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O MÍNIMO SOBRE FILOSOFIA Victor Sales Pinheiro 1ª edição — janeiro de 2023 — CEDET Copyright © Victor Sales Pinheiro, 2023 Sob responsabilidade do editor, não foi adotado o Novo Acordo Ortográfi co de 1990. Os direitos desta edição pertencem ao CEDET — Centro de Desenvolvimento Profissional e Tecnológico Av. Comendador Aladino Selmi, 4630 Condomínio GR Campinas 2 — módulo 8 CEP: 13069-096 — Vila San Martin, Campinas-SP Telefones: (19) 3249–0580 / 3327–2257 e-mail: livros@cedet.com.br CEDET LLC is licensee for publishing and sale of the electronic edition of this book CEDET LLC 1808 REGAL RIVER CIR - OCOEE - FLORIDA - 34761 Phone Number: (407) 745-1558 e-mail: cedetusa@cedet.com.br Editor: Thomaz Perroni Editor assistente: Felipe Denardi Capa: Guilherme Conejo Diagramação: Virgínia Morais Revisão de provas: Paulo Bonafina Tamara Fraislebem Conselho editorial: Adelice Godoy César Kyn d’Ávila Silvio Grimaldo de Camargo FICHA CATALOGRÁFICA Pinheiro, Victor Sales. O mínimo sobre fi losofi a / Victor Sales Pinheiro Campinas, SP: O Mínimo, 2023. ISBN 978-65-85033-04-6 1. Filosofi a I. Autor II. Título CDD 100 ÍNDICES PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO: 1. Filosofi a – 100 www.ominimoeditora.com.br Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica, mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução, sem permissão expressa do editor. Sumário UMA ILUSTRE DESCONHECIDA AMOR À SABEDORIA AS DISCIPLINAS FILOSÓFICAS O FILÓSOFO E SEU AVESSO VIDA INTELECTUAL E FÉ CRISTÃ GUIA DE LEITURA NOTAS DE RODAPÉ A UMA ILUSTRE DESCONHECIDA filosofia é complexa e profunda, mas ela não precisa ser obscura e confusa. No contexto da pedagogia atual, muitos têm um contato traumático com a filosofia, por meio de uma disciplina escolar ou universitária em que as idéias filosóficas são lançadas de modo praticamente aleatório e arbitrário. Desse desencontro, restam empoeirados na memória alguns rótulos e clichês filosóficos, como o idealismo de Platão, o dogmatismo de Tomás de Aquino, o racionalismo de Descartes, o empirismo de Locke, o materialismo de Marx e o ateísmo de Nietzsche, que embaçam a compreensão do esforço intelectual dos grandes filósofos da nossa tradição, que alcançaram um patamar superior de interpretação e elucidação da realidade e que tiveram um impacto significativo nas instituições sociais e na cultura. Se a filosofia fosse um conjunto de idéias soltas, uma especulação vazia e sem sentido, como explicar o seu prestígio e permanência ao longo dos últimos 2.500 anos? Afinal, o que é a filosofia? Qual é a sua finalidade? Este livro foi escrito como um mínimo para que comecemos a desmistificar esse preconceito e permitir a redescoberta da filosofia, com um novo colorido, demonstrando o impacto que ela pode ter na nossa vida, pela expansão do nosso horizonte intelectual. DIMENSÃO EDIFICANTE DA FILOSOFIA Quando bem apresentada e vivida, eu acredito que praticamente todos se interessariam pela filosofia, como reflexão radical sobre a existência e o mundo. Por isso, há mais de dez anos, além da docência no magistério superior e da pesquisa acadêmica, dedico-me a levar a filosofia a um público maior, com a intenção pedagógica de contribuir para sua formação moral e intelectual. Penso que, ao lado da literatura e da história, a filosofia seja uma disciplina humanista e edificante, capaz de nos ajudar nos dilemas da nossa vida. Pessoalmente, valorizo muito a filosofia “profissional”, praticada com rigor científico na universidade. Com a minha formação acadêmica de mestrado e doutorado em filosofia, sou professor e pesquisador da Universidade Federal do Pará, com produção técnica e especializada de filosofia, sobretudo no âmbito da teoria da lei natural, de inspiração de Aristóteles e Tomás de Aquino.1 Contudo, nunca me restringi à atividade acadêmica estrita, pois sou o organizador da edição bilíngüe de Platão (numa coleção de 18 volumes, pela Editora UFPA) — que é o pai e fonte permanente da filosofia —, e da obra ensaística de Benedito Nunes (em 9 livros, por várias editoras, como Companhia das Letras, Martins Fontes e Loyola), um dos maiores filósofos e críticos literários do Brasil. A importância desses dois autores, Platão e Benedito Nunes, não se limita à especialidade acadêmica; eles alimentam a inteligência de todos, tanto quanto a música interessa-nos a todos, e não apenas aos músicos profissionais e acadêmicos. A importância desses dois autores não se limita à especialidade acadêmica, mas alimenta a inteligência de todas as pessoas, tanto quanto a música interessa-nos a todos, e não apenas aos músicos profissionais e acadêmicos. Aliás, o maior ícone da filosofia, Sócrates, não a considerava uma profissão a ser remunerada e a conferir um status social (como o prestigioso e rentável magistério dos sofistas), porém uma vocação pedagógica e cívica. Benedito Nunes, por sua vez, publicava seus ensaios filosóficos no jornal e palestrava em instituições culturais, conservatórios, museus, galerias, e não apenas na universidade. Com essa intenção de divulgar a filosofia, mas sem vulgarizá-la ou simplificá-la, entre 2015 e 2017, contribuí com ensaios filosóficos no jornal paraense O Liberal e, em 2016, lancei meu site de cursos de filosofia, Em 2021, compilei os meus escritos no livro A crise da cultura e a ordem do amor: Ensaios filosóficos (É Realizações), que serve também de introdução à filosofia e está consignado na bibliografia ao final deste trabalho. Neste mesmo ano de 2021, gravei lives filosóficas diárias no Instagram, transcrevendo-as e organizando-as posteriormente no no livro Virtudes no cotidiano (Auster, 2022). Neste sintético livro, eu introduzo a essência da filosofia clássica, de inspiração platônica, para que você a aprecie e queira me acompanhar nesta nova fase de difusão digital da filosofia, beneficiada pela comunicação imediata e interativa de minhas redes sociais como nos meus perfis de Instagram e Youtube, nos quais você já deve estar inscrito (caso contrário, sugiro inscrever-se em todos eles agora e retornar à leitura em seguida). O APERITIVO DE UM BANQUETE Para as próximas páginas, não espere longas reflexões filosóficas, com demonstrações analíticas dos argumentos, apenas um convite na forma de um aperitivo que aguce o seu paladar para um banquete que será servido em seguida, caso você se disponha a me acompanhar nesta longa caminhada, que não tem um ponto de chegada fixo. Como a dança, a filosofia é um fim em si mesma, uma atividade intelectual desinteressada, que não serve a nenhum objetivo específico, como a diplomação ou capacitação profissional. Ou seja, ela não tem fim e consome toda a vida do filósofo autêntico. Por isso que Aristóteles distinguia a vida prática (voltada aos negócios da cidade, necessários para a subsistência) e a vida contemplativa (dedicada à atividade intelectual e científica de compreender o mundo, amando-o pela inteligência). Um importante filósofo tomista2 do século XX, o frade dominicano Sertillanges, renovou a atenção a esta realidade da filosofia clássica, a da vida intelectual, com virtudes morais necessárias, como a paciência, a perseverança e a amizade, para a conquista das virtudes intelectuais da concentração, memória, articulação e escrita (voltaremos a essas virtudes no capítulo dedicado à vida intelectual e fé cristã). É claro que o treino filosófico desenvolve enormemente as nossas potências intelectuais e nos permite pensar e escrever muito melhor, estruturar logicamente os argumentos com mais destreza e propriedade. Entretanto, a filosofia é contemplativa, é uma forma de amor, que não tem preço e nem prazo. Portanto, ela não se confunde com uma habilidade técnica profissionalizante, como as ciências em geral. Ela é teorética, seu fim é conhecer, e não prático-produtiva. Todavia ela é iminentemente ética, porque enriquece a personalidade de quem a pratica. UM PASSEIO APRAZÍVEL Após uma definiçãobreve da filosofia, procedo com uma descrição sumária das suas disciplinas, naturalmente fronteiriças e superpostas umas às outras: as ciências práticas da ética, política e poética e as ciências teóricas da ontologia e epistemologia. Em seguida, menciono a dialética da filosofia com suas rivais sofísticas, as antifilosofias que tendem a neutralizá-la, como o ceticismo e o relativismo. Ao cabo, proponho um guia de leitura de obras que ajudam a se iniciar na filosofia, além dos seus principais clássicos. Aqui, adoto uma linguagem simples e direta, como numa conversa informal, sem incursões eruditas, aprofundamentos conceituais e citações (as referências para leitura ulterior constam ao fim). Com isso, pretendo tornar essa primeira jornada intelectual agradável, um primeiro passo para uma navegação mar adentro, posteriormente. Trata-se de um passeio inicial, lembrando os colóquios de Aristóteles com seus alunos em longas caminhadas, motivo pelo qual ficaram conhecidos como “peripatéticos” (caminhantes). É um grande prazer contar com a sua companhia nesta caminhada intelectual. A AMOR À SABEDORIA UMA DÚVIDA SUFOCANTE filosofia é tão reflexiva e questionadora que ela começa interrogando-se a si mesma, perguntando que tipo de atividade intelectual ela realiza. Por isso, é natural que ela enfrente, recorrentemente, uma espécie de crise de identidade, em que os seus diversos cultores concorram sobre a sua natureza e finalidade. Essa característica reflexiva arrisca resvalar num círculo vicioso, que denigre a sua imagem aos leigos, que, com razão, poderiam afirmar aos filósofos: “Primeiro, decidam o que é a filosofia; depois, convidem-nos a participar dela”. Se decidimos estudar matemática ou jogar futebol, por exemplo, precisamos apenas nos inteirar das regras e das finalidades dessas atividades para começar a praticá-las. Com a filosofia é um pouco diferente, porque, antes de praticá-la, precisamos tomar consciência do que ela é. E os próprios filósofos divergem sobre a sua essência. Essa divergência é explicada pela dimensão crítica da filosofia, que convida a sempre questionar e problematizar o que já foi conquistado, o que pode gerar um ceticismo generalizado sobre a própria filosofia, num gesto que Chesterton (um dos filósofos mais perspicazes e incomuns da nossa tradição) chamava de “suicídio do pensamento”, quando o pensamento duvida do próprio pensamento. A QUINTESSÊNCIA DA FILOSOFIA Em meio a este mar de dúvidas e incertezas que constituem a natureza da filosofia, há um consenso que chega a ser uma unanimidade entre os filósofos: Platão inaugurou uma série de questões permanentes e incontornáveis. Desde o seu mais célebre aluno, Aristóteles, passando