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2018 Diagnóstico, Planejamento e avaliação na eDucação esPecial Profª Jacqueline Leire Roepke Prof. Valdecir Reginaldo de Oliveira Copyright © UNIASSELVI 2018 Elaboração: Profª Jacqueline Leire Roepke Prof. Valdecir Reginaldo de Oliveira Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: R716d Roepke, Jacqueline Leire Diagnóstico, planejamento e avaliação na educação especial. / Jacqueline Leire Roepke; Valdecir Reginaldo de Oliveira. – Indaial: UNIASSELVI, 2018. 233 p.; il. ISBN 978-85-515-0229-7 1. Educação especial. – Brasil. I. Oliveira, Valdecir Reginaldo de. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 371.9 III aPresentação Prezado acadêmico, primeiramente queremos deixar registrada a alegria que estamos sentindo por estarmos fazendo parte da sua formação acadêmica! Do mesmo modo estamos felizes por termos mais pessoas ingressando no campo de estudos e de trabalho da Educação. Seja bem- vindo! Este livro aborda algumas temáticas atreladas à Educação Especial, sobretudo no que se refere ao Diagnóstico, Planejamento e Avaliação. Os conteúdos que disponibilizamos nesse material almejam subsidiar a construção do conhecimento sobre tais temáticas, por meio de reflexões, contestações e ponderações que alinhavam as práticas pedagógicas e as particularidades do processo de ensino e aprendizagem. Buscamos trazer considerações acerca da expressão "educação para todos". Acreditamos que a matrícula de estudantes com deficiência em escolas regulares não equivale, nem comprova a inclusão. Só se pode falar em inclusão, de fato, quando a compreensão das características dos sujeitos e o respeito às suas diferenças fazem parte do cotidiano escolar. Pode-se falar em inclusão quando além de serem "colocados" nas mesmas salas de aula de estudantes sem necessidades educacionais especiais, todos os estudantes são realmente inseridos no contexto escolar. Quando todos estudantes encontram condições necessárias para se inserirem na apropriação de informações, no processo conjunto de aprender e de ensinar e na construção do conhecimento. Sendo assim, esse livro de estudos está dividido em três unidades. A primeira delas apresenta aspectos atinentes à escola, quanto à reorganização, à flexibilização e ao currículo. A segunda unidade aborda as relações entre a escola e o planejamento, a avaliação, o projeto político pedagógico e à inclusão. A última unidade, por sua vez, trata do diagnóstico, passando pelo seu conceito, características, pela sequência diagnóstica, pela avaliação do diagnóstico, pela avaliação das habilidades, englobando, inclusive, o diagnóstico psicopedagógico. É importante avisarmos de antemão, que são conteúdos muito relevantes para a Educação, portanto, requerem que você se dedique para além da leitura desse material. Em muitas páginas desse livro, você encontrará sugestão de filmes, de leitura de livros e de artigos. Procure incrementar seus estudos, selecionando alguns dos materiais recomendados para apreciação e reflexão. IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Inspirados por Helen Keller, e sua concepção de que "Nunca se deve consentir em rastejar quando se sente um impulso para voar" anelamos contagiá-lo com o desejo e a coragem para alçar voos ousados. Não se limite a ser um acadêmico e/ou profissional que rasteja. As escolas e a sociedade atual necessitam de profissionais responsáveis e comprometidos com a educação e com a disseminação da inclusão. Assim, dedique-se com empenho e venha voar conosco! Bons voos e intensas altitudes! Profª Jacqueline Leire Roepke Prof. Valdecir Reginaldo de Oliveira V Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI VI VII UNIDADE 1 – ESCOLA: REORGANIZAÇÃO, FLEXIBILIZAÇÃO E CURRÍCULO ................ 1 TÓPICO 1 – REORGANIZAÇÃO DA ESCOLA ............................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 GESTÃO ESCOLAR ............................................................................................................................. 4 3 ENVOLVIMENTO COM A COMUNIDADE ................................................................................. 5 4 CICLOS DE APRENDIZAGEM ......................................................................................................... 9 5 FORMAÇÃO DE PROFESSORES ..................................................................................................... 13 6 CURRÍCULO.......................................................................................................................................... 18 7 INCLUSÃO EDUCAÇÃO ESPECIAL .............................................................................................. 20 8 OBSERVAÇÕES INSTIGANTES ...................................................................................................... 23 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 25 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 26 TÓPICO 2 – FLEXIBILIZAÇÃO DO ENSINO ................................................................................... 27 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 27 2 FLEXIBILIZAÇÃO DA GESTÃO ...................................................................................................... 28 3 FLEXIBILIZAÇÃO DE TEMPOS E ESPAÇOS EDUCACIONAIS .............................................. 29 4 FLEXIBILIZAÇÃO DA FORMAÇÃO ............................................................................................... 30 5FLEXIBILIZAÇÃO CURRICULAR ................................................................................................... 32 6 FLEXIBILIZAÇÃO E INCLUSÃO ..................................................................................................... 34 7 REMATES CONTEMPLATIVOS ...................................................................................................... 38 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 40 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 41 TÓPICO 3 – ADEQUAÇÕES CURRICULARES ............................................................................... 43 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 43 2 ADEQUAÇÕES CURRICULARES .................................................................................................... 44 3 ADAPTAÇÕES CURRICULARES ..................................................................................................... 50 4 MUDANÇAS ARQUITETÔNICAS .................................................................................................. 54 5 EQUIPE DE PROFISSIONAIS ........................................................................................................... 55 6 ATITUDES DOS PROFESSORES ................................................................................................ 59 7 FORMAÇÃO DOCENTE .................................................................................................................... 62 8 AVALIAÇÃO ......................................................................................................................................... 63 9 ENSINO MÉDIO: CURRÍCULO E FLEXIBILIZAÇÃO ............................................................... 65 10 MUDANÇAS REQUEREM ADAPTAÇÕES OU ADAPTAÇÕES REQUEREM MUDANÇAS? ..................................................................................................................................... 68 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 70 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 83 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 84 sumário VIII UNIDADE 2 – ESCOLA: PLANEJAMENTO, AVALIAÇÃO, PROJETO POLÍTICO- PEDAGÓGICO E INCLUSÃO .................................................................................. 85 TÓPICO 1 – PLANEJAMENTO, AVALIAÇÃO EDUCACIONAL E PROJETO POLÍTICO- PEDAGÓGICO ................................................................................................................. 87 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 87 2 PLANEJAMENTO EDUCACIONAL ............................................................................................... 88 3 AVALIAÇÃO EDUCACIONAL ........................................................................................................ 