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Recursos Computacionais no Ensino de Matemática (MA36) Victor Giraldo (UFRJ), Francisco Mattos (UERJ), Paulo Caetano (UFSCar) Concepção do Material De forma geral, o livro é estruturado por atividades seguidas de discussão sobre essas atividades, enfocando: • objetivos; • conteúdos matemáticos tratados; • papel do uso da tecnologia (vantagens e limitações). Essas discussões não são precedidas de textos teóricos de educação matemática ou sobre tecnologias no ensino. Os docentes responsáveis pela disciplina podem acrescentar textos com essas características, quando considerarem apropriados. Toda a reflexão sobre o uso de tecnologias digitais em sala de aula de Matemática é organizada a partir das discussões sobre as atividades propostas. Concepção do Material As atividades são planejadas para execução, prioritariamente, em softwares gratuitos. Os capítulos são organizados pelos tipos de recursos empregados. Entretanto, o foco da discussão não está nos softwares ou nos recursos computacionais específicos, e sim nas atividades em si. Assim, muitas atividades podem ser feitas com diversos softwares diferentes. O livro não é concebido para ser um manual de uso de softwares educacionais, mas sim para aprofundar a reflexão dos professores sobre o uso de tecnologias digitais em sala de aula de Matemática. O objetivo é capacitar o professor para planejar a integração de tecnologias digitais na sala de aula, escolhendo softwares e recursos de acordo com as especificidades de cada contexto. Concepção do Material Procuramos explorar não só as potencialidades técnicas dos softwares, mas sobretudo suas limitações (erros de arredondamento, interpolação, etc.). Os objetivos são: • evitar que os alunos formem uma ideia sobre o computador como “critério absoluto de validação de fatos matemáticos”, mostrando que os resultados da máquina devem sempre ser interpretados à luz de argumentos matemáticos (e não ao contrário); • aproveitar a exploração dessas limitações para aprofundar a compreensão dos alunos da “Matemática que está por trás”. Concepção do Material De forma geral, as atividades procuram conduzir a conclusões e generalizações matemáticas, sem o apoio do computador. Os professores devem ser orientados no sentido de que, em sala de aula, as atividades com o computador devem, sempre que possível, ser complementadas com discussões e argumentações matemáticas, sem o uso de tecnologias. As abordagem pedagógica com o uso de tecnologias digitais deve ser planejada de tal forma que a aprendizagem dos conceitos matemáticos dos alunos não dependa permanentemente do apoio dessas tecnologias. Concepção do Material De forma geral, as atividades não são planejas para a aplicação direta em sala de aula. O objetivo é capacitar o professor a refletir e avaliar o uso de tecnologias e, a partir daí, criar suas próprias atividades, de acordo com as especificidades de cada público de alunos. Este deve ser o principal papel da disciplina. Muitas atividades estão em nível superior à Matemática dos ensinos fundamental e médio, visando colocar o professor em uma posição de aprendiz com o uso de tecnologias, com estratégia para promover as reflexões acima. Concepção do Material Visando as considerações feitas anteriormente, ao final de cada grupo de atividades com objetivos (mais ou menos) semelhantes são propostas atividades de fechamento do tipo: Concepção do Material Os professores-cursistas devem ser estimulados a fazer essas atividades de fechamento e trazer suas propostas para discussão em sala de aula, com os colegas e docente responsável pela disciplina. Recomendamos também que as atividades de fechamento sejam empregadas na avaliação da disciplina. Concepção do Material O livro é estruturado em 8 capítulos, divididos em seções, totalizando 24 seções. Na estrutura do PROFMAT, cada seção corresponde a uma Unidade. Em cada semana de aulas, são abordadas 2 Unidades. Nesta oficina, discutiremos atividades dos 5 capítulos iniciais: 1. O Uso da Calculadora no Ensino de Matemática 2. Planilhas Eletrônicas 3. Ambientes Gráficos 4. Ambientes de Geometria Dinâmica 5. Sistemas de Computação Algébrica e Simbólica Recursos Computacionais no Ensino de Matemática Victor Giraldo (UFRJ) Paulo Caetano (UFSCar) Francisco Mattos (UERJ / CP2) 13 de Janeiro de 2012 Conteúdo 1 O Uso da Calculadora no Ensino de Matemática 5 1.1 Operações e Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 1.2 Aproximações, Arredondamentos e Erros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 2 Planilhas Eletrônicas 17 2.1 Simbologia Algébrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 2.2 Tratamento da Informação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 3 Ambientes Gráficos 31 3.1 Articulando Representações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 3.2 Faḿılias de Funções Dependendo de Parâmetros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 3.3 Pontos de Vista e Perspectivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 3.4 Mais Explorações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 4 Ambientes de Geometria Dinâmica 63 4.1 Explorando a Geometria de Forma Dinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 4.2 Aprofundando a Exploração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 4.3 Articulando Geometria e Funções: Manipulando Gráficos . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 4.4 Articulando Geometria e Funções: Novos Olhares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 5 Sistemas de Computação Algébrica e Simbólica 81 5.1 Explorando Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 5.2 Operando com Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 5.3 Conceitos Básicos do Cálculo Infinitesimal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 5.4 Explorações Aritméticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 6 Ensino a Distância 91 6.1 Ambientes Virtuais de Matemática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 6.2 Aprendizagem Colaborativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 6.3 Projetos de Ensino a Distância – Parte 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 6.4 Projetos de Ensino a Distância – Parte 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 7 Pesquisas Eletrônicas, Processadores de Texto e Hipertexto 99 7.1 Pesquisas Eletrônicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 7.2 Processadores de Texto e Hipertexto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 8 Critérios e Instrumentos para Avaliação de Softwares Educativos 115 8.1 Avaliação de Softwares Educativos – Parte 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 8.2 Avaliação de Softwares Educativos – Parte 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 3 Caṕıtulo 1 O Uso da Calculadora no Ensino de Matemática Introdução A entrada das tecnologias digitais na sala de aula de Matemática, sobretudo nas últimas duas décadas, foi acompanhada de um intenso debate sobre seus efeitos na aprendizagem. Inicialmente, este debate, que não se restringiu ao Brasil e se espalhou por todos os páıses em que recursos computacionais foram sistematicamente introduzidos na escola, concentrou-se na tentativa de responder à questão se tais efeitos seriam “benéficos” ou “maléficos”. Por exemplo, especificamente sobre o uso de calculadoras no ensino de Matemática, o pesquisador inglês David Tall [57] já observava há 10 anos passados: O uso de calculadoras e computadoresem Matemática nem sempre tem sido tão bem sucedido quanto poderia ser. Na Inglaterra, o uso de calculadoras com crianças tem sido desencorajado na esperança de que sua ausência permitiria que as crianças construissem relações aritméticas men- tais. Talvez esta atitude tenha mais a ver com o mal uso da calculadora (para efetuar cálculos sem ter que pensar) do que com qualquer falha inerente ao próprio aparato. Bem usada – para encorajar reflexão sobre idéias matemáticas – a calculadora pode ser muito benéfica. David Tall, 2001, p.212 (tradução nossa) Neste sentido, temores iniciais de que o uso de calculadoras na sala de aula, por si só, atrofiaria as habilidades aritméticas dos alunos eram, de certa forma, mal colocados. Os efeitos da ferramenta na aprendizagem estão muito mais relacionados com a forma como ela é usada do que com suas caracteŕısticas intŕınsecas. De fato, esta constatação aplica-se a qualquer tecnologia usada no ensino, seja esta de natureza computacional ou não. Hoje, as tecnologias digitais estão cada vez mais presentes em praticamente todos os setores da atividade humana, portanto não faria sentido bani-las da sala de aula – sob pena de tornar a escola tão anacrônica em relação à vida exterior a seus muros a ponto de ter um efeito inócuo na formação dos alunos. Paralelamente a isso, a reflexão sobre os usos pedagógicos dessas tecnologias vem amadurecendo. Assim, o foco do debate deslocou-se da questão de se as tecno- logias digitais têm efeitos benéficos para a aprendizagem, para a questão de como usá-las de forma que seus efeitos sejam benéficos para a aprendizagem. As calculadoras são certamente as tecnologias digitais mais simples, baratas e de mais fácil uso. Mesmo as calculadoras com menos recursos matemáticos podem ser usadas de forma a enriquecer signi- ficativamente a abordagem. Seu uso como instrumento didático oferece ao contexto de sala de aula, em situações espećıficas, uma metodologia de ensino que permite ao professor dinamizar de modo simples as aulas teóricas tratadas geralmente com metodologias tradicionais. O objetivo central deste primeiro 5 6 CAPÍTULO 1. O USO DA CALCULADORA NO ENSINO DE MATEMÁTICA Caṕıtulo é discutir como é posśıvel desenvolver atividades pedagógicas1 interessantes e enriquecedoras mesmo quando se dispõe apenas de recursos computacionais ḿınimos. Por isso, todas as atividades propostas podem ser feitas com a calculadoras simples (em geral chamadas calculadoras de bol- so), que dispõem apenas das quatro operações elementares. Atividades de natureza mais complexa, que demandariam mais recursos tecnológicos serão abordadas nos caṕıtulos subsequentes. O Caṕıtulo está dividido em duas seções: na primeira, o foco das atividades estará mais na estrutura as operações e suas propriedades; e na segunda nas caracteŕısticas da representação decimal, com ênfase em aproximações e erros. 