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Captação de doadores de sangue e fatores que influenciam em sua baixa eficiência no Brasil. Geovana Silva Gomes 1 , Julia Evelin da Cunha Ferreira 1 , Priscilla Rueles Figueiredo 2 1 Discentes do Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação - IBMR, Curso de Bacharelado em Biomedicina, Rio de Janeiro, Brasil, 2 Docente do Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação – IBMR, Rio de Janeiro, Brasil. RESUMO No Brasil, apenas 1,4% da população total é doador frequente de sangue, entretanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que de 2 a 5% da população total seja doador de sangue. A única forma de obter sangue é através da doação espontânea e voluntária de pessoas saudáveis, e isso é feito a partir da captação de doadores. A captação de doadores é um conjunto de estratégias que devem ser desenvolvidas através de programas de incentivo e conscientização para doação de sangue entre a população. O trabalho é uma revisão da literatura. Os resultados mostram que o tipo de doação mais frequente é a de reposição. As inaptidões podem representar um fator crucial para a escassez dos hemocentros. Muitos doadores apontam que as campanhas existentes são genéricas, não esclarecem os requisitos e não desmistificam os medos. Ademais, para a fidelização do doador é importante que ele seja bem recebido no hemocentro. De maneira geral, a baixa eficiência das campanhas é multifatorial, as estratégias devem ser repensadas para atrair novos doadores e fidelizá-los, além de ser necessário ter um apoio das instituições de ensino. Blood donor recruitment and factors that influence its low efficiency in Brazil. ABSTRACT In Brazil, only 1.4% of the total population are frequent blood donors, however the World Health Organization (WHO) recommends that 2 to 5% of the total population be blood donors. The only way to obtain blood is through spontaneous and voluntary donation from healthy people, and this is done by attracting donors. Recruiting donors is a set of strategies that must be developed through incentive and awareness programs for blood donation among the population. The work is a literature review. The results show that the most frequent type of donation is replacement. Disabilities can represent a crucial factor in the shortage of blood centers. Many donors point out that existing campaigns are generic, do not clarify requirements and do not demystify fears. Furthermore, for donor loyalty it is important that he is well received at the blood center. In general, the low efficiency of campaigns is multifactorial, strategies must be rethought to attract new donors and retain them, in addition to the need to have support from educational institutions. INTRODUÇÃO A ciência e a tecnologia são campos que tiveram imenso crescimento nos últimos anos e permanecem se desenvolvendo mais a cada dia. Mesmo assim, apesar de todos os recursos disponíveis e das muitas pesquisas realizadas ao redor do mundo, ainda não foi criado nenhum produto que possa ser um substituto idêntico ao sangue humano, logo existe apenas uma fonte de origem: outro ser humano (RODRIGUES; REIBNITZ, 2011). À vista disso, a única forma de obtê-lo é através da doação espontânea e voluntária de pessoas saudáveis de 18 a 69 anos, jovens a partir de 16 anos necessitam apresentar autorização do responsável legal (Ministério da Saúde, 2016). A transfusão do sangue e de seus componentes é largamente utilizada para o tratamento de doenças sanguíneas, como doença falciforme, talassemia, hemofilia, assim como também é utilizada em vítimas de traumas, em procedimentos cirúrgicos, e até reposição de componentes em pacientes que realizam tratamento contra o câncer (SILVA, J. R. DA et al, 2021). A captação de doadores é um conjunto de estratégias que devem ser desenvolvidas através de programas de incentivo e conscientização para doação de sangue entre a população. A estratégia deve ser planejada de acordo com o local em que será divulgada e o público que terá acesso a ela, para que, dessa forma, tenha alta eficiência. Podem ser anúncios recorrentes em redes sociais, comerciais de TV, cartazes, palestras em escolas e universidades, etc. (PEREIRA, J. R. et al, 2016). No Brasil, os primeiros bancos de sangue foram