93 4 PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO .........................................................................................102 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................106 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................108 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................109 TÓPICO 2 – INSERÇÃO NO COTIDIANO ESCOLAR DA EDUCAÇÃO BÁSICA ...............111 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................111 2 INSERÇÃO NO COTIDIANO ESCOLAR DA EDUCAÇÃO BÁSICA: INCLUSÃO ...........112 3 INSERÇÃO NO CONTEXTO EDUCACIONAL PARA ALÉM DA DEFICIÊNCIA E DOS TRANSTORNOS DO NEURODESENVOLVIMENTO ...................................................127 4 SOCIEDADE E INCLUSÃO: UMA QUESTÃO DE RESPEITO E DIGNIDADE ..................129 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................131 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................132 TÓPICO 3 – PRÁTICA PEDAGÓGICA INCLUSIVA ....................................................................133 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................133 2 INCLUSÃO: REFLEXÕES .................................................................................................................133 3 INCLUSÃO: DIFICULDADES .........................................................................................................140 4 PRÁTICAS INCLUSIVAS .................................................................................................................144 5 AVALIAÇÃO DE PRÁTICAS EDUCATIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL .........................152 6 PRÁTICAS INCLUSIVAS ENSINO SUPERIOR .........................................................................153 7 FORMAÇÃO DOCENTE ..................................................................................................................156 8 INCLUSÃO: NOVAS POSSIBILIDADES .....................................................................................158 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................160 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................162 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................163 UNIDADE 3 – DIAGNÓSTICO E EDUCAÇÃO .............................................................................165 TÓPICO 1 – O CONCEITO DE DIAGNÓSTICO E SUAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS .. 167 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................167 2 DIAGNÓSTICO .................................................................................................................................168 3 DIAGNÓSTICO E EDUCAÇÃO ....................................................................................................171 4 DIRECIONAMENTOS (EXTREMADOS?) PARA CRIANÇAS COM COMPORTAMENTO “INDEVIDO” EM SALA DE AULA ...............................................................................................177 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................182 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................184 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................185 IX TÓPICO 2 – SEQUÊNCIA DIAGNÓSTICA, AVALIAÇÃO DO DIAGNÓSTICO, AVALIAÇÃO DAS HABILIDADES ...........................................................................187 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................187 2 SEQUÊNCIA DIAGNÓSTICA ........................................................................................................1883 AVALIAÇÃO DO DIAGNÓSTICO ................................................................................................189 4 AVALIAÇÃO DAS HABILIDADES ................................................................................................190 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................199 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................202 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................203 TÓPICO 3 – O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICO ..............................................................205 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................205 2 PSICOPEDAGOGIA ..........................................................................................................................205 3 PSICOPEDAGOGIA E INCLUSÃO ...............................................................................................208 4 O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICO ...................................................................................213 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................219 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................220 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................221 X 1 UNIDADE 1 ESCOLA: REORGANIZAÇÃO, FLEXIBILIZAÇÃO E CURRÍCULO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer as questões centrais que dizem respeito à reorganização da escola; • compreender como a flexibilização do ensino pode ser realizada em algu- mas conjunturas da esfera educativa; • entender aspectos atrelados às adequações curriculares e às adaptações curriculares. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – REORGANIZAÇÃO DA ESCOLA TÓPICO 2 – FLEXIBILIZAÇÃO DO ENSINO TÓPICO 3 – ADEQUAÇÕES CURRICULARES 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 REORGANIZAÇÃO DA ESCOLA 1 INTRODUÇÃO A expressão reorganização da escola aparece em textos, livros e artigos que abordam diferentes situações escolares. Na maioria das vezes, está atrelada a alguma reforma educacional, corroborando, assim, o sentido da palavra "reorganização" apresentado na Figura 1. Por exemplo, de acordo com Michels (2006), nos anos 1990 aconteceu a reforma educacional brasileira e com esta reforma pensou-se na melhor forma de organizar a escola. Para tanto, a ideia era verificar qual a situação da política educacional que vinha auxiliando o processo organizacional escolar. Convém ainda citar um pensamento de Pitágoras (582 a. C – 497 d. C), “Com organização e tempo, acha-se o segredo de fazer tudo e bem feito.” FIGURA 1 – REORGANIZAÇÃO NO DICIONÁRIO reorganização s.f. (1836) ato ou efeito de reorganizar ʘ ETIM reorganizar + -ção reorganizador \ô\ adj. s.m. (1858) que ou aquele que reorganiza ʘ ETIM rad. do part. reorganizado + -or reorganizar v. (1836) t.d. organizar novamente, física ou moralmente, introduzindo melhoramentos e inovações; reestruturar <r. uma empresa> ʘ ETIM re- + organizar FONTE: Houaiss e Villar (2009, p. 1645). Ainda para Michels (2006), pode-se pensar em três eixos fundamentais para o processo organizativo da escola, em que se enquadram – para uma organização efetiva - gestão, formação de professores e inclusão. Sendo assim, este tópico abordará alguns aspectos concernentes a estes três eixos. Ao longo deste tópico você também entrará em contato com estudos que articulam a reorganização da escola com outros eixos, tais como: envolvimento com a comunidade (ou a falta dele?); os ciclos e as adequações curriculares. UNIDADE 1 | ESCOLA: REORGANIZAÇÃO, FLEXIBILIZAÇÃO E CURRÍCULO 4 2 GESTÃO ESCOLAR Durante os anos 1970 e 1980, as escolas públicas tiveram representatividade dos profissionais da Educação e entidades congêneres no sentido de existir maior liberdade para administrar a instituição e suas rotinas pedagógicas e financeiras. Com isso, a elaboração do plano educacional e toda a administração seriam geridas pelos envolvidos (comunidade, professores, equipe gestora, dentre outros interessados em contribuir com o bom andamento da escola) (MICHELS, 2006). Junto à reforma educacional brasileira ocorrida nos anos 1990 surgiu a necessidade de organizar a escola no âmbito das finanças com um olhar lógico e padronizado. A reforma trouxe mais agilidade no processo de gestão da escola, descentralizando os trabalhos e tendo como princípio a participação da comunidade/sociedade nas rotinas da unidade escolar junto à direção. Nessa perspectiva, a escola tende a conviver com o processo de municipalização, pois é a política municipal que convive de perto com os problemas das escolas brasileiras e é conveniente para a União delegar responsabilidades aos municípios brasileiros (MICHELS, 2006). Com essa autonomia, a escola e a sua comunidade enfrentariam juntas os problemas advindos do meio educacional local, perfazendo maior envolvimento e performance na resolução de problemas. Os professores pertencentes à escola têm grande importância nessa reforma educacional e precisam ser capacitados e orientados para contribuírem. Entidades internacionais apontam para o despreparo da classe docente, gerando, com isso, um consequente insucesso escolar dos alunos, e é por esse motivo que uma nova reorganização da escola se faz necessária (MICHELS, 2006). A política está interligada fortemente às questões educacionais, estando lado a lado no cotidiano da escola e a sua comunidade. O que dificulta a gestão escolar é a ausência do Estado nas questões educacionais, sendo uma sugestão para que essa situação se reverta, uma desburocratização da política nacional, delegando mais liberdade de atuação dos envolvidos com os alunos, ou seja, diretamente nas escolas. Essa ideia é possível, considerando que o Estado continue monitorando as ações dos educadores nos quesitos: qualidade, responsabilidade e lisura de todo o processo, lembrando também que a comunidade estará apoiando a escola com trabalhos voluntários. Esses trabalhos voluntários podem ser inclusive de auxiliar os professores nas suas rotinas diárias ou até mesmo ajudar no controle do orçamento financeiro da escola (MICHELS, 2006). No tocante à gestão escolar, pensa-se em descentralizar a direção e concentrar-se no que a escola pode fazer em sua totalidade para auxiliar o seu educando. Isto é, os professores e interessados (pais de alunos, alunos e comunidade) passariam a exercer administração sobre a escola, sendo que eles são os que estão mais próximos da realidade dela. É válido lembrar que, às vezes, o professor conhece a situação de seus alunos bem como de suas famílias (MICHELS, 2006). TÓPICO 1 | REORGANIZAÇÃO DA ESCOLA 5 3 ENVOLVIMENTO COM A COMUNIDADE Atualmente, antes de