gretchen Haas, Paulina Kernberg, e Andrew Lotterman contribuíram para a definição operacional das diferenças entre as modalidades de viii ix tratamento expressiva e de apoio como parte de um projeto de pesquisas clínicas em andamento envolvendo as condições borderline. Expresso a minha gratidão a todos eles. Como antes, necessito absolver todos esses amigos, professores e colegas de qualquer responsabilidade por minhas formulações. Sinto-me profundamente agradecido à Sra. Shirley Grunenthal, Srta. Louise Taitt e Sra. Jane Carr pela paciência infindável na datilografia, revisão e organização das aparentemente infindáveis versões dos manuscritos. A Sra. Jane Carr, em particular, que passou a fazer parte do nosso staff apenas recentemente, demonstrou uma aptidão remarcável no desempenho dessas tarefas. A Srta. Lillian Wahrow, bibliotecária da Divisão de Westchester do New York Hospital, e seu staff, a Sra. Marilyn Bottjer e a Sra. Marcia Miller forneceram-me ajuda inestimável na pesquisa bibliográfica. Finalmente, a Srta. Anna Mae Artim, minha assistente administrativa, uma vez mais alcançou o impossível. Coordenou o trabalho editorial e a preparação do manuscrito; antecipou e preveniu infalivelmente inúmeros problemas possíveis; e, com seu modo alegre, mas inexorável, conseguiu cumprir prazos e, de alguma forma, assegurar a conclusão deste livro. Trabalhando, pela primeira vez, com a ajuda da minha editora nos anos mais recentes, a Sra. Natalie Altman, e da editora da Yale University Press, Sra. Gladys Topkis, encontrei-me na posição altamente privilegiada de ser vigiado e controlado a cada passo nos meus esforços para expressar meus pensamentos claramente e em um inglês aceitável. No processo, suspeitei, com freqüência, de que elas sabiam muito mais sobre psicanálise e psicoterapia do que eu. É impossível dizer o quanto eu estou extremamente agradecido a ambas. Foi assegurada a permissão para a reedição dos capítulos que se seguem. Capitulo 1: Adaptado The Structural Diagnosis of Borderline PersonalihJ Organization, em Borderline Personality Disorders, ed. P. Hartocollis, 1977, pp. 87-122. Publicado com permissão da lnternational Universities Press, Inc. Capítulo 2: Adaptado de Structural lnterviewing, Psychiatric Clinics of North America, 4:1,169-95, 1981; com p ermissão. Capítulo 3: Adaptado de The Diagnosis of Borderline Conditions in .Adolescence, Adolescent Psychiatry, 6 (1978): 298-319. Copyright 1978 pela Universidade de Chicago. Publicado com permissão da University o f Chicago Press. Capítulo 4: Adaptado de The Fate of Personality Disorders in Old Age, em Psychodynamic Research Perspective on. Development. PsychopathologJJ, and Treatment in La ter Life. ed. N. E. Miller e G. D. Cohen ( no prelo ). Publicado com permissão da International Universities Press, Inc. Capítulo 6: Adaptado de The Psychotherapeutic Treatment ofBorderline Personalities, em Psychiatry Update: Volume I, ed. L. Grinspoon. Washington D. C. American Psychiatric Association Press, Inc., 1982. Copyright 1982 American Psychiatric Association. Usado com permissão. Capítulo 7: Adaptado de Contrasting Approaches to the Psychiatn; of Borderline Conditions, em New Perspectives on Psychotherapy of the Borderline Adult, ed. f. F. Masterson, 1978, pp. 77-104. Publicado com permissão de Brunner\Mazel. Capítulo 8: Adaptado de Psychoanalytic Psychotherapy with Borderline Adolescents, Adolescent Psychiatry, 7 (1979): 294-321. Copyright 1979 pela Universidade de Chicago. Publicado com permissão da University of Chicago Press. Capítulo 9: Adaptado de Supportive Psychotherapy with Borderline Conditions, em Criticai Problems in Psychiatn;, ed. f. O. Cavenar e H. K. Brodie, 1982, pp. 180-202. Publicado com permissão da f. B. Lippincott Company. Capítulo 12: Adaptado de An Ego PsychologJJ and Object Relations Approach to the Narcissistic Personality, em Psychiatry Update: Volume I, ed. L. Grinspoon. Washington, D. C.: American Psychiatric Association Press, Inc., 1982. Copyright 1982 American Psychiatric Association. Usado com permissão. Capítulo 13: Adaptado de Object Relations Theon; and Character Analysis, ]ournal of the American Psychoanalytic Association, no prelo. Publicado com permissão do ]o urna[ of X theAmerican PsychoanalyticAssociation. Capítulo 14: Adaptado de Self, Ego, Affects, and Drives, ]ournal of the American Psychoanalytic Association, 30 (1982): 893-917. Publicado com permissão do ]ournal of lhe American Psychoanalytic Association. Capítulo 15: Adaptado de Structural Change and Its Impediments, em Borderline Personality Disorders, ed. P. Hartocollis, 1977, pp. 275-306. Publicado com permissão da lnternational Universities Press, Inc. Capítulo 16: Adaptado de Diagnosis and Clinicai Management of Suicide Potential in Borderline Patients, em Borderline Patient: Emerging Concepts, Diagnosis, Psychodynamics and Treatment, ed. ]ames Grotstein, Marion Solomon, and ]oan Langs, no prelo. Publicado com permissão de Lawrence Erlbaum Associates, Inc. Capítulo 20: Adaptado de Psychiatric Hospital Treatment in lhe Uníted States, Nordisk Psykiatrist Tidsskrift, 35, no. 4(198i): 293-298. Publicado com permissão de Nordisk Psykiatrist Tidsskrift. Capítulo 21: Adaptado de Advantages and Liabilities ofTherapeutic o f Community Models, em The Individual and lhe Group, ed M. Fines e L. Rafaelson, vol. 1, 1982, · pp. 543-565. Publicado com permissão de Plenum Press. Capítulo 22: Adaptado de Some Issues in lhe Theon; of Hospital Treatment, Tidsskrift for Den Norske Loegeforening, 14 (1981): 837-843. Publicado com permissão. Sumário Prefácio .. ....... .. ... .. ....... .. .. .. ....... .. ..... .. . . .. . . .. ... .. .... ....... ...... . .. .. . ...... .. . ...... .. .. . .... .... .. .......... .... vi Agradecimentos . .... .. . .... .. ........ .............. .. ........ .... .. .. ......... .... ... ......... ........ .. ... .... ..... .. ....... viíi Parte I CONSIDERAÇÕES DIAGNÓSTICAS 1 Diagnóstico Estrutural ................................................................................ :.......... 5 2 A Entrevista Estrutural.......................................................................................... 25 3 Diagnóstico Diferencial na Adolescência ........................................................... 45 4 Transtornos de Personalidade na Velhice ............ .... ......................................... 58 5 Problemas na Classificação dos Transtornos de Personalidade.................... . 65 Parte 11 TRATAMENTO DAS PERSONALIDADES BORDERLINE 6 Psicoterapia Expressiva ......................................................................................... 83 7 Manejo da Transferência na Psicoterapia Expressiva............................ .. ........ 96 8 Psicoterapia Expressiva com Adolescentes ........................ ................................ 112 9 Psicoterapia de Apoio ...................... .... ..................... ......................................... .... 126 10 Indicações e Contra-indicações para Modalidades de Tratamento de Orientação Psicanalítica ................................................................ .. .. .. ..... : ...... 141 2 Parte Til PERSONALIDADES NARCISISTAS: TEORIA E TRATAMENTO CLÍNICO 11 Abordagens Psicanalíticas Contemporâneas do Narcisismo .......................... 153 12 Estratégias Técnicas no Tratamento das Personalidades Narcisistas ............ 168 13 Análise do Caráter ....................................... ............................. .............................. 179 14 Sel,t Ego, Afetos e Pulsões .............................. ....................................................... 193 Parte IV REGRESSÕES GRAVES: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO 15 Impasses no Tratamento ................................................................................... .... 205 16 Diagnóstico e Manejo Clínico de Pacientes com Potencial Suicida .............. 216 17 Cont.ratransferência, Regressão na Transferência e Incapacidade para Dependência .. ................................. ............................................................... 225 18 Aspectos Clínicos da Patologia Grave do Superego ........................................ 234 19 Regressão Paranóide e Narcisismo Maligno ...................................................... 247 Parte V TRATAMENTO HOSPITALAR 20 Filosofias Contrastantes de Tratamento Hospitalar para a Psicopatologia Grave .......................................................................................... 267 21 O Modelo da Comunidade Terapêutica para o Tratamento Hospitalar da Psicopatologia Grave .................................................................... 279 22 Tratamento Hospitalar Prolongado das Patologias Borderline e Narcísica Grave ............................................................................................. ....... 