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https://doi.org/10.1590/2316-82422023v4402af
* Tradução de Maurício Uzêda de Faria
** Universidade Côte d’Azur, Nice, França. 
ORCID https://orcid.org/0009-0003-5413-2121
Correio eletrônico: alexandre.fillon1@gmail.com
Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.44, n.2, p. 41-66, maio/agosto, 2023. | 41
Da paixão do 
conhecimento ao eterno 
retorno*
Alexandre Fillon**
Resumo: O primeiro fragmento em que Nietzsche menciona o 
seu pensamento do eterno retorno é conhecido por sua grande 
obscuridade. Propomo-nos neste artigo a contribuir com a gênese 
filosófica desse pensamento, localizando-o no contexto da filosofia 
experimental a partir de Aurora e identificando os liames entre 
esse fragmento e os textos que o precedem a partir de 1880. O 
pensamento do eterno retorno parece então se apoiar sobre uma 
outra representação da realidade, resultante do que Nietzsche 
chama “a paixão do conhecimento”, noção que ele reivindica 
constantemente e que inaugura a filosofia da afirmação.
Palavras-chave: eterno retorno, paixão do conhecimento, filosofia 
da afirmação, criação de valores, Versuch.
https://doi.org/10.1590/2316-82422023v4402af
https://orcid.org/0009-0003-5413-2121
Fillon, A.
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O pensamento do eterno retorno aparece pela primeira vez 
em um fragmento bem conhecido datado do mês de agosto de 
1881.1 Referimo-nos frequentemente a esse texto como um tipo de 
memorial pascal, devido ao entusiasmo que Nietzsche demonstra 
com a descoberta desse pensamento e do qual sua correspondência 
testemunha, mas sobretudo devido ao relato retrospectivo que fez 
dele em Ecce Homo:
Contarei agora a história do Zaratustra. A concepção fundamental da obra, 
o pensamento do eterno retorno, a mais elevada forma de afirmação que se 
pode em absoluto alcançar, é de agosto de 1881: foi lançado em uma página 
com o subescrito: “seis mil pés acima do homem e do tempo”. Naquele dia 
eu caminhava pelos bosques perto do lago de Silvaplana; detive-me junto 
a um imponente bloco de pedra em forma de pirâmide, pouco distante de 
Surlei. Então veio-me esse pensamento” (EH/EH, Por que escrevo tão bons 
livros, ZA, 1, KSA 6.335).
Esse relato parece sugerir que o pensamento do retorno, 
“concepção fundamental” de Assim falou Zaratustra2, teria ocorrido 
como uma forma de revelação mística, independentemente da 
vontade e das orientações filosóficas de seu autor. É preciso, no 
entanto, precaver-se da impressão buscada por esse relato. Se há 
uma revelação, ela parece mais próxima da inspiração poética do 
que da experiência religiosa, como Nietzsche sugere algumas linhas 
depois em Ecce Homo, como para advertir o leitor a não interpretar 
mal sua encenação [mise en scène].3 Por outro lado, o pensamento 
1 NF/FP 1881, 11 [141], KSA 9. 494.
2 O que é atestado, por exemplo, pelo fato de que o primeiro plano esboçado às pressas para o 
Zaratustra segue de perto o aparecimento do eterno retorno. Ver NF/FP 1881, 11 [195-197], KSA 
9.519, datado de 26 de agosto de 1881.
3 EH/EH, Por que escrevo tão bons livros, ZA, 3, KSA 6.339: “— Alguém, no final do século XIX, tem 
nítida noção daquilo que os poetas de épocas fortes chamavam inspiração? Se não, eu o descreverei. 
— Havendo o menor resquício de suprestição dentro de si, dificilmente se saberia afastar a ideia de 
ser mera encarnação, mero porta-voz, mero medium de forças poderosíssimas. A noção de revelação, 
no sentido de que subitamente, com inefável certeza e sutileza, algo se torna visível, audível, algo 
que comove e transtorna no mais fundo, descreve simplesmente o estado de fato”.
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do eterno retorno não surgiu por acaso no seio do questionamento 
nietzschiano. É possível fazer a gênese, identificar as fontes das 
diferentes leituras filosóficas e científicas desse período, como já foi 
minuciosamente feito.4 É importante também situar essas primeiras 
análises em uma pesquisa intensa que pode ser constatada desde os 
anos 1880 e 1881, acompanhando o percurso de Nietzsche de Aurora 
a A gaia ciência. Propomo-nos, no presente artigo, a contribuir para 
essa contextualização filosófica do surgimento do pensamento do 
eterno retorno, examinando os vínculos entre a primeira versão do 
pensamento do retorno e uma noção que adquire uma importância 
crescente durante esse período, a paixão do conhecimento (die 
Leidenschaft der Erkenntnis).5 Esse esforço de contextualização permite 
desfazer a ilusão retrospectiva de uma inspiração tão repentina quanto 
inesperada, esclarecer o significado deste obscuro fragmento 11[141], 
e também compreender mais precisamente as questões que não 
cessam de acompanhar este pensamento, principalmente sua relação 
com a doutrina da “afirmação mais elevada que se pode alcançar”, 
da qual o eterno retorno pretende ser a fórmula e o instrumento. 
Versuch e paixão do conhecimento entre Aurora e A 
Gaia Ciência
“Als Versucher” (JGB/BM 42, KSA 5.59)
Aurora se distingue particularmente das obras anteriores 
de Nietzsche por sua exigência de ir além da análise crítica das 
apreciações morais que estruturam as formas da vida humana. A partir 
desse período, a criação de novos valores e a busca dos instrumentos 
4 Cf. P. D’Iorio, 1995, s. 62-123. Sobre a relação de Nietzsche com as ciências de seu tempo, Cf. 
principalmente T. Brobjer; G. Moore, 2004.
5 Em algumas páginas de um estudo já publicado, havíamos sugerido a importância da noção de paixão 
do conhecimento para o eterno retorno, mas sem aprofundá-la suficientemente nem estudá-la por 
ela mesma. Cf. A. Fillon, 2019, p. 255-273. O presente artigo é sua retificação e aprofundamento.
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práticos para torná-la possível tornam-se o horizonte primordial 
do filósofo.6 É por isso que o quinto livro de Aurora, consagrado 
principalmente a essa nova orientação da filosofia, caracteriza 
principalmente o filósofo como Versucher7 [experimentador]. O 
Versucher é, em primeiro lugar, um espírito livre, um espírito que 
pensa e sente de outra forma, que se libertou, graças à sua probidade, 
de crenças e preconceitos diversos, mas que transpõe na ordem da 
vida e da ação sua liberdade de espírito. Seu nome indica portanto 
que a filosofia não deve somente pensar de outra forma, se libertar 
de seus preconceitos e ser um exercício crítico; ela deve converter 
seu conhecimento novo em ação, fazendo experiências e tentativas 
sobre as apreciações de valores, que é a única maneira de criá-los. 