pelo seu mais conhecido herdeiro cristão, Santo Agostinho, até o seu mais inflamado inimigo moderno, Nietzsche, praticar filosofia é dialogar com Platão, é responder aos seus múltiplos questionamentos. Por isso, o importante filósofo da matemática Whitehead afirmou, famosamente, que a melhor caracterização da filosofia européia (ocidental) é que ela consiste numa série de notas de rodapé a Platão. Platão é a quintessência da filosofia; como Bach, da música; e Shakespeare, da poesia. Ele a encarnou de forma tão pura e perfeita que abriu o caminho para que esta atividade fosse praticada indefinidamente, depois dele. Note que eu não me refiro ao conteúdo da filosofia platônica como sendo o definitivo ou o verdadeiro, mas à forma de praticá-la, como amor insaciável pela sabedoria, que mobiliza toda nossa vida e inteligência. O ESTADO DE ÂNIMO DO FILÓSOFO: O AMOR A identidade intelectual da filosofia é mesmo problemática porque ela é abrangente e universal e não tem um único objeto de interesse. Nisso, ela difere das ciências particulares, que se caracterizam pelo seu objeto de estudo. Ninguém duvida que a aritmética estude os números; a biologia, os seres vivos; a física, o movimento; o direito, as normas, e assim por diante. Em vez de ser definida pelo objeto de análise, a filosofia se caracterizou, na Grécia Antiga, pelo estado subjetivo do filósofo: o amor (philia). Mas amor ao quê? À sabedoria (sophia). Sabedoria de quê? De tudo o que se pode saber, sem exceção. Quando lemos as obras fundamentais da filosofia, que são as de Platão e Aristóteles, assusta a amplitude do seu horizonte intelectual. Tudo lhes interessava, eram cientistas universais, que amavam o conhecimento de toda a realidade, desde as realidades naturais até os símbolos e narrativas religiosas. A definição etimológica da filosofia como amor à sabedoria, portanto, não é acidental, produto de uma contingência lingüística, porém revela a sua essência. Em grego, as palavras sophos e sophistes eram usadas para referir aos sábios, aqueles reconhecidos pela sociedade em geral como dotados de um conhecimento abrangente sobre as ciências e sobre os negócios da cidade (ética e política). Eram os poetas, cientistas, legisladores, estadistas e oradores, capazes de dissertar sobre praticamente todos os temas concernentes à religião e à sociedade. FILÓSOFO, E NÃO SÁBIO Pitágoras, no século VI a.C., foi o primeiro a recusar o insigne título de sábio, que ele certamente merecia, em nome da designação mais modesta de amante da sabedoria. Com isso, ele enfatiza mais a busca do conhecimento do que o seu resultado, a sabedoria. Aqui, já se percebem duas dimensões da filosofia, (1) a da inquirição e perseguição dinâmica do conhecimento (a zetética e a crítica) e (2) o resultado estático e cristalizado do conhecimento (a dogmática e a ciência). Para facilitar a compreensão didática desse argumento, proponho a seguinte analogia: é como se houvesse, por um lado, (1) uma dimensão de pesquisa acadêmica, de produção de novos conhecimentos a partir da discussão e da crítica dos saberes já consolidados e, por outro lado, (2) uma dimensão de ensino escolar, de reprodução dos conhecimentos já acabados e fechados. A primeira dimensão é ativa, hipotética e propositiva; ao passo que a segunda é mais passiva, dogmática e reprodutiva. Por isso, podemos dizer que toda ciência tem uma dimensão filosófica na sua origem, expansão e aprofundamento. Quando Albert Einstein, um dos maiores e mais populares cientistas do século XX, procurou refutar a física moderna de Isaac Newton, ele agiu como um filósofo, analisando e criticando uma teoria, tanto quanto Newton havia feito em relação à física antiga de Aristóteles. Ao propor a teoria da relatividade de forma consistente e coerente, Einstein estabeleceu uma hipótese científica de imenso poder explicativo, que persuadiu os seus pares e por isso passou a ser reproduzida e ensinada a alunos de física. No entanto, ela também pode ser estudada pela filosofia, criticada e mesmo refutada. O filósofo da ciência Thomas Khun refere-se às mudanças paradigmáticas, que são sempre filosóficas, pelas quais a ciência passa ao longo das eras. A VIDA FILOSÓFICA COMO ARTE DO AMOR Perceba que, em meio à questão epistemológica (relativa à elaboração de conhecimento científico, sólido, seguro, verdadeiro), desponta uma questão ética (relativa à prática das virtudes), a da disposição intelectual crítica, livre e investigativa que exige que o filósofo se dedique à atividade intelectual ao longo de toda a sua vida, porque sempre há algo a descobrir e a aprofundar. O filósofo ama o saber, por isso se dedica a ele de modo integral e praticamente ininterrupto. É lendária a figura incômoda de Sócrates, filosofando nas praças e nos banquetes de Atenas, quando todos pretendiam apenas praticar política, comércio, poesia ou sexo. É que Sócrates filosofava exatamente sobre essas práticas cotidianas, sobre a vida boa, a felicidade, como tomar consciência do sentido, da causa primeira e do fim último de tudo isso. Sócrates perturbava porque implodia o senso comum acrítico e exigia uma postura autêntica, baseada no exame da própria consciência e dos valores sociais. O autoconhecimento é doloroso e não raro traumático na medida em que rompe com as representações cristalizadasque temos de nós mesmos e da sociedade. Daí a sua célebre afirmação, registrada por Platão na Apologia de Sócrates3 : “uma vida não refletida não é digna de ser vivida”. “Amor à sabedoria” é uma definição que registra, muito bem, essa dupla dimensão, moral e intelectual, da filosofia. O filósofo tem um compromisso com a verdade das coisas, contudo, para atingi-la, precisa amá-la e se dedicar a ela, como quem corteja a amada. Quem ama tem um interesse tão genuíno e intenso que sempre procura desvendar algo a mais da amada. Ele não se cansa de procurá-la e cobiçá-la, sente que nunca a exaure. Não seria estranho alguém dizer que deixou de amar, depois de alguns meses ou anos, porque já esgotou tudo o que tinha a amar ou que a amada já foi suficientemente amada? Instigado pela estranha figura de Sócrates, que, ao mesmo tempo em que dizia que nada sabia, afirmava também que só sabia da “arte do amor”, Platão refletiu profundamente sobre o amor, como uma escada de ascensão do desejo erótico às formas mais sublimes de união intelectual e espiritual com a beleza, verdade e bondade. Se a República é o diálogo mais completo e influente de Platão, sobre a questão da justiça na alma e na cidade, e se a Apologia de Sócrates e Fédon, que narram, respectivamente, a condenação e a morte de Sócrates, são os mais comoventes, os seus mais belos e inspirados diálogos são Banquete e Fedro, odes apaixonadas à potência moral e intelectual do amor. Se descurarmos por algum instante a realidade fundamental e ascensional do amor, deixamos de entender o que é a filosofia. Neste sentido, Santo Agostinho é o maior herdeiro de Platão, porque também refletiu sobre a dimensão ética e cosmológica do amor, tanto como peso gravitacional da existência humana, quanto como fator de explicação da realidade harmônica do mundo, a ser conhecido pela filosofia e também pela fé no Deus trino que é amor. É o amor que liga o pólo subjetivo do filósofo com o pólo objetivo da realidade que ele quer conhecer. O amor filosófico revela a dimensão subjetiva e objetiva da filosofia. Subjetiva, porque ele engaja toda a existência do filósofo, numa autêntica “vida intelectual”, tão bem descrita por Sertillanges. Objetiva, porque ele sai de si e busca compreender a verdade e assimilar a beleza do mundo que contempla. O RISCO DOS REDUCIONISMOS Quando a filosofia perde de vista o nexo entre a dimensão subjetiva e interior com a objetiva e exterior, ela pode recair nos reducionismos modernos do cientificismo (objetivista) e existencialismo (subjetivista), em que o pólo oposto é neutralizado pela afirmação exclusiva de um deles. Por isso, essas filosofias modernas acumularam notáveis conhecimentos sobre a natureza, por um lado, e sobre a subjetividade, por outro, todavia raramente conseguiram uni-los de modo coeso e orgânico. Os resultados extremos desses reducionismos são ora uma ciência desumana, ora uma subjetividade descolada da realidade social e natural. Exemplo máximo disso é o embate entre a psiquiatria (ciência médica da dimensão orgânica da mente) e a psicologia (teoria filosófica de interpretação da linguagem simbólica da alma). Isso explica, parcialmente, por que as ciências modernas resultaram em ideologias como o positivismo (objetivista) e o romantismo (subjetivista), em que a descoberta da realidade natural despreza o universo subjetivo do homem e, reciprocamente, a análise da interioridade e da psicologia humana neutraliza a dimensão objetiva e universal da natureza. Sem o ideal de totalidade e unidade, a filosofia pode se fragmentar numa miríade de ciências desencontradas, auto-refutatórias e mutuamente excludentes. Um dos maiores filósofos contemporâneos, Husserl denunciou essa crise das ciências, propondo a fenomenologia como alternativa. ADMIRAÇÃO COMO ORIGEM DA FILOSOFIA A origem da filosofia é a contemplação, o gosto que temos por admirar a beleza do mundo, tentando aprofundar o seu sentido e investigar as suas causas. Diante da positividade do ser, brota no coração do filósofo uma gratidão e um maravilhamento, o desejo de trazer a realidade para dentro de nós, pelo pensamento, depois de o mundo se apresentar como colorido e curioso aos nossos sentidos. As questões metafísicas fundamentais, a do ser e a do conhecer, provêm exatamente desse amor à contemplação, ao desejo de conhecer toda a realidade, de modo verdadeiro, e não apenas aparente. A admiração filosófica inclina o filósofo ao todo da realidade e ao conhecimento verdadeiro (científico). Por isso, ele coleciona questões ontológicas (relativas à ordem do ser) e epistemológicas (relativas à ordem do conhecer): o que percebemos pelos sentidos exaure toda a realidade? Não há algo mais a ser conhecido? O conhecimento recebido pelos sentidos e o recebido pela tradição é mesmo verdadeiro, sólido, consistente, científico (epistêmico)? Essas questões, contudo, podem ser formuladas de maneiras diferentes, por diversos métodos, ou com diferentes abordagens. Isso dá origem às divisões internas da filosofia, às suas disciplinas. Vejamos agora, brevemente, como isso se dá. H AS DISCIPLINAS FILOSÓFICAS DOIS MÉTODOS á dois métodos básicos e intrinsecamente ligados da filosofia: (1) o analítico- conceitual e (2) o hermenêutico-histórico. (1) O analítico é sincrônico e analisa os conceitos filosóficos de modo abstrato, abstraído do contexto biográfico, histórico