290 Referências Bibliográficas ........... ................................................................................. 303 Índice Remissivo .................................................. .......................................................... 317 Parte I Considerações Dia gnós ticas 1 Diagnóstico Estrutural Um dos problemas que incomoda o campo da psiquiatria é o do diagnós tico diferencial, especialmente quando se considera a patologia borderline de caráter. Condições borderline devem ser diferenciadas, de um lado, das neuroses e patologia de caráter neurótico e, de outro, das psicoses, em particular da esquizofrenia e dos transtornos afetivos maiores. Tanto a abordagem descritiva ao diagnóstico, que se concentra nos sintomas e no comportamento observável, quanto a genética, que enfatiza o . transtorno mental nos parentes biológicos do paciente, são valiosas, especialmente para os transtornos afetivos maiores e a esquizofrenia, mas, quer sejam usados separada mente ou em conjunto, nenhuma delas mostrou ser suficientemente precisa quando aplicada aos transtornos da personalidade. Acredito que a compreensão das características estruturais intrapsíquicas dos pacientes com organização borderline de personalidade, juntamente com critérios derivados do diagnóstico descritivo, podem resultar numa grande melhoria na precisão diagnóstica. Apesar de o diagnóstico estrutural, ser mais difícil de ser conduzido, requerer mais prática e experiência do clínico e apresentar algumas dificuldades metodológicas, possui vantagens evidentes, particularmente nos casos de pacientes que não se enquadram facilmente em uma das categorias principais de doença neurótica ou psicótica. Uma abordagem descritiva com pacientes borderline pode ser enganadora. Por exemplo, vários autores (Grinker et al., 1968; Gunderson e Kolb, 1978) descreveram um afeto intenso, particularmente raiva e/ou depressão, como característicos dos pacientes borderline. Contudo, pacientes com personalidades esquizóides típicas e organização borderline de personalidade podem não apresentar raiva ou depressão. O mesmo se aplica a algumas personalidades narcisistas que têm uma típica 5 6 Orro F. KERNBERG organização borderline de personalidade subjacente. Comportamento impulsivo tem sido também descrito como uma característica comum dos pacientes borderline, mas muitos pacientes histéricos típicos com uma estrutura neurótica também mostram comportamento impulsivo. Em nível clínico, portanto, uma abordagem descritiva por si só não é suficiente para alguns casos borderline. Essas limitações também se aplicam às tentativas de se chegar a um diagnóstico usando uma abordagem puramente genética. O estudo das possíveis genéticas dos transtornos graves de personalidade com o espectro esquizofrênico e os transtornos afetivos maiores está ainda em um estágio inicial, e pode ser que achados importantes estejam nos aguardando nesta área. No momento, contudo, a história genética tem muito pouco para contribuir para o problema clínico da diferenciação entre sintomatologia neurótica, borderline e psicótica. É possível que uma abordagem estrutural venha a contribuir para a compreensão da relação entre a predisposição genética e a sintomatologia manifesta. Uma abordagem estrutural pode ter a vantagem adicional de pôr em evidência de modo mais pronunciado a relação entre os vários sintomas dos transtornos borderline, particularmente as constelações de traços patológicos de caráter que tão tipicamente se encontram neste grupo. Como já assinalei em trabalhos anteriores (1975, 1976), as características estruturais da organização bQrderline de personalidade têm importantes implicações prognósticas e terapêu ticas. A qualidade das relações de objeto e o grau de integração do superego são os principais critérios prognósticos para a psicoterapia intensiva de pacientes borderline. A natureza das transferências primitivas que esses pacientes desenvol vem na psicoterapia psicanalítica e a técnica para lidar com as mesmas provêm diretamente das características estruturais das suas relações de objeto in ternalizadas. Num estudo ainda mais antigo (Kernberg et al., 1972), encontramos que os pacientes não-psicóticos com fragilidade egóica responderam bem a modalidades expressivas de psicoterapia, mas de modo deficiente à psicanálise não-modificada e à psicoterapia de apoio. Em suma, acrescentar a abordagem estrutural enriquece o diagnóstico psiqui átrico, particularmente nos casos de difícil classificação, e contribui também para determinar o prognóstico e o tratamento. ESTRUTURAS MENTAIS E ORGANIZAÇÃO DE PERSONALIDADE O conceito psicanalítico de estrutura mental, formulado pela primeira vez por Freud em 1923, refere-se à divisão postulada da psique em ego, superego e id. Na psicologia psicanalítica do ego, a análise estrutural refere-se à concepção (Hartmann et al., 1946; Rapaport e Gill, 1959) de que o ego pode ser conceitualizado como: (1) mudando aos poucos de "estruturas", ou configurações, que determinam·a canali zação dos processos mentais, (2) os próprios processos mentais, ou "funções" e (3) "limiares" de ativação dessas funções e configurações. Estruturas de acordo com este conceito são configuraçõesrelatívamente estáveis de processos mentais; o superego e o id são estruturas que integram dinamicamente as subestruturas, tais como as configurações cognitivas e defensivas do ego. Mais recentemente, usei o termo análise estrutural para descrever a relação entre os derivados estruturais das relações de objeto internalizadas (Kernberg, 1976) e os vários níveis de organização do funcionamento mental. Na minha opinião, relações de objeto internalizadas cons- · tituem subestruturas do ego, subestruturas que são, por sua vez, organizadas hierarquicamente (ver cap. 14). TRANSTORNOS GRAVES DE PERSONALIDADE 7 Finalmente, no pensamento psicanalítico mais recente, a análise estrutural também se refere à análise da organização permanente do conteúdo dos conflitos inconscientes, par"ticularinente do complexo de Édipo como um aspecto organizacional da mente que tem uma história evolutiva, é organizado dinamica mente no sentido de que é mais do que a soma de suas partes e incorpora experiências iniciais e organizações pulsionais de fases específicas numa nova · organização (Pane!, 1977). Esta última concepção das estruturas mentais tem relação com a abordagem de relações objetais no que concerne à estruturação das relações objetais internalizadas: o conteúdos mentais predominantes, tais como o complexo de Édipo, refletem uma organização de relações objetais internalizadas. Os dois . pontos de vista recentes implicam seqüências motivacionais hierarquicamente : organizadas, em contraste com o desenvolvimento puramente linear e uma seqüên cia de organizações hierárquicas descontínuas, aos invés de uma seqüência genética · simples (num sentido psicanalítico). Apliquei todos esses conceitos estruturais à análise das estruturas intrapsíquicas predominantes e conflitos instintuais de pacientes borderline. Proponho a existência de três grandes organizações estruturais correspondentes à organização de perso nalidade neurótica, borderline e psicótica. Em cada exemplo, a organização estrutural desempenha a função de estabilizar o aparato mental, mediando entre os fatores etiológicos e as manifestações comportamentais diretas da doença. Não obstante os fatores genéticos, constitucionais, bioquímicas, familiares, psicodinâmicos, ou psicossociais contribuindo para a etiologia da doença, os efeitos de todos esses fatores eventualmente refletem-se na estrutura psíquica do indivíduo, que então torna-se a matriz subjacente a partir da qual se desenvolvem os sintomas comportamentais. Esses tipos de organização neurótica, borderline e psicótica estão refletidos nas características dominantes do paciente, particularmente com relação: (1) ao grau de integração da identidade, (2) aos tipos de operações defensivas que ele habitualmen te emprega, e (3) à sua capacidade de testar a realidade. Proponho que a estrutura neurótica de personalidade, em contraste com as estruturas borderline ·e psicótica, implica uma identidade integrada. A estrutura neurótica de personalidade apresen ta uma organização defensiva centrada no recalcamento e outras operações defen sivas avançadas ou de alto nível. Em contrapartida, as estruturas borderline e psicótica são encontradas em pacientes que mostram predominância de operações defensivas primitivas centradas no mecanismo de cisão [splitting]. O teste da realidade é mantido na organização neurótica e borderline mas é fortemente diminuído na organização psicótica. Estes critérios estruturais podem suplementar as descrições comportamentaís ou fenomenológicas comuns dos pacientes e intensificar a acuidade do diagnóstico diferencial da doença mental, especialmente em casos de difícil classificação. Critérios estruturais adicionais que ajudam a