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Metamorfoses e Reflexões em Clarice Lispector

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Fascinava-nos, apenas.
Deixamos para compreendê-la mais tarde.
Mais tarde, um dia... saberemos amar Clarice.
O NÚCLEO ÚLTIMO DA PESSOA
Os contos de Felicidade clandestina (1971), de Clarice Lispector, apresentam uma prosa introspectiva, 
em que a ação nada mais é do que pretexto para as reflexões dos personagens e narradores. O tom das 
narrativas é de coloquialismo, a prosa flui sem muitas surpresas, num ritmo reflexivo que não privilegia o 
inusitado ou o imprevisível, em favor da investigação das motivações dos seres humanos.
O ponto de vista da infância prevalece nos contos; são as crianças buscando ou vivendo um rito de 
passagem, como a menina com seu livro que se vê uma mulher com seu amante, como a procura inútil da 
chave do mistério das coisas feita pelo menino míope, como o ritual carnavalesco da transformação da 
menina em mulher, como o bebê que vê o mundo ter significado.
A temática da metamorfose envolve também o mundo adolescente e adulto, com descobertas, novos 
conhecimentos, revelações inusitadas, constantes mutações.       
LIVRO 
"Felicidade clandestina": A GENTE QUER DESABROCHAR
No primeiro conto, que dá título à coletânea, o processo torturante da 
espera indefinida ia minando as forças da leitorinha ávida, que se 
submetia sem vislumbrar maneira de sair do jugo da outra, e definhando 
sempre. O jogo perverso termina com a interferência providencial de um 
adulto, que interveio e cedeu o livro para a torturada, "por quanto tempo 
quiser". A dor da espera valorizou a conquista, e o êxtase da posse — ainda 
que temporária — do objeto amado provocou uma transformação na 
menina. O amor até então infantil, que a fazia andar dando pulos, cede 
lugar então a um amor mais refinado, mais maduro, de conotações 
eróticas, de uma amante que saboreia profundamente o momento da 
aproximação e das carícias até se entregar ao puro prazer.
O tema da metamorfose, da mudança, da passagem de um ser a outro 
reaparece mais uma vez do ponto de vista da menina, em "Restos do 
carnaval", recriado na ótica da mulher adulta, que retorna à infância para 
reconstruir as impressões que o carnaval nela provocava. Era pura magia, 
embora sua participação se restringisse a assistir do pé da escada à 
movimentação da festa na rua, portando duas prendas que tinham de 
durar três dias: um saquinho de confetes e uma bisnaga de lança-perfume.
E o carnaval propiciava a ela também a realização de um sonho 
mediante o uso de batom e ruge: passar de menina a moça. Daí a 
importância da fantasia de rosa, metáfora da menina desabrochada em 
mulher, dos pudores femininos em caso de desnudamento provocado pela 
chuva nos papéis da fantasia. O imprevisto da doença da mãe alcançou-a 
no instante da transição, no momento em que a metamorfose se 
processava, em que a transformação ainda não era plena. A mágica da 
passagem não tivera êxito. A decepção durou muitas horas, até que o 
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