e social do filósofo, concentrando-se na dimensão lógica dos argumentos, com seus termos, proposições e silogismos. (2) Já o método hermenêutico é diacrônico, histórico e dialético, procurando relacionar os autores e correntes entre si, numa linha de influências e rupturas, pensando a tradição filosófica como uma sucessão de continuidades e rupturas. Essa abordagem hermenêutica privilegia a história da filosofia, sua origem e crises epocais, relacionando-a às situações históricas específicas, como as guerras, as invenções tecnológicas, as descobertas científicas e as mudanças nas formas de vida. O ideal é sempre articular as duas abordagens, alternando conceituações lógicas com considerações históricas e contextuais. Mas, como o objetivo deste “mínimo” não é apresentar a história da filosofia, o que me exigiria muito mais páginas, cabe agora apresentar, sumariamente, o quadro das disciplinas filosóficas tradicionais, sempre fronteiriças e interligadas. UM AMOR ORDENADO A filosofia é o amor ao todo da realidade e, como a realidade se apresenta altamente complexa, composta por múltiplas partes interdependentes, para alcançá-la na sua inteireza, a filosofia precisa analisá-la por partes. Essa é a origem das tradicionais disciplinas filosóficas, em que normalmente os cursos universitários são divididos. Foi Aristóteles que procurou, pela primeira vez, sistematizar e fundar essas disciplinas, no entanto nunca descurou as suas inter-relações. Ao estudar filosofia, é importante nunca perder de vista a unidade ontológica da realidade e a unidade epistemológica do conhecimento sobre ela. Caso contrário, recai-se, facilmente, na fragmentação que impede a visão do todo, com que Platão caracterizou os filósofos dialéticos, na República. A totalidade da realidade a que a filosofia se volta não pode dispersá-la ou afogá-la. Por isso, é necessário muita disciplina intelectual, ordem e método para se concentrar em cada uma dessas disciplinas, uma de cada vez, sempre ressaltando seus nexos de comunicação e justaposição, sabendo que a luz que se lança sobre uma delas sempre irradia sobre as demais. Ao longo da história da filosofia, diferentes filósofos enfatizaram ora uma, ora outra disciplina, e isso é relevante para a determinação de sua identidade filosófica. Kant, por exemplo, considerava que não se pode ensinar filosofia (o resultado dogmático da especulação), mas apenas a filosofar (a atividade do pensamento que desenvolve as teorias). Ninguém aprende a nadar fora da piscina, é preciso treinar e testar a capacidade intelectual diante de problemas reais e relevantes para a vida. Assim, o maior filósofo damodernidade postulou quatro perguntas fundamentais: 1. Na metafísica: o que posso saber? 2. Na ética: o que devo fazer? 3. Na religião: o que posso esperar? 4. Na antropologia: o que é o homem? Como Kant já trabalha num contexto da crítica à metafisica aristotélico-tomista, para erigir o seu sistema do idealismo transcendental, convém partir da primeira organização do saber filosófico na Antigüidade, que é a de Aristóteles. CIÊNCIAS PRÁTICAS Na Metafísica de Aristóteles, o tratado fundacional da ontologia, a filosofia primeira que ordena todas as disciplinas filosóficas, consta uma divisão elementar entre as ciências teóricas e as ciências práticas. Se as ciências teóricas são contemplativas, as práticas estão interessadas na ação ética e na produção técnica. A razão humana tem uma dupla faculdade, a teórica e a prática. Pela faculdade teórica, conhecemos o mundo ao redor; pela prática, tomamos decisões e orientamos a nossa ação e produção. A ética clássica reflete sobre o agir humano a partir dos fins (bens) que ele alcança, na busca pela felicidade, que é um estado de realização e plenitude. As virtudes são forças da personalidade, excelências morais que franqueiam o bem individual e comum. A ética tem uma dimensão política, porque normatiza, racionalmente, a conduta social, por meio das leis e das concepções morais da justiça. Se as ações éticas constituem o caráter do agente, as ações técnicas são produtivas, interessadas na produção de objetos exteriores, que podem ser técnicos (pautados na utilidade, como um engenheiro que constrói uma ponte) e/ou artísticos (pautados na beleza, como um pintor que desenha um quadro). As ciências produtivas técnicas são menos filosóficas do que as artísticas, porque o belo sempre desperta grande interesse filosófico, pela sua relação com o bem e com a verdade, suscitando questões morais, psicológicas, epistemológicas e metafísicas. ÉTICA E POLÍTICA Uma das expressões mais conhecidas da filosofia é a de que o homem é um animal político. Cunhada por Aristóteles, ela se encontra no livro I da Política, tratado de filosofia prática posterior à Ética a Nicômaco, que lhe serve de pano de fundo conceitual e metodológico. O homem é naturalmente político não como as formigas ou abelhas, que coordenam a atividade para a subsistência do grupo, e sim porque é dotado de razão que unifica o pensamento do grupo em torno do que é a justiça, princípio que guia a colaboração social. A política é o conjunto de instituições, não apenas governamentais, mas também sociais, éticas, pedagógicas, culturais e religiosas que moldam o caráter de um povo civilizado, isto é, um povo ordenado que vive numa cidade constituída por leis que regulam as relações cívicas dos cidadãos livres e iguais (note-se o nexo não só etimológico como também semântico entre cidade, civismo, cidadania e civilização). Esse é o fundamento da tradição republicana: um governo constitucional em que os cidadãos governam e são governados por si próprios em nome do bem comum. Diferente do positivismo das ciências sociais modernas, que pretendem ser neutras de valoração ao descrever a política, Aristóteles avalia que o bom governo caracteriza-se por servir ao bem comum dos governados, e não aos interesses egoístas dos governantes. Um governo que está a serviço dos governantes é tirânico e usurpador. Ademais, o bom governo não se baseia apenas na força e na coerção, na obediência pelo medo da punição que caracteriza o governo despótico, mas em leis com as quais concordam os governados ou de cuja formulação eles participaram, conferindo legitimidade à autoridade do Estado. Por fim, o bom governo é um governo “constitucional”, baseado em leis, que governam até mesmo os governantes. Enquanto os homens são passionais e instáveis, as leis são racionais e equilibradas, expressão da racionalidade compartilhada de homens livres e iguais. A relação entre governante e governado é de cidadania, de igualdade e alteridade, diferente da relação desigual entre tirano e escravo ou entre déspota e súdito. O regime constitucional das leis é um sinal da racionalidade humana. Obedecê-las é típico do homem virtuoso que procura contribuir para o bem comum e manter a paz social. Ele o faz voluntariamente, como parte de sua racionalidade e realização pessoal, e não por medo de punição. Como explica Adler, o homem bom não é coagido pelo governo, e por isso o governo não é, para ele, um mal, como o é para o homem mau. O homem bom também não sente que sua liberdade é limitada pelo governo. Ele não quer mais liberdade do que consegue usar sem prejudicar os outros. Só o homem mau quer mais liberdade do que isso, e portanto só ele sente que sua liberdade de fazer o que quiser, sem preocupar-se com os outros, é limitada pelo governo.4 Os homens precisam da justiça política porque é impossível desenvolverem amizade por todos da cidade. Se a amizade é o desejo de felicidade do amigo, o dom gratuito de lhe dar tudo o que puder contribuir para o seu bem, a justiça é o dever de atender aos direitos dos outros cidadãos. A amizade é baseada no amor, na generosidade, no desinteresse e na benevolência; já a justiça, na responsabilidade e obrigação pelo bem comum, o conjunto de condições externas para a realização pessoal dos bens a que os homens são naturalmente inclinados. No âmbito político, esses bens que provêm das necessidades humanas fundamentais de viver bem, como saúde, conhecimento, trabalho, sociabilidade e participação política, são os direitos (que hoje classificamos como direitos humanos). A justiça do regime constitucional, portanto, é a liberdade de pessoas iguais, sendo que essa igualdade provém da natureza humana comum, que me exige tratar os outros do mesmo modo como eu mereço ser tratado para que eu tenha uma vida boa, isto é, desenvolvendo essas mesmas faculdades naturais dos demais. Por isso, é intrinsecamente injusto um governo tirânico ou despótico, que reduz os governados a escravos ou súditos, privando-os da cidadania, racionalidade e, portanto, humanidade. E aqui reside a contradição fundamental da Política de Aristóteles. Até o cristianismo, nenhuma sociedade afirmou a igual dignidade de todos os seres humanos, sem exceção, baseada na igual filiação divina em Cristo, motivo da fraternidade universal (Gálatas 3, 28).5 Marcado pelo etnocentrismo e pela misoginia helênicos, Aristóteles considerava haver naturezas diferentes entre as pessoas. Por isso, o seu jusnaturalismo, tão articulado para promover os fundamentos filosóficos da cidadania, da igualdade e da liberdade políticas, conduziu-o a um dos erros mais graves da nossa tradição: o de negar a racionalidade e, portanto, a dignidade de escravos e mulheres, subtraídos da participação política por serem “naturalmente” inferiores, incapazes de autogoverno, logo incapazes, como crianças e doentes mentais, de governarem os outros. Pelo influxo do cristianismo e do liberalismo moderno que o secularizou, reconhecemos que o governo justo é o constitucional, aquele que não discrimina nem despersonaliza nenhum ser humano por motivo de sexo, raça, credo, etnia ou riqueza. Todos têm a liberdade de governarem e serem governados como iguais. A igual dignidade de todos repousa na natureza humana comum e nos bens humanos que a realizam. Baseada no maior intérprete de Aristóteles, Tomás de Aquino, que comentou minuciosamente a Ética a Nicômaco e a Política, essa interpretação do governo constitucional e da dignidade humana é a mais consoante com a atual política dos direitos humanos. Entretanto, a riqueza de um clássico como a Política de Aristóteles é a abertura intelectual que ela franqueia. Mesmo pautada numa estrutura social de cidade-estado radicalmente diferente da moderna, essa obra-prima permanece imprescindível para compreender a tradição política ocidental e continua a alimentar os debates em torno das ideologias contemporâneas do socialismo, fascismo, liberalismo, republicanismo, conservadorismo e comunitarismo. Se Aristóteles não fornece respostasprontas ou