diferenciar entre a organização borderline e as neuroses incluem presença ou ausência de manifestações não específicas de fragilidade egóica, falta de tolerância à ansiedade, controle de impulso, e capacidade para sublimação; e-para fins de diagnóstico diferencial da esquizofrenia - a presença ou ausência na situação clínica do pensamento de processo primário. Pelo fato de as manifestações não-específicas de fragilidade egóica serem clinicamente menos essenciais na diferenciação entre as condições borderline e neuróticas, e pelo fato de os testes psicológicos poderem ser mais úteis do que as entrevistas clínicas na diferenciação entre o funcionamento cognitivo borderline e o psicótico, não examino estes critérios em detalhes aqui. O grau e a qualidade da integração do superego são características estruturais adicionais 8 Orro F. KERNBERG importantes no nível do prognóstico que diferenciam a organização neurótica e borderline.1 A ENTREVISTA ESTRUTURAL COMO UM MÉTODO DIAGNÓSTICO A entrevista psiquiátrica tradicional foi modelada com base na entrevista médica geral, adaptada sobretudo para pacientes psicóticos e orgânicos (Gill et ai., 1954). Influenciada pela teoria e a prática psicanalítica, a ênfase mudou gradualmen te para a interação paciente-entrevistador. Uma seqüência mais ou menos padrão de perguntas foi substituída por uma avaliação mais flexível dos problemas predominantes, centrada no entendimento do paciente dos seus conflitos e ligando o estudo da personalidade do paciente ao estudo do seu comportamento atual na entrevista. O estudo de caso de Karl Menninger (1952) é um bom exemplo desta abordagem. Whitehorn (1944), Powdermaker (1948), Fromm-Reichmann (1950) e particu larmente Sullivan (1954) são em grande parte os responsáveis por uma entrevista psiquiátrica modificada que se concentra na interação paciente-terapeuta como uma fonte principal de informação. Gill et a/.(1954) propuseram um novo modelo de entrevista psiquiátrica que enfatiza uma avaliação ampla do paciente e um reforçamento do seu desejo de ajuda. A natureza do transtorno, a motivação e a capacidade para psicoterapia podem ser avaliadas na interação atual com o entrevistador. Esta abordagem à entrevista estabelece uma ligação imediata entre a psicopatologia do paciente e a indicação para tratamento psicoterapêutico. Centra se, também, nas resistências que provavelmente tornar-se-ão importantes questões nos estágios iniciais do tratamento. Pelo fato de os elementos de apoio inerentes a esta abordagem tenderem a ressaltar as capacidades do paciente, ela pode, contudo, negligenciar alguns aspectos da psicopatologia do paciente. Deutsch (1949) defendeu um método psicanalítico de entrevista que revelaria as conexões inconscientes entre os problemas atuais e o passado do paciente. A partir de um background teórico diferente, Rogers (1951) propôs um estilo de entrevista que estimula o paciente a explorar suas experiências emocionais e as conexões entre as mesmas. Estas abordagens não-estruturadas têm a desvantagem de minimizar os dados objetivos e não exploram a psicopatologia e as capacidades do paciente de uma maneira sistemática. Mackinnon e Michels (1971) descrevem uma avaliação psicanalítica que enfatiza a interação paciente-entrevistador. As manifestações clínicas dos padrões de caráter que o paciente demonstra na entrevista são usadas para fins diagnósticos. Esta abordagem propqrciona informação descritiva refinada dentro de um referencial psicanalítico. As entrevistas clínicas que descrevi tornaram-se ferramentas cruciais na avaliação das características descritivas e dinâmicas mas, na minha opinião, elas não permitem eliciar os critérios estruturais que diferenciam a organização borderline de personalidade. Bellaket ai. (1973) desenvolveram uma entrevista clínica estruturada numa tentativa de conseguir um diagnóstico diferencial entre sujeitos normais, pacientes neuróticos e esquizofrênicos, com base em um modelo estrutural de 1 Para uma revisão da literatura e sobre as características descritivas e estruturais da personalidade borderline, ver Kernberg, 1975. - J TRANSTORNOS GRAVES DE PERSONALIDADE 9 funcionamento do ego. Apesar de este estudo não ter procurado diferenciar os pacientes borderline, estes aut<nes encontraram diferenças significativas entre os três grupos em escalas de medida que avaliavam as estruturas e funções do ego. Este estudo ilustra a utilidade de uma abordagem estrutural ao diagnóstico diferencial. Em colaboração com S. Bauer, R. Blumenthal, A. Carr, E. Goldstein, H. Hunt, L. Pessar, eM. Stone, desenvolvi o que Blumenthal (comunicação pessoal) sugeriu chamar de uma entrevista estrutural para ressaltar as características estruturais dos três tipos principais de organização de personalidade. Esta entrevista centra-se nos sintomas, conflitos ou dificuldades que o paciente apresenta e as maneiras particu lares pelas quais ele as reflete na interação aqui-e-agora com o entrevistador. Assumimos que o enfoque do entrevistador sobre os principais conflitos do paciente criará tensão suficiente para que a orgarúzação defensiva e "estrutural" predominante do funcionamento mental emerja. Ao ressaltar estas operações defensivas na entrevista, obtemos dados que nos permitem classificá-los em uma das três estruturas de personalidade de acordo com o grau de integração da identidade (a integração das representações do se/f e do objeto}, o tipo de operações defensivas predominantes e a capacidade para testar a realidade. Com o objetivo de ativar e diagnosticar estas características estruturais, desenvolvemos uma entrevista que combina o exame do estado mental tradicional com uma entrevista de orientação psicanalítica centrando-se na interação paciente-terapeuta e na clarificação, con frontação e interpretação dos conflitos de identidade, mecanismos de defesa, e distorção da realidade que o paciente revela nessa interação, principalmente por estes expressarem elementos identificáveis da transferência. Antes de descrever a entrevista propriamente dita, algumas defirúções podem ser úteis. A clarificação refere-se à exploração, com o paciente, de todos os elementos que são vagos, obscuros, enigmáticos, contraditórios, ou incompletos na informação que ele forneceu. A clarificação é o primeiro passo cognitivo, no qual o que paciente diz é discutido de uma maneira não-inquisitiva, de modo a apresentar todas as suas implicações e descobrir a extensão do seu entendimento ou confusão éom relação ao que permanece obscuro. A clarificação tem como objetivo evocar material consciente ou pré-consciente sem desafiar o paciente. No final, é o próprio paciente quem nos clarifica o seu comportamento e a sua experiência intrapsíquica, condu zindo-nos, desta forma, aos limites atuais do seu autoconhecimento consciente e pré-consciente. A confrontação, o segundo passo no processo de entrevista, mostra ao paciente áreas de informação que parecem contraditórias ou incongruentes. A confrontação significa apontar para o paciente os aspectos da interação que parecem indicar a presença de funcionamento conflituoso e, por conseqüência, a presença de opera ções defensivas, representações contraditórias do self e do objeto, e conscientização diminuída da realidade.Em primeiro lugar, a atenção do paciente é atraída para algo na interação do qual ele não se conscientizou ou que tomou como natural e que o entrevistador percebe como inapropriado, contraditório com outros aspectos da informação ou confuso. A confrontação exige a reconciliação [bringhzg together} de material consciente e pré-consciente que o paciente apresentou ou experienciou separadamente. O entrevistador também levanta a questão da possível significância deste comportamento para o funcionamento atual do paciente. São explorados, então, a capacidade do paciente de olhar para as coisas de modo diferente sem regressão ulterior, as relações internas entre as várias questões integradas, e, particularmente, a integração do conceito do se/f e dos outros. O aumento ou diminuição na conscientização da realidade, refletidos na resposta do paciente à 10 Orro F. KERNBERG confrontação, e a sua empatia contínua com o entr~v:istÇtdor, como reflexo da conscientização social e do teste da realidade, são também ressaltados. Finalmente, o entrevistador relaciona aspecto da interação aqui-e-agora a problemas semelhan tes em outras áreas e, então, faz uma conexão entre questões e queixas descritivas e características estruturais da personalidade. A confrontação, uma vez definida, requer tato e paciência; não é um modo agressivo de penetrar (intrometer-se) na mente do paciente ou um movimento para polarizar a relação com ele. A interpretação, em contraste com a confrontação, liga o material consciente e pré-consciente a funções ou motivações inconscientes assumidas ou hipotetizadas no aqui-e-agora. Explora as origens conflituosas da dissociação de estados