1.1 Operações e Propriedades Nesta seção, propomos atividades com objetivo de utilizar a calculadora para enriquecer a aprendizagem da estrutura das operações elementares (principalmente com números inteiros) e suas propriedades. Em geral, essas propriedades são ensinadas como “regras”, enunciadas no quadro negro. Atividades com a calculadora podem articular-se com a abordagem tradicional de sala de aula, oferecendo aos alunos uma oportunidade de lidar com a estrutura das operações de forma mais concreta e dinâmica. Para que esses objetivos sejam atingidos, é fundamental que os alunos sejam encorajados a in- terpretar matematicamente os resultados da máquina e a desenvolver uma atitude cŕıtica em relação a estes – em lugar de simplesmente aceitá-los como verdades inquestionáveis. Assim, o papel da calculadora em sala de aula não deve se limitar a apenas “conferir” resultados obtidos manualmente. Seu uso é mais rico em situações cuja interpretação pelos alunos leve ao aprofundamento da compreensão sobre as propriedades matemáticas envolvidas, por exemplo, por meio da exploração de resultados inesperados ou aparentemente errados. Por este motivo, o papel do professor em planejar e aplicar adequadamente as atividades é decisivo – não é a calculadora, por si só, que pode trazer efeitos positivos (ou negativos) à aprendizagem, e sim a forma como ela é empregada em sala de aula. Atividades 1. Considere os números: 49, 71 e 180. Com a ajuda da calculadora, construa exemplos de operações (adição, subtração, multiplicação e divisão), que tenham cada um desses números como resulta- dos. (a) Primeiro, dê exemplos de operações envolvendo apenas números naturais. (b) Agora, use quaisquer números (podendo ser inteiros, racionais ou irracionais). 2. Suponha que você queira fazer uma conta envolvendo números grandes, como por exemplo: 987123 × 110357. É bem provável que use uma calculadora para obter o resultado. Como se tratam de números com muitos algarismos, mesmo com uma calculadora, não é imposśıvel enganar-se ao digitar algum algarismo e obter um resultado errado. (a) Suponha que depois de digitar os dados, tenha aparecido no visor o seguinte resultado: 989455911. Este resultado pode estar certo? Justifique a sua resposta. (b) Constatando que o resultado anterior não estava correto, você apaga e digita novamente os dados. Desta vez o visor mostra o seguinte: 108935822554. E este resultado, pode estar certo? Justifique a sua resposta. (c) Quantos algarismos você espera que o resultado tenha? 1Grande parte as atividades propostas neste Caṕıtulo foram inspiradas ou adaptadas diretamente de [46]. Agradecemos o autor e amigo Carlos Mathias pelas ideias e conversas inspiradoras. 1.1. OPERAÇÕES E PROPRIEDADES 7 (d) Qual deve ser o último algarismo do resultado? (e) Você seria capaz de descobrir que erros você cometeu nos ı́tens (a) e (b)? 3. Suponha que você queira saber o resultado da conta 7× (581 + 399), com ajuda de uma calcu- ladora. Você digita os dados e a máquina fornece o resultado 4466. O resultado está correto? O que você acha que aconteceu? As atividades iniciais 1 a 3 procuram explorar apenas as propriedades das operações elementares, sendo apropriadas para alunos do 1o. segmento ou do ińıcio do 2o. segmento de ensino fundamental. A atividade 1 tem por objetivo inverter a lógica usual de resolver contas e obter resultados, propondo que os alunos inventem diferentes contas que levem a um mesmo resultado dado. O exerćıcio de inventar contas pode ser explorado pelo professor para a reflexão sobre as propriedades das operações, além de colaborar com a prática de cálculo mental, estimulando os estudantes a pensarem sobre a relação entre as ordens de grandeza do resultado e dos operandos. Para isso, o professor pode ainda incluir na atividade questões chave mais direcionadas, como por exemplo: • Quantas multiplicações você consegue exibir, envolvendo apenas números naturais, cujo resultado seja 49? E 71? E 180? • Observando que 90 + 90 = 180, como você pode descobrir outras contas de adição que dêem o mesmo resultado? • Observando que 2× 90 = 180, como você pode descobrir outras contas de multiplicação, apenas com números inteiros, que dêem o mesmo resultado? • Observando que 2 × 90 = 180, como você pode descobrir outras contas de multiplicação, com números inteiros ou frações, que dêem o mesmo resultado? • Pode existir uma adição, envolvendo apenas números naturais, cujo resultado seja 49 e uma das parcelas seja 60? • Pode existir uma adição, envolvendo números inteiros, cujo resultado seja 49 e uma das parcelas seja 60? • Pode existir uma multiplicação, envolvendo apenas números naturais, cujo resultado seja 49 e um dos fatores seja 60? • Pode existir uma multiplicação, envolvendo apenas números naturais, cujo resultado seja 49 e um dos fatores seja 40? • Pode existir uma multiplicação cujo resultado seja 49 e um dos fatores seja 60? • Pode existiruma multiplicação cujo resultado seja 49 e um dos fatores seja 40? • Em uma adição, quando você aumenta uma das parcelas, o que deve acontecer com a outra para que o resultado não se altere? • Em uma subtração, quando você aumenta um dos termos, o que deve acontecer com o outro para que o resultado não se altere? • Em uma multiplicação, quando você aumenta um dos fatores, o que deve acontecer com o outro para que o resultado não se altere? • Em uma divisão, quando você aumenta o dividendo, o que deve acontecer com o divisor para que o resultado não se altere? • Que propriedades das operações você empregou para chegar às conclusões acima? 8 CAPÍTULO 1. O USO DA CALCULADORA NO ENSINO DE MATEMÁTICA Questões como as exemplificadas acima podem contribuir com a compreensão de algumas proprie- dades importantes das operações. Por exemplo, quando adicionamos um número a uma das parcelas de uma soma, para manter o mesmo resultado, devemos subtrair o mesmo número da segunda parcela. Verificações análogas podem ser propostas para as demais operações. Tais verificações podem favorecer a exploração da relação entre as operações e sua respectivas inversas, além da relação entre as ordens de grandeza do resultado e dos operandos. As questões podem ainda ser empregadas na exploração das limitações das operações em cada um dos conjuntos numéricos. Em particular, é importante chamar atenção para o fato de que a quantidade de multiplicações resultando em número dado está relacionada com a quantidade de fatores primos deste número (por exemplo, no caso da atividade 1 proposta acima, são dados um número primo e dois números compostos, sendo um quadrado de um primo e o outro com diversos divisores distintos). Finalmente, o exerćıcio de procurar por um dos termos de uma operação, dados o outro termo e o resultado, pode ser explorado como uma introdução à noção de equação. Na atividade 1, o papel da calculadora é apenas o de dar mais agilidade aos cálculos, permitindo que o aluno foque mais atenção na reflexão sobre o comportamento dos resultados e as propriedades operatórias empregadas. É importante observar que a atividade não deve se resumir à mera verificação de resultados com a calculadora. Seu desenvolvimento em sala de aula deve sempre incluir as justificativas matemáticas desses resultados. Por outro lado, o uso da calcu- ladora em sala de aula não precisa – e não deve – limitar-se simplesmente a facilitar ou conferir contas. As atividades 2 e 3 enfocam a interpretação cŕıtica de resultados produzidos por usos errôneos da calculadora, visando estimular a formação de uma expectativa para os resultados, e o desenvolvimento prática da verificação por meio de estimativas e cálculo mental. Quando os alunos no ensino fundamental memorizam os algoritmos das operações, sem entender sua estrutura, dificilmente eles desenvolverão qualquer noção das relações entre o resultado e os operandos. Nestes casos, resultados provenientes de erros na aplicação dos algoritmos são aceitos, mesmo quando claramente incompat́ıveis com a conta efetuada. Se os cálculos são feitos com a calculadora, os resul- tados são geralmente aceitos como corretos sem hesitação. Na atividade 2, podemos verificar que os resultados dados nos ı́tens 2a e 2b são incompat́ıveis com os fatores da multiplicação. Uma estimativa simples fornece-nos uma ideia da ordem de grandeza dos resultado da conta. Como 987123 > 9×105 e 110357 > 105, então 987123×110357 > 9×105×105 = 9×1010, isto é, 987123×110357 tem pelo menos 11 algarismos. Além disso, como os fatores terminam com os algarismos 3 e 7, o último algarismo do produto deve ser necessariamente 1. Os resultados 989455911 e 108935822554 dos 2a e 2b são obtidos pela omissão ou troca de algarismos na conta. Assim, 989455911 = 87123× 11357 e 108935822554 = 987122× 110357. De forma semelhante, na atividade 3, percebemos que o resultado de 7× (581+399) deve ser múltiplo de 10, portanto não pode ser 4466. O erro decorre da omissão dos parênteses, isto é, 4466 = 7× 581 + 399. Há uma ampla gama de atividades com objetivos semelhantes a estes que podem ser propostas, dependendo do ano escolar. As atividades anteriores constituem apenas alguns exemplos. Sugerimos que você formule outras, levando em conta as especificidades de seu público de alunos. Atividades 4. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 1 a 3. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel da calculadora no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso da calculadora nas atividades pode trazer para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação a abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso da calculadora)? 1.1. OPERAÇÕES E PROPRIEDADES 9 5. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 1 a 3, que seja adequada para as turmas em que você leciona. Que questões chave você incluiria na atividade, para ajudar a direcionar a resolução dos alunos. Reconhecendo Padrões e Regularidades As atividades a seguir exploram o reconhecimento de padrões nos resultados de operações aritméticas. Em livros didáticos do ensino fundamental, não é incomum encontrarmos exerćıcios do tipo “complete a sequência”, que pedem que o aluno reconheça e generalize um padrão numérico ou geométrico em uma sequência, a partir de um pequeno conjunto de termos dados. O reconhecimento de padrões é sem dúvida uma habilidade fundamental para o desenvolvimento do pensamento matemático elementar. Entretanto, é importante considerar que a regra de formação de uma sequência não pode ser inferida tendo como base apenas a verificação de um conjunto finito de exemplos (uma sequência numérica não precisa nem mesmo ter uma regra algébrica de formação). Assim, as atividades que se seguem não visam apenas inferir o padrão a partir da verificação dos exemplos dados e generalizá-lo para outros números quaisquer. O objetivo é reconhecer o padrão, jus- tificá-lo matematicamente, e determinar para que outros números este pode ser generalizado. A busca por essas justificativas matemáticas pode ajudar na compreensão dos algoritmos das operações e suas relações com a estrutura do sistema de numeração decimal. As atividades propostas abordam padrões nas representações decimais de números naturais (6 e 7) e de números racionais (8 e 9). Atividades 6. Use a calculadora para fazer as seguintes contas de multiplicação por 11: 13 × 11, 24 × 11, 35× 11. Observe que há um padrão nos resultados. (a) Descreva o padrão observado. (b) Explique o padrão, com base no algoritmo da multiplicação. (c) Este padrão vale para qualquer multiplicação de um número de dois algarismos por 11? Justifique sua resposta. (d) O que acontece se multiplicamos um número com mais de dois algarismos por 11? Também observaremos algum tipo de padrão? Justifique sua resposta. 7. Use a calculadora para fazer as seguintes contas: 21× 202, 48× 202, 35× 202, 17× 202. (a) Descreva o padrão observado nos resultados. (b) Explique o padrão, com base no algoritmo da multiplicação. (c) Para que tipo de multiplicação esse padrão vale? Justifique sua resposta. 8. Use a calculadora para fazer as seguintes contas: 1 ÷ 9, 2 ÷ 9, . . ., 8 ÷ 9. Explique o padrão observado nos resultados. 9. Use a calculadora para fazer as seguintes contas: 1 ÷ 99, 25 ÷ 9, 43 ÷ 9, 76 ÷ 9. Explique o padrão observado nos resultados. Na atividade 6, observamos que se um número natural n possui 2 algarismos quando representado na forma decimal, então podemos escreve-lo na forma n = 10a+b, com a, b ∈ N, 0 6 a, b < 10. Logo: 11n = 11 (10a+ b) = 10 (10a+ b) + (10a+ b) = 100a+ 10 (a+ b) + b 10 CAPÍTULO 1. O USO DA CALCULADORA NO ENSINO DE MATEMÁTICA Observe queo desenvolvimento acima reproduz os passos do algoritmo usual da multiplicação. Por- tanto, se n = 10a+b é um número com 2 algarismos, cuja soma é menor que 10, então a representação decimal de 11n tem três algarismos, sendo o das centenas a, o das dezenas a + b e o das unidades b. Na atividade 7, o padrão observado pode ser justificado de forma análoga. O papel da calculadora nessas atividades é justamente permitir que o aluno obtenha os resultados sem usar o algoritmo, para posteriormente refletir sobre o mesmo com base no padrão observado. Nas atividades 8 e 9, é interessante chamar a atenção dos alunos para a determinação da fração geratriz de um d́ızima periódica como soma de uma progressão geométrica infinita. Atividades 10. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 6 a 9. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel da calculadora no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso da calculadora nas atividades pode trazer para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação a abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso da calculadora)? 11. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 6 a 9, que seja adequada para as turmas em que você leciona. Aprofundando a Compreensão das Operações Como já comentamos, existem muitas outras formas de explorar os recursos das calculadoras simples para enriquecer a aprendizagem das operações elementares, sua estrutura e suas propriedades. A ideia geral é aproveitar os recursos da calculadora para oferecer aos alunos uma visão das opera- ções que seja diferente da abordagem usual de sala de aula, e que se articula e enriqueça essa abordagem. Nas atividades a seguir, damos mais alguns exemplos. Porém leitor é fortemente encorajado a elaborar outras, de acordo com as caracteŕısticas e dificuldades espećıficas de seu público de alunos (como vimos propondo). Atividades como as 14 a 17 podem ser aplicadas em forma de jogo entre os alunos. Atividades 12. (a) Digite 2 + 3 na calculadora. Em seguida, tecle o sinal de = várias vezes. Tome nota dos números que vão aparecendo na tela. Que tipo de sequência esses números formam? (b) Agora, faça a mesma experiência com a multiplicação: digite 2 × 3 na calculadora e, em seguida, o sinal de = várias vezes. Que tipo de sequência esses números formam? 13. (a) Suponha que você tenha depositado R$150, 00 em uma caderneta de poupança que rende 0, 7% ao mês. Passado o primeiro mês, você terá R$150, 00+R$150, 00× 0,7 100 = R$150, 00× 1, 007 = R$151, 05. Quantos meses você deverá esperar (sem fazer nenhum saque ou novo depósito) para obter 10% a mais da quantia aplicada? Você poderá responder esta pergunta usando uma calculadora de bolso apenas com as quatro operações elementares. Multiplique 150 por 1, 007 e aperte a tecla = sucessivamente, até que o resultado mostrado na tela fique ultrapasse 150 × 1, 1 = 165. Conte o número de vezes que a tecla = foi pressionada. 1.1. OPERAÇÕES E PROPRIEDADES 11 (b) Repita a experiência, supondo agora que você tenha aplicado R$350, 00 e queira obter um lucro de 10% da quantia inicial. (c) As respostas dos ı́tens anteriores dependem da quantia aplicada? Justifique sua respostas com base em argumentos matemáticos. 14. Complete as espaços em branco nas expressões abaixo, com os sinais das quatro operações elementares (+, −, × e ÷), de forma que as igualdades sejam válidas. (a) (53 � 36) � 15 = 1335 (b) 53 � 36 � 15 = 1923 (c) 17 � (25 � 83) = −41 (d) 11 � 17 � 23 = 4301 (e) (14 � 66) � 16 = 5 (f) 14 � 66 � 16 = 18, 125 15. Use uma calculadora para encontrar aproximações para os números a seguir, empregados apenas as teclas numéricas e as teclas + , − , × , ÷ , √ e = (isto é, sem empregar a tecla de potenciação a um expoente qualquer, se houver). (a) 30,5 (b) 3−0,125 (c) 4 √ 3 (d) 33,125 16. Em uma calculadora defeituosa, apenas as teclas 3 , 8 , + , − e = estão funcionando. Você conseguiria obter todos os números naturais de 1 a 10 apenas usando essas teclas? 17. Em uma calculadora defeituosa, apenas as teclas 5 , + , − , × , ÷ e = estão funcionando. Obtenha cada um dos números naturais de 1 a 10 apenas usando o menor número posśıvel de teclas. Na maior parte das calculadoras de bolso, quando pressionamos a tecla correspondente ao sinal de igualdade seguidamente, a última operação realizada é repetida. Este recurso pode ser empregado no ensino de diversas maneiras. As atividades 12 e 13 apresentam duas sugestões neste sentido. Na atividade 14, em lugar de obter os resultados conhecendo os operandos e as operações, a proposta é que os alunos descubram as operações conhecendo os operandos e os resultados. Para escolher os sinais que tornam as igualdades verdadeiras, eles deverão avaliar as relações entre os operandos e os resultados (tais como ordens de grandeza e caracteŕısticas da representação decimal), assim como nas atividades 2 e 3. A atividade 15 visa à exploração das propriedades de potenciação e radiciação, por meio da decom- posição potências de diversos expoentes em ráızes quadradas. De forma semelhante, na resolução das atividades 16 e 17, os alunos deverão decompor números naturais de 1 a 10 de diferentes maneiras. O exerćıcio de decompor números naturais de diferentes formas é importante para a compreensão dos sistema de numeração decimal e das estruturas dos algoritmos das quatro operações. Atividades 18. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 12 a 17. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel da calculadora no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso da calculadora nas atividades pode trazer para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação a abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso da calculadora)? 19. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 12 a 17, que seja adequada para as turmas em que você leciona. 