soluções definitivas para nossos incontáveis e incontornáveis dilemas atuais, ele ainda contribui para a reflexão sobre as virtudes da amizade e da justiça que mantêm a cidade unida. CIÊNCIAS TEÓRICAS As ciências teóricas são contemplativas, porque buscam espelhar (do termo latino speculum, de que deriva também a palavra especulação) na mente a realidade que não se pode transformar. Elas são ciências puras e desinteressadas, visam tão-somente compreender a realidade das coisas, independentemente da eventual aplicação técnica desse conhecimento. É claro que a ciência da matemática tem uma utilidade imediata para quase toda atividade, pela capacidade de contar e relacionar os dados quantitativos entre si. Do mesmo modo, a ciência da astronomia permite a orientação náutica, a compreensão dos ventos, das águas e assim por diante. Todavia, essas ciências são teóricas exatamente porque não se definem pelo uso técnico que se faz delas ou por sua influência ética no caráter do filósofo. Num nível de abstração crescente, pode-se dividir as ciências teóricas em (1) ciências naturais, (2) ciências matemáticas e (3) ciência metafísica. (1) As ciências naturais se voltam à realidade fornecida inicialmente pelos sentidos, abstraindo as diferenças individuais dos fenômenos e se concentrando nas qualidades ou propriedades comuns de um conjunto da realidade, como os vegetais ou animais, por exemplo. Não interessa este ou aquele cão, mas a natureza canina, seus atributos constitutivos, sua essência ou espécie científica, a substância sem a qual um animal deixa de ser um cão. O binômio substância (aquilo que existe por si mesmo) e acidente (aquilo que depende de outro ente para existir) ajuda na formulação das essências dos entes categorizados em conjuntos. Note que essa é a metodologia de qualquer ciência. (2) As ciências matemáticas são lógicas e formais, porque abstraem a qualidade sensível dos entes para se concentrar na sua quantidade. Elas são formais porque dispensam a “matéria” quantificada. Assim, não importa se são dois homens ou dois gatos que, somados com dois entes da mesma espécie, resultam em quatro deles. O raciocínio opera num nível de abstração da matéria, refletindo sobre a estrutura interna dos números. Platão considerava absolutamente indispensável a iniciação nessas ciências matemáticas como propedêuticas à filosofia. Ele teria, inclusive, escrito no pórtico de sua Academia: “Aqui não entra quem não for geômetra”. A geometria é a projeção da matemática às formas sólidas, analisando as suas relações numéricas. (3) A ciência metafísica é ontológica porque enfoca o “ser enquanto ser”, que não é nada de específico e que, ao mesmo tempo, é aquilo de que tudo o que é participa. Essa ciência abstrai tanto a qualidade das espécies (cães) e dos entes individuais (este poodle individual, peludo e aleijado), quanto a sua quantidade (um ou trezentos cães ou estrelas), abstrai toda a matéria (carne ou granito) e forma (circular ou retangular), concentrando-se simplesmente na estrutura do ser, com as categorias metafísicas que o tornam inteligível. A compreensão do que é a metafísica é fortemente condicionada à capacidade abstrativa da inteligência, que exige bastante treino gramatical e lógico. Junto com a retórica, essas ciências são propedêuticas à filosofia. SER, CONHECER E DIZER Há muito o que se refletir no campo da ontologia (ciência do ser) e da epistemologia (ciência do conhecer), pois, ao longo da história, os filósofos divergem profundamente sobre (1) a existência e essência do ser (ontologia), (2) a possibilidade de conhecê-lo (epistemologia), e (3) a possiblidade e os modos de dizê-lo (questão da linguagem). Como explica Peter Kreeft em The Platonic Tradition, o célebre retórico Górgias de Leontini foi um niilista (do ponto de vista ontológico) e cético (do ponto de vista epistemológico). Ele formulou seu pensamento numa série de três proposições encadeadas: (1) Não há o ser (niilismo), este ente genérico e universal que Parmênides buscava como permanente, estável, sempre idêntico, insuscetível a qualquer movimento ou mudança, que simplesmente é o que é, e não pode jamais deixar de ser (e que a tradição cristã identificou com Deus); (2) Se houvesse o ser, ele não seria conhecível (ceticismo), pois não temos meios intelectuais de acessar algo permanente, eterno e imutável, de modo a nos certificar que, de fato, o atingimos; isto é, não teríamos conhecimento científico, sólido e infalível sobre o ser; (3) Se houvesse o ser e pudéssemos conhecê-lo, não poderíamos comunicá-lo (insuficiência da linguagem), pois nossa linguagem é imperfeita, instável e suscetível a infinitas interpretações, de modo que jamais poderíamos atestar que o receptor entendeu exatamente a mesma coisa que lhe foi comunicada pelo emissor. A tese niilista e cética de Górgias não vingou na filosofia da Antigüidade, pelo menos não entre os seus mais extensos e profundos expoentes, Platão e Aristóteles, que, ao contrário, apostaram e demonstraram ser possível exercitar e depurar o pensamento e a linguagem de modo a alcançar o ser fundamental da realidade, a causa não causada e o motor imóvel, que consideravam divino. Portanto, como bem notou Heidegger, a tradição metafísica ocidental é uma onto-teo- logia, uma articulação racional (pelo logos), do ser (ontos) divino (theos), que a teologia e filosofia cristãs identificaram como sendo o próprio Deus, que se fez carne em Cristo (Logos de Deus). Diante desse quadro de Górgias — ser, conhecer, dizer — pode-se identificar três tendências fundamentais na história da filosofia: (1) a ontologia clássica dos antigos e medievais, (2) a epistemologia dos modernos e (3) a filosofia da linguagem dos contemporâneos. A ONTOLOGIA CLÁSSICA A ontologia clássica dos antigos (como Platão e Aristóteles) e medievais (como Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino) buscava a unidade do todo da realidade, a partir da sua abóbada metafísica, o ser ou Deus. Dessa premissa, deriva uma série de análises epistemológicas da relação do conhecimento sensível (dos órgãos corporais) e inteligível (da inteligência abstraída da experiência sensível). Franqueado pelos sentidos, o conhecimento sensível (chamado de empírico na Modernidade) é sempre particular, porque condicionado pelo tempo e espaço: o meu corpo só me mostra uma coisa de cada vez, eu só posso tocar esta pessoa humana particular, ver este computador e beber este copo de água. Por outro lado, o conhecimento inteligível (que encontra denominações muito variadas ao longo da história da filosofa, como ciência, intuição, compreensão e entendimento) formula um conceito universal, focado no ente em si, concebendo o ser humano em geral (independente das suas particularidades e contingências), a essência do computador em si e a natureza permanente e substancial da água como tal. Os filósofos clássicos são teístas, porque reconhecem a existência de Deus, como Ser supremo, eterno e imutável, causa não causada, motor imóvel e inteligência ordenadora que engendrou o cosmos inteligível. Essa dimensão filosófica e metafísica de Deus, já elaborada por Platão, Aristóteles e Plotino, embora de modos diferentes em cada um deles, foi essencial para a assimilação da filosofia grega na especulação religiosa cristã, em filósofos como Santo Agostinho de Hipona e Santo Tomás de Aquino, que exploraram e desenvolveram as categorias clássicas para refletir sobre a teologia (natureza de Deus), antropologia (natureza humana), epistemologia (teoria do conhecimento), psicologia (teoria das faculdades da alma humana) e a ética (teoria do bem humano e da felicidade). A EPISTEMOLOGIA MODERNA A epistemologia moderna se concentra não tanto no ser, como a ontologia clássica,porém no conhecer, no modo como acessamos a realidade. Partindo dos embates entre racionalistas, como Descartes, Spinoza e Leibniz, e empiristas, como Locke, Berkeley e Hume, Kant concebe o projeto do criticismo transcendental, buscando fundamentar a ciência moderna, como a praticadapor Isaac Newton, que era o modelo de cientista moderno. A epistemologia (também chamada de gnosiologia ou teoria do conhecimento) parte da diferença entre sujeito cognoscente e objeto conhecido, analisando as categorias do sujeito que permitem atingir o objeto. A teoria do conhecimento de Kant parte da distinção entre juízos analíticos (a priori) e sintéticos (a posteriori). Os juízos analíticos (a priori) são que são formais e explicativos, não acrescentando nenhum conhecimento novo, mas apenas explicitando o conteúdo predicativo já presente no sujeito; por exemplo, o triângulo tem três lados. Os juízos analíticos se fundam nos princípios lógicos da identidade e não-contradição, formando juízos de identidade que são tautológicos, universais e necessários. Eles são apriorísticos porque anteriores à experiência sensível. Já os juízos sintéticos (a posteriori) são materiais e extensivos, pois aumentam o conhecimento pela união sintética de elementos heterogêneos no sujeito e predicado; por exemplo, o calor dilata os corpos. Esses juízos se fundam na experiência sensível, particular e contingente. Eles são a posteriori, posteriores à experiência sensível, por dependerem do dado empírico fornecido pelos sentidos. Para que não seja nem tautológica (como no caso dos juízos analíticos), nem contingente (como no caso dos juízos sintéticos em geral), a ciência precisa de juízos sintéticos a priori (baseados em intuição não sensível). Isso em três âmbitos, (1) na Estética Transcendental, (2), na Analítica Transcendental e (3) na Dialética Transcendental. (1) A Estética Transcendental analisa as faculdades de se ter percepções sensíveis. Nela, os juízos sintéticos a priori se baseiam nas formas puras de intuição: tempo e espaço. Esses juízos independem da experiência sensível, são formas de apreensão, condições de possibilidade do conhecimento das coisas, ou seja, a condição transcendental para as coisas serem objeto de conhecimento. Eles se baseiam nas formas de sensibilidade, da faculdade de ter percepções sensíveis; (2) A Analítica Transcendental considera que a coisa em si (o númeno) escapa à possibilidade de conhecimento, pois Kant considera que só podemos conhecer os fenômenos, isto é, as coisas tais como se mostram à nossa capacidade de percepção, que são constituídos pelas categorias transcendentais do conhecimento; (3) A Dialética Transcendental reflete sobre a impossibilidade científica da metafísica, uma vez que ela não alcança juízos sintéticos a priori, ao lidar com os conceitos de alma (síntese das vivências subjetivas), universo (síntese das vivências objetivas) e Deus (síntese final e suprema). Para