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Neoliberalismo na América Latina

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O que é o neoliberalismo e por que 
alguns negam que ele exista 
• Gerardo Lissardy 
• BBC News Mundo 
16 janeiro 2022 
 
CRÉDITO,GETTY IMAGES 
Ele é motivo de debates na América Latina há décadas, mas, para muitos, 
é difícil defini-lo e outros acreditam que ele nem mesmo exista: 
neoliberalismo, a palavra que marcou uma época. 
Basta examinar a campanha eleitoral no Chile — o país latino-americano que 
concentra maior influência das ideias neoliberais — para constatar como esse 
conceito ainda é um divisor de águas na região. 
"O Chile foi o berço do neoliberalismo, mas será também o seu túmulo", 
segundo Gabriel Boric, candidato de esquerda que venceu o direitista radical 
José Antonio Kast no pleito presidencial em dezembro. 
Kast, por outro lado, apresentava as bandeiras neoliberais, como o livre 
mercado e a redução da intervenção do Estado na economia. Seu programa de 
governo mencionava uma das maiores referências dessa linha de pensamento 
— o economista americano Milton Friedman. 
Mas o programa de Kast não fazia menção explícita ao neoliberalismo. 
Este é o reflexo de uma tendência que ultrapassa as fronteiras chilenas. 
Enquanto a esquerda se refere ao neoliberalismo de forma depreciativa, não se 
ouve com frequência alguém reivindicá-lo pelo seu nome, como Friedman fazia 
70 anos atrás. 
Alguns especialistas defendem que essa orientação econômica, cujo apogeu 
teve lugar nas décadas de 1980 e 1990, começou a perder projeção desde a 
crise financeira global de 2008. 
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59722740
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59722740
"O neoliberalismo se encontra na defensiva", disse o economista e filósofo 
brasileiro Eduardo Giannetti da Fonseca declarou à BBC News Mundo (o 
serviço em espanhol da BBC). 
Mas o que é exatamente o neoliberalismo e por que é tão polêmico? 
 
CRÉDITO,GETTY IMAGES 
Legenda da foto, 
O programa do candidato José Antonio Kast não mencionava explicitamente o 
neoliberalismo 
Um adversário, diferentes escolas 
Como o próprio nome indica, o neoliberalismo surgiu no século 20 como um 
esforço para renovar o liberalismo clássico. Apesar de existirem registros 
isolados de uso do termo desde o final do século 19, é aceito que a adoção 
formal do termo em si remonta a um encontro de pensadores liberais ocorrido 
em Paris, no ano de 1938. No encontro, ficou definido que o conceito de 
neoliberalismo iria incorporar "a prioridade do mecanismo de preços, o livre 
empreendedorismo, a competição, e um Estado imparcial e forte". 
Seus promotores se opunham às políticas econômicas keynesianas (baseadas 
nas teorias do economista britânico John Maynard Keynes), que concedem ao 
Estado um papel fundamental para evitar crises ou recessões. 
O economista austríaco Friedrich Hayek, outra importante referência para os 
neoliberais, argumentava em seu livro Caminho da Servidão (1944) que o 
planejamento estatal da economia leva ao totalitarismo. 
Hayek fundou com outros intelectuais, em 1947, a Sociedade Mont Pèlerin, um 
centro de pensamento econômico para defender, logo após a Segunda Guerra 
Mundial, valores liberais como a economia de mercado, a sociedade aberta ou 
a liberdade de expressão. 
 
CRÉDITO,GETTY IMAGES 
Legenda da foto, 
O economista austríaco Friedrich Hayek foi uma das grandes referências do 
neoliberalismo 
As ideias neoliberais ganharam força particularmente a partir da década de 
1970, quando a estagflação e outros problemas econômicos no Ocidente 
semearam dúvidas sobre as políticas keynesianas e muitos governos 
buscaram alternativas. 
Os governos conservadores de Margaret Thatcher, no Reino Unido (1979-90), 
e Ronald Reagan, nos Estados Unidos (1981-89), adotaram políticas 
defendidas pelos neoliberais, como a redução do Estado e o controle rígido da 
oferta de moeda para baixar a inflação. 
Mas o neoliberalismo está longe de ser uma doutrina uniforme. Ele inclui 
diversas escolas, como a austríaca de Hayek e Ludwig von Mises, a escola de 
Chicago (Friedman) e a escola da Virgínia, de James Buchanan — e há 
diferenças notáveis entre elas, por exemplo, em questões de política 
monetária. 
Tudo isso dificulta a definição do neoliberalismo, o que é ainda mais agravado, 
segundo alguns estudiosos, pelas fortes reprovações que a doutrina costuma 
receber. 
"Embora o termo neoliberalismo continue sendo um lugar comum, o seu uso 
para englobar uma série de coisas que desagradam às pessoas dificulta sua 
definição clara", segundo Ross Emmett, diretor do Centro de Estudos da 
Liberdade Econômica da Universidade do Estado do Arizona, nos EUA, 
declarou à BBC News Mundo. 
 