criados na década de 40. Naquela época, a doação de sangue era remunerada. Este fato contribuiu para que o sangue fosse visto como produto de comercialização e negociação. Além disso, os índices de contaminação dos receptores por vírus que provocam doenças importantes foram elevados, visto que a doação era realizada por pessoas que, em sua maioria, buscavam uma fonte alternativa de renda, e camuflar informações indispensáveis sobre sua saúde e seus hábitos cotidianos certamente tornava-se comum (JUNQUEIRA; ROSENBLIT; HAMERSCHLAK, 2005). Após a efetivação da Lei N° 10.205, de 21 de março de 2001, que proíbe a remuneração da doação do sangue, todos que se dispõem a realizar o procedimento devem fazê-lo somente por altruísmo (BRASIL, 2001). Em razão disso, é de suma importância que as informações sobre o preparo, o procedimento e os fatores que podem ser impeditivos para doação estejam acessíveis a todos de forma clara e objetiva (LOPES; GUEDES; AGUIAR, 2012). A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que de 2 a 5% da população total do país seja doador frequente de sangue. No Brasil, este número atinge apenas a marca de 1,4%, o que evidencia a falta de efetividade das campanhas de captação e incentivo realizadas (GUIMARÃES, 2022). Assim sendo, é fundamental que os fatores que influenciam nesta baixa efetividade sejam estudados, por isso, este trabalho tem como objetivo realizar uma análise dos fatores que influenciam na baixa efetividade das campanhas e estratégias de captação realizadas no Brasil, visando também buscar quais melhorias podem ser implementadas. METODOLOGIA Trata-se de uma revisão da literatura realizada a partir de artigos científicos encontrados nas bases de dados do Scientific Electronic Library Online (SciELO), Google Acadêmico, PubMed e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs). A busca foi realizada durante os meses de março e abril de 2023 utilizando como descritores: captação de doadores de sangue, hemoterapia no Brasil, doação de sangue, banco de sangue, estratégias de doação de sangue, doadores de sangue e serviços de hemoterapia. Além disso, sites do Governo Federal e resoluções federais e/ou estaduais foram empregadas nas pesquisas e na realização do trabalho. Encontrou-se nas bases de dados pesquisados 1.548 artigos, publicados nos idiomas português e inglês, e com limite temporal entre os anos 2000 e 2023. Após essa primeira seleção, 60 artigos foram selecionados a partir dos títulos. A partir da leitura dos resumos, 23 artigos foram excluídos por não atenderem ao tema. Restaram 37 artigos que foram lidos em sua totalidade, entretanto, a posteriori mais artigos foram desprezados por não agregarem ao objetivo. Utilizou-se como critérios de inclusão artigos que realizaram pesquisa quantitativa e/ou qualitativa por meio de questionários com doadores e potenciais doadores. Ademais, inclui-se artigos que analisaram a frequência de doações de sangue em hemocentros no Brasil. Além desses, artigos que abordam outras etapas do ciclo do sangue, além da captação, como a segurança transfusional e a triagem clínica, e artigos que contextualizaram a história da hemoterapia foram igualmente incluídos. Excluiu-se artigos sobre o tema publicados antes do ano 2000, assim como publicações que tenham como tema as doenças transmissíveis pelo sangue. Realizou-se um hiato mais amplo de busca de artigos a fim de encontrar maiores informações sobre a história da hemoterapia no Brasil. No entanto, para artigos que possuem enfoque sobre a frequência de doação de sangue e aqueles que realizarampesquisas quantitativa e/ou qualitativa empregou-se um período menor com o intuito de realizar uma análise mais atual sobre a ineficiência das campanhas de captação de sangue. DESENVOLVIMENTO Em 1921, em Londres, em decorrência da necessidade de cuidados médicos resultantes da Primeira Guerra Mundial, Percy Oliver desenvolveu mecanismos de doação de sangue, que lhe renderam uma homenagem no Congresso da Sociedade Internacional de Transfusão de Sangue em 1935, (GIANGRANDE, 2000) e que mais tarde se tornaram a base dos bancos de sangue que são conhecidos atualmente. Enquanto isso, no Brasil, o primeiro banco de sangue foi criado somente em 1942 (JUNQUEIRA; ROSENBLIT; HAMERSCHLAK, 2005), o que pode ser considerado