Um filósofo assim é desprovido da crença no caráter absoluto e 
incondicionado dos valores, e navega sem certezas. É um cético, mas 
animado por um ceticismo criador, um ceticismo que quer proceder 
às experiências, conforme será definido no § 51 de A gaia ciência: 
“Eu elogio todo ceticismo ao qual posso responder: ‘Tentemos!’ Mas 
já não quero ouvir falar de todas essas coisas e questões que não 
permitem o experimento” (FW/GC 51, KSA 3.415). Essa disposição 
de espírito incita a fazer novas experiências, tentativas em múltiplas 
direções, acolhendo o risco de insucesso. Nietzsche o descreve ao 
mesmo tempo como homem do conhecimento e aventureiro, no que 
revela tudo o que a busca do conhecimento implica de incógnito, de 
exploração aventureira, e toda a coragem que ela exige. Essa imagem 
da experimentação e da exploração representa o trabalho de criação 
de valores. O filósofo deve multiplicar os métodos, ossaberes, as 
6 Essa tarefa permanece urgente nos textos póstumos até o aparecimento do eterno retorno, cf. NF/FP 
1881, 11 [76], KSA 9.470: “A mudança de estimativa de valor – é a minha tarefa”. Ela permanecerá 
primordial até os últimos textos de Nietzsche.
7 Essa figura adquire uma importância primordial em Para além de bem e mal para determinar a 
natureza da filosofia do futuro. Pode-se considerar nesta obra que o Versucher é a figura intermediária 
entre o espírito livre e o ideal do filósofo legislador. Ver em particular Para além de bem e mal, § 
42, § 205 e § 210.
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experiências, para se desprender dos valores dominantes, guardar 
suficiente distância e lucidez diante deles, e avaliá-los, para então 
começar a experimentar os caminhos que se abrem a novas formas de 
viver. Nenhum método seguro, nenhum critério teórico pode definir 
previamente um bom caminho. Não se pode mais que avançar às 
apalpadelas, improvisar, fazer as experiências que podem se verificar 
fecundas ou decepcionantes. O §432 de Aurora coloca nesse sentido 
o Versuch [experimento, ensaio] como o único método possível para 
essa tarefa prática: “Não existe um método da ciência que seja o único 
a levar ao saber! Temos que lidar experimentalmente com as coisas, 
sendo ora maus, ora bons para com elas e agindo sucessivamente 
com justiça, paixão e frieza em relação a elas. […] Como todos 
os conquistadores, descobridores, navegantes, aventureiros, nós, 
investigadores, somos de uma moralidade temerária, e temos que 
admitir ser considerados maus no conjunto (M/A 432, KSA 3.266).
O caráter experimental e incerto da criação de valores resulta 
igualmente do diagnóstico de Nietzsche sobre a modernidade. O 
niilismo constitui uma necessária derrocada dos juízos morais que 
eram até o presente dominantes nas culturas europeias, mas ele se 
compreende igualmente por uma total incerteza quanto às possíveis 
direções que essas culturas podem tomar em uma tal situação. A 
modernidade é um período transitório, um “interregno moral”, como 
a define o importante § 453 de Aurora: nós não podemos mais viver 
segundo os antigos juízos morais, cujas fundações se revelaram 
equivocadas e estão ruindo por si mesmas, mas não conhecemos 
de maneira certa e prévia os valores que podem regular no futuro 
nossas formas de sentir, de agir e de pensar, nem o melhor modus 
operandi [mode opératoire] para estabelecê-las de maneira durável. 
Uma incerteza fundamental reina sobre a maneira como se deve 
“construir novamente as leis da vida e do agir” (M/A 453, KSA 
3.274), e não existe outro meio, para se voltar em direção ao futuro, 
a não ser fazer tentativas, experiências sobre os procedimentos para 
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estabelecer essas novas leis — o que supõe, para o filósofo, probidade 
(Redlichkeit) e coragem: “De modo que levamos uma existência 
provisória ou uma existência póstuma, conforme o gosto e o talento, 
e o melhor que fazemos, nesse interregno, é ser o máximo possível 
nossos próprios reges e fundar pequenos Estados experimentais. Nós 
somos experimentos: sejamo-lo de bom grado!” (Idem). O Versuch 
define assim o único modus operandi possível para trabalhar pela 
instauração de novos valores. Ele implica que já se tenha abandonado 
a crença no caráter absoluto dos valores, e que se reconheça capaz de 
criar, de inventar as próprias apreciações, o que constitui a herança do 
espírito livre. É por isso que Nietzsche sistematicamente a elogia: “Os 
espíritos livres experimentam uma nova forma de vida, inestimável! Os 
homens morais deixariam o mundo estiar. As estações experimentais 
da humanidade” (NF/FP 1880, 1 [38], KSA 9.14).8
A paixão do conhecimento
Em um estudo fundamental,9 Marco Brusotti também 
mostrou a importância da noção de “paixão do conhecimento” 
para a compreensão da filosofia nietzschiana de Aurora a Assim 
falava Zaratustra. Por trás dessa fórmula enigmática que redefine, 
em certo sentido, a ética do filósofo, esconde-se um conjunto de 
análises extremamente nuançadas e complexas sobre o estatuto 
axiológico e afetivo do conhecimento. Essas análises são decisivas 
para compreender o sentido das primeiras ocorrências do pensamento 
do eterno retorno.10 Este último só aparece, com efeito, no fragmento 
11 [141], como procedente da paixão do conhecimento, como se 
constata na passagem seguinte, e é exatamente a transição de uma 
ao outro que é o verdadeiro objeto de análise de Nietzsche:
8 Cf. também KSA 9. 202, 313.
9 M. Brusotti, 1997a; 1997b, p. 199-225; K. Ansell-Pearson, 2018.
10 O que já ressaltou Brusotti, 1997a, p. 311-379.
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1. A incorporação dos erros fundamentais.
2. A incorporação das paixões.
3. A incorporação do saber e do saber renunciado (Paixão do conhecimento).
4. O inocente. O indivíduo como experimento. O aliviamento da vida, 
degradação, enfraquecimento – transição. 