falar de Deus e alma, deve-se apelar à razão prática, à consciência moral, que fundamenta a religião. Com sua teoria altamente complexa e elaborada do conhecimento, Kant inaugura uma rica tradição de filosofia alemã, que conta com seus sucessores idealistas, Fichte, Hegel e Schelling, e com seus críticos voluntaristas como Schopenhauer e Nietzsche. FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA DA LINGUAGEM A filosofia contemporânea é dominada pelo tema da linguagem. É comum dividi-la na vertente continental (hermenêutica) e peninsular-britânica (analítica), considerando a cisão pós-kantiana entre positivismo e romantismo. Os positivistas afirmam a objetividade e a verdade das ciências particulares, reduzindo o escopo da filosofia ao âmbito empírico e material da realidade, ao passo que os românticos se voltam para a complexidade da subjetividade e da psicologia humana, enfocando-a também pela história e pela cultura a que ela pertence. Essas posturas filosóficas têm em comum uma crítica à metafísica clássica, com sua demonstração da existência de Deus e a proposição de uma ética normativa das virtudes, como a da lei natural. A linguagem do ponto de vista lógico (analítico) motiva as investigações de Wittgenstein e os membros do Círculo de Viena, como Bertrand Russell, que cultivavam o ideal matemático de ciência. Por outro lado, a linguagem na sua dimensão poética, histórica e cultural (hermenêutica) motivava a fenomenologia de Martin Heidegger e sua filosofia da existência, que inspirou muitos alunos e seguidores nas mais diversas áreas. ☘ Tendo compreendido tudo isso, regressemos agora ao que dizíamos no início, para tentar compreender melhor a natureza da filosofia, a essência da sua prática. A O FILÓSOFO E SEU AVESSO CONCEITUAÇÃO DIALÉTICA filosofia é a arte da conceituação, o esforço intelectual de usar termos adequados para definir as realidades. Isso se dá pela dialética, pela confrontação de entes parecidos. Para a formação de um conceito, Aristóteles busca o seu gênero comum e a sua diferença específica. Ou seja, para compreendermos alguma coisa, precisamos aproximá-la de algo semelhante e depois divisar o que ela tem de particular. Assim, dizemos que o homem é um animal racional. Ele é tão animal quanto um cão, porque nasce e morre, tem vida sensível e se movimenta. O homem pertence ao gênero comum dos animais. Todavia há animais irracionais (como o cão) e racionais (como homens). O homem também é um animal político, porque não apenas convive, mas forma uma organização política baseada nas palavras e nas leis. O CÃO E O LOBO O filósofo é um intelectual, alguém que desempenha a atividade do pensamento, contudo certamente não é o único que faz isso. Como há outros tipos de intelectuais, Platão precisou distinguir o filósofo (cujo modelo fundamental é Sócrates, o protagonista dos seus diálogos) dos poetas e dos retóricos. A distinção entre filósofo e sofistas é estrutural na filosofia, pois é fácil confundi-los, como é fácil confundir, de noite, o cão e o lobo, como lembra Platão num diálogo chamado, exatamente, Sofista. Na verdade, o cão é uma espécie de lobo domesticado, em quem se pode confiar e não discerni-lo é demasiado arriscado. Os sofistas eram os famosos professores de retórica que viajavam pelas cidades helênicas ministrando aulas e preleções, ensinando a arte da persuasão verbal. Além da retórica, os sofistas exploravam, argutamente, a gramática (estrutura da língua) e a lógica (estrutura do raciocínio), no entanto Platão percebeu que eles argumentavam por falácias, que são raciocínios falsos, imprecisos, aproximativos, meias-verdades ou quase-verdades. Seu objetivo é apenas convencer, pela verossimilhança, e não conhecer o mundo tal como ele é. Os diálogos de Platão são uma tentativa de explicar a fisionomia do filósofo em confrontação dialética com os poetas e os sofistas, que gozavam de grande prestígio na cultura grega do seu tempo, cultura amante de recitações poéticas e discursos encomiásticos de toda natureza, na religião, na política e nos banquetes festivos. A distinção fundamental é que o filósofo ama a verdade, o ser, e não o espetáculo, o aparecer e a persuasão. O filósofo busca a essência das coisas, sem se contentar com as aparências sensíveis e as convenções tradicionais. Uma distinção epistemológica desponta dessa dialética: o amor à sabedoria contraposto ao amor à opinião (sofistas) ou ao espetáculo (poetas). Sofistas e poetas não estão compromissados com a verdade, mas com a persuasão ou a beleza. Um argumento pode ser persuasivo e mesmo belo, porém falso. A filosofia afirma o critério intelectual e científico para aferir a verdade de algo, independentemente da popularidade, da beleza ou das impressões subjetivas. No plano ontológico, trata-se da distinção entre ser e parecer, que se incorporou à sabedoria popular pelo provérbio “nem tudo o que parece é”. FILOSOFIA E ANTIFILOSOFIAS A partir dessa distinção fundamental entre filosofia e sofística, deve-se atentar às formas intelectuais concorrentes, as antifilosofias que tendem a neutralizar a dimensão pedagógica e cognitiva da filosofia, apelando para formas variadas de ceticismo e relativismo. O filósofo tem um desejo sincero de educar seus alunos e discípulos, contribuindo para a formação humana e por conseguinte para a sociedade, a partir de um compromisso epistemológico com a verdade,que deve ser distinguida da falsidade e da aparência. Afirmar, dogmaticamente, que não é possível alcançar a verdade das coisas (ceticismo), ou que a verdade não existe e que tudo depende de uma perspectiva pessoal, cultural ou histórica (relativismo) neutraliza a atividade filosófica, confundindo-a com uma retórica ou uma ideologia. O resultado da negação de uma verdade a ser conhecida é a redução da inteligência a uma disputa retórica de poder persuasivo, em que a filosofia se torna mais uma contendora numa disputa interminável de dominação. Por isso, a filosofia deve se precaver e refutar os ceticismos e relativismos, sofísticas que sempre a assediam. PHYSIS E NOMOS A filosofia nasce da interseção dialética entre duas tendências intelectuais vigentes na época de Platão, que ele incorporou num impressionante gesto de síntese. Trata-se da investigação sobre a natureza (physis) e da sobre a lei e os costumes humanos (nomos). Como a nossa era é ao mesmo tempo positivista e relativista, tendemos a considerar mutuamente excludentes a natureza (objetiva) e a cultura humana (subjetiva e histórica), soando autocontraditório o ideal clássico de uma “lei natural” ou de uma “justiça por natureza”. Na perspectiva de Platão, os sofistas observavam que os costumes e as leis sociais (nomos) variavam de cidade para cidade, concluindo que não há meios para superar esse relativismo, que não se pode julgar uma ética por outra. Nos diálogos Teeteto e Protágoras, Platão refere-se à afirmação deste último sofista de que “o homem é a medida de todas as coisas”. Com isso, cada homem veria o mundo de acordo com as suas próprias lentes, não havendo uma verdade universal e objetiva, válida para todos eles. Essa tendência intelectual se reflete no relativismo pós-moderno de autores como Foucault, Derrida, Rorty e Vattimo, que considera tudo dependente da linguagem, da cultura ou da história, demitindo a possibilidade de se alcançar uma verdade objetiva na ética, estética ou política. A afirmação de que “tudo é relativo” integra o senso comum atual, sendo uma afirmação antifilosófica e autocontraditória. Na época de Platão, havia também os intelectuais que investigavam a natureza (physis), buscando as suas causas fundamentais, o princípio divino que a estruturava e animava. Trata-se da intuição de que o mundo é uma ordem (cosmos), que é regida por leis que podem ser conhecidas, num ato conjunto dos sentidos e da inteligência. Chamados de “pré-socráticos”, esses primeiros filósofos naturalistas mobilizaram o vocabulário poético disponível para articular os primeiros teoremas filosóficos, que foram aproveitados e desenvolvidos por Platão e Aristóteles, e seus sucessores. A DIALÉTICA FILOSÓFICA O resultado dessa síntese platônica de buscar uma verdade sobre a natureza e sobre o homem implica o reconhecimento de uma dialética estrutural (não necessariamente um dualismo dicotômico) entre o que nós chamamos de ciências da natureza (como física, química, biologia e astronomia) e ciências humanas (como sociologia, economia, antropologia e direito). Essa dualidade estrutural também se reflete em vários pares dialéticos, cujo equacionamento e relação com os demais caracterizam as várias respostas filosóficas ao desafio platônico fundamental: 1. Corpo e alma; 2. Desejo e vontade; 3. Âmbito sensível (o que pode ser experimentado pelos cinco órgãos dos sentidos corporais) e inteligível (o que pode ser pensado); 4. Opinião e ciência; 5. Imanência e transcendência; 6. Pluralidade e unidade; 7. Acidente e substância; 8. Tempo e eternidade; 9. Mal e bem; 10. Caos e ordem. No século XIX, Nietzsche percebeu que toda a filosofia ocidental se baseava neste tipo de dialética e que o cristianismo a perpetuara na estrutura carne e espírito, e Terra e Céu. Para tentar superá-la, ele propôs uma ética para além do bem e do mal, e uma negação da função intelectual e moral tradicionalmente atribuída à alma em relação ao corpo. Admirador dos sofistas, Nietzsche inaugura uma robusta antifilosofia no nosso tempo, criticando veementemente o projeto filosófico como um todo, ao mesmo tempo que se envolve profundamente nas questões filosóficas mais importantes, sobre a verdade, a bondade e a beleza. Assim, contrapondo o conceito e o projeto socrático da filosofia, como o amor pela sabedoria, às antifilosofias modernas e contemporâneas, eu creio que seja conveniente estudarmos, também brevemente, a continuidade daquele primeiro, tal como a tradição cristã católica o desenvolveu, identificando a sabedoria, amada pelo filósofo, ao Deus revelado. D VIDA INTELECTUAL E FÉ CRISTÃ epois de termos percorrido o conceito clássico de filosofia como amor à sabedoria, contrapondo-o, dialeticamente, aos reducionismos e às antifilosofias modernas e contemporâneas, convém conhecer, brevemente, o modo como a tradição intelectual católica, particularmente a tomista, desenvolveu o ideal filosófico de vida intelectual, integrando o amor à sabedoria à contemplação religiosa de Deus.6 Nessa fecunda escola de pensamento, fé e razão não se contrapõem, mas se complementam harmonicamente numa unidade de vida. Para o maior filósofo da cristandade, Santo Tomás de Aquino, trata-se de duas virtudes interdependentes, já que a fé, como virtude sobrenatural, atua sobre a virtude natural da inteligência, assim como o amor (caridade) robustece a faculdade moral da vontade. Pascal dizia que o último passo da razão é entender que infinitas coisas a transcendem. A razão filosófica se percebe incapaz de perscrutar todos os mistérios do mundo, sobretudo o da sua origem e finalidade; por isso, abre-se à fé na Revelação de um Deus feito homem, Cristo, digno de ser amado com todas as nossas forças, inclusive as intelectuais. A afirmação de que Deus é a razão, o logos buscado pelos filósofos, permitiu o desenvolvimento não só da teologia, como Ciência da Revelação, mas de uma autêntica filosofia cristã, que se articula ativamente com os dados da fé. Para explorar esse tópico central da filosofia clássica, convém apresentar a obra-prima A vida intelectual: Seu espírito, suas condições, seus métodos, de Sertillanges.7 UMA VOCAÇÃO “Para um apóstolo moderno, uma hora de estudo é uma hora de oração”. — São Josemaria Escrivá, Caminho, cap. “Estudo”, n. 335 “Quando o universo está em chamas, [...] a sensação que se tem é de esmagadora impotência [...] o presente só traz tormento e desconcerto [...]”