12 CAPÍTULO 1. O USO DA CALCULADORA NO ENSINO DE MATEMÁTICA 1.2 Aproximações, Arredondamentos e Erros Na seção 1.1, destacamos a importância do desenvolvimento de uma atitude de interpretação cŕıtica dos resultados produzidos pela calculadora por parte dos alunos. As atividades 2 e 3 daquela seção visavam à formação dessa atitude cŕıtica a partir de usos errôneos da máquina, isto é, erros cometidos pelo próprio usuário. Entretanto, não são apenas erros de uso que provocam resultados aparentemente errados ou inesperados – estes podem ser causados por limitações inerentes à própria máquina. Tais resultados são produzidos, de forma geral, por erros de arredondamento: como uma calculadora só tem capacidade para armazenar números com representação decimal finita, todos os números com representação infinita (e mesmo aqueles com representação finita, porém superior a capacidade da máquina) são aproximados por números com representação finita. Isto é, as calculadoras (pelo menos as mais simples) não operam com números com representação decimal infinita, e sim com aproximações para esses números. A imprecisão nos resultados de cálculos aproximados pode aumentar quando os erros de arredondamento são propagados, isto é, quando resultados aproximados são usados em novos cálculos, gerando aproximações sobre aproximações. Evidentemente, algumas máquinas possuem capacidade de armazenamento superior a outras, podendo produzir resultados mais precisos, porém todas têm capacidade finita. Portanto cálculos com decimais infinitos envolverão necessariamente imprecisões e erros de alguma ordem. Desta forma, a atitude de interpretação cŕıtica dos resultados por parte dos alunos não se refereapenas a seus próprios eventuais erros de uso, mas sobretudo ao funcionamento e às limitações da máquina. A consciência das limitações da calculadora e do fato de que ela pode produzir resultados imprecisos ou aparentemente errados é fundamental para a compreensão de que a máquina não pode ser usada como critério de validação matemática. Os resultados da máquina devem ser interpretados e avaliados com base em argumentos matemáticos (e não ao contrário). Este será o enfoque desta seção. Algumas das atividades propostas a seguir (1 a 3) visam especificamente chamar atenção para as limitações da calculadora, por meio da interpretação de resultados aparentemente errados ou imprecisos. As seguintes (6 a 10) abordam processos de aproximações sucessivas, que podem ser empregados como introdução ao conceito de limite. A prinćıpio, pode-se pensar que os erros de aproximação da máquina constituem-se necessariamente em um obstáculo para a aprendizagem do conceito de limite. Porém, justamente esses erros podem ser explorados pelo professor para introduzir de forma mais expĺıcita a natureza matemática da noção de limite: o conceito matemático de limite escapa da precisão da máquina, por melhor que esta seja, ou de qualquer precisão finita. Atividades 1. As figuras abaixo representam resultados de certas operações matemáticas feitas em uma cal- culadora, mostrados no visor. Sem saber as operações que foram efetuadas, é posśıvel saber se esses números são racionais ou não, apenas nos resultados do visor? Justifique sua resposta. 1.2. APROXIMAÇÕES, ARREDONDAMENTOS E ERROS 13 2. Ao usar uma calculadora de bolso para fazer uma conta cujo resultado não é um número inteiro, o visor mostrará uma aproximação desse resultado, usando todas as casas decimais dispońıveis. Levando isso, em conta, responda as perguntas a seguir, justificando suas respostas. (a) Use a calculadora para fazer a conta 1 ÷ 3. Se você multiplicar o resultado mostrado no visor por 3, você encontrará o número 1 novamente? (b) Use a calculadora para fazer a conta √ 2. Se você elevar o resultado mostrado no visor a quadrado, você encontrará o número 2 novamente? 3. Considere a conta 0, 0000111 × 9999456 ÷ 9999123. Como sabemos, podemos fazer efetuar essa conta de diversas maneiras diferentes: (0, 0000111 × 9999456)÷ 9999123, ou 0, 0000111 × (9999456 ÷ 9999123), ou ainda (0, 0000111 ÷ 9999123) × 9999456. As propriedades das ope- rações de multiplicação e divisão garantem-nos que obteremos o mesmo resultado. Use uma calculadora para fazer a conta dessas duas maneiras. Compare os resultados. Você pode explicar o que aconteceu? Muitos livros didáticos do ensino básico apresentam exerćıcios propondo a classificação de números como racionais ou irracionais, com base em sua representação decimal. Entretanto, frequentemente tais exerćıcios não incluem informações suficientes para a conclusão pedida. O objetivo da atividade 1 é mostrar que, apenas com uma amostra finita da representação decimal de um número real, não é posśıvel concluir se este é racional ou não. Por exemplo, embora a expressão que aparece na tela da esquerda possa sugerir a representação de um número irracional (pois os algarismos não repetem), trata-se apenas de uma expressão decimal finita que pode representar uma aproximação, tanto para um irracional quanto para um racional. De fato, a representação decimal da fração 1 19 é uma d́ızima periódica cujo peŕıodo tem 18 d́ıgitos, sendo os 16 primeiros coincidentes com a expressão dada: 1 19 = 0, 052631578947368421 . Em continuidade, as atividades 2 e 3 ilustram erros causados por arredondamentos. Para fazer a experiência proposta na atividade 2, os alunos poderão anotar o resultado da primeira operação que é mostrado na tela, limpar a memória da calculadora, digitar o mesmo resultado, efetuar a operação inversa, verificando que não se retorna ao número original. A atividade 3 exemplifica uma situação em que um erro de arredondamento pode fazer com que a calculadora forneça resultados diferentes para uma mesma operação efetuada em ordens diferentes (dependendo da precisão da calculadora utilizada). Observe que neste exemplo, essencialmente, estamos multiplicando um número próximo de 0 por um número próximo de 1. Assim, se a divisão for efetuada primeiro, em uma calculadora com precisão baixa, esse resultado parcial pode ser arredondado para 1, afetando o resultado final. Atividades 4. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 1 a 3. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel da calculadora no desenvolvimento das atividades? (d) Faria sentido aplicar essas atividades sem o uso da calculadora? 5. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 1 a 3, que seja adequada para as turmas em que você leciona. 14 CAPÍTULO 1. O USO DA CALCULADORA NO ENSINO DE MATEMÁTICA Aproximações e Limites Nas atividades a seguir, lidamos com aproximações – ou em termos matemáticos formais, limites de sequências de números reais. O conceito de limite é um dos mais importantes e centrais de toda a Matemática, e mesmo não figurando explicitamente nos curŕıculos, este pode (e deve) ser introduzido informalmente no ensino básico, por meio da ideia intuitiva de aproximação. A calculadora pode ser um recurso didático de grande ajuda para esta introdução. Em particular, a ideia de aproximação é importante para o ensino do conceito de número irracional. Em geral, a abordagem de números irracionais no ensino básico é bastante restrita. Usualmente, rece- bem pouca ênfase as motivações para a própria necessidade de ampliação do conjuntos dos números reais (isto é, de que problemas matemáticos os números racionais não dão conta), e as justificativas para propriedades referentes à representação decimal de irracionais (tais como, um número é irracional se, e somente se, sua expressão decimal é infinita e não periódica), ou mesmo para as expressões decimais de exemplos espećıficos de números irracionais. Aproximações para números irracionais, desenvolvidas com ajuda da calculadora, pode enriquecer significativamente a abordagem de números irracionais, sua representação decimal e localização na reta real. Atividades 6. O objetivo desta atividade é determinar aproximações decimais para √ 2. Sabemos que 12 = 1 < 2 < 4 = 22. Isto nos permite concluir que 1 < √ 2 < 2. De forma análoga, temos que 1, 42 = 1, 96 < 2 < 2, 25 = 1, 52. Continuando este procedimento, use a calculadora (sem empregar a tecla √ ) para completar a tabela abaixo, obtendo aproximações para √ 2 com n casas decimais. n √ 2 ∼= 1 2 3 4 5 7. Conhecendo aproximações com n casas decimais depois da v́ırgula para √ 2, podemos determinar aproximações para 2 √ 2. Complete a tabela abaixo. n √ 2 ∼= 2 √ 2 ∼= 1 1, 4 2 1, 41 3 1, 414 4 1, 4142 5 1, 41421 O procedimento acima pode nos dar certeza do número da casas decimais exatas das aproximações para 2 √ 2 obtidas? Justifique sua resposta. 8. Digite um número positivo qualquer na calculadora. Em seguida, digite a tecla √ sucessivas vezes. Em algum momento o visor mostrará o número 1. Explique o que aconteceu. 1.2. APROXIMAÇÕES, ARREDONDAMENTOS E ERROS 15 Em livros didáticos do ensino básico, as expressões decimais aproximadas para números irracio- nais são quase sempre apresentadas como se fossem simplesmente dadas, sem quaisquer justificativas teóricas. Na atividade 6, propomos um processo para determinar aproximações decimais para √ 2, usando apenas a potenciação números racionais. Por meio desse processo, podemos (pelo menos teo- ricamente) determinar quantas casas decimais quisermos para o número √ 2. Atividades como esta são muito importantes para que os alunosno final do ensino fundamental e no ensino médio formem uma ideia mais concreta dos números irracionais e sua localização na reta real. A atividade 7 tem como objetivo introduzir um significado intuitivo (e não formalizado) para a po- tenciação de expoente irracional. A operação de potenciação é definida primeiramente para expoentes naturais, e posteriormente generalizada para expoentes inteiros e naturais por meio de argumentos ba- seados na preservação de certas propriedades aritméticas (por exemplo, devemos ter a0 = 1 para a 6= 0, pois caso contrário não valeria aman = am+n, para m,n ∈ Z). Entretanto, raramente encontramos em livros didáticos alguma forma de conceituação para a potenciação com expoentes irracionais. Contra- ditoriamente, alguns caṕıtulos a frente, a função exponencial é definida com doḿınio em R, sem que esta inconsistência seja sequer apontada. De fato, a extensão da operação de potenciação dos números racionais para os irracionais não pode ser justificada apenas por meio de argumentos algébricos (como as extensões anteriores), e requer necessariamente uma ideia de convergência, o que a torna a sua formulação teórica de dif́ıcil compreensão, mesmo no ensino