5. A novo peso: o eterno retorno do mesmo (KSA 9. 494).
Além da importância argumentativa dessa noção nessa 
passagem, sobre a qual retornaremos, é preciso também ressaltar que 
Nietzsche consagra um número considerável de análises a ela, de 1880 
até algumas linhas que precedem esse texto, e, bem entendido, além 
dele. Com essa expressão enigmática, Nietzsche afirma sobretudo que 
o conhecimento é uma paixão, que ele contém uma atividade afetiva 
intensa indicando sua proveniência pulsional. Esse é o seu primeiro 
significado. O conhecimento revela que não é distinto das paixões, 
separável do mundo dos afetos de nossos corpos e de sua necessidade 
de crença, mas que é uma emanação de nossa atividade pulsional e 
que permanece submisso, como toda outra atividade humana, a seu 
modo de organização. Mas o que torna a explicação desses textos tão 
difícil é que eles concernem tanto ao conhecimento, como objeto de 
investigação crítica, quanto ao discurso nietzschiano em si mesmo, 
pois este último se reconhece, enquanto filósofo e espírito livre, 
animado desta paixão do conhecimento, – uma paixão à qual tudo 
é sacrificado, tão poderosa que ela mesma se toma por objeto de 
conhecimento enquanto paixão. É fundamental ter em mente que a 
ideia de paixão do conhecimento não concerne somente às análises 
sobre o instinto de conhecer da humanidade moderna, mas também 
sobre o Versuch do filósofo. A expressão “paixão do conhecimento” 
é com efeito sempre conotada positivamente durante esse período, 
e a filosofia experimental de Nietzsche a reivindica constantemente. 
Em um texto póstumo do período de Aurora, ele descreve, falando 
de sua própria experiência vivida, o paradoxo de uma tal paixão, ao 
mesmo tempo fonte de “beatitude” e de “angústia”:
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Sopraram-me algo sobre a tranquilidade da felicidade do conhecimento 
– mas não a encontrei, e sim a detestei, agora que conheço a beatitude 
da infelicidade do conhecimento. Estou entediado? Sempre angustiado, 
sempre ansioso com a espera ou com a decepção! Abençoo esse infortúnio, 
o mundo se torna rico através dele! Nisso dou o passo lento e sorvo o doce 
amargo. Não mais quero conhecimento sem perigo: que para o pesquisador 
o mar seja sempre traiçoeiro, a montanha sempre impiedosa! (NF/FP 1880, 
7 [165], KSA 9. 350).
A paixão do conhecimento se distinguedo modo de vida 
ascético da vita contemplativa que caracteriza o velho ideal da 
filosofia. A busca do conhecimento não se orienta mais por uma 
concepção antiga de beatitude, uma ausência de perturbações e 
de paixões que seria alcançada uma vez que o intelecto estivesse 
plenamente livre do sensível e contemplasse a verdade. Ele vive, ao 
contrário, da maneira mais apaixonada11 sua busca, mesmo que sofra 
e pereça por ela. Ele se nutre de sua vida afetiva, plena de desejos, 
de frustrações, de angústias, de derrotas e de vitórias. Uma vida 
orientada pelo conhecimento é uma vida de “perigo”, aventureira 
— e nós reconhecemos aqui, por trás dessa fórmula à primeira vista 
bem pouco nietzschiana, um espírito livre menos frio, menos crítico 
e mais fecundo que aquele de Humano, demasiado humano,12 a 
encarnação do Versucher. Assim, a paixão do conhecimento é um 
exemplo mesmo de uma paixão nobre, que pode aparecer como louca, 
11 Ibid., 6 [65], KSA 9.210: “Nas questões do espírito é grandioso aquele que, como grande exceção, 
sente fortemente as coisas do conhecimento e se comporta diante das coisas distantes como diante das 
próximas, de modo que elas lhe causam dor, estimulam a paixão, podem produzir grande elevação, 
em resumo que elas estão nele misturadas com os impulsos mais fortes. [...] Paixão por abstrações, 
e a incapacidade de tomar uma abstração por indiferente é o que faz o pensador”.
12 Sobre a maneira como a paixão do conhecimento pode se constituir como uma estação entre a 
potência do espírito livre em Humano, demasiado humano e a alegria afirmativa de A gaia ciência, 
remetemos a Keith Ansell-Pearson, 2018, p. 63-87. Inegavelmente, se o exercício da fria probidade 
em Humano, demasiado humano era a garantia, para o espírito livre, de se libertar de todas as cadeias 
de diferentes crenças, é igualmente necessário, para garantir a incorporação de novos valores, fazer 
desta probidade uma paixão, e que ela consiga se reconhecer também como proveniente do mesmo 
mundo pulsional que coloca em evidência de maneira crítica, a fim que de que possa tornar possível 
a incorporação de seu saber criador.
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excessiva, inútil ao homem ordinário, como Nietzsche nos descreve 
no primeiro livro de A gaia ciência.13
A paixão do conhecimento como Versuch
Por trás dessa fórmula se encontra uma primeira tentativa da 
parte de Nietzsche de instaurar novos valores, uma experimentação 
de existência livre de apreciações morais, que se esforça para 
julgar quais valores podem surgir desde que se sacrifique toda sua 
existência à paixão do conhecimento, desde que a vida mesma se 
torne um meio para conhecer. Ela representa assim um período de 
busca ao mesmo tempo ativa e instável, que toma gradualmente a 
direção da afirmação, que tenta superar o ascetismo e o pessimismo 
das apreciações modernas, e que conhece muitas estações, muitas 
paradas que culminam na aparição do pensamento do retorno. 
Nosso fragmento 11 [141] define essa tentativa, esse Versuch, de 
maneira muito precisa como o esforço para saber “em que medida 
uma metamorfose do homem se produz desde que não se vive enfim 
mais que para conhecer.14 Essa experiência feita com a vida e o 
conhecimento se caracteriza por uma certa desmedida, até uma 
loucura, mas ela deve sempre se exercer com alegria.15 Não se 
deve, portanto, confundi-la de maneira caricatural com o idealismo 
do conhecimento,16 cujo ascetismo nega a vida, pois ela será, em 
A gaia ciência, a expressão de seu ideal antagonista, um poder de 
afirmação da vida pelo que ela é — como o § 324, um dos textos 
mais afirmadores de Nietzsche, sublinha com júbilo:
13 Em particular nos § 2, 3 e 55.
14 “Em suma: esperar até onde o saber e a verdade podem ser incorporar – e em que medida 
ocorre uma metamorfose do homem quando ele finalmente viva apenas para conhecer. – Esta é a 
consequência da paixão do conhecimento […]” (KSA 9. 494).
15 NF/FP 1882, 3 [1], KSA 10. 61: “A vida em função do conhecimento talvez seja algo louco: mas 
ainda é um signo de alegria. O homem dessa vontade pode ser visto como tão engraçado quanto um 
elefante que tenta ficar em pé pela cabeça.
16 No § 123 de A gaia ciência, Nietzsche designa a paixão do conhecimento como uma paixão nova. 
A ciência se desenvolveu assim sem a necessidade dessa paixão.
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E o conhecimento mesmo: para outros pode ser outra coisa, um leito de 
repouso, por exemplo, ou a via para esse leito, ou uma distração, ou um 
ócio — para mim ele é um mundo de perigos e vitórias, no qual também 
os sentimentos heroicos têm seus locais de dança e de jogos. “A vida como 
meio de conhecimento” — com este princípio no coração pode-se não apenas 
viver valentemente, mas até viver e rir alegremente! E quem saberá rir e 
viver bem, se não entender primeiramente da guerra e da vitória (FW/GC 
324, KSA 3. 552).