.8 Assim inicia Sertillanges o prefácio à terceira edição desta sua obra-prima sobre a vida intelectual, em 1944, nos estertores apocalípticos da Segunda Guerra Mundial. Em vez de se render ao pessimismo da maioria dos pensadores do seu tempo, ele convoca os católicos ao trabalho paciente de reflexão sobre a crise civilizacional por que passa a Europa bombardeada e incendiada, enfatizando a virtude necessária à sua realização. Ele sabe que as grandes crises e lutas ocorrem numa dimensão mais profunda, a intelectual e a espiritual. Seria o nosso século XXI, acossado por crises sociais, econômicas, políticas e sanitárias, tão diferente do nebuloso século desse autor? Teria perdido este precioso livro a sua atualidade, permanecendo apenas um capítulo de história da filosofia católica? Como explicar a crescente demanda editorial atualmente no Brasil? Se Hegel dizia que a coruja de Minerva (símbolo da inteligência filosófica) alça vôo no crepúsculo, um filósofo cristão pode dizer, a fortiori, que a luz de Cristo resplandece nas trevas (Jo 1, 5). Com efeito, a história da Igreja é um vasto e eloqüente testemunho da força indômita de intelectuais que souberam concentrar suas energias não apenas nas causas da decadência cultural de suas eras, mas sobretudo nos meios espirituais de sua renovação, como Santo Agostinho e São Bento, na Antigüidade; São Bernardo e Santo Tomás, na Idade Média; Santo Inácio, Santa Teresa e São John Henry Newman, na Modernidade; e São Josemaria Escrivá e São João Paulo II, na contemporaneidade. Como digno filho de São Domingos, cuja Ordem dos Pregadoresfoi fundada, no século XIII, para o apostolado intelectual que culminou na monumental síntese teológica e filosófica de Santo Tomás de Aquino, o frade dominicano Antonin-Gilbert Sertillanges (1863–1948) pertence à fecunda geração de intelectuais que acolheu, vigorosamente, a invocação do Papa Leão XIII, na Encíclica Aeternis Patris, de 1879, para a restauração da filosofia cristã do Doutor Angélico. Autores como Étienne Gilson, Jacques Maritain, Réginald Garrigou-Lagrange, Jean Guitton, Dietrich von Hildebrand, Josef Pieper e Gilberteith Chesterton apresentaram com tintas frescas a magnitude, imponente e minuciosa como uma catedral gótica, da obra de Santo Tomás, inserindo-o no debate contemporâneo e demonstrando que sua metafísica realista e ética das virtudes resiste às incompreensões e aos reducionismos modernos.9 Nesse contexto, a qualidade e a quantidade da produção intelectual de Sertillanges salta aos olhos: são cerca de 30 livros de filosofia e teologia, que, praticamente sozinhos, formariam uma nova geração de intelectuais católicos.10 Além de professor e escritor, foi editor da importante Revue Thomiste, que catalisou a inteligência católica do seu tempo, legando um vasto material também a ser recuperado e assimilado. Se a sua vocação intelectual lhe rendeu frutos tão abundantes, ela se perfez ao compartilhar, generosamente, o seu espírito, as suas condições e os seus métodos, como indica o subtítulo de seu livro. Ou seja, a vida intelectual é, propriamente, uma vocação, cuja consecução depende de virtudes morais e competências técnicas. A DIMENSÃO AUTOBIOGRÁFICA, TRADICIONAL E COMUNITÁRIA DA FILOSOFIA A vida intelectual é um livro inegavelmente autobiográfico e confessional; na introdução, lemos, enternecidos: “O autor não esqueceu, não mais que muitos outros sem dúvida, a comoção dos seus vinte anos, quando o padre Gratry estimulava nele o fervor do saber”;11 e, no prefácio à segunda edição: “[...] estas páginas, na verdade, não têm data. Elas saíram do meu âmago. Já as trazia em mim havia um quarto de século quando eclodiram. Escrevi-as como alguém que expressa suas convicções essenciais e abre o seu coração”.12 A generosidade de Sertillanges ressoa as palavras do livro bíblico da Sabedoria (7, 13): “O que aprendi sem fraude, eu o comunicarei sem ciúme; sua riqueza não escondo”. Assim, este escrito alcança a estatura filosófica da Apologia de Sócrates e da Carta VII de Platão, das Confissões de Santo Agostinho, dos Pensamentos de Pascal, de O sentimento trágico da vida, de Miguel de Unamuno, das Reflexões autobiográficas de Eric Voegelin e de Lições dos mestres de George Steiner. Nele, vemos o autor desfiar reflexivamente as virtudes que conquistou no intenso e apaixonado atletismo intelectual a que consagrou a sua vida, assumindo, com comovente gratidão, o dom da sua vocação. Aqui, cada palavra poreja sinceridade, ânimo e serenidade, realizando, performaticamente, o que o autor convida a fazer com os clássicos da cultura: a reflexão profunda, o exame de consciência, os alargamentos místicos e o êxtase do encontro com a Verdade. O verdadeiro mestre é um maieuta, um pescador de homens, um mediador da chamada divina. Portador de uma boa-nova efusiva, ele é um semeador de inteligências, irrigando-as com a seiva do entusiasmo e da paciência. Os pólos passivo e ativo aqui convergem, pois Sertillanges aprendeu do seu mestre Tomás de Aquino, que teve, em Alberto Magno, um modelo vivo de intelectual; em Santo Agostinho, um modelo perene de teólogo; e, em Aristóteles, um paradigma filosófico. Estamos diante da cadeia de inspiração fornecida pela nossa melhor e mais longeva tradição intelectual, cadeia essa que lembra a imagem do entusiasmo poético do Íon de Platão. Nós, seus leitores, temos a vocação e portanto a responsabilidade de continuá-la e legá-la às próximas gerações. Nenhum intelectual é independente, muito menos isolado; ele se alimenta sempre de um solo cultural prévio, a que devolve, quando maduro, os seus frutos. Gratidão e generosidade são, assim, virtudes indispensáveis. Por isso, diz Sertillanges: “A unidade da fé dá ao trabalho intelectual o caráter de uma imensa cooperação. É a obra coletiva dos humanos unidos em Deus”.13 A vocação intelectual nunca é individual, porém tradicional e comunitária, pois a recebemos de Deus por nossos pais intelectuais e devemos transmiti-la a nossos filhos espirituais. Um leitor recorrente deste livro poderoso não resiste ao desejo de chamar o padre Sertillanges de pai, que ajuda a discernir e a corresponder à sua própria vocação intelectual, emulando-o a patamares tão altos quanto exigentes de vida. Toda obra grande exige um esforço incomum, a auto-superação constante, resultante de uma disciplina e austeridade superiores. HARMONIA DE FÉ E RAZÃO É este teor exortativo e convertedor que me parece o traço mais saliente desta obra, capaz de transformar a existência de quem a lê com abertura de espírito. O autor nos apresenta um horizonte antes insuspeitado de articulação da vida intelectual com a vida espiritual, admoestando-nos a nunca abandonar a oração, fonte da humildade e da paciência, virtudes sem as quais a inteligência se embota ou extenua. São inesquecíveis as suas palavras no prefácio à segunda edição desta obra, de 1943: “Querem os senhores compor uma obra intelectual? Comecem por criar em seu interior uma zona de silêncio, um hábito de recolhimento, uma vontade de despojamento, de desapego, que os deixem inteiramente disponíveis para a obra; adquiram esta disposição das faculdades mentais isenta do peso dos desejos e de vontade própria, que é o estado de graça do intelectual. Sem isso, não farão nada, ou ao menos nada que valha”.14 O ideal clássico de vida contemplativa foi exemplarmente defendido por Platão e Aristóteles, que, inspirados em Sócrates, a consideravam a forma superior de existência, por participar da atividade divina de unidade com a justiça, beleza, harmonia e perfeição.15 Sendo Cristo o Logos (palavra, pensamento) de Deus, não foi difícil para os Padres da Igreja assimilarem o ideal filosófico de vida contemplativa com o ideal religioso de vida espiritual, articulando a virtude da sabedoria com a da fé e caridade. Em Santo Tomás de Aquino, a harmonização de razão e fé encontra o seu apogeu,16 numa relação que permanece viva e operante na tradição católica e que é sintetizada por São Josemaria Escrivá, na homilia A vocação cristã, nestes termos: Se o mundo saiu das mãos de Deus, se Ele criou o homem à sua imagem e semelhança e lhe deu uma chispa da sua luz, o trabalho da inteligência — mesmo que seja um trabalho duro — deve desentranhar o sentido divino que já naturalmente têm todas as coisas; e, à luz da fé, percebemos também o seu sentido sobrenatural, que procede da nossa elevação à ordem da graça. Não podemos admitir o medo à ciência, porque qualquer trabalho, se for verdadeiramente científico, conduz à verdade. E Cristo disse: Ego sum veritas, Eu sou a verdade. O cristão deve ter fome de saber. Desde o cultivo dos saberes mais abstratos até às habilidades do artesão, tudo pode e deve levar a Deus. Porque não há tarefa humana que não seja santificável, que não seja motivo para a nossa própria santificação e oportunidade para colaborarmos com Deus na santificação dos que nos rodeiam. A luz dos seguidores de Jesus Cristo não deve permanecer no fundo do vale, mas no cume da montanha, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus (Mt 5, 16). Trabalhar assim é oração. Estudar assim é oração. Investigar assim é oração. Não saímos nunca do mesmo: tudo é oração, tudo pode e deve levar-nos a Deus, alimentar esse convívio contínuo com Ele, da manhã até à noite. Todo o trabalho honrado pode ser oração; e todo o trabalho que for oração, é apostolado. Desse modo, a alma se enrijece numa unidade de vida simples e forte.17 Essa proposta de São Josemaria Escrivá reflete o mesmo núcleo católico de Sertillanges: a vocação do