médio. Isto não é justificativa, no entanto, para que este problema não seja tratado, mesmo que de forma intuitiva. Em geral, os estudantes no ensino médio não têm maiores dificuldades em explicar o que significam potenciações com expoentes inteiros ou racionais (por exemplo, 2−3 = 1 23 , ou 2 3 4 = 4 √ 23 ). Mas, é preciso também que eles atribuam algum significado a expressões do tipo 2π – que número é esse? Uma introdução a esta discussão, que pode ser feita com ajuda da calculadora, é o que propõe a atividade 7. Nas atividades 6 e 7 é fundamental que fique claro para os alunos que a expressões decimais obtidas representam aproximações para os √ 2 e 2 √ 2. Os erros associados a cada uma dessas aproximações podem ser feitos tão pequenos quanto se queira, isto é, tratam-se de sequências de números reais convergindo aos números √ 2 e 2 √ 2. Porém, essas aproximações jamais coincidirão com os números. A atividade 8 envolve uma situação em que os arredondamentos feitos pela máquina geram um resultado errôneo. Sabemos que, se a > 0 então lim n→+∞ n √ a = 1, portanto o erro | n √ a− 1| pode ser feito tão pequeno quanto se queira, para n ∈ N suficientemente grande. Entretanto, não podemos ter n √ a = 1 para nenhum a 6= 1. A discussão proposta na atividade 8 pode ser usada para mostrar que, por melhor que seja a precisão de uma calculadora, é sempre posśıvel tomar n grande o suficiente para que a diferença entre n √ a e 1 fique ainda menor que esta precisão. Assim, pode-se ilustrar concretamente o fato de que dizer que n √ a tende a 1 significa dizer que | n √ a− 1| fica menor que qualquer precisão finita. Atividades 9. Use o mesmo procedimento da atividade 6, encontre aproximações para os números abaixo, com erro menor que 0, 01. (a) √ 3 (b) 3 √ 2 (c) 3 2 3 10. Use o mesmo procedimento da atividade 7, encontre aproximações sucessivas para o número 10π. 11. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 6 a 10. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? 16 CAPÍTULO 1. O USO DA CALCULADORA NO ENSINO DE MATEMÁTICA (c) Qual é o papel da calculadora no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso da calculadora nas atividades pode trazer para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação a abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso da calculadora)? 12. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 6 a 10, que seja adequada para as turmas em que você leciona. Caṕıtulo 2 Planilhas Eletrônicas Introdução Os recursos dispońıveis nas planilhas eletrônicas possibilitam diversas aplicações no ensino de Matemá- tica. Dentre esses recursos destacam-se: • manipulação e operações com grandes quantidades de dados numéricos; • articulação entre diversas formas de representação; • ferramentas lógicas; • ferramentas estat́ısticas. Neste Caṕıtulo, propomos atividades com planilhas eletrônicas, explorando os recursos acima em dois campos do ensino de Matemática: simbologia algébrica, equações e funções; e tratamento da informação. Quando os alunos no ensino básico têm os primeiros contatos com a simbologia algébrica, não são incomuns as dificuldades com os diferentes significados dos śımbolos (variáveis, incógnitas, constantes, parâmetros) e com as regras sintáticas a que estão sujeitas esses śımbolos. As planilhas eletrônicas possuem um sistema simbólico próprio. A própria experiência concreta de codificação e manipulação da simbologia nesse sistema, especialmente a verificação de erros de codificação indicados pelo software, pode ajudar os alunos a entenderem os significados e regras sintáticas dos śımbolos. No ensino de funções, as planilhas eletrônicas possibilitam a articulação de diversas formas de representação, que podem ser constrúıdas concretamente no software pelo próprio aluno, em cada situação. Essas representações podem também ser utilizadas para a resolução numérica de equações, ou mesmo de sistemas de equações, especialmente em situações que envolvam modelos aproximados, permitindo a procura de soluções aproximadas em um determinado intervalo. Na abordagem de tratamento da informação e Matemática Financeira, as planilhas podem ser em- pregadas com dados extráıdos de situações concretas, que podem ser coletados pelos próprios alunos. As ferramentas estat́ısticas e gráficas dispońıveis nas planilhas eletrônicas possibilitam a representação desses dados de diferentes formas numéricas e gráficas, e a análise, comparação e inter- pretação dessas representações, visando à formulação de conclusões e hipóteses. 17 18 CAPÍTULO 2. PLANILHAS ELETRÔNICAS 2.1 Simbologia Algébrica Explorando Regularidades e Limites Nesta seção, propomos atividades utilizando os recursos das planilhas eletrônicas para a exploração de regularidades e limites de sequências numéricas. Atividades com objetivos semelhantes já foram propos- tas no caṕıtulo anterior. Entretanto, além das planilhas oferecem muito mais recursos e funções que as calculadoras de bolso, seu uso em atividades desta natureza apresenta algumas diferenças importantes do ponto de vista pedagógico, em relação ao uso da calculadora: • De forma geral as planilhas possuem maior precisão que as calculadoras, portanto possibilitam a visualização e o tratamento de dados numéricos com mais casas decimais. • Os recursos das planilhas também oferecem a possibilidade de manusear os dados das atividade de forma mais dinâmica e com menos uso de teclas, uma vez que as fórmulas e dados digitados em uma célula podem ser generalizados para outras por meio do recurso de arrastar. • Aa planilhas geram automaticamente um registro tanto das operações e funções matemáticas empregadas no problema, quanto dos dados da solução. Para guardar tais registros com o uso da calculadora, é preciso manter um controle paralelo em papel. • Por outro lado, os śımbolos encontrados nas calculadoras de bolso são essencialmente os mesmos e obedecem às mesmas regras com que os alunos estão acostumados a lidar desde a alfabetização matemática nos anos inicias, enquanto as planilhas eletrônicas possuem simbologia e sintaxe próprias, cuja aprendizagem por si só demanda maior maturidade por parte do aluno. Essas caracteŕısticas podem ser mais ou menos aproveitadas, dependendo dos objetivos pedagógi- cas da atividade em questão e do ano escolar dos alunos. Por exemplo, para explorar propriedades das operações e propriedades aritméticas com alunos dos anos inicias do ensinofundamental, a calculadora é possivelmente mais adequada, por possibilitar um foco mais espećıfico nesses objetivos. Por outro lado, a planilha eletrônica pode ser adequada em anos escolares mais adiantados, contribuindo com uma transição gradativa do trabalho com aritmética nos anos inicias, em direção ao pensamento algébrico- simbólico, de natureza mais sofisticada e abstrata. A atividade 1 visa justamente comparar as vantagens e desvantagens da realização das mesmas atividades com a calculadora e com a planilha. O uso da planilha eletrônica para construir aproximações para números irracionais (como propõem as atividades 1 a 4) pode enriquecer significativamente a abordagem desses números. Em geral, ex- pansões decimais para números irracionais são apresentadas no ensino básico sem maiores justificativas matemáticas e ou manipulações concretas. As aproximações constrúıdas em planilhas eletrônicas, em- pregadas em uma abordagem cuidadosamente planejada pelo professor, podem promover uma maior familiaridade dos alunos com as representações decimais para números irracionais e suas pro- priedades, especialmente quando a programação é feita por eles próprios. Em particular, a experiência com planilhas pode fornecer uma ideia mais concreta para o fato de que as aproximações decimais finitas para um número real dado constituem os termos de uma sequência convergente, cujo limite é este número. Entretanto, como no Caṕıtulo 1, é importante observar ainda que devem ser exploradas não são as potencialidades técnicas, como também as situações em que o software produz resultados inesperados ou aparentemente errados. Atividades 1. Repita as atividades 6 e 7 da seção 1.2 usando uma planilha eletrônica. Aumente o número de casas decimais da aproximação. Que vantagens e desvantagens pedagógicas você vê no uso da planilha, em relação ao uso da calculadora, para realizar esta atividade? 2.1. SIMBOLOGIA ALGÉBRICA 19 2. Digite o número 2 na célula A1 de uma planilha eletrônica. Na célula A2, digite=(A1+2/A1)/2. Em seguida, selecione e arraste a célula A1 ao longo da coluna A. De que número os valores que aparecem nessa coluna estão se aproximando? Justifique matematicamente a sua resposta. 3. Utilizando a mesma ideia da atividade 2, crie uma sequência de números reais que tenda a √ 3. 4. Digite o número 1 na célula A1 de uma planilha eletrônica. Na célula A2, digite =(A1+1)∧0,5. Em seguida, selecione e arraste a célula A1 ao longo da coluna A. De forma análoga à atividade 2, podemos concluir que o número para o qual os valores da coluna A estão se aproximando satisfaz a equação x2 − x − 1 = 0. Esta equação possui duas ráızes reais: x1 = 1 + √ 5 2 e x2 = 1− √ 5 2 . Por que os valores que aparecem na planilha se aproximam da primeira raiz, e não da segunda? 5. Um aluno estava estudando o comportamento de duas sequências numéricas infinitas, para tentar descobrir para onde elas tendiam. Sem pistas para obter a resposta, ele decidiu recorre a uma planilha eletrônica. Para programar essa planilha, o aluno procedeu da seguinte forma: 1. A coluna A foi numerada com números naturais em sequência de 1 a 1. 2. Nas posições correspondes à primeira linha das colunas B, C, D e E, ele escreveu, respec- tivamente: =1/A1; =B1; =1/A1∧2; =D1. 3. Nas posições correspondes à segunda linha das colunas B, C, D e E, ele escreveu, respec- tivamente: =1/A2; =C1+B2; =1/A2∧2; =E1+D2. 