se pensar em uma reorganização escolar, é importante verificar a situação e o envolvimento da escola frente à comunidade, ou seja, já é sabido que a escola desempenha papel fundamental no seio social no que diz respeito à educação tanto escolar quanto familiar. O espaço escolar privilegia ensinamentos trazidos de geração em geração, não somente perfazendo o objetivo de ensinar apenas conteúdos, ajudando, com isso, a criar uma sociedade melhor em suas relações humanas (MICHELS, 2006). Nesse sentido, Girotto (2016) fez um estudo acerca da reorganização escolar vinculada com a dimensão espacial, a desigualdade socioespaciale a escola pública. Trata-se de um estudo que discute o projeto de reorganização escolar apresentado pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo em 2015. Integram o estudo de Girotto (2016) análises em torno da apresentação da proposta de reorganização escolar e das ocupações de escolas. Na época em que o referido projeto de reorganização escolar foi difundido por meio de jornais, gerou uma série de protestos, a maioria deles foi motivada pelo possível fechamento de escolas que se desdobraria por conta da execução do projeto. Sob a ótica de Girotto (2016), a luta dos estudantes diante do controverso projeto ratifica a relação entre a escola, seus sujeitos e espacialidades, afinal, o suposto fechamento de escolas derivado do projeto de reorganização poderia intensificar a desigualdade espacial da escola pública em São Paulo. Recentemente, o governo do Estado de São Paulo apresentou um polêmico projeto de reorganização escolar. Defendido como necessário para a ampliação da qualidade do processo educativo, o projeto pressupunha a divisão das escolas em ciclos de aprendizagem: uma escola para os alunos do 1º ao 5º ano; outra para os alunos do 6º ao 9º ano; e uma terceira para os alunos do Ensino Médio. Apresentada de forma rápida e arbitrária, tal reorganização não possibilitou aos diferentes sujeitos da rede estadual de educação de São Paulo discutir o projeto ou participar de sua elaboração, negando, assim, o espaço do contraditório, essencial no processo democrático. Com isso, em outubro de 2015, o governo paulista anunciou o fechamento de 94 escolas em todo o Estado, sendo 25 delas na cidade de São Paulo (GIROTTO, 2016, p. 1123, grifo nosso). O envolvimento da comunidade com o que ocorre no interior da escola é um importante alicerce para que a escola possa continuar com a sua responsabilidade educacional, ou seja, o que acontece dentro da escola é de grande relevância para a comunidade e não apenas o que acontece em sua volta, que é onde está localizada a comunidade escolar. Em muitas escolas brasileiras, a ausência do Estado abriu precedentes para uma exploração política local em seu interior, excluindo a comunidade em seus programas didático/pedagógicos de atendimento aos educandos e, consequentemente, ignorando a classe menos favorecida (GIROTTO, 2016). UNIDADE 1 | ESCOLA: REORGANIZAÇÃO, FLEXIBILIZAÇÃO E CURRÍCULO 6 A reorganização da escola deve ser concretizada levando-se em conta as diferenças socioespaciais e o público que vive nos arredores da instituição, inclusive na periferia. Políticas educacionais devem ser realizadas neste sentido, incluindo-se desta forma a sociedade excluída e trazê-la para participar das rotinas escolares. Em várias áreas as políticas públicas deveriam ser construídas para combater as desigualdades sociais, reorganizando assim as associações que a escola precisa ter para um bom andamento junto à sua comunidade. O descaso com a questão da espacialidade que existe nas redondezas da escola (comunidade) traz consigo a falta de diálogo com a população local, e requer atenção e mudança de paradigmas (GIROTTO, 2016). Mudanças são necessárias no que diz respeito a políticas socioespaciais para que pais e alunos que vivem na periferia possam verificar de perto os problemas internos da escola vividos pela classe docente. Isto é necessário porque, muitas vezes, tenta-se esconder a realidade socioeducaional e as diferenças socioespaciais provenientes do ambiente escolar no seu exterior. Aqui no Brasil não existe uma política dialogista com os pais dos alunos e com a classe docente, pouco se faz para que a distância entre o que acontece fora da escola com as famílias seja estreitada (GIROTTO, 2016). Os alunos também passariam a fazer parte desse processo de reorganização da escola, tanto em situações diversas do seu contexto socioespacial, quanto socioeducacional. Todas essas análises nos levam a crer que as desigualdades sociais locais não podem ser esquecidas e que devem, sim, entrar na problemática da reorganização da escola, instigando assim mais atenção com o público das cercanias da escola (famílias e alunos). A escola pública necessita de projetos políticos para que sejam revistas as interferências que a dimensão espacial (territorial) acarreta no meio educacional. O plano de reorganização da escola surgiu da necessidade de traçar o delineamento das famílias, bem como a variação da população em números, ou seja, em quantidade de habitantes locais e suas perspectivas (GIROTTO, 2016). No processo de reorganização da escola não podemos nos esquecer de uma etapa muito importante: a proporção espacial que permanece nas imediações da escola. Explicando melhor, a espacialidade urbana incide sobre a reorganização escolar, formando uma projeção de como será o ensino mediante o espaço que será ocupado por uma comunidade numerosa (GIROTTO, 2016). A situação da quantidade de alunos em sala de aula atualmente, por vezes ultrapassando o número ideal, traz prejuízos nos processos de ensinar e aprender. Esse argumento tem sido repetido por vários especialistas da área da Educação: as melhores aulas se fazem com número reduzido de alunos por turma. Outro agravante é que nossos governantes decidem fechar escolas tendo várias justificativas. Dentre elas, por serem prédios muito antigos, por gerarem mais gastos à máquina pública ou por terem a intenção de criarem uma nova TÓPICO 1 | REORGANIZAÇÃO DA ESCOLA 7 secretaria, e muitas vezes se justifica que o local em que uma determinada escola se encontra precisa de uma obra de maior “crescimento” para a cidade ou município. O fechamento é um dos graves motivos do aumento numeroso de alunos em uma mesma sala de aula, pois, com isso, serão transferidos para outras unidades educacionais já abarrotadas de estudantes (GIROTTO, 2016). Por detrás do fechamento de escolas e reorganizando a escola de uma forma equívoca existem ainda interesses imobiliários, que, muitas vezes, levam até mesmo à corrupção. Ainda falando sobre o fechamento de escolas, muito se argumenta que esta decisão é necessária, frente à necessidade de mais “espaço” para o “crescimento” de outras obras públicas que “beneficiarão mais” a comunidade do seu entorno. Já foi demonstrado através das mídias que o povo brasileiro não aceita em hipótese alguma o fechamento de escolas, inclusive com ocupações populares na tentativa de impedir tal ação dos nossos políticos (GIROTTO, 2016). É válido destacar que a reorganização da escola em questão pode incidir diretamente sobre a realidade espacial dos integrantes da escola, e de seu entorno. Do mesmo modo, o posicionamento destes integrantes também pode interferir no processo decisório de fechar ou não uma unidade escolar. No entanto, o que se pode dizer a respeito de escolas que são fechadas sem um consenso de seus integrantes? Dos fechamentos que acontecem por motivos políticos e em grande parte das vezes sem justificativa plausível? (GIROTTO, 2016). A reorganização da escola não afeta apenas os alunos, mas também todas as famílias envolvidas no processo, que, no caso de fechamento de escola próxima dos seus domicílios, terão que buscar alternativas para seus filhos estudarem. Sem falar das escolas que até então acolhiam irmãos, e que repentinamente não poderão mais recebê-los. Por isso, não é suficiente que o poder público ofereça transporte gratuito para escolas mais longínquas. As famílias precisam se reorganizar com o deslocamento de suas crianças até os ambientes educacionais, podendo desembocar, ainda, em evasão escolar (GIROTTO, 2016). Isso sem fazer menção aos professores que também acabam sendo realocados e, por vezes, gastam mais tempo e dinheiro se locomovendo ao novo ambiente de trabalho. Não apenas deixará de existir uma escola para dar lugar a outro empreendimento, mas também acarretará uma extrusão de famílias desfavorecidas financeiramente do local. Não seria o ramo imobiliário o principal motivopara que seja viabilizada a “reorganização da escola”, sendo muitas vezes de interesse de corretores de imobiliárias a destruição de escolas que estão em local “impróprio e impedindo o progresso”? Desta forma estaremos dificultando uma educação de qualidade e adequada às famílias principalmente de baixa renda, que deixarão de incentivar seus filhos a irem para a escola por motivo de distanciamento e segurança (GIROTTO, 2016). UNIDADE 1 | ESCOLA: REORGANIZAÇÃO, FLEXIBILIZAÇÃO E CURRÍCULO 8 A ação de reorganizar a escola partindo do seu fechamento menospreza a classe menos favorecida, utilizando esse espaço para implementar políticas de viabilização de novos projetos que em grande parte não são de interesse social. Por vezes, a reorganização da escola é concretizada para