Em que essa nova paixão constitui uma primeira tentativa 
no horizonte da tarefa prática do filósofo? O conhecimento não é 
mais, na perspectiva do Versucher, uma consolação possível, uma 
tentativa de justificar a vida submetendo-a às categorias que a negam, 
consequentemente um meio ascético para suportar a existência; ele 
se põe, em razão de seu caráter passional, como fim da existência 
mesma. Ao fazê-lo, a vida se torna ela mesma meio de conhecimento, 
ou seja, um objeto de experimentação para o filósofo. Não se trata de 
negar a vida através das categorias da razão para tentar, de alguma 
maneira, viver, mas de tirar da vida uma experimentação radical, 
tentando formular as estimativas de valor e as transformações possíveis 
que ocorrem logo que se sacrifica tudo ao instinto de conhecimento 
e não se vive mais que para conhecer.
É possível, com razão, espantar-se com a escolha desse critério 
de experimentação, dado o perigo, potencialmente destrutivo, segundo 
Nietzsche, do instinto de conhecer. Ele pode ser compreendido, 
contudo, à luz do esforço nietzschiano para agir sobre a cultura do 
homem moderno e se ajustar à sua condição fisiológica. Se se busca 
modificar os julgamentos que influenciam nosso pensamento e nosso 
agir, falta ainda identificar os afetos fundamentais dos quais eles são 
a expressão, procurar conhecer a sua configuração, a fim de poder 
em seguida jogar com eles, quer dizer, ajustar-se a eles e produzir 
os efeitos capazes de transformá-los. De acordo essa questão crucial, 
numerosas análises identificam o instinto de conhecimento como o 
instinto dominante e estruturante do tipo do homem moderno. Se 
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esse instinto pôde se desenvolver na história da cultura sem paixão, 
de maneira secundária, em compensação sua progressiva hipertrofia, 
sustentando o progresso das ciências, ele liberou essa paixão nova, 
que Nietzsche compartilha com seus contemporâneos. O §429 de 
Aurora analisa com precisão a predominância tirânica do instinto 
de conhecimento, tornado paixão primordial, assim como os perigos 
que daí podem resultar:
Mas nosso impulso ao conhecimento é demasiado forte para que ainda 
possamos estimar a felicidade sem conhecimento ou a felicidade de uma 
forte e firme ilusão; apenas imaginar esses estados é doloroso para nós! [...] 
O conhecimento, em nós, transformou-se em paixão que não vacila ante 
nenhum sacrifício e nada teme, no fundo, senão a sua própria extinção; nós 
acreditamos honestamente que, sob o ímpeto e o sofrimento dessa paixão, 
todaa humanidade tenha de acreditar-se mais sublime e consolada do que 
antes, quando ainda não havia superado a inveja do bem-estar grosseiro 
que acompanha a barbárie. E talvez até que a humanidade pereça devido 
a essa paixão do conhecimento! [...] Sim, odiamos a barbárie — preferimos 
todos o fim da humanidade ao retrocesso do conhecimento! E, afinal: se a 
humanidade não perecer de uma paixão, perecerá de uma fraqueza: o que 
é preferível? Eis a questão principal. Queremos para ela um final em luz 
e fogo ou em areia (M/A 429, KSA 3.264).
O europeu moderno é inteiramente dominado por seu impulso 
ao conhecimento; ele lhe sacrificará tudo, mesmo se esses sacrifícios 
desconhecidos colocam em perigo sua própria existência. Ele preferirá 
“o fim da humanidade ao retrocesso do conhecimento”. Nessa 
situação, o conhecimento se torna o único propósito da existência, 
e a vida, a humanidade mesma, torna-se o meio de alimentar o 
desencadeamento desse impulso.17 Há algo de terrível no fato de 
que o conhecimento se torna a única paixão, um “fim trágico”,18 em 
17 NF/FP 1880, 7 [171] KSA 9.352 : “Sim, pereceremos por essa paixão do conhecimento! Mas isso 
não é um argumento contra ela. Senão a morte seria um argumento contra a vida do indivíduo. Temos 
de perecer, como homem e como humanidade!”.
18 NF/FP , 7 |302], KSA 9.381.
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primeiro lugar na desmedida que demonstra, chegando a considerar 
a vida como um meio a seu serviço, mas de maneira mais estrutural, 
na impossibilidade radical de se satisfazer. Todo saber virá alimentar 
esse impulso, reforçá-lo, mas não preenchê-lo. O conhecimento não 
pode satisfazer seu desejo de apreender e possuir as coisas mesmas. 
Se a possibilidade de um conhecimento absoluto do real, ou mesmo de 
um simples conhecimento objetivo, é a expressão mesma do impulso 
de conhecer, a direção à qual tende é impossível, daí a alternativa 
trágica que ela abre entre a ilusão idealista segundo a qual “Ou tudo 
deve se dissolver em conhecimento ou ele se dissolve nas coisas – 
essa é sua tragédia (o último é sua morte e o páthos dela” (NF/FP 
1881, 11 [69], KSA 9.467) e a morte. O conhecimento apaixonado 
do Versuch nietzschiano, por outro lado, tirou lições da crítica da 
vontade de verdade incondicional. Ele não procura mais reduzir o 
real a uma verdade absoluta; seu saber novo, procedente do mais 
radical ceticismo, caracteriza-se ao contrário pelo reconhecimento da 
resistência da realidade à lógica do conhecimento. Ele experimenta 
uma vida animada por sua probidade e sua curiosidade e capaz de 
“Mas estar em meio a essa rerum concordia discors [discordante 
concerto das coisas] e toda a maravilhosa incerteza e ambiguidade 
da existência” (FW/GC 2, KSA 3.374).
De uma imagem ideal da existência à outra: 
pensamento da morte e pensamento do eterno retorno
As imagens ideais da existência
Avaliemos melhor a audácia da tentativa de Nietzsche: trata-se, 
para o filósofo Versucher, de aprofundar até o extremo esta paixão do 
conhecimento que pode consumir o homem moderno, de radicalizá-
la, a fim de ver que transformação do homem pode suceder. Desse 
ponto de vista, Nietzsche se esforça já, antes do pensamento do 
retorno, para radicalizar o niilismo, a fim de revertê-lo, para assumir 
Da paixão do conhecimento ao eterno retorno
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até o fim o pessimismo do intelecto para ver se é possível formular 
um julgamento afirmativo sobre a existência.19 O que acontece se 
radicalizarmos a visão e as apreciações da existência resultantes 
do instinto de conhecer? Essa tentativa procura expressar, bem ou 
mal, a representação fundamental da existência do ponto de vista do 
instinto do conhecimento, a fim de jogar em seguida com ele, o que 
um texto deste período expressa claramente: “Mas, quando surge 
outro ideal, então a ciência tem de, novamente, se subordinar a ele. 