4. A primeira e a segunda linhas da tabela foram selecionadas e arrastadas até completar a milésima linha. A figura abaixo mostra um trecho da planilha programada por ele. 20 CAPÍTULO 2. PLANILHAS ELETRÔNICAS (a) Explique o comportamento dos valores mostrados nas colunas B, C, D e E da planilha. (b) Na sua opinião, que sequências o aluno estava tentando estudar? (c) Você considera que a planilha pode ajudá-lo a determinar os limites procurados? (d) Se o aluno arrastasse até a milionésima linha, em lugar de parar na milésima, você acha que ele teria mais pistas para a resposta do problema? (e) Determine os limites. Como já comentamos, um primeiro objetivo das atividades anteriores é o entendimento da própria simbologia e regras sintáticas das planilhas eletrônicas, em particular, como as fórmulas inicial- mente digitadas em uma célula se generalizam com a ferramenta de arrastar. Na atividade 2, os valores que aparacem na coluna A correspondem aos termos da sequência de números reais definida recursivamente da seguinte forma: { x1 = 2 xn+1 = xn + 2/xn 2 ∀n > 1 (2.1) Observando a planilha, podemos perceber que os valores que aparecem na coluna A parecem se aproximar do número √ 2. Para ter certeza da validade deste fato, devemos buscar uma justificativa matemática. Empregando as operações aritméticas com limites observamos que, caso o limite da sequência (xn)n∈N definida em 2.1 exista, teremos: lim xn+1 = lim ( xn + 2/xn 2 ) = lim xn + 2/ limxn 2 . Além disso, é claro que lim xn+1 = lim xn. Portanto, x = lim xn deverá satisfazer à equação: x = x+ 2/x 2 , que é equivalente a x2 = 2. Um argumento de indução finita garante-nos que, se começamos com um termo inicial x1 > 0, então todos os demais termos da sequência (xn) definida em 2.1 serão todos positivos. Isso nos leva a concluir que, de fato, lim xn = √ 2. Entretanto, este argumento não está completo! Para que ele seja válido precisamos, de antemão, ter certeza que o limite existe, pois caso contrário nenhuma das operações que foram feitas com ele seria válida. Para demonstrar a existência do limite, começamos considerando a função real f : R→ R definida por: f(x) = x + 2/x 2 . A análise da derivada de f nos diz que a função possui um ḿınimo absoluto no ponto ( √ 2, √ 2), isto é, f(x) > √ 2 ∀ x > 0. Como xn+1 = f(xn) e já sabemos que xn > 0 ∀n ∈ N, então xn+1 > √ 2 ∀n > 1, isto é, xn > √ 2 ∀n > 2. Como x1 = 2 > √ 2, então, xn > √ 2 ∀n > 1. Logo, a sequência (xn) é limitada inferiormente por √ 2. Agora, observe que: xn > √ 2⇒ x2 n > 2⇒ xn > 2 xn . Portanto: xn+1 = xn + 2/xn 2 6 xn + xn 2 = xn ∀n > 1. Logo, (xn) é monótona decrescente. Assim a sequência é limitada inferiormente e monótona de- crescente, o que garante que (xn) é convergente, isto é, existe o limite. 2.1. SIMBOLOGIA ALGÉBRICA 21 A atividade 3 pede uma adaptação da atividade 2. De forma mais geral, dados a ∈ R, a > 0, e k ∈ N, você poderá obter aproximações para o número k √ a, utilizando a sequência definida recursivamente da seguinte forma (verifique): { x1 = 1 xn+1 = (k − 1) xn + a/xn k ∀n > 1 A atividade 4 explora uma ideia semelhante à da atividade 2, para construir uma sequência conver- gindo ao número áureo. Na atividade 5, as colunas B, C, D e E da planilha representam, respectivamente, os termos das seguintes sequências: an = 1 n sn = n∑ k=1 1 k bn = 1 n2 tn = n∑ k=1 1 k2 . Entretanto, uma análise pouco cuidadosa dos valores mostrados na planilha pode sugerir conclusões errôneas sobre o comportamento das sequências. Sabemos que o comportamento de convergência dessas sequências é como dado abaixo. Provas para estes fatos podem ser facilmente encontradas em livros de análise real. lim 1 n = lim 1 n2 = 0 lim n∑ k=1 1 k = +∞ lim n∑ k=1 1 k2 = π2 6 . Assim, as sequências (an) e (bn) têm ambas limite 0. Porém, as colunas B e D da planilha (que correspondem, respectivamente, a seus termos) parecem sugerir comportamentos distintos: os valores mostrados nessas colunas parecem se estabilizar em 0, 001 e 0, respectivamente. Como a sequência (an) tende a 0, seus termos não podem se estabilizar em 0, 001; e embora (bn) tenda a 0, seus termos nunca atingem o valor 0. Isto ocorre porque (bn) converge a 0 a uma taxa inferior que a de (an). Por outro lado, (sn) e (tn) têm comportamentos distintos: a primeira diverge a infinito, enquanto a segunda converge aum valor finito. Porém, as colunas C e E podem sugerir o mesmo comportamento para essas sequências: ambas parecem se estabilizar em valores finitos. Isto ocorre porque (sn) tende a +∞ a uma taxa de crescimento muito baixa. Os exemplos da atividade 5 mostram que a simples verificação do comportamento dos termos de uma sequência no computador pode sugerir conclusões errôneas sobre a existência ou não de seus limites. Sem dúvida, a programação e manipulação de sequência de números reais em planilhas eletrônicas propicia uma experiência concreta, que pode contribuir significativamente com a aprendizagem dos alunos. Porém, como já observamos, as conclusões devem sempre ser sustentadas por argumentos matemáticos. Atividades 6. Na atividade 2, começamos digitando o número 2 na célula A1 da planilha. Isto significa que o primeiro termo da sequência definida é 2. (a) Aproveite a planilha que você construiu na atividade 2 e altere o valor da célula A1 para 1. O valor do limite da sequência continua o mesmo? (b) Experimente alterar a célula A1 para outros valores positivos. Observe o comportamento da sequência. (c) Agora, altere a célula A1 para valores negativos. Observe o comportamento da sequência. (d) Investigue e justifique matematicamente o que você observou nos ı́tens anteriores. 22 CAPÍTULO 2. PLANILHAS ELETRÔNICAS 7. Na atividade 2, a planilha eletrônica foi empregada para representar o comportamento de uma sequência definida recursivamente. Frequentemente utilizamos as propriedades de operações com limites para determinar o limite de sequências desse tipo. Entretanto, para isso, devemos ter garantia de antemão da existência desses limites. Caso contrário, estaremos aplicando operações sem validade, que podem levar a conclusões errôneas. Como exemplo desses erros, considere a sequência de números reais (an)n∈N definida da seguinte forma: { a1 = 2 an+1 = 1 2 (a2 n + 1), se n ≥ 1. (a) Mostre que (an) é crescente. (b) Use uma planilha eletrônica para representar os termos de (an). (c) Considere o seguinte argumento para determinar o limite de (an): Temos que x = lim an+1 = lim an. Então, podemos tomar x = lim an+1 = lim an. Logo, an+1 = 1 2 (a2 n + 1)⇒ lim an+1 = 1 2 ( (lim an)2 + 1 ) ⇒ x = 1 2 (x2 + 1)⇒ x2 − 2x + 1 = 0⇒ x = 1 Logo, lim an = 1. Este argumento está correto? Justifique sua resposta. (d) O que você pode concluir sobre a convergência desta sequência? Justifique sua resposta. Suponhamos que o limite da sequência (an) da atividade 7 exista. Então este limite deve ser, por um lado, maior ou igual a 2 (pois, pelo item 7a, (an) é crescente e seu primeiro termo é 2), e por outro, igual 1 (pelo argumento do item 7c). Logo, (an) não é convergente. Por isso, a aplicação das propriedades operatórias com o limite – que não existe – levam-nos a uma conclusão contraditória. Nas atividades anteriores, observamos diferentes exemplos, em que as representações para as sequências numéricas nas planilhas eletrônicas nem sempre sugerem, pelo menos a primeira vista, comportamentos consistentes com o comportamento matemático. Desta forma, vimos exemplos de: sequências convergentes e sequências divergentes a infinito cujo comportamento pode ser facilmente observado nas planilhas, assim como sequências convergentes que parecem tender a um limite diferente do verdadeiro e sequências divergentes a infinito que parecem convergir um limite finito quando representadas nas planilhas. Ressaltamos que a busca pelas justificativas matemáticas para essas aparentes diferenças de comportamento podem ser explorados pelo professor para enriquecer a compreensão dos alunos sobre sequências e representação decimais de números reais. Atividades 8. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 1 a 7. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel da planilha eletrônica no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso da planilha nas atividades pode trazer para a aprendi- zagem dos conceitos enfocados, em relação a abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso de recursos computacionais)? 9. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 1 a 7, que seja adequada para as turmas em que você leciona. 2.1. SIMBOLOGIA ALGÉBRICA 23 Articulando Representações As atividades 10 a 13 propostas a seguir procuram explorar os recursos das planilhas eletrônicas para o traçado de funções reais de variável real. Este tema será tratado em mais detalhes no Caṕıtulo 3, em que será discutido o uso de softwares desenhados especialmente para esse objetivo. Este não é o caso das planilhas eletrônicas: o recurso que adaptamos para traçar gráficos de funções reais é originariamente concebido para a representação de dados estat́ısticos em gráficos de linhas. Essa adaptação causa algumas limitações para a realização das atividades. Em primeiro lugar, os gráficos são obtidos pela interpolação de pontos por meio de segmentos de reta. Assim, eles podem ter aspecto mais de poligonais do que de curvas suaves. Além disso, não é pos- śıvel ter controle do intervalo de visualização no eixo vertical, pois este é determinado automaticamente pelo software a partir dos valores da variável. Em alguns casos, isso pode prejudicar a visualização dos gráficos. Entretanto, estas limitações não inviabilizam o uso das planilhas eletrônicas para a abor- dagem de gráficos de funções em sala de aula. Como já comentamos, as limitações técnicas dos software podem ser exploradas como potencialidades pedagógicas, para motiva explorações matemáticas. Por exemplo, as situações em que os gráficos adquirem o aspecto de poligonais podem ser usadas para mostrar que o método de traçar gráficos simplesmente por meio de marcação e inter- polação de pontos pode conduzir a erros. Esta discussão é proposta aos alunos nos ı́tens 10b e 11c. Retomaremos e aprofundaremos essa questão no Caṕıtulo 3. Atividades 10. Nesta atividade, propomos a construção de gráficos de funções a partir de tabelas de valores. Neste exemplo inicial, ficaremos restritos a curvas de grau menor ou igual a 2, descrevendo o procedimento passo a passo. 