um atraso evolutivo em relação a outras regiões. Além disso, diferente da Europa, o Brasil adotou a remuneração dos doadores como parte do processo (GUERRA, 2005), o que certamente influenciou na falta de um hábito altruísta de doar sangue voluntariamente, prática que é mais presente em países europeus e passada de geração em geração (MOURA et al.; 2006). Os doadores de sangue podem ser classificados em três categorias principais: doador de reposição, doador de repetição ou voluntário e o doador de primeira vez. Os doadores de reposição são pessoas mobilizadas para realizar a doação de sangue por indivíduos próximos, como familiares, amigos ou parentes, de pessoas que estão internadas em uma unidade hospitalar e precisam de transfusões (Ministério da Saúde, 2016). Ainda que o tipo sanguíneo do doador não seja compatível com o da pessoa que necessita, o encorajamento deste tipo de doação visa restabelecer os hemocomponentes utilizados naquele serviço de hemoterapia. Doadores de repetição ou voluntários são as pessoas que já possuem o hábito de doar sangue regularmente, pelo menos duas vezes ao ano. E o doador de primeira vez é o indivíduo que nunca teve contato com o serviço de hemoterapia e irá realizar a doação pela primeira vez (Ministério da Saúde, 2016). É de suma importância que essas pessoas recebam um atendimento cuidadoso e acolhedor, pois a primeira experiência delas será determinante para garantir sua disposição em retornar para futuras doações (ARAÚJO; FELICIANO; MENDES, 2011). Os profissionais de saúde que conduzem todas as etapas do processo, desde o atendimento inicial até a coleta, devem ter a capacidade de compreender e acolher os medos e inseguranças dos doadores, a fim de esclarecê-los e assegurar que estes se sintam à vontade (CARLESSO et al., 2017). Um estudo realizado no Hemocentro do Rio Grande do Norte em 2012 mostra que, em 2010, 64,7% das doações foram realizadas por doadores de reposição e 35,3% por doadores de repetição ou voluntário. Já em 2011, 66,3% dos doadores foram classificados como doadores de reposição e 33,7% como doadores de repetição ou voluntários (LIBERATO, S. et al., 2012). Portanto, as doações de reposição aumentaram de um ano para o outro. (Gráfico 1). Gráfico 1 - Frequência de doadores em 2010 e 2011 A imagem apresenta um gráfico de quatro colunas que compara a diferença percentual de doadores, como descrita no texto, entre os anos de 2010 e 2011. As duas primeiras colunas representam a porcentagem de doadores de reposição e as duas últimas colunas representam os doadores de repetição. Essa representação visual permite uma análise direta da variação percentual entre os dois anos para cada categoria de doadores. Gráfico elaborado a partir de dados de LIBERATO, 2012 Ademais, uma pesquisa realizada no serviço de hemoterapia de um hospital em Santa Maria, Rio Grande do Sul, em 2015 revelou que, em 2014, 42,4% das doações eram de doadores de reposição e, em 2015, a quantidade de doações realizadas por esse tipo de doador aumentou para 52,2%, enquanto as doações realizadas por doadores de repetição ou voluntários diminui em 6,3% de um ano para o outro (CARLESSO et al., 2017) (Gráfico 2). Gráfico 2 - Frequência de doadores de reposição em 2014 e 2015 A imagem ilustra, em um gráfico composto por duas colunas, a diferença na porcentagem de doadores de reposição entre os anos de 2014 e 2015 de um serviço de hemoterapia em Santa Maria, Rio Grande do Sul, como descrita no texto, evidenciando um aumento significativo na porcentagem de doadores de um ano para o outro. Gráfico elaborado a partir de dados de CARLESSO et al., 2017 De igual modo, um estudo realizado no Hemocentro de uma unidade hospitalar do Sul de Minas Gerais mostrou que em 2011 houve 2.680 candidatos a doação de sangue, sendo que 82% (2.201) dos candidatos estavam aptos a realizar a doação. Com relação aos tipos de doadores aptos, 80% (1.750) foram classificados como doadores de reposição e 20% (451) como doadores de repetição ou espontâneos (MACEDO et al., 2015) (Gráfico 3). Gráfico 3 - Frequência de doadores em Minas Gerais A imagem ilustra, em um gráfico composto por duas colunas, a informação apresentada no texto, sobre a porcentagem de cada tipo de doador neste Hemocentro do Sul de Minas Gerais. A representação