do ego (representações clivadas do se/f e do objeto), a natureza e os motivos das operações defensivas ativadas, e o abandono defensivo do teste da realidade. Em outras palavras, a interpretação se concentra nas ansiedades e conflitos subjacentes ativados. A confrontação reconcilia [brings together] e reorganiza o que foi observado; a interpretação acrescenta uma dimensão hipotetizada de causalidade e profundi dade ao material. O entrevistador associa, assim, as funções atuais de um compor tamento específico às ansiedades, motivos e conflitos subjacentes, o que clarifica as dificuldades gerais para além da interação presente. Por exemplo, mostrar para um paciente que o seu comportamento parece manifestar desconfiança, e explorar sua conscientização deste padrão, é uma confrontação; sugerir que a desconfiança ou medo do paciente é devido ao fato de ele atribuir ao entrevistador alguma coisa "ruim" da qual ele está tentando livrar-se dentro de si mesmo (da qual o paciente não havia se conscientizado antes ) é uma interpretação. A transferência significa a presença, na interação diagnóstica, de comportamen to inapropriado, o qual reflete a reedição de relações patogênicas e conflituosas com outros significativos do passado do paciente. As reações de transferência fornecem o contexto para interpretações, ligando a perturbação aqui-e-agora à experiência num dado momento e lugar. Mostrar ao paciente que ele está agindo de um modo controlador e desconfiado em relação ao diagnosticador é uma confrontação. Mostrar que ele pode estar vendo o entrevistador como controlador, estrito, áspero e suspeito -e, pode, portanto, sentir que ele tem que estar vigilante por causa de sua própria luta contra tais tendências nele mesmo- é uma interpretação. Mostrar que o paciente está lutando com o entrevistador, que representa um "inimigo" interno, o qual possui tais características, porque ele experienciou uma interação semelhante no passado com uma figura parenta[, é uma interpretação da transferência. Resumindo, a clarificação é um meio congnitivo, não-desafiador, de explorar os limites da conscientização, por parte do paciente, de certo material. A confrontação tenta conscientizar o paciente do aspecto potencialmente conflituoso e incongruen te daquele material. A interpretação tenta resolver a natureza conflituosa do material, assumindo os motivos e as defesas inconscientes subjacentes que faz o previamente contraditório parecer lógico. A interpretação da transferência aplica todàs essas modalidades técnicas anteriores à interação presente entre o paciente e o diagnosticador. Por se concentrarem na confrontação e na interpretação de defesas, conflitos de identidade, teste da realidade ou distorções nas relações de objeto internalizadas, ·e nos conflitos afetivos e cognitivos, as entrevistas estruturais submetem o paciente a uma certa quantidade de estresse. Ao invés de tranqüilizar o paciente e reduzir a sua "defensividade" ou negligenciando-a, · o entrevistador tenta trazer à tona a patologia na organização de funções do ego do paciente de modo a eliciar informação relativa à organização estrutural da doença. A abordagem que estou descrevendo não é, de forma alguma, todavia, uma entrevista "de estresse" TRANSTORNOS GRAVES DE P ERSONALIDADE 11 tradicional, que tenta induzir conflitos ou ansiedades artificiais no paciente. Ao contrário, a clarificação da realidade, necessária em grande parte da confrontação inicial, requer tato e reflete respeito e preocupação com a realidade emocional do paciente, um engajamento honesto, em contraste com o que pode ser, algumas vezes, uma tolerância "superior''ou indiferente ao inapropriado. A técnica da entrevista estrutural é descrita no capítulo 2: as características clínicas da organiza ção borderline de personalidade que emerge durante a entrevista estrutural são resumidas adiante. AS CARACTERÍSTICAS DA ORGANIZAÇÃO"BORDERLINE DE PERSONALIDADE Sintomas Descritivos como Evidência "Suposta" Os sintomas e traços patológicos de caráter do paciente não são critérios estruturais, mas dirigem a atenção do clínico para os critérios da organização borderline de personaLidade. De modo semelhante, a presença de sintomas de uma natureza "supostamente"psicótica que não pareça justificar ou corresponder a um diagnóstico claro de um transtorno maior da afetividade (doença maníaco-depressiva), esquizofrenia, ou uma síndrome cerebral orgânica aguda ou crônica deveria sugerir ao clínico a investigação de critérios estruturais para a organização borderline de personalidade. Os sintomas descritivos de pacientes borderline são semelhantes aos sintomas que se apresentam nas neuroses sintomáticas comuns e na patologia de caráter, mas a combinação de certas características é peculiar aos casos borderline. Os seguintes sintomas são particularmente importantes (ver Kernberg, 1975). 10. Ansiedade- Os pacientes borderline tendem a apresentar ansiedade crônica, difusa, eqüiflutuante. 2. Neurose polissíntomática - Muitos pacientes apresentam vários sintomas neuróticos, mas estou considerando aqui apenas os pacientes que tendem a apresentar dois ou mais dos seguintes: a. Fobias múltiplas, especialmente as que impõem graves restrições à vida quotidiana do paciente. b. Sintomas obsessivo-compulsivos que adquiriram egossintonia secun dária e, portanto, uma qu alidade de ação e pensamento "supervalorizados". c. Sintomas múltiplos de conversão elaborados ou bizarros, especialmen te se são crônicos. d. Reações dissociativas, especialmente "estados crepusculares" e fugas histéricas, e amnésia acompanhada de perturbações da consciência. e. Hipocondria. f. Tendências paranóides e hipocondríacas com qualquer outra neurose sintomática (uma combinação típica indicando um suposto diagnósti co de organização borderline de personalidade). 3. Tendências sexuais perversas polimorfas - Refiro-me aqui aos pacientes que apresentam um desvio sexual manifesto, dentro do qual várias tendências perversas coexistem. Quanto mais caóticas e múltiplas as fantasias e ações perversas, e quanto mais instáveis as relações objetais ligadas a essas 12 Orro F. KERNBERG interações, mais se deveria considerar a presença de organização borderline de personalidade. As formas bizarras de perversão, especialmente as que manifestam agressão primitiva ou substituição primitiva de objetivos genitais por objetivos eliminatórios (urina, defecação), são também indicativas de uma organização borderline de personalidade subjacente. 4. Estruturas de personalidade pré-psic6ticas "clássicas"- Incluem: a. A personalidade paranóide (tendências paranóides de intensidade tal que determinam o diagnóstico descritivo principal). b. A personalidade esquizóide. c. A personalidade hipomaníaca e a personalidade ciclotímica com fortes tendências hipomaníacas. 5. Neurose de impulso e a dicções- Refiro-me aqui às formas de patologia graves de caráter nas quais a erupção crônica e repetitiva de um impulso gratifica as necessidades instintivas de um modo que é egodistônico, independen temente dos episódios que são "denominados pelo impulso", mas é egossintônico e, de fato, altamente prazeiroso durante o episódio em si. Alcoolismo, a dicção em drogas, algumas formas de obesidade psicogênica e cleptomania são exemplos típicos. 6. Transtornos de caráter de "nível mais baixo"- Inclui-se aquia patologia grave de caráter representada pelo caráter caótico e dominado pelo impulso, em contraste com os tipos clássicos de estrutura de formação reativa de caráter e os mais moderados caráteres de "traços evitativos". $ob um ponto de vista clínico, a personalidade histérica típica não tem estruturas borderline; o mesmo se aplica à maior parte das personalidades obsessivo-compulsi vas e às estruturas "depressivas de personalidade" (Laughlin, 1967) ou personalidades masoquistas mais bem integradas. Em contraste, muitas personalidades infantis e personalidades narcisistas típicas apresentam um organização borderline subjacente, as personalidades "como se" tam bém pertencem ao último grupo. Todas as estruturas anti-sociais de personalidade evidentes que examinarei apresentam uma típica organiza ção borderline de personalidade. Todos esses sintomas, assim como os traços patológicos de caráter dominantes, podem ser eliciados pela investigação inicial dos sintomas que levam o paciente ao tratamento. A investigação abarca as características da vida interpessoal e social do paciente relativas ao seu trabalho e à sua família: às suas relações sexuais e conjugais; às suas interações com parentes próximos, amigos, conhecidos; e suas interações nas áreas de recreação, cultura, política, religião, e outros interesses comunitários interpessoais. Com todos os pacientes para os quais o diagnóstico de organização borderline de personalidade deve ser avaliado, uma história abrangente da sintomatologia e das peculiaridades das interações interpessoais