intelectual cristão exige um trabalho de estudoconstante, convertido em oração e apostolado, e vivido com senso de responsabilidade e dever.18 Antes de querer transformar o mundo e a sociedade, deve-se cultivar a interioridade e estabelecer um plano de vida que inclua a organização do tempo e a luta ascética contra os vícios.19 Esse modelo conjuga, portanto, as virtudes teologais e intelectuais com as virtudes morais da ordem, disciplina, paciência e perseverança, que comportam sacrifícios e renúncias, como a solidão e o silêncio. O ÍMPETO MODERNO POR TRANSFORMAR O MUNDO EXTERIOR O conhecimento objetivo do mundo comporta uma transformação subjetiva do filósofo, que acolhe, amorosamente, a verdade em seu espírito, sem querer dominá-la ou transformá-la. Talvez aqui resida a diferença mais radical entre o modelo cristão de intelectual-filósofo e a versão moderna, politizada de intelectual-sofista, como Rousseau, Marx e Sartre, cujas contradições biográficas foram expostas, entre outros, por Paul Johnson.20 Na visão de Voegelin, um dos herdeiros dessa tradição clássica, o gesto intelectual moderno é gnóstico, por enfatizar o aspecto técnico e produtivo da ciência, de dominação da natureza e do próprio homem, em nome de um ideal utópico de progresso, normalmente negligenciando a edificação moral do homem pelo autoconhecimento e autodomínio, na busca de instaurar a ordem na sua alma, a partir da ordem divina do cosmos.21 Assim, chegamos ao estágio atual da educação moderna, pautada no cientificismo e relativismo moral (como se observa nas correntes do positivismo e existencialismo). Ciência e política se articulam para dominar a natureza e a sociedade, demitindo a verdade moral, metafísica e religiosa, como ilusões de uma época ingênua e ignorante. O ativismo, imediatismo, pragmatismo — em poucas palavras, a concentração na práxis transformadora, como em Marx — suplantam a vida contemplativa, alterando a experiência do tempo e do pensamento.22 Há uma pressa generalizada, uma sensação de urgência, exacerbada pelos meios de comunicação de massa e pelas redes sociais, que nos priva da paz e do silêncio do estudo e da oração reflexiva, capazes de franquear o autoconhecimento. Aos poucos, perdemos de vista a dimensão moral e espiritual da leitura e meditação. Instrumentalizamos o conhecimento para uma profissão rentável, funcional às demandas sociais exteriores. Para isso, precisamos nos especializar cada vez mais, com o risco da fragmentação e alienação da unidade das ciências.23 A UNIDADE MORAL E INTELECTUAL DO TOMISMO Nesse contexto, o tomismo, defendido por Sertillanges, redimensiona toda a nossa atividade intelectual, que se expande nas mais variadas disciplinas sem perder a unidade que as correlaciona. Devemos levar em alta conta a sua exortação e lutar contra a especialização excludente e alienante, que é tão característica da Modernidade. Independentemente da inclinação de cada intelectual e sua área de atuação prioritária, deve-se praticar a “ciência comparada”, que é: [...] alargamento das especialidades pela aproximação de todas as disciplinas conexas, e em seguida a ligação dessas especialidades e de seu conjunto à filosofia geral e à teologia. Não é sensato, não é profícuo, mesmo que se tenha que seguir uma especialidade muito bem delimitada, fechar-se nela logo de saída. Seria o mesmo que colocar antolhos. Nenhuma ciência basta a si mesma; nenhuma disciplina por si só constitui-se em luz eficiente para seu próprio percurso. No isolamento, ela se encolhe, se seca, se debilita e, na primeira oportunidade, se extravia. [...] Cortar as comunicações de seu objeto é falseá-lo, pois suas conexões fazem parte dele. [...] Assim, se quiserem garantir para si um espírito aberto, preciso, verdadeiramente forte, previnam-se, antes de tudo, contra a especialidade [...]. Um especialista, se não for um homem, não passará de um burocrata; sua esplêndida ignorância fará dele um transviado entre os humanos; ele será desajustado, anormal e doido. O intelectual católico não se pautará nesse modelo.24 A articulação das ciências particulares depende da unidade epistemológica do conjunto, que é garantida pela filosofia. Ademais, como a razão humana não exaure toda a realidade, devemos sorver a sabedoria da ciência divina, a teologia. Filosofia e teologia são as ciências arquitetônicas que estruturam as ciências particulares pela remissão ao fundamento metafísico da ordem do ser, que é Deus. Sem esse eixo ontológico gravitacional, as ciências não têm uma órbita coesa e carecem de qualquer unidade epistemológica, dispersando-se e fragmentando-se: Toda ciência, cultivada em separado, não só não se basta a si mesma, mas apresenta perigos que todos os homens sensatos reconheceram. A matemática tomada isoladamente deturpa o raciocínio, habituando-o a um rigor que nenhuma outra ciência, e menos ainda a vida real, comporta. A física e a química obcecam por sua complexidade e não conferem ao espírito nada de amplo. A fisiologia leva ao materialismo, a astronomia à divagação, a geologia os transforma num cão de caça farejador, a literatura os esvazia, a filosofia os estufa, a teologia os abandona ao falso sublime e ao orgulho doutoral. É preciso passar de um espírito ao outro a fim de corrigi-los um pelo outro; é preciso alternar as culturas para não arruinar o solo.25 Contudo, essa abertura ao todo da realidade não significa, naturalmente, abdicar de uma especialidade. Pelo contrário, devemos nos concentrar, energicamente, na disciplina correspondente à nossa vocação, sem a tentação de flanar superficialmente por todas as áreas do expansivo saber humano, sempre tão interessantes. Como filosofia e teologia de fundo, o tomismo é uma “síntese”, capaz de coordenar as ciências numa unidade e evitar tanto os excessos da especialização excludente, quanto do generalismo superficial. O tomismo é uma posição de espírito tão bem escolhida, tão distante de todos os extremos onde se abrem os abismos, tão central em relação aos cumes, que se é logicamente conduzido a ele a partir de todos os pontos do saber, e a partir dele se irradia, sem fraturas no caminho, em todas as direções do pensamento e da experiência. Outros sistemas se contrapõem aos sistemas vizinhos: esse os concilia numa luz mais elevada, tendo investigado o que os seduzia e preocupando-se em reconhecer tudo que há neles de correto. Outros sistemas foram renegados pelos fatos: esse vem ao seu encontro, os envolve, os interpreta, os classifica e os consagra como se fosse um direito deles.26 AS VIRTUDES DO FILÓSOFO Dos muitos conselhos e exortações do imprescindível livro do padre Sertillanges — que inclui métodos práticos de leitura e anotação, assim como o cuidado com o sono e o corpo —, destaco, como conclusão, a virtude da paciência. Ela é imprescindível para o intelectual, o maior antídoto à pressa e ao imediatismo da nossa época virtual, assim como a disposição propícia para a ação da Graça em nossa vida, cuja temporalidade difere da nossa: Evitem a agitação do homem com pressa. Apressem-se lentamente. No âmbito do espírito, a calma vale mais que a afobação. [...] O homem que dá tempo ao tempo tem todo o tempo do mundo, que está sediado na eternidade. Assim sendo, trabalhem com espírito de eternidade. [...] Cristãmente, os senhores têm de respeitar a Deus em sua providência. É Ele quem determina as condições do saber: a impaciência é para com Ele uma revolta. Quando forem tomados de febre, a escravidão espiritual já estará a espreitá-los, a liberdade interior se dissolve. Não são mais os senhores que estão agindo, muito menos o Cristo nos senhores. Já não estão fazendo a obra do Verbo. De que serve querer adiantar-se de modo tão impróprio, quando o caminho já é em si uma meta, o meio, um fim? Quando se olha o Niágara, sente-se vontade de vê-lo acelerar? A intelectualidade tem valor por si mesma em todos os seus estados. O esforço virtuoso é uma conquista. Aquele que trabalha para Deus e segundo Deus, encontra em Deus sua morada. Que importa se o tempo correr, quando se está instaladoali?27 Este livro infunde o amor intelectual à verdade, sem a qual não se persevera na faina dos estudos. Se a constância e a paciência são coroadas pelas perseverança, e esta, por sua vez, depende do amor: [...] aquele que deixa de amar, nunca amou. Se o destino é uno, o que não dizer de uma obra parcial. O intelectual genuíno é por definição perseverante. Ele assume a tarefa de aprender e de ensinar; ele ama a verdade de corpo e alma; ele é um consagrado: ele não renuncia prematuramente.28 Dito de outro modo e com o outro mestre espiritual que nos mostra o caminho da inteligência, São Josemaria Escrivá: “Qual é o segredo da perseverança? O Amor. — Enamora-te, e não O deixarás”.29 Há bons livros que apresentam a vida intelectual cristã, como os de Jean Guitton, Josef Pieper, Mortimer Adler, Louis Riboulet, John Haldane, James Schall e João Batista Libanio, entretanto em nenhum resplandece a beleza e a força deste clássico memorável de Sertillanges. Aos cristãos vocacionados ao bom combate da inteligência, ele merece ser relido periodicamente, num detido exame de consciência que aponta para o Caminho, a Verdade e a Vida. ☘ A GUIA DE LEITURA PEQUENAS INTRODUÇÕES DIDÁTICAS s editoras Paulus e Loyola têm um catálogo relevante de filosofia, contando com duas coleções de volumes pequenos e acessíveis, que permitem dar os primeiros passos na filosofia. Coleção Leituras Filosóficas da Editora Loyola 1. AUBENQUE, Pierre. Desconstruir a metafísica? São Paulo: Loyola, 2012. 2. BERTI, Enrico. Convite à filosofia. São Paulo: Loyola, 2013. 3. BRAGUE, Rémi. Âncoras no céu: A infraestrutura metafísica. São Paulo: Loyola, 2013. 4. DUHOT, Jean-Joël. Sócrates ou o despertar da consciência. São Paulo: Loyola, 2004. 5. HADOT, Pierre. O que é a filosofia antiga? São Paulo: Loyola, 1999. 6. . Elogio da filosofia antiga. São Paulo: Loyola: 2012. 7. . Elogio de Sócrates. São Paulo: Loyola: 2012. 8. MARITAIN, Jacques. Sete lições sobre o ser. São Paulo: Loyola, 2005. 9. PIEPER, Josef. Que é filosofar? São Paulo: Loyola, 2007. 10. PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas. São Paulo: Loyola, 2002. Coleção Como ler filosofia da Editora Paulus 1. BLANK, Renold. Encontrar sentido na vida: Propostas filosóficas. São Paulo: Paulus, 2008. 2. BOTTER, Barbara. Fazer filosofia: Aprendendo a pensar com os primeiros filósofos. São Paulo: Paulus, 2013. 3. CASERTANO, Giovanni. Uma introdução à República de Platão. São Paulo: Paulus, 2011. 4. TEIXEIRA, João de Fernandes. Por que estudar filosofia? São Paulo: Paulus, 2016. 