1. Insira diferentes valores de entrada da função (elementos do doḿınio) na coluna A da planilha. 2. Escreva a fórmula para a função escolhida na primeira célula da coluna B e arraste esta célula para baixo ao longo da coluna, até o fim dos valores inseridos na coluna A. 3. Em seguida, selecione a coluna B e use o recurso do software para construir um gráfico com os dados inseridos. 4. A figura abaixo exemplifica um tipo de sáıda posśıvel para uma parábola do tipo y = ax2 + bx + c, com a = −1, b = −1 e c = 2. (a) Atribua novas valores a, b e c e interprete o comportamento da função. (b) Observe que o gráfico mostrado parece ser formado por pequenos segmentos de reta. Como você explica esse comportamento? 24 CAPÍTULO 2. PLANILHAS ELETRÔNICAS 11. (a) Numere a coluna A de uma planilha de −3 a 3, de 1 em 1. Escreva =A1∧2 na primeira célula da coluna B e arraste esta célula para baixo ao longo da coluna, até o fim dos valores inseridos na coluna A. Selecione a coluna B e use o recurso do software para construir gráficos. Observe o gráfico traçado. (b) Agora, repita a operação, numerando a coluna A de −3 a 3, de 0, 5 em 0, 5. Trace o gráfico e compare com o aspecto do gráfico anterior. (c) Qual dos gráficos melhor retrata a curva y = x2? Como você poderia melhorar mais o aspecto desse gráfico? 12. Numere a coluna A de uma planilha de −3 a 3, de 0, 5 em 0, 5. (a) Escreva =A1+1 na célula B1 e =B1+1 na célula C1. Em seguida, arraste as células B1 e C1 para baixo, até o fim dos valores inseridos na coluna A. Selecione as colunas B e C use o recurso do software para construirgráficos. Qual é relação entre os gráficos traçados? (b) Agora, altere a célula B1 para =A1∧2 e arraste esta célula para baixo ao longo da coluna B, até o fim dos valores inseridos na coluna A, sem alterar a coluna C. Observe as mudanças nos dois gráficos traçados. Qual é relação entre esses gráficos? (c) Altere novamente a célula B1 para =SEN(A1) e repita a operação do item anterior: arraste esta célula para baixo ao longo da coluna B, até o fim dos valores inseridos na coluna A, sem alterar a coluna C. Qual é relação entre os gráficos traçados? 13. (a) Aproveitando a construção da atividade 12, insira =A1+1 na célula B1 e =ABS(B1) na célula C1 e arraste estas células para baixo até o fim dos valores inseridos na coluna A. Use o recurso do software para construir os gráficos correspondentes aos dados nessas duas colunas. Explique a relação entre os gráficos traçados. (b) Altere a célula B1 para =A1∧2-1 e arraste-a para baixo, até o fim dos valores inseridos na coluna A. Observe as mudanças nos gráficos e explique a relação entre eles. (c) Agora, altere a célula B1 para =SEN(A1) e arraste-a para baixo, até o fim dos valores inseridos na coluna A. Mais uma vez, observe as mudanças nos gráficos e explique a relação entre eles. (d) Repita os ı́tens anteriores, alterando a célula C1 para B1∧2. Compare o comportamento dos diferentes gráficos traçados. (e) Faça novas alterações nas colunas B e C, sempre procurando explicar o comportamento dos gráficos traçados. As atividades 10 e 11 são de caráter introdutório e visam à familiarização com os recursos dispońıveis em planilhas eletrônicas para o traçado de gráficos. Como comentamos no ińıcio desta seção, a própria aprendizagem da simbologia e da sintaxe do software pode ser um exerćıcio enriquecedor por si só. A representação e manipulação de objetos matemáticos na planilha eletrônica deve obedecer a regras sintáticas espećıficas – assim como a linguagem simbólica matemática usual. Porém, no caso do soft- ware, a correção das regras é condição necessária para a obtenção de resultados, o que não ocorre quando o aluno resolve problemas com papel e lápis. Assim, a experiência com a planilha pode contribuir com aprendizagem da simbologia algébrica e com a transição do pensamento puramente aritmético para o pensamento algébrico. As atividades 12 e 13 exploram a idéia de composição de funções. A coluna B e C da planilha f representam respectivamente os valores de uma função f e de uma função composta g◦f . Na atividade 12, a função g é mantida fixa e a função f é alterada (figura 2.1). Na atividade 13, as funções f e g 2.1. SIMBOLOGIA ALGÉBRICA 25 são alteradas (figura 2.2). Os recursos do software permitem que as mudanças de comportamento nos gráficos de f e de g ◦ f sejam visualizadas ao mesmo tempo que as funções são alteradas. No ensino médio, em geral os exerćıcios sobre composições de funções reduzem-se a procedimentos para determinar expressões algébricas das compostas, dada as expressões algébricas das funções origi- nais. O uso do computador permite a comparação das propriedades das funções compostas com as propriedades das funções originais, a partir da articulação das representações algébricas, numéricas e gráficas. Figura 2.1: Composição de funções em planilhas eletrônicas: os gráficos de y = g(x+ 1), y = g(x2) e y = g( sen x), sendo g(x) = x+ 1. Figura 2.2: Composição de funções em planilhas eletrônicas: os gráficos de y = g(x+ 1), y = g(x2) e y = g( sen x), sendo g(x) = |x|; e de y = g(x+ 1), y = g(x2) e y = g( sen x), sendo g(x) = x2. Atividades 14. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 10 a 13. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel da planilha eletrônica no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso da planilha nas atividades pode trazer para a aprendi- zagem dos conceitos enfocados, em relação a abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso de recursos computacionais)? 15. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 10 a 13, que seja adequada para as turmas em que você leciona. 26 CAPÍTULO 2. PLANILHAS ELETRÔNICAS 2.2 Tratamento da Informação e Matemática Financeira Os recursos tecnológicos dispońıveis, atualmente com amplo uso na sociedade, ampliaram as possibilida- des de tratamento de dados de modo a transformá-los em informações com grande potencial de análise e aplicação em diversos campos do conhecimento. Tais possibilidades têm sido cada vez mais aplicadas no ensino básico de Matemática, mobilizando os conhecimentos desenvolvidos pelos alunos em estat́ıstica básica. Inclui-se áı a análise de dados obtidos em coletas emṕıricas que, mesmo quando em grande volume, podem ser organizados e interpretados, por meio de gráficos de diversos tipos, tabelas, e de medidas estat́ısticas de tendência central, como média, mediana e moda. Tais ferramentas conceituais podem cumprir dupla finalidade. Por um lado, contribuem com a formação cidadã do aluno, na medida em que oferecem acesso, de modo rápido, a diversificadas formas de apresentação da informação, que possibilitam interpretações de situações e dão suporte a tomadas de decisões. Ao mesmo tempo, permitem a utilização de contextos familiares do dia a dia para o aprendizado de conceitos matemáticos e sua articulação com outros campos do conhecimento. Assim, abordagem de tratamento da informação com apoio de recursos computacionais pode pro- mover uma nova dinâmica à sala de aula. No ensino básico, espera-se que o trabalho com Estat́ıstica seja calcado em um processo investigativo, por meio do qual o estudante manuseie dados desde a coleta até a interpretação, e formulação de conclusões finais. Apresentamos a seguir algumas atividades que visam explorar o uso de planilhas eletrônicas para apresentar a coleta, organização, interpretação e apresentação de dados numéricos em tabelas e gráficos. Exploramos ainda o cálculo de medidas estat́ısticas como média, mediana, moda e seus significados. Atividades 1. Solicite aos alunos da turma formem grupos de até seis componentes e construam uma tabela que relacione a altura (em metro) com o tamanho do palmo (em cent́ımetros) de cada um dos estudantes. Cada grupo deve anotar esses dados em uma planilha eletrônica e usar os recursos dispońıveis para responder as questões a seguir. (a) Determine os valores da média, moda e mediana para os dados de seu grupo. (b) Explique o significado estat́ıstico da média, da moda e da mediana. Podemos afirmar que necessariamente existe um aluno da grupo cuja altura coincide exatamente com o valor da média? E da mediana? E da moda? Justifique suas respostas. (c) Construa uma tabela de frequência para cada uma das medidas: altura e palmo. (d) Escolha uma representação conveniente e represente graficamente os dados: altura × palmo. (e) Você considera que há alguma relação entre a altura e o tamanho do palmo dos colegas? Justifique sua resposta. (f) Anote os dados de cada um dos outros grupos e compare os dados tabelados e os valores das medidas estat́ısticas calculadas no item 1a. (g) Você considera que há alguma relação entre a média, da moda e da mediana das alturas e dos tamanhos dos palmos dos diferentes grupos? Justifique sua resposta. 