é, portanto, impor tante informação inicial. Falta de uma Identidade Integrada: a Síndrome da Difusão de Identidade A difusão de identidade é clinicamente representada, por um conceito de self e de outros significativos insuficientemente integrados. É refletida na experiência subjetiva de vazio crônico, autopercepções contraditórias, comportamento contra- TRANSTORNOS GRAVES DE PERSONALIDADE 13 di tório que não pode ser integrado de um modo emocionalmente significativo, bem como percepções empobrecidas dos outros, superficiais e insípidas. Quanto ao diagnóstico, a difusão de identidade aparece na incapacidade do paciente de transmitir ao entrevistador a existência de interações significantes com outros, o qual não consegue, então, empatizar com a concepção do paciente de si mesmo e dos outros em tais interações. Em nível teórico, os seguintes pressupostos estão subjacentes a esta falta de integração do self e do conceito de outros significativos (Kernberg, 1975): (1) Na organização borderline de personalidade, há suficiente diferenciação entre represen tações do self e representações do objeto para permitir a manutenção de fronteiras do ego (isto é, uma delimitação clara entre o self e os outros). Em contrapartida, nas estruturas psicóticas está presente uma re-fusão regressiva ou falta de diferenciação entre as representações do self e do objeto. (2) Em contraste com as estruturas neuróticas, nas quais todas as auto-imagens (tanto 'boas" quanto "más") foram integradas num self abrangente, e nas quais as imagens "boas" e "más" dos outros podem ser integradas em conceitos abrangentes dos outros, na organização borderline de personalidade falta uma tal integração, e tanto as representações do self quanto do objeto permanecem representações afetivo-cognitivas múltiplas e contraditórias do self e dos outros. (3) Esta falha em integrar aspectos "bons" e "maus" da realidade do self e dos outros é supostamente devido à predominância de forte agressão inicial ativada nesses pacientes. A dissociação de representações "boas" e" más" do self e do objeto protege, com efeito, o amor e a bondade de contaminação, sobrepujando o ódio e a maldade. Na entrevista estrutural, a difusão de identidade é refletida na história de comportamento completamente contraditório, ou na alternância entre estados emocionais que encerram tal comportamento e tal percepção do self contraditório, de maneira tal que o entrevistador tem dificuldade de ver o paciente como um ser humano "inteiro". Enquanto na patologia neurótica de comportamento interpessoal pode refletir a visão patológica integrada do paciente de si mesmo e de outros significativos, na organização borderline de personalidade é a visão interna de si mesmo e dos outros que não está integrada. Por exemplo, uma paciente neurótica com estrutura de personalidade predo minantemente histérica disse na entrevista que ela queria ajuda para dificuldades sexuais, mas hesitava muito em discuti-Ias. Confrontada com esta contradição, explicou que sentia que os entrevistadores do sexo masculino desfrutariam do efeito humilhante que teria para uma mulher falar sobre suas dificuldades sexuais, que eles poderiam ficar sexualmente excitados, ao mesmo tempo que teriam prazer em depreciá-la como inferior sexualmente. Esse conceito dos homens e da natureza humilhante das experiências sexuais e a sua revelação, eram parte de um conceito integrado - ainda que patológico- de si mesma e dos outros. Em contrapartida, uma paciente com estrutura predominante infantil de caráter, e com organização borderline de personalidade, explicou o quanto se desagradava de homens que só tentavam usar as mulheres como objetos sexuais, como ela teve que escapar das insinuações sexuais de um chefe anterior, e como ela evitava contatos sociais por causa das aproximações sexuais predatórias dos ho mens. Mas ela também disse que havia trabalhado por algum tempo como" coelha" num clube Playboy e ficou muito surpresa quando o entrevistador a confrontou com a contradição entre as suas afirmações e a sua escolha de emprego. A difusão de identidade é também refletida nas descrições de outros significa tivos na vida do paciente, as quais o entrevistador não consegue "juntar'', e obter qualquer quadro claro das mesmas. A descrição de outros significativos é, com 14 Orro F. KERNBERG freqüência, tão inteiramente contraditória que ela mais parece caricatura que pessoas reais. Uma mulher que vivia numa ménage à trais não conseguia descrever as características do homem e da mulher com quem vivia ou as relações sexuais e humanas entre eles e, particularmente, com ela. Uma outra paciente borderline com estrutura masoquista de personalidade descreveu sua mãe, em muitos momentos na entrevista, como calorosa, simpática, sensível e alerta às necessidades da paciente; e como fria, indiferente, insensível, voltada para si e distante. Esforços no sentido de clarificar essas contradições aparentes levaram, primeiramente, a um aumento de ansiedade por parte da paciente. Mais tarde, ela sentiu que estava sendo atacada pelo entrevistador, sendo criticada por ter imagens contraditórias da sua mãe e, implici tamente, por guardar "maus" sentimentos em relação a ela. A interpretação da projeção dos seus próprios sentimentos de culpa sobre o entrevistador reduziu a sua ansiedade, mas deixou a paciente com a penosa experiência de uma percepção caótica da sua mãe. Um paciente pode, certamente, descrever alguém que é, de fato, caótico, de modo que se deve distinguir entre urna descrição caótica de uma outra pessoa e urna consideração acurada de alguém que é, de fato, cronicamente contraditório. Na prática, isto é mais fácil do que parece. A entrevista estrutural, em geral, nos permite explorar as percepções do entrevistador e a dificuldade do paciente em empatizar com os esforços deste em integrar o que ele percebe como as percepções que o paciente tem dele (o entrevistador). Resumindo, a entrevista estrutural constitui urna situação experi mental na qual o grau de integração do self e da percepção dos objetos pode ser explorada e testada. Uma sólida identidade de ego reflete uma estrutura neurótica de personalida de num paciente com teste da realidade intacto. Urna identidade anormal, patolo gicamente integrada, pode aparecer em alguns sistemas delusionais crônicos tanto nos pacientes maníaco-depressivos, quanto nos esquizofrênicos. Em termos estru turais, é a integração e a congruência com a realidade que diferenciam urna organização neurótica de personalidade de urna psicótica. Uma questão estrutural intimamente relacionada tem a ver com a qualidade das relações de objeto: a estabilidade e a profundidade das relações do paciente com outros significativos, manifestados pela cordialidade, dedicação, preocupação e tato. Outros aspectos qualitativos são empatia, compreensão e capacidade de manter urna relação quando ela é invadida por conflito e frustação. A qualidade das relações objetais é fortemente dependente da integração da identidade, que inclui não apenas o grau de integração, mas também a continuidade temporal do conceito que o paciente tem de si mesmo e dos outros. Normalmente, experienciamo-nos de modo consistente através do tempo em circunstâncias variadas e com pessoas diferentes, e experienciamos conflito quando emergem contradições no nosso auto conceito. O mesmo se aplica à nossa experiência dos outros. Mas na organização borderline de personalidade, esta continuidade temporal se perde: tais pacientes têm pouca capacidade para uma avaliação realista dos outros. As relações do paciente borderline com outros são, a longo prazo, caracterizadas por urna percepção dos mesmos cada vez mais distorcida. Ele deixa de adquirir real empatia; suas relações com os outros são caóticas e superficiais; e suas relações íntimas são usualmente contaminadas pela típica condensação de conflitos genitais e pré-genitais. , ·A qualidade das relações objetais do paciente podem tornar-se evidentes nesta interação com o entrevistador. Embora breve, tais interações diagnósticas permitem, comumente, a diferenciação entre a formação, gradual, na personalidade neurótica, de uma relação pessoal de um tipo, e a relação persistentemente caótica, distorcida, ou bloqueada na personalidade borderline. No caso da organização psicótica de TRANSTORNOS GRAVES DE PERSONALIDADE 15 personalidade, na qual o teste da realidade é _perdido, pode haver distorções mais graves na relação paciente-diagnosticador. E a combinação entre esta distorção dentro de uma interação na qual o teste da realidade é mantido, que é tão característica da organização borderline de personalidade. A mudança freqüente de foco, da interação presente do paciente com o entrevistador, para as dificuldades do paciente nas interações com outros significativos, oferece material adicional para a avaliação da qualidade das suas relações objetais. Mecanismos Primitivos