alavancar espaço para um novo empreendimento comercial que promete ser mais “benéfico” para a sociedade, argumentando-se que a escola estaria em local “inapropriado” e que deveria dar lugar a novos investimentos (GIROTTO, 2016). Dependendo de como é feito o processo de reorganização da escola, pode- se ter demasiado prejuízo para a qualidade da educação que era ofertada em um local que muitas vezes se enquadrava com a espacialidade da comunidade do seu entorno. Motivos socioespaciais – por exemplo – não são levados em consideração no momento em que centros educacionais dão lugar a grandes empreendimentos comerciais. Uma das razões alegadas por nossas autoridades políticas para o fechamento de escolas ou uma “reorganização” das mesmas é a facilitação do “desenvolvimento e do progresso” (GIROTTO, 2016). Quando se pensa em reorganizar a escola, deveria se pensar na possibilidade do diálogo e que tal situação pode desencadear conflitos. Deveria se pensar no ser humano que ali se encontra, nas famílias (com poucos recursos ou não) que dependem da escola para o desenvolvimento dos seus filhos e estão vulneráveis a ações sociais que – se negativas - podem comprometer a educação caso sejam feitas sem o mínimo de amparo à população mais pobre. Acima de todas essas possíveis reorganizações da escola estão os interesses predominantes ocultos da sociedade, que não concordam com as necessidades básicas do ser humano que ali habita e convive (GIROTTO, 2016). Estudantes do Ensino Médio em cidades do Brasil onde a reorganização da escola se resume no fechamento das mesmas têm lutado contra esse projeto idealizado pelos governantes. Esses mesmos alunos têm sido exemplos de patriotismo e de zelo pela educação pública, atestando o valor que têm por seus professores e pela instituição. Os jovens que se veem próximos do prejuízo de perder a escola onde estudam diariamente têm sonhos e desejos, por isso não querem que o poder político derrube o seu futuro. Quando a comunidade que convive com a escola não consegue impedir o fechamento da mesma, luta para que seja construída uma nova – muitas vezes sem sucesso – e que não seja reorganizada lotando ainda mais as salas de outras escolas, aumentando, com isso, ainda mais a baixa qualidade no processo de ensino e aprendizagem no Brasil (GIROTTO, 2016). Quando se anuncia o fechamento de uma escola, a comunidade das suas imediações e alunos não se intimidam e lutam de alguma forma para impedir tal ação política neste sentido, tentando demonstrar que o motivo espacial não deve ser levado em consideração para interesses políticos ou financeiros. Ocorrem situações como invasões das instituições escolares e prédios públicos responsáveis pela ação do fechamento (GIROTTO, 2016). TÓPICO 1 | REORGANIZAÇÃO DA ESCOLA 9 Com essas palavras, não se propõe incitar invasões, vandalismos ou violência para barrar decisões tomadas pelos governantes. Há maneiras pacíficas de se fazer confrontação, por meio do diálogo entre as partes envolvidas (comunidade, escola e autoridades públicas). Em grande parte das lutas pelo impedimento de uma ação pública/política, os alunos e a comunidade estão afirmando que precisam do espaço escolar para que suas famílias possam ter um futuro melhor, e demonstram com essa atitude que o poder público precisa reconhecer que essa situação é de interesse geral (GIROTTO, 2016). Há jovens estudantes que pensam a escola como uma instituição imprescindível em suas vidas e querem lutar para que essa instituição educacional não seja eliminada de suas vidas. Muitos sonhos perpassam pelas vidas dos estudantes, existem relatos de jovens educandos no sentido de abordarem situações vividas por eles que referenciam desejos e projetos para seus futuros. Vale refletir se a Educação vem recebendo a atenção necessária nas últimas décadas. Se de fato existem poucas unidades construídas no Brasil, fechar parte delas não seria uma ação pública/política desnecessária e arbitrária para os envolvidos (alunos e comunidade)? (GIROTTO, 2016). Muitos pontos negativos recaem quando se fala em reorganização escolar tendo como “solução” o fechamento. Os recursos espaciais que muitas vezes se encontram nos locais onde estão construídas muitas escolas são um dos grandes motivos para que se tenham interesses implícitos junto a imobiliárias e a setores públicos. Alunos e famílias que moram próximos de um local onde se pretende fechar uma escola se unem para exigir consenso entre as autoridades políticas e batalham cada vez mais para que isso aconteça e que sejam reconhecidos como pessoas que não podem ser ignoradas pelo simples fato de ações particulares ou de interesses pessoais (GIROTTO, 2016). Essas reflexões são pertinentes à Educação Inclusiva e à Educação Especial, afinal, as escolas regulares também têm recebido crianças deficientes. Se o deslocamento de crianças sem limitações físicas já pode se tornar mais dispendioso, quanto mais das crianças que convivem dia após dia com as péssimas condições que as calçadas, ruas e transportes coletivos oferecem a elas no que tange à acessibilidade? 4 CICLOS DE APRENDIZAGEM A forma seriada fez parte do dia a dia de muitas escolas, entretanto, passou a ser refutada por supostamente prejudicar as classes menos favorecidas. Em muitos casos, os alunos – da modalidade seriada – encontram muita rigidez nesse sistema devido ao controle compulsório do tempo e muitas vezes não conseguem completar seus estudos ou simplesmente abandonam a vida estudantil. Tentou- se aqui no Brasil a implantação dos chamados “ciclos de aprendizagem” no lugar da forma seriada, porém, sem sucesso - talvez devido à falta de organização e preceitos que essa nova modalidade poderia oferecer (MICHELS, 2006). UNIDADE 1 | ESCOLA: REORGANIZAÇÃO, FLEXIBILIZAÇÃO E CURRÍCULO 10 Um ponto positivo da modalidade por ciclos é a maleabilidade do tempo, praticidade na formação do currículo e na avaliação. No entanto, o ciclo no final torna-se desigual para os alunos, tornando diferentes as ações conjuntas entre eles, distanciando a classe. Contudo, o Estado procura promover a igualdade entre todos no ambiente escolar, sem distinguir esse ou aquele aluno realizando a inclusão (MICHELS, 2006). Para Girotto (2016), os ciclos de aprendizagem seriam uma sugestão para a reorganização da escola, por serem vistos por muitas pessoas como uma forma de ensino mais atrativa e viável no que diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem. Os ciclos podem constituir uma maneira mais eficaz de apreender os conteúdos nas diversas disciplinas que são abordadas em sala de aula. Muitos especialistas da área da educação concordam que o método de ensino através de ciclos seria uma forma mais correta e dinâmica para que o aprendizado de crianças e jovens fosse revitalizado de uma maneira menos tradicional (GIROTTO, 2016). Reorganizar a escola em ciclos únicos de estudo pode ser uma situação viável, no entanto, como muitas outras formas de educar, é uma reorganização que precisa ser bastante debatida, pois sempre existirão as questões positivas e negativas de implantação de um novo projeto de ensino. Por exemplo, ao revisitar a literaturacientífica nesse campo de investigação, é possível afirmar que os alunos e as alunas aprendem mais em salas com turmas menores, quando têm acesso a laboratórios de ciência, informática, quando podem realizar trabalhos de campo, estudos do meio, quando têm possibilidade de visitar museus, teatros, cinemas (GIROTTO, 2016, p. 1129). Além dos benefícios decorrentes de salas de aula com menor quantidade de estudantes, visitas a laboratórios de diferentes campos do saber, e do contato com espaços culturais como os museus, teatros e cinemas, há outros aspectos ancorados na reorganização escolar, mencionados por Barretto e Sousa (2004, p. 33 ): • experiências de introdução dos ciclos; • progressão continuada; • pesquisas sobre fundamentos, justificativas, potencialidades e implicações das propostas de ciclo e de reorganização do ensino; • dispositivos legais e normativos emanados de diferentes instâncias; • iniciativas de adoção dos ciclos; • resultados e ou o impacto das medidas; • reorientação curricular; • interdisciplinaridade. Por conseguinte, Barretto e Sousa (2004) analisaram a proposta de ciclos de São Paulo, que teve sua regulamentação expressa no "novo Regimento Comum das Escolas Municipais, resultante de discussões com professores, alunos e pais, TÓPICO 1 | REORGANIZAÇÃO DA ESCOLA 11 apresentando-se como alternativa capaz de contribuir para a democratização do ensino" (BARRETTO; SOUSA, 2004, p. 39). Para Barretto e Sousa (2004), essa reorganização escolar preconizava novas considerações aos tempos na esfera escolar: estabelecimento de horários coletivos de trabalho, que incentivariam os professores a adotarem jornada de trabalho integral (40 aulas semanais, prevendo momentos aplicados em tarefas individuais cumpridas na escola e atividades livres, fora dela). Por outro lado, como aponta Girotto (2016), a jornada de trabalho integral nem sempre atende aos gastos pessoais dos professores, fazendo com que vários deles acabem excedendo a carga horária. Certamente, teríamos mais qualidade no ensino tendo professores com tempo para preparar as suas aulas com qualidade. Além disso, contava com a reorientação da ação supervisora, propiciando a