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Estéril, a vida continuou: a fome, a peste, a guerra — a morte! 2 Secam as fontes e os rios, ardem as searas e a nossa casa e as árvores nuas amaldiçoam o céu, sem sabermos porquê. Morrem os jovens antes de se amarem e os poetas com os poemas inacabados e as crianças olhando espantadas para o céu, sem saberem porquê. Um vento noturno deixou insepultos ventres e seios e desejos de maternidade nunca realizados, e secou risos e cantares subindo para o céu, sem sabermos porquê. Andam as guerras pelo mundo: somente possuímos uma voz, uma voz e essa voz não se calará e nós sabemos porquê! 3 Antes da metralha e do medo e da morte, antes de um corpo jovem, anônimo, apodrecer esquecido à chuva e ao vento, ou singrar, boiando, na água mansa, ou se despedaçar contra o céu indiferente... Antes do pavor e do pranto e da prece, um adeus longo e triste aos poemas no fundo da gaveta, e à renúncia ao teu amor brando e às noites calmas e ao sonho inacabado... Antes da morte sem-mistério, um adeus longo e triste à luta de que não se partilhou!.. . 4 Longe, a bala rasgando o luar; longe, o corpo caindo; longe, o sangue, vermelho e morno e espesso. Aqui, à face desta lua e da noite, iguais às outras luas e às outras noites, iguais como o sangue vermelho e morno e espesso dos homens ... 29