visual destaca a predominância dos doadores de reposição em relação aos doadores de repetição. Gráfico elaborado a partir de dados de MACEDO et al., 2015 Portanto, esses dados reforçam que o tipo de doador mais prevalente é o doador de reposição e, tendo em vista que um conhecido é responsável pela sensibilização, o altruísmo é instigado mais facilmente (PEREIRA et al., 2016). Apesar de a doação de reposição ser mais frequente, ela não apresenta a mesma segurança transfusional que a doação realizada por doadores frequentes. Isso ocorre porque quando um familiar ou amigo necessita da doação, o potencial doador se sente mais emocionalmente envolvido, o que pode resultar em falta de cuidado ao não se atentar aos requisitos ou ao omitir informações importantes para realizar a doação. Na ânsia de ajudar, o doador pode colocar em risco a segurança do processo (STEPHANOU; MOREIRA, 2019). Entretanto, independentemente do tipo de doação, nem todas as pessoas podem realizar a doação de sangue devido à possibilidade de apresentarem inaptidões. Essas inaptidões podem ser um fator determinante para a escassez de estoques de sangue nos hemocentros (COVO; CRUZ; MAURÍCIO, 2021). A inaptidão temporária é aquela que impede a doação por um período de tempo, como nos casos de gripe e resfriados. Já a inaptidão definitiva impede a doação pelo resto da vida, como nos casos de alcoolismo crônico, sífilis, doença de Chagas e infecção por HBV, HCV, HIV, HTLV I/II. Essas inaptidões podem ser identificadas durante a triagem clínica ou laboratorial, e em ambas o candidato à doação deve ser informado sobre sua condição (LIMA ARRUDA et al., 2019). Um estudo descritivo realizado em um hemocentro público de Fortaleza, Ceará (VIEIRA, G. N. T. et al., 2015), identificou que a maioria dos candidatos à doação rejeitados na triagem clínica são doadores de primeira vez. Esse fato reforça a necessidade de campanhas de captação com informações mais claras sobre as causas de inaptidão, visando reduzir o número de casos. O fato de o candidato à doação descobrir uma inaptidão temporária durante a triagem clínica pode representar um transtorno, uma vez que ele investiu tempo e recursos para ir até um hemocentro com a intenção de realizar um ato altruísta, mas pode não conseguir fazê-lo, deixando o local frustrado. Mesmo que a inaptidão seja temporária, a experiência negativa reduz a probabilidade de retorno do candidato, assim como boas experiências tendem a incentivar o retorno (ALDAMIZ-ECHEVARRIA,; AGUIRRE-GARCIA, 2014). Por outro lado, as pessoas que apresentam inaptidão definitiva não podem doar sangue, mas podem se tornar multiplicadoras e ajudar na disseminação de informações sobre a importância da doação. Ao atuarem como multiplicadores, contribuem paraa captação de mais doações, o que é essencial para manter os estoques de sangue abastecidos (COVO; CRUZ; MAURÍCIO, 2021). Através de um estudo quantitativo conduzido em 2019, observou-se que parte das pessoas que realizaram sua primeira doação de sangue foram influenciadas por um amigo ou familiar. Essas descobertas reforçam ainda mais a relevância da presença de indivíduos desempenhando o papel de multiplicadores (PEREIRA et al., 2019). Para os entrevistados em uma pesquisa realizada em Minas Gerais, as campanhas não esclarecem adequadamente os requisitos para a doação e não desmistificam alguns dos medos (PEREIRA et al., 2016), por isso as campanhas de captação de doadores de sangue precisam ser menos genéricas e devem apresentar mais informações, especialmente em relação à inaptidão, além de destacar como o processo de doação é rápido. Ademais, é necessário que as campanhas de captação ocorram de forma contínua e não apenas quando os estoques de sangue estão baixos (CARLESSO et al., 2017). Os bancos de sangue precisam compreender quais são os perfis mais frequentes de doadores e, dessa forma, elaborar campanhas que atinjam diferentes públicos-alvo, a fim de que mais pessoas sejam motivadas a realizar a doação (RODRIGUES; REIBNITZ, 2011). Um estudo realizado no hemocentro de Natal mostrou que, em 2011, apenas 16,4% das doações foram feitas por mulheres. Isso ocorre porque, muitas vezes, o público feminino é afastado da doação por acreditar que não pode doar devido à menstruação ou por outros tabus relacionados