Eu tento descobrir os preconceitos fundamentais da ciência atual! 
Isto é a europeidade!” (NF/FP 1880, 8 [63], KSA 9. 396). Essa 
passagem nos fornece uma pista importante concernente à paixão 
do conhecimento, e talvez ao destino do eterno retorno. Em todos os 
primeiros textos, o eterno retorno está decerto ligado, entre outros 
aspectos, aos debates cosmológicos do século XIX, mas igualmente 
à representação inconsciente que o instinto de conhecimento faz da 
vida. Trata-se, pelo menos por enquanto, de fazer experiências com 
os “preconceitos fundamentais da ciência atual”. Isto significa que a 
abordagem do filósofo se inscreve certamente no curso das ciências, 
não somente no nível dos conhecimentos científicos propriamente 
ditos, mas essencialmente em um nível mais profundo, mais oculto e 
inquestionado, o do instinto mesmo de conhecer. Nietzsche sublinha 
que, para formular esses julgamentos inconscientes sobre a existência, 
é preciso produzir um esforço de representação que ultrapasse as 
ciências e realce antes o poder de imaginação do pensamento. Trata-
se, antes de tudo, do trabalho de uma força poética. Um fragmento 
típico desse período, que precede ligeiramente os primeiros textos 
do pensamento do retorno, descreve assim esse esforço:
19 Ver o início do fragmento citado anteriormente que interroga a possibilidade de produzir uma vida 
afirmativa apesar do poder destrutivo da paixão do conhecimento que nega todos os fins da existência: 
“A paixão do conhecimento se vê como o fim da existência – se ela nega os fins, então ela se vê com 
o resultado mais valioso de todos os acasos. Ela negará esses valores? Ela não pode afirmar ser o 
mais alto prazer? Mas persegui-lo? Formar a criatura mais passível de prazer, como meio e tarefa 
dessa paixão? Aumentar os sentidos e o orgulho e a sede, etc. (NF/FP 1881, 11 [69], KSA 9.467).
Fillon, A.
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– Todo nosso desenvolvimento antecipa uma imagem do ideal, um produto 
da fantasia: o verdadeiro desenvolvimento nos é desconhecido. Temos de 
criar essa imagem. A história do homem e da humanidade transcorre de 
forma desconhecida, mas o próprio desenvolvimento nos mostra as imagens 
ideais e sua história. A ciência não as pode criar, mas a ciência é o principal 
alimento desse impulso: receamos, a longo prazo, tudo o que é incerto, 
mentiroso; esse temor e esse asco fomentam a ciência. Aquele impulso 
poético deve descobrir, não fantasiar, descobrir, dos elementos reais, algo 
desconhecido: ele precisa da ciência, isto é, a soma do certo e do provável, 
para com esse material poder poetizar (NF/FP 1881, 11 [18], KSA 9.448).
Algumas linhas adiante, ele acrescenta: “As imagens da 
existência são as mais importantes até aqui – elas reinam sobre a 
humanidade” (NF/FP 1881, 11 [21], KSA 9.450). Esses textos colocam 
sempre em evidência a pregnância dos julgamentos de valores, mas 
descrevendo-os desta vez em uma lógica representativa, como quadros 
inconscientes, imagens ideais da existência que sintetizam nossa 
configuração pulsional, que projetamos sobre a realidade e aos quais 
nos conformamos, de maneira inconsciente, bem entendido. Parece 
então que Nietzsche se esforça, particularmente nesse período, para 
identificar uma imagem ideal da existência explorando a paixão do 
conhecimento, depois para produzir novas representações da mesma 
natureza, capazes de perturbar nossos juízos de gosto, reorientar 
a evolução do tipo europeu, imagens que descerram possíveis 
superações da modernidade. Deve-se compreender que o pensamento 
do retorno seria, segundo nossa interpretação, a imagem ideal que 
ele escolhefinalmente. É interessante notar que, para produzir dessa 
vez tais imagens ideais, é necessário nutrir-se das ciências, como o 
fez Nietzsche neste período de uma maneira desenfreada, mas esse 
trabalho continua sendo o de uma força artística de representação mais 
poderosa que a da pura teoria científica, uma força de representação 
que reúne as correntes, as linhas de força, como para “poetizá-
la”, extrair dela um poema (dichten). Ao aprofundar os debates 
cosmológicos de seu tempo, Nietzsche parece se orientar inicialmente 
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para uma forma de cosmologia poética, um quadro da realidade 
pintado por uma imaginação criadora que se nutre das ciências. 
Talvez ele volte a isso, quando escolher a maneira definitiva de 
formular na sua obra esse pensamento como uma ficção, em A gaia 
ciência e Assim falava Zaratustra.20
O pensamento da morte
Procuremos agora fornecer os contornos dessa imagem ideal 
resultante da paixão do conhecimento, que Nietzsche se esforça 
para extrair em diferentes textos póstumos, visivelmente com muitas 
dificuldades. Segue uma seleção, em ordem cronológica:
Aliás, perecemos por essa paixão. […] Chegamos, através da renúncia 
à ação, do ódio, do amor, ao caminho da paixão do conhecimento. O 
espectador sereno – até não ter mais o que ver! Desprezai-nos por isso, 
ativos! Contemplaremos vosso desprezo –: longe de nós, da humanidade, 
das coisas, do vir-a-ser –. (NF/FP 1880, 7 [171], KSA 9.352).
1. Queremos avaliar a existência real intelectualmente ou 2. avaliar 
moralmente: então algo aparece como rebaixado intelectualmente ou 
moralmente. E isso seria um asco de viver! Eliminemos portanto esses 
predicados do mundo! Também o indivíduo, como um todo, é tão estúpido e 
imoral quanto o resto do mundo, incluindo mesmo os melhores indivíduos! 
Portanto, ou perecer ou desaprender a elogiar e censurar. Os impulsos e seu 
desenvolvimento mostram enfim sua irracionalidade, eles se contradizem (na 
forma do intelecto que não gosta da existência), como a própria dor mostra. 
Nossa prudência brota da existência (NF/FP 1880, 10 [B37], KSA 9.420).
Ser indiferente ao resistir ao elogio ou à censura; Receita para isso. Ao 
contrário, oferecer para si um círculo que sabe de nossas metas e medidas 
e o que o elogio e a censura significam para nós (NF/FP 1881, 11 [1], 
KSA 9.441).
A vontade de conhecer as coisas com elas são – isso por si mesmo é um 
bom pendor […]. Aumento da indiferença! E para isso exercitar ver com 
outros olhos: exercício de ver objetivamente, sem relações humanas! Curar 
20 Cf. sobre esse aspecto A. Fillon, 2019, bem como um estudo a ser publicado em breve no Nietzsche-
Studien, “La pensée de l’éternel retour: du discours à la doctrine”.
Fillon, A.
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a megalomania humana! [...] Ao contrário, um olhar objetivamente neutro! 