5. NASCIMENTO, Carlos Arthur Ribeiro do. Um Mestre no Ofício: Tomás de Aquino. São Paulo: Paulus, 2011. Introduções gerais (destaque para Robinet, Melendo e Barzotto) 1. ALBERT, Karl. Platonismo: Caminho e essência do filosofar ocidental. São Paulo: Loyola, 2011. 2. BARZOTTO, Luis Fernando. Filosofia do direito: Os conceitos fundamentais e a tradição jusnatualista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. 3. MARCONDES, Danilo; FRANCO, Irley. A Filosofia: O que é? Para que serve? Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar; PUC-RJ, 2011. 4. MORENTE, Manuel García. Fundamentos de filosofia: Lições preliminares de filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. 5. MELENDO, Tomás. Iniciação à filosofia: Razão, fé e verdade. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência ‘Raimundo Lúlio’, 2005, p. 32. 6. NUNES, Benedito. “O fazer filosófico ou oralidade e escrita em filosofia”, in: Ensaios filosóficos. Organização e apresentação Victor Sales Pinheiro. São Paulo: Martins Fontes, 2010. 7. ORTEGA Y GASSET, José. O que é filosofia? Campinas, SP: Vide Editorial, 2016. 8. PINHEIRO, Victor Sales. A crise da cultura e a ordem do amor: Ensaios filosóficos. São Paulo: É Realizações, 2021. 9. ROBINET, François, O tempo do pensamento. São Paulo: Paulus, 2004. 10. ROOCHNIK, David. Pensar filosoficamente: Uma introdução aos grandes debates. São Paulo: Loyola, 2018. 11. SERTILLANGES, Antonin-Gilbert. A vida intelectual: Seu espírito, suas condições, seus métodos. São Paulo, É Realizações, 2010. 12. SCIACCA, Michele Federico. Filosofia e antifilosofia. São Paulo: É Realizações, 2011. 13. VOEGELIN, Eric. Ciência, política e gnose, Coimbra: Ariadne, 2005. ENCICLOPÉDIAS A editora Idéias & Letras tem traduzido os importantes Companions da Universidade de Cambridge, que são compilados de artigos acadêmicos de especialistas sobre temas (como filosofia medieval, ciência e religião, e filosofia crítica) ou autores (como Primórdios da Filosofia grega, Sócrates, Platão, Aristóteles, Plotino, Agostinho, Aquino, Scotus, Descartes, Spinoza, Hobbes, Locke, Kant, Hegel, Nietzsche, Freud, Foucault e James). Todos eles são valiosos e retratam o estado da arte da pesquisa acadêmica sobre o assunto, com suas múltiplas interpretações. DICIONÁRIO ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2012. HISTÓRIA DA FILOSOFIA (DESTAQUE PARA COPLESTON) 1. COPLESTON, Frederick. Uma história da filosofia. 4 vols. Campinas: Vide Editorial, 2021–2023. 2. MACINTYRE, Alasdair. Deus, a filosofia e as universidades. Uma história seletiva da tradição intelectual católica. Brasília: Devenir Editora, 2021. 3. MARÍAS, Julián. História da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2015. 4. MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. 5. REALE, Giovani; ANTISERI, Dario. História da filosofia. 3 vols. São Paulo: Loyola, 2017. 6. WEISCHEDEL, Wilhelm. A escada dos fundos da filosofia: A vida cotidiana e o pensamento de 34 grandes filósofos. São Paulo: Angra, 2001. Em inglês 1. KREEFT, Peter. The platonic tradition, Indiana: St. Augustine Press, 2018. 2. The philosophy of Thomas Aquinas. Maryland: Recorded Books, 2009. 3. Summa Philosophica. Indiana: St. Augustine’s Press, 2012. 4. Socratic Logic: A logic text using socratic method, platonic questions and aristotelian principles. Indiana: Augustine, 2014. OS CLÁSSICOS Estas obras permitem o mergulho efetivo na filosofia. Ainda que não sejam plenamente entendidas, merecem ser lidas e estudadas com calma e dedicação. Ao procurar as edições dos próprios filósofos, nem sempre disponíveis em português, prefira as editoras universitárias (como a Ed. UFPA, no caso de Platão, Ed. UNESP, no caso de Aristóteles, Descartes, Hume e Schopenhauer, e Ed. UNICAMP, no caso de Heidegger), assim como editoras consolidadas como a Martins Fontes, no caso de Aristóteles, Hobbes e Kant, Companhia das Letras, no caso de Nietzsche e Freud, Loyola e Vide Editorial, no caso de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, e É Realizações e Ecclesiae, no caso de Santo Agostinho. Não há tradução perfeita e nem é imprescindível saber a língua original do filósofo, embora isso seja muito recomendado no aprofundamento do estudo. Não espere pela edição ou tradução ideal para se aventurar no contato com os próprios filósofos. Aqui, vale o ditado popular: “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”, ou seja, uma edição razoável e acessível é melhor do que edições melhores inacessíveis. A Coleção d’Os Pensadores, da Editora Abril, pode ser encontrada em sebos e mesmo em bancas de jornal. 1. Pré-socráticos (sobretudo Heráclito e Parmênides), Fragmentos. 2. Platão, República, Banquete, Fédon e Apologia de Sócrates. 3. Aristóteles, Ética a Nicômaco e Metafísica. 4. Plotino, Enéadas. 5. Santo Agostinho, Confissões e O livre-arbítrio. 6. Boécio, Consolação da filosofia. 7. Santo Anselmo, Proslogion. 8. Santo Tomás de Aquino, Suma teológica e Suma contra os gentios. 9. Descartes, Discurso do método e Meditações. 10. Pascal, Pensamentos. 11. Hobbes, O leviatã. 12. Hume, Tratado da natureza humana. 13. Locke, Ensaio acerca do entendimento humano e Segundo tratado sobre o governo. 14. Leibniz, Discurso de metafísica e Ensaios de Teodicéia. 15. Rousseau, O contrato social e Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. 16. Kant, Crítica da razão pura e Fundamentação da metafísica dos costumes.17. Hegel, Fenomenologia do espírito. 18. Nietzsche, Gaia ciência, Assim falou Zaratustra e Para além do bem e do mal. 19. Kierkegaard, Ou-ou. 20. Husserl, A crise das ciências e a fenomenologia transcendental. 21. Sartre, O existencialismo é um humanismo. 22. Heidegger, Ser e tempo. 23. Chesterton, Ortodoxia. 24. Voegelin, Reflexões autobiográficas e Ordem e história. NOTAS DE RODAPÉ 1 Conheça o meu livro A filosofia do direito natural de John Finnis, vol. 1: Conceitos fundamentais, Editora Lumen Juris. 2 Tomista é quem desenvolve seu pensamento a partir de Tomás de Aquino, o maior filósofo da cristandade. 3 Como Sócrates nada escreveu, conhecemos seu comportamento e pensamento pelas representações literárias de Platão, Xenofonte e Aristófanes, cuja fidedignidade e criatividade são objeto de intermináveis discussões. 4 Mortimer Adler, Aristóteles para todos: Uma introdução simples para um pensamento complexo. São Paulo: É Realizações, 2010, pp. 126–127. 5 Luis Fernando Barzotto, “Direitos humanos”, in Filosofia do direito: Os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. 6 Cf. Aladair MacIntyre, Deus, a filosofia e as universidades: Uma história seletiva da tradição intelectual católica. Brasília: Devenir Editora, 2021. 7 A.–D. Sertillanges, A vida intelectual: Seu espírito, suas condições, seus métodos & A arte e a moral. Edição bilíngue. São Paulo: É Realizações, 2020. 8 Ibid., p. 23. 9 Mariano Fazio Fernández, Francisco Fernández Labastida, Historia de la Filosofía, IV: Filosofía contemporánea. 2 ed. Madrid: Palabra, 2009; Gerald A. McCool, The Neo-thomists. Wisconsin: Marquette University Press, 1994; Fergus Kerr, After Aquinas: Versions of Thomism. Oxford: Blackwell, 2002. 10 No Brasil de hoje, temos a felicidade de acompanhar o renascimento editorial não apenas deste clássico da vida intelectual, mas de outras obras suas, pela meritória iniciativa de editoras como Calvariae (Santo Tomás de Aquino, vols. 1 e 2, 2021; O problema do mal, 2021; O mito moderno da ciência, 2020; Grandes teses da filosofia tomista, 2019), Ecclesiae (O que Jesus via do alto da cruz, 2021; O milagre da Igreja, 2015) e Cultor de Livros (Deveres: Dez minutos de cultura espiritual por dia, 2020). 11 Sertillanges, op.cit., p. 19. 12 Ibid., p. 11. 13 Ibid., p. 95. 14 Ibid., p. 12. Disposições semelhantes são recomendadas pelo Cardeal Robert Sarah aos que verdadeiramente desejam uma vida espiritual: Robert Sarah e Nicolas Diat, A força do silêncio: Contra a ditadura do ruído. Prefácio de Bento XVI. São Paulo: Fons Sapientiae, 2017. 15 A.-J. Festugière, Contemplation et vie contemplative selon Platon. Paris: Vrin, 1975; Henrique de Lima Vaz, Experiência mística e filosofia na tradição ocidental. São Paulo: Loyola, 2000. 16 Tomás Melendo, Iniciação à filosofia: Razão, Fé e Verdade. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, 2005. 17 São Josemaria Escrivá, É Cristo que passa. São Paulo: Quadrante, p. 34 (n. 10). 18 São Josemaria Escrivá, Caminho. Edição comentada por Pedro Rodríguez. São Paulo: Quadrante, 2016, p. 432– 434 (n. 335–336). 19 A fecundidade internacional de Jordan Peterson se dá por ele antepor a ética à ação política, criticando o ativismo histérico e não raro hipócrita. Tornou-se proverbial a sua conhecida exortação: “Antes de querer mudar o mundo, arrume seu quarto”. Cf. 12 regras para a vida: Um antídoto para o caos. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018. 20 Paul Johnson, Os intelectuais. Rio de Janeiro: Imago, 1990. Nesse sentido, ver também o clássico livro de Julien Benda, A traição dos intelectuais. Rio de Janeiro: Peixoto Neto, 2007. 21 Eric Voegelin, Ciência, política e gnose. Coimbra: Ariadne, 2005. Ver também C. S. Lewis, A abolição do homem. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Interessa conhecer a tese de Mario Vieira de Mello, segundo a qual esse gesto de transformação gnóstica da realidade natural, em detrimento do cuidado moral e espiritual com a alma, remonta à ruptura de Aristóteles com Platão, que vingou na modernidade a partir de Descartes: Mario Vieira de Mello, O homem curioso: O problema da exterioridade na filosofia de Aristóteles. São Paulo: Paz e Terra, 2001. Note que esse autor foi um dos responsáveis pela recepção de Voegelin no Brasil, com obras como O conceito de uma educação da cultura: com referência ao estetismo e à criação de um espírito ético no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1986; O humanista: A ordem na alma do indivíduo e na Sociedade. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. 22 Josef Pieper, Só quem ama canta: Arte e contemplação. São Paulo: Quadrante, 2021. No prefácio que escrevi a este livro, intitulado “Epifania da beleza”, distingo também a experiência moderna da clássica. 23 Este é um dos temas que enfrento no meu livro A crise da cultura e a ordem do amor: Ensaios filosóficos. São Paulo: É Realizações, 2021. 24 Sertillanges, op.cit., pp. 89–90. 25 Ibid., p. 91. 26 Ibid., p. 99. 27 Sertillanges, op.cit., pp. 174–175. 28 Ibid., p. 175, 29 São Josemaria Escrivá, Caminho. Edição comentada por Pedro Rodríguez. São Paulo: Quadrante, 2016, p. 912 (n. 999). Uma ilustre desconhecida Amor à sabedoria As disciplinas filosóficas O filósofo e seu avesso Vida intelectual e fé cristã Guia de leitura Notas de Rodapé