articulação entre ações das instâncias intermediárias do sistema e das escolas. De mais a mais, incentivava o desenvolvimento de projetos pelas unidades escolares, voltados a atender suas demandas específicas (BARRETTO; SOUSA, 2004). Apesar da implantação dessa proposta ter sido efetuada com a participação de professores e de outros integrantes do âmbito escolar, juntamente com o projeto de reestruturação curricular, essa proposta de reorganização da escola em ciclos não teve o encadeamento inicialmente previsto. As vicissitudes ocasionadas pela intercalação de partidos no poder e de diferenças ideológicas por parte dos grupos gestores que assumiram a liderança do município entre os anos 1990 e 2004 podem ter influenciado no andamento da concretização da reorganização escolar (BARRETTO; SOUSA, 2004). A opção pelos ciclos de quatro anos instaura, porém, a antiga divisão entre primário e ginásio, frustrando o intento de melhor articulação do projeto educacional da escola completa de oito anos. Além disso, não tem sido acompanhada de iniciativas e condições de trabalho que resguardem e sustentem os fundamentos da reorganização do ensino (BARRETTO; SOUSA, 2004, p. 40). Ao se pensar em ciclos de aprendizagem podemos perceber uma considerável linha de demarcação entre os Anos Iniciais do Ensino Fundamental e os Anos Finais, ou seja, nota-se – com essa percepção – uma recusa do tradicional estilo seriado. No ambiente dos ciclos de aprendizagem o Estado não está devidamente engajado, oportunizando com este descaso um insucesso do plano. Então a conclusão seria de que ainda não é o momento de se reorganizar o processo de ensino e aprendizagem e sim melhorá-lo. Já em Belo Horizonte, destaca-se a reorganização dos tempos escolares por meio da instituição de ciclos de formação, exposta por Barreto e Sousa (2004). Eles partem do princípio de que a vivência de cada idade (infância, pré-adolescência, adolescência) não deve ser marcada por interrupções. Sendo assim, os ciclos de UNIDADE 1 | ESCOLA: REORGANIZAÇÃO, FLEXIBILIZAÇÃO E CURRÍCULO 12 formação favorecem a socialização apropriada a cada idade-ciclo, tencionando minimizar as rupturas geradas pela repetência. A função socializadora e formadora da interação entre estudantes da mesma idade é realçada. Em vista disso, o discurso acerca da importância da socialização adequada a cada idade de formação, mais consoante ao equilíbrio, é reforçado. Dá sinais de uma nova relação com o conhecimento, já que concebe que cada etapa de formação do estudante deve ser considerada como tempo peculiar de vivência da cultura e de direitos. A escola passa a ser o local que favorece o exercício da cidadania, a começar pelo direito à educação (BARRETTO; SOUSA, 2004). Por este ângulo, é válido frisar que propostas que abrangem reorganização dos tempos e espaços, currículos e avaliação, inicialmente desestabilizam a rotina que vigorava até então, desestruturando culturas organizacionais que pareciam estar consolidadas até aquele momento, bem como, a lógica de funcionamento da escola. Entretanto, a sociedade vive atravessando transformações, e estas incidem na educação. Por isso, não se pode esperar que práticas educativas sejam permanentes e imutáveis (FERNANDES, 2010). Barretto e Sousa (2004) esclarecem que em Porto Alegre, foi na administração de 1992 a 1996 que se definiu a proposta de reorganização do ensino. Um período em que buscou-se ressaltar a gestão democrática, através da elaboração de canais de decisão coletiva que resultou no 1º Congresso Constituinte da Rede Municipal (1995). Nesse congresso, as discussões giravam em torno de estratégias para refrear a exclusão escolar. A reorganização curricular do ensino por "ciclos de formação" foi uma medida apresentada com o intuito de promover a aprendizagem para todos, amenizando as pausas da trajetória escolar (BARRETTO; SOUSA, 2004). Conforme Barretto e Sousa (2004), na capital gaúcha, a implantação na rede ocorreu gradativamente, cabendo às escolas deliberarem sobre a adesão à nova proposta curricular, que, basicamente, era assim caracterizada: • os alunos são organizados pelos seus anos de vida (dos seis aos 14 anos, em três ciclos de três anos cada); • não há reprovação; • os estudantes dispõem de alternativas de apoio em caso de dificuldades específicas, por exemplo: laboratórios de aprendizagem, professores itinerantes e sala de integração e recursos; • reorganização curricular; • revisão de espaço/tempo para o trabalho coletivo na escola; • formação continuada de profissionais da educação; • supervisão pedagógica às escolas; • envolvimento de alunos, famílias e funcionários na discussão do currículo. Na concepção de Barretto e Sousa (2004), impulsionar a interlocução entre pesquisadores e redes de ensino, gestores e docentes, pode beneficiar a TÓPICO 1 | REORGANIZAÇÃO DA ESCOLA 13 reorganização escolar, afinal, ela pode se processar pautada em traços delineadores mais robustos, visualizando melhores opções de intervenção. A reorganização do ensino em ciclos tem muito a ganhar, se fomentada na relação dialógica entre os que estão diretamente envolvidos nas escolas. Dirigentes e pesquisadores, por exemplo, podem compartilhar seus saberes e experiências, elaborando uma produção conjunta, intrinsecamente democrática. 5 FORMAÇÃO DE PROFESSORES A reorganização escolar abrange outras situações a serem debatidas, além do número exorbitante de alunos em uma mesma sala de aula; a formação de professores é uma delas. O governo brasileiro mantém projetos que viabilizam a formação dos professores para melhorar a atual realidade do fracasso na educação junto aos alunos (MICHELS, 2006). A formação continuada voltada para o contexto educacional, social e familiar da comunidadeno qual convivem seria uma excelente opção para melhorar a qualidade da educação (GIROTTO, 2016). “A formação docente ganha destaque na política educacional, principalmente a partir da promulgação das novas diretrizes e bases da educação nacional (LDBEN, Lei 9.394/96), cujo artigo 62 preconiza que esta deva ocorrer” (MICHELS, 2006, p. 412). A LDBEN no seu artigo 62 esclarece que o local de formação dos professores poderá acontecer em universidades (em cursos de licenciatura plena) ou em institutos superiores de educação (MICHELS, 2006). Documento do Banco Mundial (1995) ressalta que a formação em serviço é uma estratégia eficaz para melhorar o conhecimento dos professores e, principalmente, diminui o custo dessa preparação. Com tal indicação, essa agência conota à educação caráter economicista e impõe uma visão utilitarista e fragmentada para a formação. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) também destaca a educação a distância como a forma mais apropriada de formar os docentes (MICHELS, 2006, p. 412). Ressalta-se que com a nova definição da LDBEN no que concerne à formação de professores, esse processo tende a ser melhorado e quem ganhará com essa nova formação é o educando. A LDBEN definiu que a partir de 2007 todos os professores precisam ser formados, no entanto, revoga-se essa lei e mantém-se a não obrigatoriedade da formação superior para os professores que já estão em exercício. (MICHELS, 2006). Grande parte dos acadêmicos de Pedagogia procura cursos com curto tempo de duração e com menor custo. No seu aprendizado, o professor entende a importância da convivência com a comunidade escolar, a gestão e as pessoas envolvidas, bem como os problemas advindos da rotina de uma escola. A atual política nacional direcionada aos professores não leva em conta os benefícios individuais, como melhores salários, reconhecimento profissional, carga horária de trabalho, entre outros (MICHELS, 2006). UNIDADE 1 | ESCOLA: REORGANIZAÇÃO, FLEXIBILIZAÇÃO E CURRÍCULO 14 Michels (2006) aponta que, ao observar a trajetória histórica das reformas educacionais, pode-se notar que em meio a tantas indefinições, houveram momentos em que o enfoque estava direcionado à "prática" do professor, com orientações caracterizadas por detalhamento técnico, enquanto que, em outras circunstâncias, era o lado pedagógico que se realçava. A formação em serviço não é necessariamente uma opção inconveniente. Nóvoa (2009, p. 3) defende que quando a formação se dá na própria escola, tem- se como vantagem o conhecimento da realidade e cultura organizacional: Ser professor é compreender os sentidos da instituição escolar, integrar-se numa profissão, aprender com os colegas mais experientes. É na escola e no diálogo com os outros professores que se aprende a profissão. O registro das práticas, a reflexão sobre o trabalho e o exercício da avaliação são elementos centrais para o aperfeiçoamento e a inovação. São estas rotinas que fazem avançar a profissão. Outra vantagem da formação de professores na escola onde atuam é a maior possibilidade de unirem esforços com colegas de trabalho, na intenção de buscar soluções para situações concretas, como fracasso escolar, problemas escolares específicos. Deste modo, a formação de professores pode valorizar o trabalho em equipe, enriquecendo a importância dos projetos educativos da escola, e o estabelecimento de parcerias entre profissionais da educação para o melhor desenvolvimento destes projetos. Ou seja, quando a formação se dá no solo familiar dos professores, há mais chances de se desenvolver intervenção conjunta às