de Defesa Uma outra diferença entre a estrutura neurótica de personalidade, de um lado, e as estruturas borderline e psicótica, de outro, encontra-se na natureza da organiza ção defensiva. Na estrutura neurótica, como mencionado anteriormente, ela centra se no recalcamento e outras operações defensivas de alto nível. As estruturas borderline e psicótícas, em contrapartida, são caracterizadas pela predominância de operações defensivas primitivas, especialffiente o mecanismo de cisão. O recalcamento e os mecanismos de alto nível a ele relacionados, tais como formação reativa, isolamento, anulação, intelectualização e racionalização, protegem o ego de confli tos intrapsíquicos pela rejeição de um derivado pulsional ou da sua representação ideacional, ou de ambos, do ego consciente. A cisão e outros mecanismos relaciona dos protegem o ego de conflitos por meio de dissociação ou do afastamento ativo de experiências contraditórias do self e de outros significativos. Quando tais mecanismos predominam, estados contraditórios do ego são ativados de modo alternativo. Contanto que esses estados contraditórios do ego possam ser mantidos separados uns dos outros, a ansiedade relacionada a esses conflitos é prevenida ou controlada. O mecanismo de dissociação [dissociation] primitiva ou cisão [splitting] e os mecanismos associados de idealização primitiva, tipos primitivos d.e projeção (particularmente identificação projetiva), negação, onipotência e desvalorização podem ser eliciados na interação clínica entre paciente e diagnosticador. Estas defesas protegem o paciente borderline de conflito intrapsíquico, mas com o preço de enfraquecer o seu funcionamento do ego, reduzindo, desta forma, sua eficácia adaptativa e reflexibilidade na entrevista e na sua vida em geral. Estas mesmas operações defensivas primitivas, quando encontradas na organização psicótica, protegem o paciente de desintegração ulterior das fronteiras entre o se/f e o objeto. O fato de as mesmas operações defensivas poderem ser observadas em pacientes borderline e psicóticos e, ainda, servir diferentes funções, foi demonstrado clinica mente. Na organização borderline de personalidade, a interpretação da cisão e de outros mecanismos a ela relacionados integra o ego e melhora o funcionamento imediato do paciente. Este aumento imediato (ainda que apenas transitório) na adaptação social e no teste da realidade pode ser utilizado para fins diagnósticos. Em contrapartida, a interpretação dessas defesas ao pacien te psicótico na entrevista diagnóstica provoca mais regressão no seu funcionamento. Assim, o fato de o paciente melhorar imediatamente ou deteriorar sob o efeito de tal interpretação, contribui de modo crucial para a diferenciação diagnóstica entre a organização borderline e psicótica. Cisão [splitting]. Provavelmente, a mais clara manifestação de cisão seja a divisão de objetos externos em "inteiramente bons" e "inteiramente maus",com a concomitante possibilidade de deslocar completa e abruptamente um objeto de um compartimento extremo ao outro, isto é, inversões completas e repentinas de todos 16 Orro F. KERNBERG os sentimentos e concepções sobre uma pessoa particular. Oscilação repetitiva extrema entre autoconceitos contraditórios é também uma outra manifestação do mecanismo de cisão. Na entrevista diagnóstica, mudanças repentinas na percepção do entrevistador ou na percepção do paciente de si mesmo ou uma completa separação de reações contraditórias ao mesmo tema pode refletir mecanismo de cisão na interação aqui-e-agora. Um aumento de ansiedade no paciente quando aspectos contraditórios da sua auto-imagem ou das suas representações objetais lhe são apontadas também indica o mecanismo de cisão. Tentativas de clarificar, confrontar e interpretar esses aspectos contraditórios das representações do selfe do objeto ativam o mecanismo de cisão na interação aqui-e-agora e refletem suas funções relativas ao teste da realidade (aumento ou diminuição) e à rigidez de traços de caráter que "fixam" a cisão em problemas estáveis. Idealização Primitiva [Primitive ldealization]. Este mecanismo complica a tendên cia a ver objetos externos como totalmente bons ou totalmente maus, ao aumentar artificial e patologicamente a sua qualidade de "bondade" ou" maldade". A idealização primitiva cria imagens irrealistas, inteiramente boas e poderosas: isto pode refletir se na interação com o diagnosticador, tratando-o como figura ideal, onipotente, ou endeusada, do qual o paciente depende de modo não realista. O entrevistador, ou alguma outra pessoa idealizada, pode ser vista como um aliado potencial contra objetos "inteiramente maus" igualmente poderosos (e igualmente irrealistas). Formas Primitivas de Projeção (Early Forms of Projection]. Especialmente Identifi cação Projetiva [Projective Idet~tification]. Em contraste com os níveis mais altos de projeção caracterizados pela atribuição ao outro, por parte do paciente, de um impulso que ele reprimiu em si mesmo, as formas primitivas de projeção, particu larmente a identificação projetiva, são caracterizadas por (1) uma tendência a continuar a experienciar o impulso que está sendo simultaneamente projetado sobre a outra pessoa, (2) medo da outra pessoa sob influência daquele impulso projetado, e (3) uma necessidade de controlar a outra pessoa sob influência deste mecanismo. A identificação projetiva implica, portanto, aspectos interpessoais intrapsíquicos, bem como comportamentais, das interações do paciente, e isto pode refletir-se de maneira dramática na entrevista diagnóstica. O paciente pode acusar o entrevistador de uma certa reação a ele, uma reação que o paciente está, de fato, tentando induzir no entrevistador pelo seu próprio comportamento. Por exemplo, um paciente acusou o entrevistador de ser sádico, enquando ele próprio tratava o entrevistador de um modo frio, controlador, depreciativo e desconfiado. A interpretação desta operação defensiva no aqui-e-agora, permite, com freqüência, e de uma maneira surpreendente, a diferenciação entre uma personalidade paranóide ( uma conste lação borderli11e de personalidade típica) e uma esquizofrenia paranóide. Negação [Denial]. *A negação em paciente borderlíneé tipicamente exemplificada pela negação de duas áreas da consciência emocionalmente independentes; pode se dizer que a negação aqui simplesmente reforça a cisão. O paciente está dente de que suas percepções, pensamentos e sentimentos sobre si mesmo ou outras pessoas, em um momento, são completamente opostos aos que ele teve em outros momentos, mas a sua memória não tem relevância emocional e não pode influenciar o modo como ele se sente agora. A negação pode manifestar-se pela completa falta de • N. da RT. Apesar da tradução literal para a palavra inglesa detlial ser denegação, que se refere a mecanismo de defesa mais primitivo do que a negação, foi difícil ao longo do texto perceber as diferentes intenções do autor ao usar denial e llegation (negação). Dessa forma, optou-se por padronizá-la como "negação", deixando ao leitor a possibilidade de avaliar o grau de primitivismo envolvido neste mecanismo a cada citação. TRANSTORNOS GRAVES DE P ERSONALIDADE 17 preocupação, ansiedade, ou reação emocional frente a uma necessidade, um conflito, ou medo imediatos, sérios prementes na vida do paciente, de modo que este comunica calmamente sua conscientização cognitiva da situação, enquanto de nega as suas implicações emocionais. Ou toda uma área da conscientização subjetiva do paciente pode ser excluída da sua experiência subjetiva, protegendo-o, assim, de uma área potencial de conflito. O esforço empático do diagnosticador no sentido de avaliar as circunstâncias do paciente e as reações do paciente às mesmas - tendo em vista as reações humanas normais que seriam esperadas- fornece ao paciente, com freqüência, um forte contraste entre esse esforço empático e a sua própria atitude aparentemente indiferente ou insensível sobre si mesmo e outros significa tivos. A negação pode tornar-se evidente, também, na discussão da sua vida presente e na contradição entre a sua situação de vida e a sua reação à mesma na entrevista diagnóstica. Onipotência e Desvalorização [Omnipotence/Devaluation]. Tanto a onipotência quanto a desvalorização são derivadas das operações de cisão que afetam as representações do self e do objeto e são tipicamente representadas pela ativação de estados do ego, refletindo um self altamente inflado, grandioso, relacionado a representações dos outros emocionalmente degradantes, depreciativas. Asperso nalidades narcisistas, um subgrupo especial da organização borderline de persona lidade, apresentam essas operações defensivas de uma maneira bastante notável. A onipotência e a desvalorização podem manifestar-se nas descrições dos pacien tes de outros significativos e das suas interações com eles, e no seu comportamento durante a entrevista diagnóstica. Com