ao tema (LIBERATO et al., 2012). O mesmo estudo mostra que a predominância de doações ocorreu entre a faixa etária de 30 a 49 anos, uma vez que o público mais jovem ainda não adquiriu compreensão acerca da importância da doação de sangue. A escolaridade também pode influenciar na doação, como demonstrado em uma pesquisa realizada em Pelotas, no Rio Grande do Sul, que evidenciou uma relação direta entre o aumento de doação de sangue e o grau de escolaridade (ZAGO; SILVEIRA; DUMITH, 2010). Sendo assim, é necessário que os bancos de sangue pensem em estratégias que atraiam outros públicos a fim de captar mais doadores de sangue. Além de criar campanhas para diferentes grupos de pessoas, é essencial que o banco de sangue também esteja atento aos obstáculos que podem dificultar as doações e busque maneiras de solucionar essas questões. Os participantes de um estudo realizado em um Serviço de Hemoterapia de um hospital na região Sul do Brasil ressaltaram os principais aspectos que representam obstáculos para a doação de sangue. Entre eles, destaca-se novamente o medo de agulhas, o desconforto ao ver o sangue e até mesmo o receio de reações adversas (MESQUITA et al., 2021). A ausência de informações claras a respeito do procedimento abre espaço para o crescimento de dúvidas, medos e inseguranças, reforçando a falta de motivação para a doação de sangue e afastando ainda mais os potenciais doadores. Isso ressalta a importância das campanhas em destacar o quão seguro é o procedimento e que, além disso, não apresenta riscos de contaminação ao doador (PEREIRA et al., 2016). A preguiça também é uma das razões do distanciamento da população a doação de sangue (CARLESSO et al., 2017), uma vez que grande parte da população encontra- se distante geograficamente do hemocentro e por questão de tempo e transporte a doação acaba não sendo uma prioridade (ARAÚJO; FELICIANO; MENDES, 2011). Esses pontos também foram ressaltados pelos participantes do estudo realizado na região Sul do Brasil. A falta de tempo e a pouca flexibilidade nos horários de atendimento, somadas à necessidade de deslocamento até os hemocentros e à ausência de locais de estacionamento, foram identificadas como questões que dificultam a doação. Por essa razão, é necessário que existam campanhas com unidades móveis para aproximar cada vez mais a população (MESQUITA et al., 2021). As campanhas também devem informar que o processo é rápido e os locais por onde as unidades móveis irão passar devem ser amplamente divulgados (BOUSQUET; ALELUIA; DA LUZ, 2018). Como exemplos de estratégias que adotaram medidas relacionadas às preocupações levantadas pelos entrevistados em pesquisas, pode ser citado o Hemonúcleo em São Gonçalo, que expandiu seu horário de funcionamento e registrou um aumento de mais de 70% no número de doações (PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO GONÇALO, 2023). Além disso, o Hemorio, no Rio de Janeiro, implementou diversas medidas de apoio aos doadores durante a campanha “Junho Vermelho”, como facilitar o acesso a diferentes meios de transporte e disponibilizar estacionamento próximo às instalações. Ao longo do mês de junho de 2023, o hemocentro recebeu mais de 8 mil doações (SAÚDE RJ, 2023). Portanto, os medos, os tabus, a falta de tempo e de informações por parte da população acerca do processo de doação de sangue constituem alguns dos principais motivos pelos quais muitas doações não se efetivam (SOUZA; FREITAS, 2019). Assim, para ampliar o alcance e sensibilizar mais indivíduos a se tornarem doadores de sangue, é crucial que várias considerações sejam feitas quando o banco de sangue elaborar uma campanha de captação de doadores. É fundamental que diferentes campanhas, direcionadas a públicos distintos, sejam implementadas simultaneamente para despertar maior engajamento da comunidade em relação a essa causa (CARLESSO et al., 2017). Também é fundamental que as instituições de ensino, tanto de nível básico quanto superior, se empenhem na elaboração de um planejamento educacional que aborde esse tópico de forma consistente. Isso se deve ao fato de que, para estabelecer uma cultura de doação de sangue entre os brasileiros, a informação deve estar prontamente acessível. Além disso, é de suma importância estimular a juventude, um grupo mais aberto