A paixão por isso, apesar de toda consideração pessoal, apesar de toda 
verdade “agradável” ou desagradável, é o que é superior – por isso o mais 
raro até então! (NF/FP 1881, 11 [10], KSA 9.443).
Munir-se dos preconceitos de um morto – disso nenhum de nós se preocupa, 
nem para o sim nem para o não. Desaprender a se afastar da humanidade, 
desaprender as concupiscências de todos os gêneros: e utilizar o excedente 
de força no espectador. Ser o espectador invisível! (NF/FP 1881, 11 [35], 
KSA 9.454).
A indiferença! Uma coisa não nos importa, sobre isso devemos pensar, 
como nós gostamos daquilo que não tem utilidade e desvantagem para nós 
– este é o fundamento do espírito científico. O número de coisas sempre 
aumentou; o mundo está sempre se tornando mais indiferente – assim 
aumentou o conhecimento imparcial, que paulatinamente se tornou gosto 
e enfim uma paixão (NF/FP 1881, 11 [110], KSA 9.481).
Ter sentido como festa a redenção da vida e poder retornar à natureza 
inorgânica – por parte dos que querem morrer. Amar a natureza! Venerar 
de novo a morte! Ela não é a oposição, mas o colo materno, a regra, que 
tem mais sentido do que a exceção: pois a desrazão e a dor existem apenas 
no chamado mundo “com finalidade”, no orgânico (NF/FP 1881, 11 [125], 
KSA 9.486).
O primeiro efeito da paixão do conhecimento, logo que se volta 
para si mesma, é o de se desligar dos juízos morais da humanidade, que 
não são mais do que interpretações humanas, e assim aprender a viver 
sem louvores e sem culpa. O esforço para examinar a vida unicamente 
sob o ângulo do conhecer produz uma suspensão do juízo moral, 
que, com o passar do tempo, quando “as concupiscências de todos 
os gêneros” são desaprendidas, exclui o Versucher do jogo cotidiano 
da humanidade, pelo qual ele aos poucos não experimenta mais do 
que a indiferença. A indiferença aparece como o afeto fundamental 
e “o fundamento do espírito científico”. O indivíduo que não vive 
senão para conhecer se situa em uma atitude contemplativa neutra, 
desapegada, ele se torna “o espectador invisível” da humanidade que 
tenta “ver as coisas como elas são”, lançar um olhar estético sobre 
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a existência, daí o efeito de superação cósmica21 de alguns desses 
textos, pois, arrancando-se da balança das apreciações humanas, 
excluindo-se da humanidade, ele procura contemplar a natureza 
de maneira quase objetiva, vendo além dos olhares individuais e se 
sentindo fazer parte de tudo o que existe e existiu. Esse desapego 
tem também o segundo efeito de “desumanizar a natureza”, expulsar 
os “predicados estranhos à natureza”.
Mas a que se assemelha então esse olhar lançado sobre 
a existência? Cada vez mais ao olhar de um ser morto. O que é 
espantoso, e para dizer a verdade contraintuitivo para uma filosofia 
que quer afirmar a vida, é que o ponto de vista da morte, longe de ser 
qualquer coisa de negativo, torna-se aqui, ao contrário, a expressão 
de uma metamorfose afirmadora da paixão do conhecimento. A 
radical indiferença do instinto de conhecer diante da humanidade 
e da vida se reverte pouco a pouco em uma celebração e um amor à 
“natureza inorgânica”. Vemos assim surgir um pensamento novo da 
morte, que a revaloriza, opondo-se à apreciação habitual que nós, 
vivos, dela fazemos, como analisa em detalhe esta passagem, pouco 
anterior, pode-se adivinhar, o pensamento do retorno:
Valorações fundamentalmente falsas do mundo senciente contra o inorgânico. 
Por que nós somos ele. Pertencemos a ele! E contudo some, com a sensação, 
a superficialidade, a mentira: o que dor e prazer têm a ver com os processos 
reais! – é uma aproximação que não penetra na profundidade! Mas 
chamamos isso de interno e o mundo inorgânico de externo – de forma 
fundamentalmente falsa! O mundo “inorgânico”! sempre em movimento e 
sem erro, força contra força! E no mundo senciente tudo falso e obscuro! É 
uma festa passar deste mundo ao “mundo inorgânico” – e o maior desejo do 
conhecimento é confrontar, a esse mundo falso e obscuro, as leis eternas, 
nas quais não há dor nem engano. Esta autonegação da sensação está no 
intelecto? O sentido da verdade é: entender a sensação como o lado externo 
da existência, como um equívoco do ser, uma aventura. Isso dura o bastante! 
Deixem-nos assistir a essa comédia e assim fruir! Deixem-nos pensar o 
21 Sobre a dimensão cósmica desses textos de Nietzsche e seu significado afirmativo, cf. S. Marton, 2010.
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retorno ao insensível não como um retrocesso! Tornamo-nos inteiramente 
verdadeiros, como nos queremos. A morte deve ser reinterpretada! Assim 
<nos> reconciliamos com a realidade, isto é, com o mundo inorgânico (NF/
FP 1881, 11 [70], KSA 9.468).
Do ponto de vista da balança da existência humana, vemos 
espontaneamente a morte como a mais radical alteridade, a perspectiva 
que se recusa a nós, vivos, e consequentemente avaliamo-la como a 
não-vida, o nada, o que é irreal. No entanto, segundo a perspectiva 
do instinto de conhecer, que permite ver mais longe, a sensação 
enganosa do vivo é a marca exterior da realidade em nós, não o 
“interior” e o coração do real. O que carece de realidade, o que é 
preciso superar, é mais do que tudo o mundo da sensação, fugaz, 
fugidio, instável, e logo com ele o mundo do vivo. Em compensação, 
o que é que permanece, o que é que possui o eterno vir-a-ser? É o 
inorgânico, o insensível, o que é morto. Desse ponto de vista, o que 
é real é o que é morto, de sorte que assistimos a uma reabilitação 
da morte, ao ponto de imaginarmos novas celebrações. Reunir-se ao 
mundo morto da matéria inanimada é reunir-se à realidade, tornar-
se “verdadeiro”, é realizar-se plenamente para o conhecimento. 
Mas antes de poder conceber uma tal visão, antes mesmo de poder 
regozijar-se, é preciso precaver-se contra uma tendência injustificada 
do julgamento humano opondo o vivo ao morto, e contemplar o vir-
a-ser, o movimento, não como o apanágio do vivente, mas como o 
que integra o vivente ao conjunto do mundo morto: “Não podemos 
pensar o vir-a-ser de forma diferente do que como a passagem de 
um estado ‘morto’ permanente a outro estado ‘morto’ permanente. 
Ah, chamamos a morte de imóvel! Como se existisse algo imóvel! O 
vivente não é oposto ao morto, mas um caso especial” (NF/FP 1881, 
11 [150], KSA 9.499).
