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História do Direito empresarial SST Sinflório, Débora; Becker, Josiane; Lemos, Wilson História do Direito empresarial / Débora Sinflório; Josiane Becker; Wilson Lemos Ano: 2020 nº de p.: 12 Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. 3 História do Direito empresarial APRESENTAÇÃO Nesta unidade, estudaremos os aspectos históricos do direito empresarial, verificaremos que o empreendedorismo é uma ação humana antiga e observaremos sua correlação com a evolução da atividade comercial. Perceberemos ainda algumas modificações do direito empresarial ao longo do tempo e quais seus principais objetivos e conceitos. Partindo das normas do direito comparado, veremos como o direito empresarial se porta no âmbito internacional e, por fim, analisaremos as bases dos direito empresarial no âmbito do sistema normativo internacional, assim como as principais implicações das normais internacionais na construção da legislação empresarial pátria. Noções históricas e conceituais do direito empresarial O comércio é, sem dúvida, uma das práticas humanas mais antigas, razão pela qual podemos presenciar tais atos desde os primórdios das sociedades, o que o torna uma das atividades mais importantes no cotidiano. Considerando ainda as notícias de que a atividade comercial já era exercida desde a Antiguidade, podemos constatar várias regras relacionadas ao comércio no Código de Manu e no Código de Hamurabi, por exemplo. As Leis de UR-Uinim-Enmgina, do séc. XXI a.C, na cidade de Ur, já trazia normas que proibiam o cultivo em terras de propriedade alheia e limitavam a tabela de juros e preços. Saiba mais Contudo, somente no século XI, com o surgimento das Corporações de Ofício, que a relação comercial buscou ser sistematizada, criando-se as normas e estruturas para dirimir possíveis conflitos. Para Rubens Requião (1998): 4 É nessa fase histórica que começa a se cristalizar o direito comercial, deduzindo das regras corporativas e, sobretudo, dos assentos jurisprudenciais das decisões dos cônsules, juízes designados pela corporação, para, em seu âmbito, dirimirem as disputas entre comerciantes. (REQUIÃO, 1998, p. 10-11) Inicialmente, o Direito Comercial era construído com base na teoria subjetiva, uma vez que deveria ser aplicável apenas aos comerciantes matriculados nas corporações, ou seja, o marco para a aplicabilidade do Direito Comercial fazia ilação ao indivíduo: o comerciante. As corporações são uma das primeiras formas de sistematização de sistematização e divisão social do trabalho. Saiba mais Com o passar do tempo, sobretudo com a Revolução Francesa, a concepção tradicional do Direito Comercial foi perdendo sentido, dadas as diversas modificações sociais, políticas e jurídicas. Assim, não fazia mais sentido entender que o Direito Comercial estava relacionado à pessoa que praticava os atos comerciais, mas sim pela análise da própria atividade comercial, surgindo com isso a teoria objetiva. Segundo os ensinamentos de Rubens Requião (1998): E, malgrado a reação do direito territorial, se foi ampliando a competência dos cônsules aos estranhos às corporações, que tivessem contratado com um comerciante nela inscrito. Ao mesmo tempo, relaxa-se a exigência da matrícula como condição para o comerciante submeter-se à jurisdição consular, estendendo-se sua competência a comerciantes não matriculados. (REQUIÃO, 1998, p. 12) Tal teoria foi influenciada pelos ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade”, palavras de ordem da Revolução Francesa, por meio da qual se buscou excluir o privilégio de determinadas classes e, consecutivamente, assegurar a tutela do direito a todos os indivíduos que exerciam atividades comerciais. 5 Documentário: A Revolução Francesa Sinopse: o enredo mostra os conflitos por interesses de classes. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IVfsFeYKM-s. Saiba mais Diante da consolidação da Revolução Francesa e do fomento do lema, as modificações ocorridas na França exerceram influência na elaboração de legislações comerciais de outros estados, conforme informa Requião (1998): O sistema objetivista, que desloca a base do direito comercial da figura tradicional do comerciante para a dos atos de comércio, tem sido acoimado de infeliz, de vez que até hoje não conseguiram os comerciantes definir satisfatoriamente o que sejam eles. (REQUIÃO, 1998, p. 13) Essa influência foi incutida na ordem jurídica nacional de uma forma direta. Tamanha sua implicação, que as normas empresariais, em um primeiro momento, eram denominadas de normas do direito comercial por parcela da doutrina. Existem diversos conceitos que podem ser adotados para conceituar a disciplina Direito Empresarial. Neste contexto, iremos defini-lo como um conjunto de normas que regra as atividades das empresas e daqueles que atuam nesta atividade, bem como dos direitos diretos e indiretos ligados a elas. Nas palavras de Fabio Ulhôa Coelho (2012): O Direito Comercial cuida do exercício dessa atividade econômica organizada de fornecimento de bens ou serviços, denominada empresa. Seu objeto é o estudo dos meios socialmente estruturados de superação dos conflitos de interesses