demandas peculiares da escola, e aos seus projetos educativos (NÓVOA, 2009). Para Nóvoa (2009, p. 7), a “[...] escola como o lugar da formação dos professores, como o espaço da análise partilhada das práticas, enquanto rotina sistemática de acompanhamento, de supervisão e de reflexão sobre o trabalho docente”, possibilita que experiências partilhadas entre os docentes constituam conhecimento profissional coletivo. Eventualmente, professores buscam cursos de formação docente em instituições desvinculadas do seu local de trabalho, e podem se deparar com teorias, recomendações e discursos que destoam drasticamente de sua realidade profissional. “A contemporaneidade exige que tenhamos a capacidade de recontextualizar a escola no seu lugar próprio, valorizando aquilo que é especificamente escolar, deixando para outras instâncias atividades e responsabilidades que hoje lhe estão confiadas (NÓVOA, 2009, p. 8). Ler e ouvir novos teóricos sempre traz algum proveito, porém, também é proveitoso dialogar com seus pares, na escola, e juntos conduzirem uma formação voltada às questões práticas do seu cotidiano. No tocante à modalidade de educação a distância, Rodrigues e Capellini (2012) fizeram uma pesquisa sobre formação de professores e constataram que: “Dos participantes, 96% consideram que a modalidade de educação a distância atende, inicialmente, à formação continuada de professores para o processo de inclusão da pessoa com deficiência” (RODRIGUES; CAPELLINI, 2012, p. 625). TÓPICO 1 | REORGANIZAÇÃO DA ESCOLA 15 É evidente que alguns aspectos influenciam a eficiência dos cursos a distância, tais como: os estudantes precisam ser orientados por tutores/professores a gerirem seu tempo com prudência, para conseguirem realizar os estudos com efetividade. Também é importante que contem com recursos (equipamentos relativos ao ambiente virtual de aprendizagem) em que possam integrar uma comunidade virtual, na qual desenvolvam o sentimento de pertencimento ao grupo. As tecnologias de informação e comunicação estão aí, e podem intermediar novas e eficazes propostas de ensino-aprendizagem. O momento atual é convidativo a suplantar metodologias tradicionais e instrucionistas (RODRIGUES; CAPELLINI, 2012). [...] é preciso romper com o conceito equivocado de que aprender on- line não é aprender de verdade; o sucesso do curso dependerá, entre outros aspectos, da interlocução entre os participantes, da troca de experiências entre colegas e professor, utilizando o ambiente para comunicação e criação da comunidade virtual, que, ao mesmo tempo, aprende e ensina (RODRIGUES; CAPELLINI, 2012, p. 626). Assim, o discurso de que a educação a distância é uma modalidade financeira mais acessível com menor qualidade educativa precisa ser desconstruído. É possível aprender significativamente em cursos à distância, cursando uma educação de qualidade, já que os estudantes não ficam desassistidos ao longo de seus cursos. Eles podem contar com formadores/tutores/docentes/ educadores/professores, que fazem a mediação de seu processo de aprendizagem (RODRIGUES; CAPELLINI, 2012). Na especificidade da Educação Especial, podemos afirmar que modificações têm sido implementadas com relação à formação de professores para a área. Estas relacionam-se às já mencionadas mudanças relativas à formação de professores do Ensino Fundamental (MICHELS, 2006). Resolução CNE n. 02/2001 caracteriza duas denominações para os professores que atendem alunos com deficiência: professores capacitados ou especializados. Os professores capacitados (que devem possuir nível médio ou superior) serão formados por disciplinas e os professores especializados (que devem ter Ensino Superior ou especialização) prosseguirão com o planejamento iniciado ou desenvolvido pelo professor capacitado (MICHELS, 2006). Para Lima e Dorziat (2015, p. 456) Os depoimentos evidenciaram que o modelo de formação prescrito nos documentos oficiais e promovido pelos órgãos responsáveis se mostrou contraditório com o modelo relatado pelos profissionais. Ao mesmo tempo em que anunciava o desenvolvimento de práticas formadoras continuadas no âmbito da rede municipal e dos núcleos escolares, norteadas por uma perspectiva do professor pesquisador, a realidade apresentada pelos profissionais, em sua maioria, denunciava ações formativas esporádicasque não atendiam a todos os professores da rede, mas que denotavam estar em sintonia com a tendência de formação e profissionalização docente, única e padronizada, recomendada pelos organismos internacionais". UNIDADE 1 | ESCOLA: REORGANIZAÇÃO, FLEXIBILIZAÇÃO E CURRÍCULO 16 Na concepção de Vilaronga e Mendes (2014), é necessário que a formação de professores seja realizada com mais proximidade da realidade educacional cotidiana, levando em conta as interações entre professores e alunos com deficiência no dia a dia escolar. Além do mais, é improtelável que novas ferramentas e materiais didáticos sejam desenvolvidos, voltados para a formação de professores, numa perspectiva de ensino colaborativo. Isto é, instigando os professores a trabalhar de modo colaborativo (professores da sala regular e professores de educação especial) configurando, assim, o coensino. Sob o ponto de vista de Vargas e Portilho (2018), para atender as necessidades educacionais de cada estudante, pode ser desenvolvido um trabalho que integre profissionais da saúde e da educação, de modo que possam discutir os casos e fazer um projeto de ação colaborativo. Essas autoras ainda recomendam programas de formação continuada que problematizem o domínio do saber específico, e que ofereçam condições para que o professor se torne apto para trabalhar com estudantes com deficiência. Para tanto, a formação de professores precisa disponibilizar momentos de diálogo e reflexão, para que exteriorizem as angústias e dúvidas, ocasionadas pelos desafios que despontam todos os dias no espaço escolar. DICAS Recomendamos a leitura do artigo "Formação de professores e educação de surdos: revisão sistemática de teses e dissertações" escrito por Muttao e Lodi (2018). Nesse texto, as autoras abordam a formação inicial de professores, relacionada com a educação especial e com a educação inclusiva. Elas também tratam da formação continuada de professores, tanto na modalidade presencial, com práticas sendo desenvolvidas em serviço, quanto na modalidade à distância. Apesar do artigo destacar o ensino de surdos, permite reflexões amplas na área da educação. Para saber mais sobre a formação docente e educação especial. Acesse os links para ler os textos que originaram os fragmentos anteriores. LIMA, N. M. F.; DORZIAT, A. Formação docente para educar na diversidade: concepções subjacentes nos documentos oficiais e na prática explicitada. Ensaio: aval.pol.públ.Educ., Rio de Janeiro , v. 23, n. 87, p. 437-460, jun. 2015. Disponível em:< https://bit.ly/2Jn3B7C >. Acesso em: 29 out. 2018. VILARONGA, C. A. R.; MENDES, E. G. Ensino colaborativo para o apoio à inclusão escolar: práticas colaborativas entre os professores. Rev. Bras. Estud. Pedagog. Brasília, v. 95, n. 239, p. 139-151, abr. 2014. Disponível em:< https://bit.ly/2Dbu2Nq >. Acesso em: 29 out. 2018. MUTTÃO, M.D.R., LODI, A. C. B. Formação de professores e educação de surdos: revisão sistemática de teses e dissertações. Psicologia Escolar e Educacional, SP, 2017. Disponível em: <https://bit.ly/2Q4tQSP >. Acesso em: 29 out. 2018. TÓPICO 1 | REORGANIZAÇÃO DA ESCOLA 17 Os professores em atividade no magistério têm direito a formações asseguradas pelo poder público. O professor que atender alunos com necessidades especiais precisa ter formação em Pedagogia com habilitação em Educação Especial e não mais ter apenas formação superior na área específica. Quanto à especialização, esta pode ocorrer em uma das áreas de deficiência, por exemplo, especialização em Educação Inclusiva. Os cursos complementares e em serviço podem contribuir, também, junto a esses profissionais da Educação (MICHELS, 2006). A formação continuada de professores está amparada pela Resolução do CNE n. 02/2001 e os estados e municípios comporão o número de horas necessário para a realização dessas formações. Aos professores capacitados cabe descobrir e analisar as necessidades individuais de seus alunos com necessidades especiais e desenvolver práticas pedagógicas que venham ajudá-los a se desenvolverem na sala de aula. Já o professor especializado deve aceitar as análises feitas pelo professor capacitado e criar estratégias que viabilizem quais ações pedagógicas serão melhores para determinado aluno com necessidades especiais (Resolução do CNE n. 02/2001). Uma nova forma para aplicação mais dinâmica dessas ações seria os professores especializados permanecerem dentro das escolas e indicarem novas possibilidades aos professores capacitados, que poderiam ser implementadas junto aos alunos com necessidades educacionais especiais (MICHELS, 2006). Conforme Pires (2015), a formação de professores está diretamente ligada às discussões curriculares e à avaliação. No contexto escolar, a avaliação pode ter diversas finalidades, tais como: • auxiliar no monitoramento de sistemas de ensino e suas ações; • fornecer dados para validar determinados projetos/ações; • dar indícios do trabalho que tem sido feito pelas escolas; • sinalizar como tem sido a atuação dos profissionais da