a novas ideias e com menos preconceitos, de maneira apropriada para motivá-los a doar (MOURA et al., 2006). Um estudo conduzido em Portugal demonstrou que 62,6% dos estudantes universitários doadores de sangue realizaram sua primeira doação na própria instituição de ensino em que estavam matriculados, enfatizando a relevância do estímulo educacional (BOUSQUET; ALELUIA; DA LUZ, 2018). No Brasil, existe o projeto “Doador do Futuro”, que tem como estratégia promover ações pedagógicas para alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio de escolas públicas e privadas. Essas ações pedagógicas têm como objetivo conscientizar os alunos sobre a importância da doação de sangue, de modo que eles possam incentivar os amigos e familiares a doarem e, quando atingirem a idade adequada, também se tornarem doadores. No entanto, sua divulgação limitada impede que alcance o potencial resultado que teria a capacidade de obter (LOPES; GUEDES; AGUIAR, 2012). Aqueles que são alcançados e sensibilizados pelas campanhas de captação superam todos os obstáculos previamente discutidos, os quais interferem na intenção desse potencial doador. Ao chegar ao hemocentro é essencial que esse indivíduo seja recebido de maneira acolhedora durante todo o processo. É importante o doador estabelecer confiança no serviço, de modo a sentir-se motivado a retornar (LUDWIG; RODRIGUES, 2005). Portanto, os profissionais de saúde dos hemocentros também desempenham um papel crucial em todas as etapas. A amabilidade, paciência e clareza dos profissionais devem estar presentes em todas as interações, a fim de construir a confiança e a fidelização desse doador (ARAÚJO; FELICIANO; MENDES, 2011). Após alcançar a efetuação da doação de sangue pela pessoa, o objetivo principal consiste em garantir a permanência desse comportamento, uma vez que o abastecimento ideal de sangue provém de doadores regulares, os quais passam por testes frequentes para doenças infecciosas, contribuindo para um nível mais elevado de segurança nas transfusões (DE ALMEIDACRUZ; COVO; MAURÍCIO, 2021). Se não houver um acolhimento positivo por parte da equipe de saúde do hemocentro, todo o processo de captação poderá ser comprometido, uma vez que uma experiência negativa para o doador pode impedir seu retorno. CONCLUSÃO Apesar da relevância inquestionável do tema, foi observado durante a pesquisa uma escassez de material disponível, o que ressalta a necessidade de uma maior atenção por parte das instituições de saúde em relação a esse assunto. Diante da análise dos dados, é evidente que as estratégias convencionais utilizadas para a captação de doadores não conseguem despertar a sensibilização necessária para motivar as pessoas a se tornarem doadoras. A razão disso é que as campanhas são muito genericas e unilaterais, não sendo elaboradas considerando nenhum público específico. Isso resulta em uma comunicação que não se dirige efetivamente a ninguém em particular. Além disso, ressalta-se a importância da realização de pesquisas de avaliação de opiniões permitindo que doadores e potenciais doadores expressem seus medos, inseguranças e dúvidas. Isso, por sua vez, viabiliza a implementação de medidas para atender a essas necessidades e envolver esse público. Em suma, a baixa eficiência das estratégias de captação no Brasil é multifatorial. Para atingir a porcentagem de doadores de sangue recomendada pela OMS, será necessário percorrer um caminho de reestruturação das estratégias, da mentalidade individual e da cultura brasileira em relação à doação, um desafio viável. As instituições de saúde precisam recriar abordagens de comunicação para serem verdadeiramente ouvidas e sensibilizar os potenciais doadores. As instituições de ensino também têm um papel significativo a desempenhar nesse contexto, e é essencial uma coordenação eficaz entre as políticas públicas de saúde e educação para tornar isso uma realidade. Trata-se de um esforço contínuo, mas, se concentrado nos aspectos adequados, trará resultados excelentes. REFERÊNCIAS ALDAMIZ-ECHEVARRIA, C.; AGUIRRE-GARCIA, M. S. Um modelo comportamental de doadores de sangue e estratégias de marketing para atração e fidelidade. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 22, p. 467-475, 2014. 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