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Encontro Inesperado em Canoa

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verdes. Muito tempo mais tarde foi que eu soube que esse
lugarim Os-Porcos existe de se ver, menos longe daqui, nos
gerais de Lassance.
– "Lá é bom?" – perguntei. – "Demais..." – ele me
respondeu; e continuou explicando: – "Meu tio planta de tudo.
Mas arroz este ano não plantou, porque enviuvou de morte de
minha tia..." Assim parecesse que tinha vergonha, de estarem
comprando aquele arroz, o senhor veja.
Mas eu olhava esse menino, com um prazer de companhia,
como nunca por ninguém eu não tinha sentido. Achava que ele
era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz mesma,
muito leve, muito aprazível. Porque ele falava sem mudança,
nem intenção, sem sobejo de esforço, fazia de conversar uma
conversinha adulta e antiga. Fui recebendo em mim um desejo
de que ele não fosse mais embora, mas ficasse, sobre as horas, e
assim como estava sendo, sem parolagem miúda, sem
brincadeira – só meu companheiro amigo desconhecido.
Escondido enrolei minha sacola, aí tanto, mesmo em fé de
promessa, tive vergonha de estar esmolando. Mas ele apreciava
o trabalho dos homens, chamando para eles meu olhar, com um
jeito de siso. Senti, modo meu de menino, que ele também se
simpatizava a já comigo.
A ser que tinha dinheiro de seu, comprou um quarto de
queijo, e um pedaço de rapadura. Disse que ia passear em canoa.
Não pediu licença ao tio dele. Me perguntou se eu vinha. Tudo
fazia com um realce de simplicidade, tanto desmentindo pressa,
que a gente só podia responder que sim. Ele me deu a mão, para
me ajudar a descer o barranco.
As canoas eram algumas, elas todas compridas, como as de
hoje, escavacadas cada qual em tronco de pau de árvore. Uma
estava ocupada, apipada passando as sacas de arroz, e nós
escolhemos a melhor das outras, quase sem água nem lama
nenhuma no fundo. Sentei lá dentro, de pinto em ovo. Ele se
sentou em minha frente, estávamos virados um para o outro.
Notei que a canoa se equilibrava mal, balançando no estado do
rio. O menino tinha me dado a mão para descer o barranco. Era
uma mão bonita, macia e quente, agora eu estava vergonhoso,
perturbado. O vacilo da canoa me dava um aumentante receio.
Olhei: aqueles esmerados esmartes olhos, botados verdes, de
folhudas pestanas, luziam um efeito de calma, que até me
repassasse. Eu não sabia nadar. O remador, um menino também,
da laia da gente, foi remando. Bom aquilo não era, tão
pouca firmeza. Resolvi ter brio. Só era bom por estar perto do
menino. Nem em minha mãe eu não pensava. Eu estava indo a
meu esmo.
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