educação; • dar subsídios para refletir acerca do processo de desenvolvimento curricular e revê-lo quando necessário; • apontar como anda o ensino dos professores; • dar mostras do que os estudantes têm aprendido. Vale enfatizar que a avaliação tem serventia quando seguida de ações que reparem, corrijam ou melhorem os resultados que foram atingidos até a aplicação dela. Assim, é necessário existir diálogo para que esses resultados sejam disseminados aos envolvidos, e a avaliação precisa consistir em um processo contínuo (PIRES, 2015). Esse enfoque à avaliação, sobretudo na seção que está discorrendo sobre a formação de professores, se justifica porque boa parte das pesquisas sobre currículo e formação de professores vem sendo feita de maneira desconexa, isto é, ou focalizam o currículo exclusivamente, ou a formação de professores. Se faz necessário que esses temas passem cada vez mais a serem estudados e analisados de maneira articulada, associada. Além do mais, os resultados de tais pesquisas precisam ser amplamente difundidos, para que sejam factualmente contributivos na formulação de políticas públicas (PIRES, 2015). UNIDADE 1 | ESCOLA: REORGANIZAÇÃO, FLEXIBILIZAÇÃO E CURRÍCULO 18 ESTUDOS FU TUROS A Unidade 2 desse livro pormenoriza o tema avaliação e inclusão. Se quiser antecipar suas leituras sobre o tema, confira o tópico 1 da segunda unidade. Bons estudos! De fato, é responsabilidade da ciência propagar seus achados, descobertas, resultados; por outro lado, e quanto às pessoas que formalizam normas, reorganizações, adaptações no contexto educacional, será que buscam encontrar respaldo em pesquisas científicas para as suas propostas e decisões? Pires (2015) esclarece que essas frentes costumam ser dirigidas por equipes diferentes, e raramente há comunicação entre elas. Talvez esse seja um motivo de que a desarticulação e a fragmentação sejam tão notórias. 6 CURRÍCULO Para que exista uma sociedade transformada, a escola convive com currículos predefinidos para elaborar um processo de ensino e aprendizagem que viabilize o progresso tanto de jovens quanto de adultos (MICHELS, 2006). Entretanto, Souza (2000) fez uma pesquisa acerca da história do currículo e das disciplinas escolares aneladas à história do ensino primário, e observou que as nações que intentaram formular sistemas nacionais de ensino acabaram homogeneizando seus currículos educacionais em torno da formação cultural que pretendiam dar ao país. Assim, justificam a reorganização da escola em prol da educação integral, que abrangia educação física, intelectual e moral. Desse modo, questões de gênero emergiam na esfera escolar, já que se acreditava que os meninos precisavam de mais exercícios físicos, que além de contribuírem para forjar o caráter deles, poderia ser útil futuramente, em possíveis situações que envolvem a necessidade de ter um exército para proteger e representar o país.O objetivo de fazer menção a esta pesquisa não é pormenorizá-la, e sim, chamar a atenção para que a definição dos currículos nunca é ingênua, neutra ou imparcial. Há concepções intencionais, ideológicas e axiológicas por detrás das determinações curriculares. Pires (2015) realizou um estudo sobre as relações entre currículo, avaliação e formação de professores no que concerne à área de educação matemática, sobretudo, às especificidades que articulam os projetos/ações relativos às políticas públicas brasileiras. A autora se deparou com projetos/ações governamentais de reorganização curricular e formação de professores. Pires (2015) observou que ocasionalmente projetos curriculares se limitam à ordenação de listas de conteúdos mínimos. Até que ponto confeccionar uma lista que indica os conteúdos básicos é suficiente para promover melhorias na educação? TÓPICO 1 | REORGANIZAÇÃO DA ESCOLA 19 Em contrapartida, alguns acordos a respeito de quais conhecimentos todos os alunos da educação básica precisam acessar são oportunos, na tentativa de assegurar direitos do cidadão. Todavia, não resolverão por si só as falhas do sistema educativo enquanto não se considerarem as condições de trabalho e de formação de professores. E as agruras que atingem a formação e o trabalho de docentes não dizem respeito apenas à atuação polivalente dos anos iniciais da educação básica (PIRES, 2015). Enquanto o foco das medidas de reorganização se mantiver unicamente em um aspecto do sistema educativo, pouco se pode esperar de mudanças consideráveis. É necessário que a reorganização contemple debates aprofundados sobre diferentes facetas que atravessam a educação. Caso contrário, refletirão propostas contraditórias e ações com consequências infrutíferas (PIRES, 2015). Na concepção de Carvalho (2012), quando as escolas definem suas ações balizadas pelos conteúdos e disciplinas do currículo, inegavelmente dão maior importância à transmissão de informações na sala de aula. Assim, objetivos e finalidades giram em torno do papel do professor, e da ensinagem. Os alunos que se apropriam dessas informações repassadas são classificados como normais, ao passo que os demais, que não conseguem construir conhecimentos nestas circunstâncias, recebem outras designações e geralmente são encaminhados para espaços especiais. O mais curioso é que esse processo de encaminhamento dificilmente leva em conta a avaliação da qualidade da proposta pedagógica vigente daquela escola, em que a criança não conseguiu aprender. Ensinagem é o termo cunhado por Léa das Graças Camargo Anastasiou em 1994, para se referir a uma prática social, crítica e complexa em educação entre professor e estudante, "englobando tanto a ação de ensinar quanto a de apreender" (ANASTASIOU; ALVES, 2004, p. 15), “dentro ou fora da sala de aula” (CORREIA; COSTA; AKERMAN, 2007, p. 24). A ensinagem enquanto processo de ensino-aprendizagem abandona a ideia de "dar aulas" para dar lugar ao "fazer aulas" num sentido de trabalho real, in loco (ANASTASIOU; ALVES, 2004, p. 15). A partir da relação professor-estudante se estabelece um contrato ético-didático, em que são criadas estratégias para a aproximação de conteúdos contextualizados na realidade social. Esse conjunto permite a produção de conhecimento engajado e híbrido, entre o acadêmico e o cotidiano (CORREIA; COSTA; AKERMAN, 2007, p. 24). FONTES: ANASTASIOU, L.G. C.; ALVES, L. P. Estratégias de ensinagem. In: ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos; ALVES, Leonir Pessate. (Orgs.). Processos de ensinagem na universidade. Pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. 3. ed. Joinville: Univille, 2004. CORREIA, R. L.; COSTA, S. L.; AKERMAN, M. Processos de ensinagem em desenvolvimento local participativo. Interações (Campo Grande), Campo Grande , v. 18, n. 3, p. 23-29, set. 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-70122017000300023&lng=pt &nrm=iso>; <http://dx.doi.org/10.20435/inter.v18i3.1526>. Acessos em: 8 nov. 2018. ATENCAO UNIDADE 1 | ESCOLA: REORGANIZAÇÃO, FLEXIBILIZAÇÃO E CURRÍCULO 20 Podemos, então, apresentar uma outra conclusão parcial: uma escola que privilegie o conteúdo programático a ser dominado pelo aluno e que construa seu projeto político-pedagógico com essa intenção, provavelmente vai privilegiar o ensino em vez da aprendizagem e acabará recaindo na aferição do que o aluno aprendeu. Será, também, uma escola excludente (CARVALHO, 2012, p. 94). Em vez de a escola ser avaliada, ou os materiais didáticos que utiliza, ou a metodologia dos professores, quem passa por diferentes avaliações é exclusivamente a criança, que, culpabilizada pela falta de capacidade de aprender, é submetida a diferentes exames de ordem médica, e ao final do processo recebe títulos, rótulos que explicitam sua "dificuldade de aprendizagem" (CARVALHO, 2012). Estas não seriam atitudes de segregação? ESTUDOS FU TUROS Aqui nesta mesma unidade do seu livro, no Tópico 3, você encontrará maiores informações a respeito das adequações/adaptações curriculares. 7 INCLUSÃO EDUCAÇÃO ESPECIAL Frequentemente, ouve-se professores de escolas regulares se queixando de sua responsabilidade descomedida, por terem que dar conta de salas de aula repletas de alunos, e com parte deles tendo necessidades educacionais especiais. Eles questionam se essa prática não tem comprometido a educação nos dias de hoje. Atualmente as escolas tendem a incluir sem distinção de qualquer natureza, ou seja, atendem todos os alunos, independentemente de suas limitações pessoais, culturais ou outras. Outros fatores - como políticos e econômicos - levam em consideração a forma democrática como a escola vem fazendo o seu papel frente ao atendimento de seus alunos (MICHELS, 2006). A atual reforma educacional, que se iniciou no Brasil no ano de 1990, tem como um de seus marcos a elaboração do Plano Decenal de Educação (previsto para vigorar de 1993 a 2003). Este plano derivou da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990 (MICHELS, 2006 p.407). Depois da Conferência de Jomtien, surgiu a necessidade de rever a educação como um todo, isto é, achava-se necessária uma reavaliação de qual era o papel da escola e dos professores frente aos alunos em sua totalidade, tendo como característica principal a inclusão. Inclusive essa intenção foi colocada TÓPICO 1 | REORGANIZAÇÃO DA ESCOLA 21 por organismos internacionais, que também se preocupavam com essa questão. Desde lá, muito