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Hipnose coletiva DELÍRIO DO PODER - MARCIA TIBURI

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Hipnose coletiva: o mal radical
Não há unidade na luta. Há divisão. A polarização pura e simples como vivemos no Brasil precisa ser superada na aceitação de uma sociedade multipolar de direitos assegurados. Devemos construir essa sociedade hoje, contra a unidade fascista.
Nesse momento, a polarização entre “esquerda” e “direita” sobre a qual muitos falam, tornou-se secundária perto da oposição entre os que sabem o valor da democracia e os que não a valorizam.
Um amplo espectro que vai da esquerda à direita, passando por um centro amplo e variado, se posiciona pela democracia, enquanto uma parcela da população desdenha dela. De um lado, estão os “autoritários de raiz”, digamos assim, por pertencerem às elites econômicas. Junto a esses, aqueles que por muitos motivos querem se aproximar dessas elites, mesmo que seja por imitação de suas ideias e discursos. Há também aqueles que se sentem desdenhados pela democracia e, De algum modo, pretendem se vingar dela. É por isso que muitos votam como piada, como acinte, como deboche. São os mesmos que dizem que querem “ver o circo pegar fogo”. Há nesses grupos quem não imagine que possa ser queimado juntamente com o fogo que estimula. Ou, mesmo sabendo, já não se importe, tomado que está de uma perspectiva delirante. Mas há também quem, mesmo sabendo que pode ser aniquilado, entrega se a uma perspectiva niilista.
Aqueles que, acreditando ter o monopólio da violência, pregam violência, e que, no limite, mesmo sendo vítimas da violência que pregam, não se importam em continuar a pregá-la. O discurso da incitação à violência é o praticável por qualquer um. Viola-se um mandamento religioso e cultural que é o “não matarás” com imensa tranquilidade.
O discurso de ódio evolui para incitação a matança. Pelo WhatsApp, uma rede social de viés subterrâneo, que funciona em uma lógica de segredo, circulam a algum tempo estímulos para que se formem grupos de extermínio, para que as pessoas partam para a rua com as armas que tiverem a mão. Na ausência de armas de fogo, barras e facas. O discurso da incitação explícita a violência está longe de se mostrar como um mal menor em nome de um bem maior. É o puro gozo da aniquilação do outro o que está sendo conclamado. A retórica dos niilistas é a da simples liberação e incitação da ação violenta.
A grande polarização do momento está, portanto, entre o consciente e o inconsciente. Entre aqueles que se mantêm despertos e aqueles que estão mergulhados no pesadelo, gozando com ele. O sujeito do delírio surge nesse limiar. Situado entre o sonho e a vigília. É nesse limiar que as pessoas alucinam ou simplesmente vivem crenças paranoicas, aquelas que não admitem a presença de perspectivas diferentes. Que o voto tenha um papel importante nesse delírio, que ele possa aniquilar a presença da diferença, é o que se promete neste momento e, junto, é a própria auto aniquilação de quem sonha com a aniquilação do outro o que está em jogo.
Podemos nos perguntar se, caso estivessem conscientes, esses indivíduos agiriam do mesmo modo. Um sonâmbulo colocaria o pé no abismo se estivesse consciente do seu ato? Talvez. Se, estando louco, precisasse provar que acima de tudo não está louco. O delírio é, portanto, mais grave; não basta mostrar que se trata de um delírio. A psicologia das massas está sendo usada pelos malfeitores, que já sabem como se proteger das perguntas difíceis que expõem suas contradições.
Capítulo HIPNOSE COLETIVA: O MAL RADICAL do livro DELÍRIO DO PODER de MARCIA TIBURI (págs. 228-229)3

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