O esforço de representação é considerável. Radicalizando 
sua imagem ideal, a paixão do conhecimento propõe uma visão que 
ultrapassa a perspectiva do vivente, para tentar imaginar de alguma 
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maneira a do não vivente, da realidade inanimada, formar para si “os 
preconceitos de um morto”. Para se reconciliar com a existência, ela 
nega a exterioridade ilusoriamente posta entre o mundo da vida e o 
mundo da natureza inanimada, e propõe ao contrário ver que nosso 
mundo vivo não é nada além de uma parte inerente à totalidade do 
mundo morto. Se quiséssemos, como tenta fazer Nietzsche nessas 
notas, dar-lhe uma fisionomia, ela seria a de uma morte de olhos 
abertos, contemplando em toda a sua perpetuidade o vivo e vendo-o, 
na sua fugacidade, reunir-se a ela constantemente e nutrir seu eterno 
vir-a-ser. Qualquer que seja o caráter misterioso desse esforço de 
representação, constatamos que ele opera um enredamento entre o 
vivo e o morto. Ora, esse enredamento permite a Nietzsche conceber 
já a possibilidade de que tudo o que é inorgânico, tudo que é morto, 
talvez tenha sido ao menos uma vez vivo, talvez um número infinito de 
vezes, se supusermos, como o faz nosso autor em seus próprios artigos 
de fé sobre a física, uma quantidade finita da força em movimento 
e uma duração infinita do tempo: “todo o nosso mundo é a cinza de 
inúmeras criaturas vivas: e se esse vivente for algo tão pequeno em 
comparação ao todo: então tudo já foi uma vez posto em vida e assim 
segue adiante. Se admitirmos uma duração eterna, então admitimos 
uma troca infinita de matéria –” (NF/FP 1881, 11 [84], KSA 9.472).
Rumo ao pensamento do eterno retorno
Seguindo com atenção todos esses textos, vemos como o 
conteúdo do pensamento do retorno se apoia sobre essa primeira 
imagem da existência, a qual expressa, segundo nossa hipótese, a 
paixão do conhecimento, e se alimenta das leituras científicas de 
Nietzsche. Em relação a essa representação do universo ainda instável, 
o pensamento novo radicaliza esse eterno metabolismo para afirmar 
uma repetição do mesmo, de sorte que a eternidade doravante circular 
do que é morto seja transferido ao vivo – e com ela seu valor. Se todo 
o mundo inanimado já esteve vivo, esse estado vivo retornaria e se 
Fillon, A.
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reproduziria de forma idêntica, sem cessar, em um tempo infinito. 
Sobrepondo as duas imagens, tudo se passaria como se nossa morte 
de olhos arregalados, em lugar de assistir indiferente à petrificação 
constante do vivo que não cessa de reunir-se a ela, se reanimasse 
periodicamente para reviver o que viveu. Se o eterno retorno se quer 
a afirmação da vida, ela implica entretanto nela este pensamento 
de um mundo morto mais “real” que o vivo, acolhendo-o em si. Em 
A gaia ciência, reconhecemos talvez a presença dessa imagem. O 
§109 coloca-nos em guarda assim contra diferentes imagens ideais 
da existência emprestadas da física, principalmente as concepções 
organicista e mecanicista do universo, que são tantas sombras do Deus 
morto, antes de exprimir, a meias palavras, este pensamento da morte 
ao qual sucede a preparação discreta do eterno retorno: “Guardemo-
nos de dizer que a morte se opõe à vida. O que está vivo é apenas 
uma variedade daquilo que está morto, e uma variedade bastante 
rara. — Guardemo-nos de pensar que o mundo cria eternamente o 
novo” (FW/GC 109, KSA 3.459). Na mesma perspectiva, Nietzsche 
fala no §278 de sua “melancólica felicidade” evocando de novo o 
pensamento da morte, que tem o estranho privilégio de ser ao mesmo 
tempo a única certeza da vida dos homens e de não ter qualquer 
influência sobre eles, porque estão “a mil léguas de se sentirem 
como uma confraria da morte”. A impossibilidade de conceber 
uma tal confraria, de abraçar a partir do vivo o ponto de vista da 
morte, é certamente a expressão do sentimento de nossa finitude. O 
eterno retorno reexamina nesse sentido de maneira original nossa 
impotência diante do caráter irreversível do tempo e nosso temor 
da morte. O homem tem as maiores dificuldades para aceitar viver 
em um tempo linear, irreversível, onde cada instante que ele vive 
desaparece para sempre e o aproxima de sua morte, dessa falsa 
fronteira exterior, desse “irreal” impensável não obstante inelutável. 
A fugacidade de sua existência poderia assim suscitar um desejo 
de consolação impossível, a de poder reviver sua vida. Mas o eterno 
retorno, ao oferecer ao extremo essa consolação, revela perfeitamente 
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sua vaidade a nós humanos, demasiado humanos. A maior parte de 
nós, provavelmente todos nós, preferimos infinitamente o desespero 
de uma vida única e fugaz que se dissolve na química do mundo 
morto àquele, bem mais atemorizante, de reviver eternamente as 
mesmas coisas, e saber disso.
O eterno retorno do vivo parece assim ser a radicalização da 
imagem da existência resultante da paixão do conhecimento, mesmo 
sendo preciso ressaltar que a passagem de uma imagem à outra exige, 
se se quer defendê-la no plano cosmológico, teses especulativas 
suplementares concernentes à natureza da infinitude do tempo, à 
massa do conjunto das forças existentes e sua relação com o espaço, 
que Nietzsche se esforçará, em numerosas notas, para justificar da 
melhor forma possível. O longo e obscuro desenvolvimento do primeiro 
fragmento 11 [141] é esclarecido assim que compreendemos que 
Nietzsche não desenvolve o conteúdo dessa ideia, mas a passagem 
da incorporação da paixão do conhecimento, tal como a expusemos,ao pensamento do eterno retorno. O Versucher que não vive mais 
que para conhecer se caracteriza por uma indiferença fundamental 
diante das coisas humanas, mas uma indiferença possuidora de um 
certo prazer, o encanto que se experimenta na posição de espectador. 
Semelhante ao deus epicúrio, ele contempla doravante a existência 
humana, seus julgamentos e seus desejos, como um jogo: “Colocamo-
nos como as crianças diante daquilo que antes encerrava a seriedade 
da existência” (NF/ FP 1881, 11 [141], KSA 9. 494). Ele prefere 
consagrar toda sua energia ao conhecimento, o que o conduz a 
esse olhar cósmico sobre a natureza inanimada, mesmo se lhe faz 
aceitar fazer-se temporariamente cego, para reviver humanamente, 
banalmente, a fim de repousar de uma tal paixão, “como as fontes e 
poderes do conhecimento, os erros e paix<ões> também se conservam, 
de cujas lutas ele toma sua força conservadora (NF/ FP 1881, 11 
[141], KSA 9. 494). A questão que Nietzsche levanta muito claramente 
nesse fragmento é a de saber qual tipo de metamorfose pode produzir-
se, uma vez incorporada a paixão do conhecimento: “Como esta vida 
Fillon, A.