envolvendo empresários ou relacionados às empresas que exploram. As leis e a forma pela qual são interpretadas pela jurisprudência e doutrina, os valores prestigiados pela sociedade, bem assim o funcionamento dos aparatos estatal e paraestatal, na superação. (COELHO, 2012, p. 22) Como já mencionado, o Direito Empresarial, anteriormente chamado de Direito Comercial, nasceu como um ramo autônomo do Direito Civil, possuindo princípios e características próprias. A adoção da teoria das empresas, modificou a perspectiva relacionada ao Direito Empresarial. https://www.youtube.com/watch?v=IVfsFeYKM-s 6 O Código Comercial, de 1850, destaca que a marca distintiva do Direito Comercial era o exercício efetivo do comércio. Saiba mais Direito empresarial internacional e interno Diante do atual cenário de globalização, é de suma importância estudarmos os vínculos relacionados à disciplina no seu âmbito internacional e nacional, com o escopo de delimitar os requisitos para a determinação da nacionalidade da sociedade. O Direito Empresarial Internacional busca examinar as características, a regulamentação do mercado e as codificações existentes e, para tanto, envolve diversas organizações econômicas e financeiras. Podemos citar como uma das principais a Organização Mundial do Comércio (OMC), que se apresenta como uma via de solução de conflitos entre os Estados, ou seja, busca regulamentar o comércio internacional por diretrizes gerais. A OMC iniciou suas atividades em 1º de janeiro de 1995 e, desde então, tem atuado como a principal instância para administrar o sistema multilateral de comércio. A organização tem como objetivos: estabelecer um marco institucional comum para regular as relações comerciais entre os diversos membros que a compõem; determinar um mecanismo de solução pacífica das controvérsias comerciais, tendo como base os acordos comerciais em vigor; e, por fim, criar um ambiente que permita a negociação de novos acordos comerciais entre os membros – contando atualmente com 160, sendo o Brasil um dos fundadores. Sua sede está localizada em Genebra (Suíça) e as três línguas oficiais da organização são o inglês, o francês e o espanhol. Saiba mais 7 Não podemos deixar de mencionar a chamada lex mercatoria, que é um direito surgido dos usos, jurisprudências e costumes internacionais. No âmbito internacional, as pessoas jurídicas são sociedades transnacionais, ou seja, possuem matriz em um país, mas atuam em diversos outros. Transnacional: que ultrapassa os limites das fronteiras de um país. Fonte: https://www.dicio.com.br/transnacional/ Curiosidade Nesse sentido, uma das principais distinções entre o Direito Empresarial Internacional e o Nacional refere-se à unificação das normas comerciais. É fortementepresente no âmbito internacional a autorregulamentação, que consiste em ajustes comerciais feitos pelos próprios Estados, em decorrência da livre concorrência. Por tais motivos, a doutrina entende que no âmbito internacional vigore a técnica do direito flexível, em que se prima pela harmonização normativa por meio de princípios reguladores. Por seu turno, o Direito Empresarial Interno, quando analisado sob a perspectiva da pessoa jurídica, possui como base legal o Código Civil de 2002 (CC/02), do art. 40 ao art. 69 (BRASIL, 2002). Para Requião (1998), podemos conceituar pessoa jurídica como: O ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode ser sujeito de direitos. Não se confundem, assim, as pessoas jurídicas com as pessoas físicas que deram lugar ao seu nascimento; pelo contrário, delas se distanciam, adquirindo patrimônio autônomo e exercendo direitos em nome próprio. Por tal razão, as pessoas jurídicas têm nome particular, como as pessoas físicas, domicílio e nacionalidade; podem estar em juízo, como autoras ou como rés, sem que isso se reflita na pessoa daqueles que a constituíram. Finalmente, têm vida autônoma, muitas vezes superior às das pessoas que as formaram; em alguns casos, a mudança de estado dessas pessoas não se reflete na estrutura das pessoas jurídicas, podendo, assim, variar as pessoas físicas que lhe deram origem, sem que esse fato incida no seu organismo. É o que acontece com as sociedades institucionais ou de capitais, cujos sócios podem mudar de estado ou ser substituídos sem que se altere a estrutura social. (REQUIÃO, 1998, p. 204) https://www.dicio.com.br/transnacional/ 8 A pessoa jurídica pode ser constituída por pessoas (universitas personarum) ou bens (universitas bonorum), sendo subdivididas em pessoas jurídicas de direito público externo, pessoas jurídicas de direito público interno e pessoas jurídicas de direito privado. Podemos citar, a título exemplificativo de Direito Público Externo, a Organização das Nações Unidas (ONU); nos casos de Direito Público Interno, a administração pública direta (União, Distrito Federal, Estados e Municípios) e administração pública indireta (autarquias, fundações públicas, agências reguladoras e agências executivas); por fim, de Direito Privado (associações, sociedades civis e sociedades empresariais). Existem diversas teorias relacionadas à natureza das pessoas jurídicas de direito privado e, dentre elas, as mais significativas são a teoria