se tem discutido e percebido que a política nacional muitas vezes não consegue inteirar todo um plano educacional para o bom andamento da escola (MICHELS, 2006). Em defluência, uma diretiva de abrangência mundial determinou uma reorganização do sistema educacional, de modo que TODO e QUALQUER estudante possa ingressar no sistema educacional, e prosseguir seus estudos nele, seja qual for a modalidade de ensino disponível nas instituições educacionais. Para tanto, regulamentos e orientações têm sido redigidos em solo nacional (e internacional) a fim de dar apoio para a implantação da inclusão educacional (OLIVEIRA; LEITE, 2011). No entanto, a escola vem mantendo a sua rotina de acolher as mais diversas necessidades advindas da sociedade, mesmo sendo realizadas mudanças – às vezes negativas - no sistema governamental (MICHELS, 2006). Como exemplos de mudanças negativas, Figueira (2011) faz menção às propostas padronizadas, uniformização do currículo em todo o solo brasileiro, estratégias avaliativas que visam nivelar a todos de modo análogo. Esse nivelamento idealizado parece contradizer alguns pontos estipulados pela própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), que discorrem sobre a liberdade para aprenderem conforme seu próprio ritmo e condições. "Embora haja consenso entre os teóricos da inclusão sobre a necessidade de uma reorganização pedagógica para que o modelo inclusivo de educação seviabilize, há diferentes posicionamentos quanto ao caráter dessa reorganização" (OLIVA, 2016, p. 494). Além disso, ainda existem muitas escolas em que as políticas inclusivas não estão arraigadas aos valores e práticas cotidianas. Assim, as barreiras à aprendizagem e à participação se avolumam. Neste sentido, o princípio da igualdade de oportunidade não é significativamente amparado, tampouco a valorização das diferenças individuais (OLIVA, 2016). No momento em que se pensa na reorganização da escola, temos que levar em conta todas as ideias (críticas e ponderações), ou seja, antecipar quais situações são favoráveis, quais podem realmente mudar com uma nova maneira de ensinar, ou se pode agravar uma situação de negatividade. Como toda nova proposta de ensino ou em qualquer outra área, é necessário dialogar com paciência para poder se certificar se a mudança que se tem em um projeto é a correta. Isso deve ser realizado com coerência, parceria de ideias e opiniões de especialistas na área da educação e suas comunidades (GIROTTO, 2016). Quando se fala em reorganização da escola motivada pela proposta inclusiva, seguidamente vêm à memória as mudanças arquitetônicas: ambientes mais acolhedores, com mobília, portas e corredores apropriados, rampas, corrimãos, pisos antiderrapantes; banheiros, pátios, parques, bibliotecas e laboratórios adaptados. Apesar disso, há outras mudanças que são imprescindíveis: culturais, pedagógicas e atitudinais (FIGUEIRA, 2011). UNIDADE 1 | ESCOLA: REORGANIZAÇÃO, FLEXIBILIZAÇÃO E CURRÍCULO 22 Conforme Figueira (2011), a inclusão escolar requer a disponibilização de atendimento educacional especializado coexistente com as aulas regulares, preferencialmente, oferecido no mesmo ambiente no contraturno das aulas oficiais. A escola necessita de distintos profissionais (psicólogos, terapeutas ocupacionais, intérpretes, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, professores especializados etc.), e de diversos equipamentos, materiais e recursos, por exemplo, cavaletes de livros para crianças que não têm condições de segurá-los. Incontestavelmente, tratam-se de profissionais e utensílios que serão contratados/adquiridos na medida em que exista a necessidade deles. Faz parte das mudanças culturais e atitudinais o trabalho realizado com todos os estudantes no sentido de aceitarem as diferenças, estarem cientes de que é possível enfrentar situações que envolvem frustração (tanto por parte das crianças classificadas como normais, quanto das demais), conflitos, circunstâncias de rejeição. Esse trabalho visa tranquilizar todos os estudantes envolvidos, auxiliando no amadurecimento deles frente à inclusão (FIGUEIRA, 2011). Na perspectiva de Figueira (2011), ainda como parte das mudanças culturais e atitudinais, cita-se o empenho que é necessário por parte dos profissionais da educação, de modo que busquem conhecer os alunos a serem incluídos, suas necessidades, o que podem fazer para tornar os conhecimentos mais acessíveis a eles. Além dos conteúdos, o professor precisa procurar motivar todos esses alunos, contribuir para o desenvolvimento da autonomia deles e, preferencialmente, sabotar a utilização de rótulos e substantivos atinentes aos paradigmas, que divide os alunos em “especiais/deficitários” e “regulares/ padrão/exemplares/normais”. Para Leite, Borelli e Martins (2013), parte das pesquisas brasileiras acerca de currículo e deficiência trata de: • diálogos, reflexões e análises de políticas curriculares e educacionais, por exemplo, reforma educacional; • formação de profissionais que prestam atendimento às crianças com deficiência ou com necessidades educacionais especiais; • procedimentos de gestão do currículo; • relatos de vivências de práticas pedagógicas. Em seu conteúdo, os textos que derivam destas pesquisas sinalizam dificuldades para expor alternativas que primam pela flexibilização do ensino, como adequações curriculares. Ainda para Leite, Borelli e Martins (2013), até se encontram argumentações em prol da promoção de um ensino único para todos os alunos, indefinidamente, alinhadas às premissas divulgadas a favor da educação inclusiva. Contudo, parece haver um silenciamento sobre a reorganização de propostas curriculares e/ou práticas educacionais que agraciem e levem em consideração as demandas educacionais diversificadas. TÓPICO 1 | REORGANIZAÇÃO DA ESCOLA 23 DICAS Aprofunde seus conhecimentos sobre a reorganização no contexto educacional com vistas à inclusão. Leia o livro escrito por Rosita Edler Carvalho (2012), cujo título é: Escola inclusiva: a reorganização do trabalho pedagógico. Editora Mediação. E por falar em currículo, este livro é referência fundamental da disciplina de Diagnóstico, Planejamento e Avaliação na Educação Especial. 8 OBSERVAÇÕES INSTIGANTES No decorrer deste tópico pudemos observar que a reorganização da escola no Brasil necessitaria se relacionar com pontos fundamentais, tais como: gestão, aspectos de ordem financeira/econômica, avaliação, formação de professores, interesses das comunidades das proximidades das unidades escolares, currículo e inclusão. Michels (2006) focalizou a análise de três desses pontos: gestão, formação de professores e inclusão. Girotto (2016), por sua vez, realçou aspectos de ordem econômica e relativas aos lugares físicos, os ambientes que estão (estavam?) à disposição da educação. Neste sentido, Michels (2006, p. 420) também deixa uma expressiva contribuição: Partimos da compreensão de que a reforma direcionada à área educacional está atrelada a uma reestruturação do próprio sistema capitalista, que, com sua crise evidenciada, sobretudo nos anos de 1980, necessitava reorganizar-se, porém sem mudar suas bases. Breves reflexões acerca da escola seriada ou organizada em ciclos de aprendizagem também foram possibilitadas neste tópico. UNIDADE 1 | ESCOLA: REORGANIZAÇÃO, FLEXIBILIZAÇÃO E CURRÍCULO 24 Retomamos o pensamento de Pitágoras, para quem, com organização e tempo necessário, encontram-se formas de realizar as coisas de modo primoroso. Assim, desejamos que as escolas façam planejamentos para se estruturarem apropriadamente para receber a todos os estudantes. Também apoiamos e encorajamos os alunos para que empreendam estratégias de organização de modo que se dediquem aos seus estudos, tanto quanto for necessário para sua formação acadêmica, profissional e pessoal. Antes de passarmos ao próximo tópico, que versa sobre flexibilização do ensino, deixamos uma última provocação às suas reflexões sobre reorganização escolar, nas palavras de Silva (2009, p. 457): Como as escolas interpretaram as proposições oficiais? Algumas estabeleceram uma relação direta entre saberes, tecnologias e mercado de trabalho, e verbalizaram essa vinculação em suas propostas. Desenvolver competências e habilidades, para a maioria delas, é algo decorrente da associação entre os saberes/conteúdos e o "cotidiano dos alunos". As poucas escolas que reorganizaram seu fazer pedagógico com essa finalidade informaram que o trabalho com projetos foi destacado como possibilidade de produzir a relação entre saberes escolares e sua utilização/aplicação no dia a dia dos alunos. Dessas informações é possível inferir a ocorrência de atribuição de um sentido pragmático ao conhecimento, valorizado principalmente em sua dimensão utilitária. 25 Neste tópico, você aprendeu que: • Apesar de a História acondicionar alguns movimentos de reorganização escolar focados em frentes unidirecionadas, a reorganização escolar deveria incidir diferentes aspectos, tais como: gestão escolar, envolvimento com a comunidade do entorno da escola, ciclos de aprendizagem (ou outras maneiras de se pensar os tempos escolares), formação de professores, currículo, avaliação e inclusão. • Há propostas de políticas públicas brasileiras acerca de discussões em torno de reorganização escolar, que são implementadas como se fossem autossuficientes. •