relação a isto, o diagnosticador deveria estar especialmente alerta a quaisquer indicações pequenas ou sutis de comportamento patológico que possam ser eliciadas nos contatos diagnósticos iniciais com o paciente. Considerando que o paciente comumente tenta apresentar-se da melhor maneira possível numa situação nova (e que, se ele não o faz, isto pode indicar patologia séria de caráter), deve-se concluir que comportamentos totalmente inapropriados, quando presentes, bem como desvios sutis de um comportamento que seria, caso contrário, "perfeitamente normal", requerem investigação nas entrevistas diagnósticas. O Teste da Realidade O teste da realidade é mantido tanto na organização neurótica de personali dade quanto na borderline, em contraste com as estruturas psicóticas de personali dade. Portanto, enquanto a síndrome de difusão de identidade e a predominância de operações 'defensivas primitivas permitem a diferenciação estrutural entre as condições borderline e neurótica, o teste da realidade permite a diferenciação entre a organização borderline de personalidade e as principais síndromes psicóticas. O teste da realidade é definido pela capacidade de diferenciar entre selfe não-se/f, entre as origens intrapsíquicas e as origens externas das percepções e estímulos, e a capacidade de avaliar realisticamente o próprio afeto, comportamento e conteúdo do pensamento em termos de normas sociais usuais. Clinicamente, o teste da realidade é reconhecido por (1) ausência de alucinações e delírios; (2) ausência de afeto, conteúdo do pensamento, ou comportamento bizarros ou evidentemente inapropriados; e (3) capacidade de empatizar com e clarificar as observações de outras pessoas no tocante ao que lhes parece como aspectos inapropriados ou enigmáticos dos afetos, comportamento, ou conteúdo do pensamento do paciente no contexto das interações sociais usuais. O teste da realidade necessita ser 18 Orro F. KERNBERG diferenciado das alterações na experiência subjetiva da realidade, que podem estar presentes por um momento em qualquer paciente atormentado psicologicamente, e da alteração da relação com a realidade que está presente em toda patologia de caráter, assim como em condições mais regressivas, psicóticas. Ele possui valor diagnóstico por si só somente em formas muito extremas (Frosch, 1964). Como se reflete o teste da realidade na entrevista diagnóstica estrutural? 1. O teste da realidade pode ser considerado presente quando a informação do paciente indica que ele não sofreu e não está sofrendo de alucinações, ou, se ele teve alucinações ou delírios no passado, que ele tem agora a capacidade de avaliá-los plenamente, incluindo a capacidade de expressar preocupação ou perplexidade apropriados frente a tais fenômenos. 2. Em pacientes que não tiveram alucinações ou delírios, o teste da realidade pode ser avaliado por meio da observação atenta, por parte do entrevistador, de qualquer afeto, conteúdo de pensamento, ou comportamento inapropriados. O teste da realidade reflete-se na capacidade do paciente de empatizar com a percepção que o entrevistador tem dessas caracterís tica e, de um modo mais sutil, na capacidade de empatizar com a percepção, por parte do entrevistador, da interação em geral com o paciente. A entrevista estrutural, como salientei, constitui, portanto, a oportunidade ideal para se testar a realidade e, desta maneira, para a diferenciação entre a organização borderline e psicótica. 3. Por razões anteriormente mencionadas, o teste da realidade pode ser também avaliado através da interpretação das operações defensivas primitivas na interação paciente-entrevistador. Uma melhora no funcio namento imediato do paciente como conseqüência dessa interpretação reflete a manutenção do teste da realidade, enquanto uma deterioração imediata no funcionamento do paciente como conseqüência dessa inter venção indica perda do teste da realidade. A tabela 1 resume a diferenciação da organização de personalidade em termos dos três critérios estruturais: de integração da identidade, operações defensivas e teste da realidade. Manifestações Não-Específicas da Fragilidade Egóica As manifestações "não-específicas" de fragilidade egóica incluem ausência de tolerância à ansiedade, ou de controle de impulso, e de canais desenvolvidos de sublimação. Estes devem ser diferenciados dos aspectos " específicos" de fragilidade egóica: as conseqüências da predominância de mecanismos defensivos primitivos, que enfraquecem o ego. A tolerância à ansiedade refere-se ao grau em que o paciente pode tolerar uma carga de tensão maior do que a que ele normalmente experiencia sem desenvolver um aumento de sintomas ou de comportamento regressivo em geral; o controle de impulso refere-se ao grau em que o paciente consegue experienciar necessidades instintivas ou emoções fortes sem ter que atuar sobre os mesmos imediatamente, indo contra si mesmo, em sua razão e interesse; a eficácia sublimatória refere-se ao grau em que o paciente pode investir em valores que ultrapassem o seu auto-interesse imediato ou a sua autopreservação- particular mente o grau em que ele é capaz de desenvolver recursos criativos em alguma área do seu background, educação, ou treinamento naturais. TRANSTORNOS GRAVES DE PERSONALIDADE 19 Tabela 1 - Diferenciação da Organização de Personalidade Critério Estrutural Neurótica Borderline Psicótica Representações do self e do objeto são claramente delimitadas. Integração Difusão de identidade: aspectos contraditórios do self e dos outros são mal-integrados e mantidos separados. da Identidade Identidade integrada: imagens contraditórias do self e dos outros são integradas em concep ções abrangentes Representações do self e do objeto são mal-deli mitadas, ou então há uma identidade delirante. Recalcamento e defesas de alto nível: formação reativa, anulação, racio nalização, intelectuali- Principalmente a clivagem e as defesas de baixo nível: idealização primitiva, identificação projetiva, denegação, onipotência, desvalorização. Operações Defensivas zação. As defesas protegem o paciente de conflito intrapsíquico. A interpretação melhora o funciona mento. As defesas protegem o paciente da desintegra ção e da fusão se/f/objeto. A interpretação leva à re gressão. Teste Capacidade de testar a realidade é preservada: a diferenciação entre o self e o não-self, as origens intrapsíquicas e as externas das percepções e estímu los. da Realidade Alterações ocorrem na relação com a realidade e nos sentimentos sobre a realidade. Existe capacidade de avaliar o self e os outros realisticamente e em pro fundidade. A capacidade de testar a realidade é perdida. Essas características, apesar de refletirem condições estruturais, manifestam se em comportamento direto, o que pode se·r eliciado no curso da história do paciente. As manifestações não-específicas de fragilidade egóica diferenciam a organização borderline de personalidade e as psicoses das estruturas neuróticas de personalidade, mas têm uma função discriminativa menos precisa e clara para as estruturas borderline e neuróticas do que a integração da identidade e os níveis de organização defensiva. Muitas personalidades narcisistas, por exemplo, apresentam menos indicações de sintomas não-específicos de fragilidade egóica do que espera ríamos. 20 Orro F. KERNBERG Falta de Integração do Superego Um superego relativamente bem integrado, apesar de excessivamente austero, caracteriza os tipos neuróticos de organização de personalidade. As organizações borderline e psicóticas refletem falhas na integração do superego e são caracterizadas por precursores não-integrados do superego, particularmente representações pri mitivas do objeto, sádicas e idealizadas. A integração do superego pode ser avaliada estudando-se em que medida o paciente se identifica com valores éticos e possui culpa normal como um regulador principal. A regulação da auto-estima através de sentimentos de culpa excessivamente fortes ou oscilações depressivas de humor representam uma integração patológica do superego (típica da organização neuró tica), em contraste com as funções autocríticas moduladas, especificamente facadas, do indivíduo normal em termos de valores éticos. Até que ponto a pessoa é capaz de regular seu funcionamento de acordo com princípios éticos; de abster-se de exploração, manipulação ou maltrato dos outros; e de manter honestidade e integridade moral na ausência de controle externo, indica integração do superego. Este critério é, do ponto de vista diagnóstico, menos confiável do que os previamente descritos. Mesmo os pacientes que empregam defesas predominantemente primi tivas podem oferecer evidência de integração do superego, ainda que sua natureza seja sádica, e há pacientes com organização borderline de personalidade que mantêm ·uma integração relativamente boa do superego apesar da patologia grave na área de integração da identidade, relações de