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se excluirá em relação à sua soma de bem-estar?” (NF/ FP 1881, 11 
[141], KSA 9. 494). Dito de outra forma, a paixão do conhecimento 
pode levar a uma forma de vida verdadeiramente afirmativa? Nietzsche 
esboça a possibilidade, mas ela parece ainda surgir mais da filosofia da 
indiferença, da aceitação melancólica de um indivíduo vivo doravante 
afastado das ilusões da vida humana, de um olhar estético lançado 
sobre a existência, como ele sugere com a imagem da brincadeira de 
criança: “Uma brincadeira de criança, para a qual o olhar do sábio 
pisca, ter força sobre este e aquele estado – e sobre a morte, quando 
algo assim não é possível” (Idem). Malgrado sua apreciação positiva, 
este tipo de experimentação parece limitada sobre o plano dos afetos 
que pode engendrar. Por outro lado, para o Versucher que alcançou 
um tal desprendimento, o mero pensamento do eterno retorno deve 
necessariamente engendrar a maior alegria, permitindo-lhe passar 
dessa indiferença contemplativa a uma verdadeira afirmação da 
vida, e é o poder de transformação dessa nova tentativa que lhe 
confere imediatamente sua superioridade e seu grande valor: “Agora 
chega o conhecimento mais difícil e torna todas as formas de vida 
terrivelmente dignas de reflexão: um excesso absoluto de prazer 
tem de ser provado, senão é escolher o nosso aniquilamento em 
relação à humanidade como meio de aniquilamento da humanidade” 
(Idem). Inegavelmente, o eterno retorno do mesmo é uma imagem 
da existência bem mais poderosa que a precedente para selecionar 
um tipo humano superior capaz de amar a vida pelo que ela é e de 
intensificar a sua própria. 
Conclusão
O conteúdo do pensamento do eterno retorno, como foi 
visto, não se encontra ainda desenvolvido neste famoso fragmento 
escrito “6000 pés acima do mar e bem mais alto ainda, além de 
todas as coisas humanas”; talvez isso seja um índice de que sua 
originalidade e sua importância residem em outro lugar e não na 
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hipótese teórica segundo a qual tudo o que acontece no universo se 
repete de forma idêntica uma infinidade de vezes. O essencial, nessa 
gestação, consistiria então na possibilidade de uma afirmação total 
da existência, resultante da incorporação de um tal pensamento. 
Essa tentativa não surgiu do nada, nós o vimos; ela procede de uma 
longa fase de tentativas, de ensaios mais ou menos frutíferos para 
transformar as maneiras de sentir, de pensar e de viver do homem 
moderno, que caracterizam a filosofia experimental de Nietzsche de 
Aurora até Assim falava Zaratustra. Dedicamo-nos aqui somente 
a acompanhar a difícil gestação do pensamento do eterno retorno. 
Ele conhecerá em seguida minuciosos aprofundamentos nas notas 
póstumas, e em diversas direções. Nietzsche se esforçará antes de 
tudo em fornecer uma argumentação detalhada para reforçar sua 
plausibilidade científica, inspirando-se nas teorias físicas do seu 
tempo e discutindo com elas, o que é totalmente coerente com a 
predomínio do instinto de conhecer na cultura moderna. Se se busca 
tornar possível a incorporação de um tal pensamento, o que pode ser 
mais natural do que procurar a autoridade do discurso científico, de 
aproximá-lo das representações do universo da época, preservando sua 
novidade e sua originalidade? Sempre em relação com o pessimismo 
do conhecimento, Nietzsche situará igualmente o pensamento do 
retorno na lógica do niilismo contemporâneo, a fim de radicalizá-lo 
e de revertê-lo. Ele apurará os diferentes efeitos seletivos que pode 
engendrar se for duravelmente incorporado à cultura, e se esforçará 
para mostrar em que ele pode ser um instrumento eficaz para uma 
hierarquia nova de valores, favorecendo a autossupressão progressiva 
do tipo niilista e decadente, e ao mesmo tempo a aparição possível do 
tipo além-do-homem. Às vezes mesmo, Nietzsche vai aproximá-lo da 
metafísica e das religiões, considerando sua Lehre como um meio de 
educação e de criação. No laboratório das notas póstumas e textuais, 
vemos literalmente no trabalho o filósofo Versucher experimentar os 
diferentes efeitos que podem ser tirados de seu pensamento, testar 
diferentes formas para comunicá-lo da melhor maneira, para favorecer 
Fillon, A.
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64 | Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.44, n.2, p. 41-66, maio/agosto, 2023.
sua incorporação, porque somente isso tornará possível a doutrina 
da afirmação e a hierarquia dos valores. Ele deterá finalmente sua 
escolha sobre uma forma mais surpreendente e problemática do que 
se julga habitualmente, nem discurso científico, nem metafísico, 
nem religião, aquela que encontramos em A gaia ciência e Assim 
falava Zaratustra.
Se a primeira imagem ideal da existência extraída do instinto 
de conhecimento, o pensamento da morte, encontra-se assimilada e 
finalmente suplantada por aquela do eterno retorno, isso não deve nos 
incitar a diminuir a importância da noção de paixão do conhecimento. 
Ao contrário. O título mesmo de A gaia ciência não é mais do que uma 
outra fórmula para expressar essa paixão e nomear a especificidade 
da filosofia nietzschiana durante esse período. Como a tentativa 
que constitui o pensamento do retorno, a paixão do conhecimento 
é fundamentalmente a expressão de uma filosofia do Ja-sagen, da 
alegria trágica, que tenta pensar a vida como ela é, quer dizer, como 
ela aparece, libertá-la das consolações que a negam, afirmá-la em seu 
caráter injustificável, na sua dor, e, acima de tudo, amá-la por isso.
Da paixão do conhecimento ao eterno retorno
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Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.44, n.2, p. 41-66, maio/agosto, 2023. | 65
From the Passion of Knowledge to the Eternal 
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Abstract: The first fragment in which Nietzsche refers to the 
eternal recurrence is known for its obscurity. In this paper, we 
intend to contribute to the philosophical genesis of this thought, by 
contextualizing it in the experimental philosophy since Dawn and 
by determining the links between this fragment and the previous 
texts since 1880. Therefore, the idea of eternal recurrence appears 
to be based on a different representation of reality, resulting from 
what Nietzsche calls “the passion of knowledge”, a crucial notion 
that introduces his philosophy of affirmation.
Keywords: eternal recurrence, passion of knowledge,philosophy 
of affirmation, creating values, Versuch.
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Enviado: 03/11/2022
Aceito: 20/12/2022

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