da ficção e a teoria da realidade, em que a primeira, estabelecida por Savigny, informa que é fictícia a figura da personalidade jurídica, pois ela decorre de uma criação legal (sua finalidade seria a de facilitar determinadas funções); enquanto a teoria da realidade técnica, cujo defensor foi Ihering, entende que a pessoa jurídica ocorre em virtude da união de um grupo de pessoas para fins específicos, sendo que, para esta corrente, a pessoa jurídica é uma realidade social. Não são admitidas para registro, nem podem funcionar, sociedade de advogados que apresentem forma ou características de sociedade empresária, que adotem denominação fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam como sócio ou titular de sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como advogado ou totalmente proibida de advogar. Essa previsão está contida no Estatuto da Advocacia e na Ordem de Advogados do Brasil – OAB (Lei nº 8.906, 04 de julho, de 1994), no art. 16. Saiba mais Ademais, no caso das pessoas jurídicas de direito privado, existem duas hipóteses para a sua criação: por ato constitutivo (escrito e preliminar) e pelo registro em cartório. Para que surta seus efeitos legais, o ato constitutivo deve ser levado para registro, pois caso contrário existirá uma sociedade de fato. O registro em cartório ocorre na junta comercial, exceto para as sociedades civis de advogados cujo registro ocorre na Ordem de Advogados do Brasil. 9 Direito empresarial no Brasil No Brasil, o Direito Comercial iniciou-se em 1808, com a vinda da família real portuguesa e, posteriormente, com a promulgação de normas comerciais, o estabelecimento do livre comércio e a criação do Banco do Brasil. Neste período, as regras inerentes às atividades comerciais eram reguladas pelo Pacto Colonial, que tinha como objetivo regrar as atividades comerciais das colônias junto à metrópole, situação que foi marcada pelo monopólio da metrópole em face das colônias. O Pacto Colonial era um conjunto de regras, leis e normas que as metrópoles impunham as suas colônias durante o período colonial. Saiba mais Em 25 de junho de 1850, sancionou-se o Código Comercial Brasileiro. Até então, as relações comerciais eram regidas pelas leis portuguesas. Ademais, com o surgimento de um código comercial próprio, substituíram-se os regramentos estrangeiros em detrimento das particularidades brasileiras. O Código Comercial Brasileiro possuía fortes influências da legislação francesa, motivo pelo qual foi adotada a teoria dos atos de comércio, corrente superada com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, que adotou a Teoria da Empresa. Para Fabio Ulhôa Coelho (2012): O Direito Comercial brasileiro filia-se, desde o último quarto do século XX, à teoria da empresa. Nos anos 1970, a doutrina comercialista estuda com atenção o sistema italiano de disciplina privada da atividade econômica. Já nos anos 1980, diversos julgados mostram-se guiados pela teoria da empresa para alcançar soluções mais justas aos conflitos de interesse entre empresários. A partir dos anos 1990, pelo menos três leis (Código de Defesa do Consumidor, Lei das Locações e Lei do Registro do Comércio) são editadas sem nenhuma inspiração na teoria dos atos do comércio. O Código Civil de 2002 conclui a transição, ao disciplinar, no Livro II da Parte Especial, o direito de empresa. (COELHO, 2012 p. 26) 10 No Brasil, houve grande dificuldade na definição de um conceito para as relações jurídicas comerciais. Atualmente, a divergência entre a adoção da teoria dos atos de comércio e da teoria da empresa encontra-se superada, conforme se constata no CC/02. 11 Fechamento Nesta unidade, verificamos que, ao longo da histórica, foram destinadas normas jurídicas aplicáveis à atividade empresarial e percebemos que desde a antiguidade as normas visam proteger a atividade comercial. Nesse sentido, destacamos o Código de Hamurabi, que trouxe normas protegendo a matéria do direito comercial. Vimos que o surgimento das corporações de oficio foi fundamental para a organização da divisão social do trabalho e, por consequência, da expansão das relações comerciais, movimento que possibilitou novas formas comerciais que demandavam uma normatização própria. Quanto ao exame das normas internacionais, a partir da técnica do direito comparado, analisamos que no plano internacional há uma tendência para a concretização do chamado direito flexível, que prima pela harmonização normativa por meio de princípios reguladores. Por fim, examinamos a construção normativa do direito empresarial no âmbito interno, verificamos a importância do Código Comercial de 1850, considerado a norma mais duradoura do direito brasileiro, e que foi utilizada como base para a construção das normas contidas no Código Civil de 2002, o qual contém um rol normativo específico para a tutela do Direito Empresarial. 12 Referências BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: VADE Mecum. São Paulo: Saraiva, 2020. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. NEGRÃO, R. Manual de direito comercial e de empresa. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. REQUIÃO, R. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1998.