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Legenda da foto, 
O governo de Margaret Thatcher no Reino Unido impulsionou várias políticas 
que foram defendidas pelos neoliberais 
Um modelo que pode ser exportado? 
Os críticos do neoliberalismo afirmam que colocar o mercado no centro das 
prioridades, desregulamentar a economia e desmantelar os mecanismos do 
Estado que asseguram o bem-estar da população contribuiu para o aumento 
da distância entre os mais ricos e os mais pobres em vários países. 
Eles acrescentam que a desigualdade social trouxe problemas cada vez 
maiores para a democracia e para os indivíduos. 
No plano político, a esquerda vem tentando frequentemente demonizar o 
neoliberalismo. "É o caminho que leva ao inferno", declarou em 2002 o então 
presidente venezuelano Hugo Chávez. 
Mas os defensores das ideias de Hayek e Friedman defendem que nem 
Chávez, nem o restante da esquerda, conseguiram demonstrar uma alternativa 
com sucesso. 
Outros estudiosos simplesmente negam a existência do neoliberalismo. 
 
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Legenda da foto, 
Na Argentina, o governo de Carlos Menem foi marcado por diversas medidas 
neoliberais 
"Neoliberalismo? Isso não existe!", escreveu o economista Daniel Altman no 
jornal americano The New York Times em 2005, argumentando que os países 
ricos, na verdade, nunca se abriram para o livre comércio. 
"Não existem novas ou velhas liberdades. Ou há liberdade ou não há. Por isso, 
o conceito neoliberal não tem sentido", defendeu o economista ultraliberal 
argentino Javier Milei em agosto de 2021, antes de ser eleito deputado em 
novembro. 
Mas a Argentina, depois do Chile, foi um dos símbolos do neoliberalismo na 
década de 1990, quando o governo Carlos Menem privatizou tudo o que pôde, 
desregulamentou a economia e adotou a paridade um por um entre o peso e o 
dólar. 
Essas mudanças foram aprovadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), 
que se referia à Argentina como modelo até dezembro de 2001, quando o país 
entrou em uma crise financeira muito séria e suspendeu os pagamentos da 
dívida externa de US$ 144 bilhões (cerca de R$ 815 bilhões) — a maior dívida 
da história. 
James Boughton trabalhou no FMI e foi seu historiador entre 1992 e 2012. Ele 
nega que a instituição tivesse "uma visão extremista do neoliberalismo", mas 
admite que a instituição incentivou políticas de privatização e livre mercado em 
países da extinta União Soviética e da América Latina. 
"O FMI impulsionou tudo isso, de forma que, nesse sentido, pode-se afirmar 
que ele estava incentivando políticas neoliberais", declarou Boughton à BBC 
News Mundo. 
Por outro lado, Giannetti da Fonseca considera "um erro grave" dos neoliberais 
querer implantar receitas de países desenvolvidos na América Latina, onde 
existem problemas de pobreza e escassez de capital humano que, segundo 
ele, sensibilizavam mais os liberais clássicos. 
"É muito curioso que o único país da América Latina que fez um experimento 
profundo e consistente da política econômica neoliberal, que é o Chile, tenha 
feito esse experimento sob uma ditadura", ressalta ele, em referência ao 
regime militar liderado por Augusto Pinochet (1973-90), que foi assessorado 
pelo próprio Friedman e entregou o controle da economia chilena para os 
Chicago Boys. 
Nas últimas décadas e sob regime democrático, o Chile manteve políticas de 
livre mercado que permitiram atingir um PIB percapita similar ao de países 
europeus e reduzir os índices de pobreza. Mas o modelo chileno entrou em 
crise com os movimentos de protesto que eclodiram em 2019 contra a 
desigualdade e pedindo reformas sociais. 
"Com exceção do Chile, o neoliberalismo dos governos latino-americanos foi 
muito inconsistente e ineficaz, pois não houve reformas neoliberais, para o bem 
ou para o mal", disse Giannetti da Fonseca. 
 
Fonte: BBC NEWS BRASIL. O que é neoliberalismo e por que alguns 
negam que ele existe. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-
59521979. Acesso em 19 Mar 2024 
 
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47672026
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47672026
https://www.bbc.com/portuguese/geral-59521979.
https://www.bbc.com/portuguese/geral-59521979.

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