objeto e organização defensiva. Além disso, a informação relativa à integração do superego pode ser eliciada mais efetivamente através da história do paciente e da observação de longa duração, do que da entrevista diagnóstica. Contudo, a utilidade prognóstica do grau de integração do superego torna-o um critério estrutural altamente importante para a indicação e contra-indicação de psicoterapia intensiva de longa duração. Na realidade, a qualidade das relações objetais e a qualidade do funcionamento do superego são, provavelmente, os dois critérios prognósticos mais importantes que derivam da análise estrutural. Características Genético-Dinâmicas dos Conflitos Instintuais Apesar de as características instintuais da organização borderline de persona lidade tornarem-se manifestas em contratos terapêuticos de longa duração com pacientes borderline, é relativamente difícil discerni-las nas entrevistas diagnósticas e elas são aqui descritas para que se obtenha um quadro mais completo das mesmas. A organização borderline de personalidade apresenta uma condensação pato lógica de forças instintuais genitais e pré-genitais, com predominância de agressão pré-genital (Kernberg, 1975). Esta pressuposição explica a condensação bizarra ou inapropriada de impulsos sexuais dependentes e agressivos, encontrada clinica mente na organização borderline (e também na psicótica). O que aparece como uma persistência caótica de pulsões e medos, a pansexualidade do caso borderline, representa a combinação de várias soluções patológicas a esses conflitos. Dever-se-ia também assinalar aqui que é enorme a discrepância entre o desenvolvimento histórico real do paciente e a sua experiência interna, fixada, do mesmo. O que investigamos na exploração psicanalítica desses casos não é o que aconteceu na realidade externa, mas como o paciente experienciou suas relações objetais significantes no passado. Da mesma form.a, não podemos tomar a história inicial do paciente como ela se mostra: quanto mais grave a patologia de caráter, TRANSTORNOS GRAVES DE PERSONALIDADE 21 menos confiável é a história inicial. Nos transtornos narcisistas de personalidade graves e na organização borderline de personalidade em geral, a história inicial do desenvolvimento primitivo é, com freqüênci~, vazia, caótica ou enganadora. So mente após anos de tratamento é possível reconstruir uma seqüência genética (no sentido das origens intrapsíquicas) e relacioná-la, de alguma forma, às experiências passadas reais do paciente. As caracteríticas do conflito instintuallistadas a seguir derivam da literatura, resumida em outro trabalho (Kernberg, 1975), e da minha própria experiência com psicoterapia psicanalítica intensiva e psicanálise de pacientes borderline. Primeiramente, há uma agressivização excessiva de conflitos edipianos, de modo que a imagem do rival edipiano adquire, tipicamente, características terrificantes, esmagadoramente perigosas e destrutivas; a ansiedade da castração e a inveja do pênis aparecem de forma demasiadamente exagerada e esmagadora; e as proibições do superego contra as relações sexualizadas adquirem uma qualidade primitiva, selvagem, que se manifesta em tendências masoquistas ou em projeções paranóides de precursores do superego. Em segundo lugar, as idealizações do objeto amoroso heterossexual na relação edipiana positiva e do objeto amoroso homossexual na relação edipiana negativa são exageradas e possuem funções defensivas evidentes contra a raiva primitiva. Há, assim, tanto uma idealização irrealista de um forte desejo em relação a esses objetos amorosos como a possibilidade de um rápido colapso de idealização, com uma inversão da relação positiva para a negativa (ou da negativa para a positiva), numa mudança rápida e total da relação com o objeto. Como conseqüência disso, as idealizações aparecem exageradas e frágeis, com a complicação adicional, no caso da patologia narcisista de caráter, de uma fácil desvalorização de objetos idealizados e total distanciamento dos mesmos. Em terceiro lugar, a natureza irrealista do rival edipiano ameaçador e do rival idealizado, desejado, revela, numa análise genética cuidadosa, a existência de imagens condensadas mãe-pai de um tipo irrealista, refletindo a condensação de aspecto parciais das relações com ambos os pais. Apesar de as diferenças sexuais nas relações objetais serem mantidas, a relação fantasiada com cada um desses objetos é irrealista e primitiva, e reflete a condensação de relações idealizadas ou ameaça doras, derivadas do desenvolvimento pré-edipiano e edipiano, e uma mudança rápida das relações libidinais e agressivas de um objeto parenta! para o outro. Cada relação particular com um objeto parenta! acaba por refletir uma história evolutiva mais complexa do que ocorre normalmente com os pacientes neuróticos, com exceção dos neuróticos mais graves, nos quais os desenvolvimentos da transferência são mais intimamente relacionados a eventos realistas do passado. Em quarto lugar, os fortes desejos genitais em pacientes nos quais predominam conflitos pré-edipianos servem a importantes funções pré-genitais. O pênis, por exemplo, pode adquirir características da mãe que nutre, da que retém, ou da que ataca (basicamente a função nutritiva do seu seio), e a vagina pode adquirir funções da boca que tem fome, que nutre, ou que é agressiva; evoluções semelhantes ocorrem com relações às funções anais e urinárias. Apesar de vários pacientes neuróticos e pacientes com patologia menos grave de caráter também apresentarem essas características, sua existência, ao lado de uma agressivização excessiva de todas as funções libidinais pré-genitais, é típica de pacientes com organização borderline de personalidade. Em quinto lugar, os pacientes borderline mostram, tipicamente, o que poderia ser descrito como um~ edipalização prematura dos seus conflitos e relações pré edipianos, uma progressão defensiva no seu desenvolvimento instintual que se 22 Orro F. KERNBERG reflete, em nível clínico, em uma edipalização prematura da transferência. Este fenômeno transferencial mostra-se, com freqüência, espúrio, na medida em que ele eventualmente traz de volta a patologia pré-edipiana grave e caótica; contudo, ele é, ao mesmo tempo, significante para indicar a organização defensiva dos conflitos edipianos que eventualmente, algumas vezes após anos de tratamento, predomi nam na transferência. Com relação a isso, nosso conhecimento que está sendo desenvolvido sobre a conscientização genital primitiva em ambos os sexos e a diferença nas relações mãe-bebê dependendo do sexo do bebê (Money e Ehrhardt, 1972; Galeson e Roiphe, 1977; Kleeman, 1977; Stoller, 1977) pode fornecer informa ção sobre o desenvolvimento primitivo do bebê relacionado aos processos intrapsíquicos, através dos quais ocorre uma fuga de conflitos pré-edipianos para a edipalização das relações objetais. Em ambos os sexos, o deslocamento, da mãe para o pai, das necessidades frustradas de dependência colore a relação edipiana positiva da menina e a relação edipiana negativa do menino. O deslocamento de conflitos orais-agressivos da mãe para o pai aumenta a ansiedade de castração e a rivalidade edipiana nos meninos, a inveja do pênis, e distorções de caráter a ela relacionadas, nas meninas. Nas meninas, a agressão pré-genital forte em relação à mãe reforça tendências masoquis tas na sua relação com os homens, fortes proibições do superego contra a genitalídade em geral, e relação edipiana negativa com a mãe como uma idealização defensiva e formação reativa contra a agressão. A projeção de conflitos primitivos em torno da agressão para a relação sexual entre os pais aumenta as versões distorcidas e temerosas da cena primária, podendo estender-se em ódio por todo amor mútuo oferecido pelos outros. De modo geral, o deslocamento defensivo de impulso e conflitos de uma figura paterna para a outra favorece o desenvolvimento de combinações confusas, fantasiosas, de imagens parentais bissexuais condensadas sob a influência de um impulso projetado particular. Todas essas características dos conflitos instintuais de pacientes com organiza ção borderline de personalidade podem estar refletidas na sintomatologia inicial e no comportamento sexual, nas fantasias, e nas relações interpessoais dos mesmos. Contudo, como mencionado anteriormente, elas não se prestam a uma análise aprofundada durante as entrevistas diagnósticas iniciais. CONCLUSÃO Diversas questões requerem mais pesquisa clínica e experimental. Elas se relacionam ao diagnóstico estrutural da organização borderline de personalidade em momentos de regressão temporária, tais como episódios psicóticos breves que os pacientes borderline têm sob a influência de transtorno emocional grave, álcool, ou drogas. Experiência clínica preliminar sugere que a entrevista diagnóstica estrutural aqui proposta pode ainda diferenciar a organização borderline de personalidade