2. Formule uma atividade de coleta e organização de dados que possa ser aplicada em uma turma de ensino médio. (a) Escolha a melhor representação gráfica dentre as possibilidades da planilha eletrônica. (b) Use as funções da planilha de cálculo e determine os valores da média, moda e mediana. (c) Relate que conclusões você pode inferir sobre os dados coletados com base nas repre- sentações gráficas e nas medidas?2.2. TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO E MATEMÁTICA FINANCEIRA 27 Outro campo em que a educação para a cidadania pode se articular com a aprendizagem de conceitos matemáticos importantes é a Matemática Financeira. No estágio econômico por que passa o Brasil, com grande parte da população tendo acesso a créditos e financiamentos em modelos diversificados, cabe ao ensino básico de Matemática oferecer ao aluno uma formação sólida neste campo. A Matemática Financeira aplicada aos diversos ramos da atividade econômica pode repre- sentar importante instrumento para auxiliar em análises e decisões de ordem pessoal e social. Assim, além de servir como aporte a conceitos de outros campos, o aprendizado de Matemática Fi- nanceira instrumentaliza o cidadão a melhor entender, interpretar e escolher adequadamente d́ıvidas, crediários, descontos, reajustes salariais, aplicações financeiras. Dentre essas decisões, destacamos as escolhas entre de propostas de financiamentos a longo, médio e curto prazo, relacionadas a experiências do cotidiano. A seguir apresentamos atividades que exploram análises de diferentes modos de composição de financiamentos com pagamentos periódicos muito utilizados em créditos de longo prazo para aquisição de véıculos (carros, motos) e imóveis. Atividade 3. Para a maioria das operações financeiras as taxas de juros compostos são aplicadas a cada peŕıodo sobre um capital aplicado ou a uma d́ıvida contratada. Desse modo, se o peŕıodo de capitalização ou incidência dos juros difere do peŕıodo da taxa de juros informada é necessário uma conversão de modo a adequar o peŕıodo à taxa. A tabela abaixo pode ser constrúıda com as funções de uma planilha de cálculo. (a) Reproduza esta planilha para as conversões indicadas e proponha a conversão para outros valores de taxas, considerando os peŕıodos do exemplo. (b) Apesar de não estar expĺıcita, a conversão acontece para valores de taxas dadas ao ano e que devem ser calculadas para valores ao mês. Que valores estariam nas células Q e R se a taxa dada fosse calculada ao ano e as taxas aplicadas ao trimestre? (c) Simule conversões para diferentes peŕıodos (por exemplo: semestre para bimestre, etc). (d) Observe a função referente à célula S3. Escreva uma justificativa matemática para esta função. Que conceito matemático é empregado para encontrar os valores? (e) Com esta mesma tabela de conversão, sem mudar a função, é posśıvel converter uma taxa dada ao mês no sistema de juros compostos para o equivalente ao ano? Em caso afirmativo, qual é a justificativa matemática para tal conversão? 28 CAPÍTULO 2. PLANILHAS ELETRÔNICAS O foco das atividades 4 a 7 a seguir está nos sistemas utilizados para financiamentos de longo prazo. Nestes tipos de financiamentos, consideram-se sempre parcelas periódicas constitúıdas por duas partes: a amortização, que corresponde ao que é efetivamente abatido da d́ıvida; e os juros, calculados sobre o saldo devedor no peŕıodo do pagamento. Há duas modalidades principais encontradas no mercado para este tipo de financiamento: • No sistema SAC (Sistema de Amortização Constante), um valor constante é amortizado a cada parcela. Portanto, o valor das parcelas decresce com o tempo. Este sistema é muito usado em financiamentos de casa própria. • No sistema PRICE, as parcelas constantes são mantidas constantes. Este pode ser mais encon- trado em financiamentos de véıculos e bens duráveis. Muitas vezes, o sistema PRICE é informado pelos vendedores como sendo sem juros, porém os juros totais são calculados e dilúıdos nas parcelas fixas. Podemos utilizar as funções estat́ısticas das planilhas eletrônicas para calcular valores para essas modalidades de financiamento. Atividades 4. O trecho da tabela abaixo representa um financiamento pelo sistema SAC, no valor de R$ 50.000,00 para compra de um imóvel em um peŕıodo de 300 meses, com taxa de 0,9% ao mês. (a) Reproduza esta tabela do Sistema SAC em uma planilha de cálculo. Observe que para utilizar células que terão valor constante devemos utilizar o rótulo da coluna sempre entre $. Por exemplo, toda vez que nesta tabela usar a taxa fixa de 0,9% devo criar referência a $B$3. Os valores da coluna B, de B4 em diante são obtidos pela subtração de 1 do valor antecessor: E5=E4-1. 2.2. TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO E MATEMÁTICA FINANCEIRA 29 (b) Justifique matematicamente cada um dos valores numéricos presentes nas células da linha 4 (B4:F4). (c) O que podemos observar relacionado a cada uma das colunas? (d) Qual o comportamento das parcelas da prestação neste sistema? Justifique. (e) Utilize o assistente de gráficos da planilha e em único sistema cartesiano represente os valores das colunas C, D, E, e F com as parcelas da coluna B. (f) Experimente variar os valores da quantidade de parcelas ou da taxa de juros. O que podemos observar em cada caso? 5. A tabela abaixo apresenta o mesmo financiamento da atividade 4, utilizando o sistema PRICE. (a) O que podemos observar diferente nesta tabela? Justifique. A figura abaixo ilustra a situação retratada pela tabela PRICE acima. Ou seja, temos um valor principal e devemos encontrar as parcelas iguais, em modo composto, obtidas a partir do VF. Cabe ressaltar que este valor pode ser obtido por meio das funções estat́ısticas da planilha. Por exemplo o conteúdo obtido em K4 é dado por Cálculo da Prestação Constante: =PGTO(i%; n; -VP; Vf; 0) em que: • i é a tx de juros; • n é a quantidade de peŕıodos; • VP é o valor do empréstimo; • VF é usualmente zero; • 0 indica que os pagamentos serão ao final do peŕıodo. 30 CAPÍTULO 2. PLANILHAS ELETRÔNICAS (b) Justifique matematicamente cada um dos valores numéricos presentes nas células da linha 4 (J4:M4). (c) Observe a função referente à célula S3. Escreva uma justificativa matemática para esta função. Que conceito matemático é empregado? (d) Qual o comportamento das parcelas da prestação neste sistema? Justifique. (e) Utilize o assistente de gráficos da planilha e em único sistema cartesiano represente os valores das colunas C, D, E, e F, com as parcelas da coluna B. (f) Experimente variar os valores da quantidade de parcelas ou da taxa de juros. O que podemos observar em cada caso? 6. Construa em uma mesma planilha as tabelas com os sistemas SAC e PRICE. Para cada um dos casos, represente em eixos cartesianos a amortização, os juros, as prestações e saldo devedor. Comente as vantagens e desvantagens de cada sistema. 7. Construa as tabelas análogas às anteriores, para o caso da taxa dada ao ano com peŕıodos de prestações mensais. Veja a figura abaixo, como uma sugestão para inserir a nova entrada com taxa ao ano. Fecharemos este Caṕıtulo com uma atividade interessante (e talvez surpreendente) de Matemática Financeira. Além do número π, o número irracional transcendente mais conhecido e importante da Matemática é certamente a constante de Euler: e = 2, 718281828459 . . . Embora o número e tenha um papel importante em Matemática superior, além de inúmeras aplicações na modelagem de problemas em diversas áreas, motivações para a sua introdução no ensino básico não são muito difundidas – diferentemente do que ocorre com o número π, cuja definição como razão entre o peŕımetro e a diagonal do ćırculo tem forte apelo geométrico. No caso da constante de Euler, uma dificuldade está no fato de que, embora haja algumas formas equivalentes de definir este número, todas envolvem de alguma forma o conceito de limite. Podemos definir e por meio do seguinte limite, conhecido como Segundo Limite Fundamental do Cálculo: e = lim n→+∞ ( 1 + 1 n )n . Uma das formas de motivar a definição da constante de Euler envolve uma situação de Matemática Financeira, apresentada na atividade 8. Como observará, a planilha eletrônica tem um papel importante 2.2. TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO E MATEMÁTICAFINANCEIRA 31 nessa atividade, pois são necessários muitos cálculos. Como nas atividades 1 a 6 da seção 2.1, para aplicar esta atividade no ensino médio, não é necessário empregar linguagem de limites, mas apenas fazer com que os alunos percebam intuitivamente o processo de aproximação, que pode ser usado como preparação para a futura introdução ao conceito de limite. Atividade 8. Em uma planilha eletrônica, considere as colunas A, B, e C. Nessas colunas realize as seguintes operações: 1. Na coluna A, digite nas células A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8, A9 e A10, respectiva- mente, os valores 1, 2, 3, 4, 6, 12, 365, 8760, 525600 e 31536000. 2. Digite =1+1/A1 na célula B1 e =B1∧A1 na célula C1. 3. Arraste as células B1 e C1, ao longo das colunas B e C, até o final dos valores digitados na coluna A. (a) Na coluna C estamos calculado ( 1 + 1 n )n para n igual a cada um dos valores digitados na coluna A. O que você observa nestes cálculos? (b) Como explicar que ( 1 + 1 n )n aproxima-se de um número real à medida que n aumenta? Uma explicação intuitiva para a convergência de ( 1 + 1 n )n quando n aumenta indefinidamente está na Matemática Financeira, mais precisamente nos juros pagos por uma caderneta de poupança. Pense que você possui uma quantia Q0 aplicada na caderneta de poupança de um certo banco, que paga pela aplicação dessa quantia uma taxa de rendimentos de 100% ao ano, e você ainda decide as datas para a capitalização de sua aplicação. Se você optar pela capitalização anual (uma vez ao ano), a cada ano o banco paga a você o saldo integral (100% = 1) existente na capitalização anterior. Assim, após um ano você terá: • capitalização anual: Q0 +Q0 = 2Q0 . Se você optar pela capitalização semestral (duas vezes ao ano), a cada seis meses o banco paga a você metade (50% = 1 2 ) do saldo existente na capitalização anterior. Assim, após seis meses você terá Q0 + 1 2 Q0 = ( 1 + 1 2 ) Q0 e após um ano você terá ( 1 + 1 2 ) Q0 + 1 2 ( 1 + 1 2 ) Q0 = ( 1 + 1 2 ) ( 1 + 1 2 ) Q0 de saldo, ou seja: • capitalização semestral: ( 1 + 1 2 )2 Q0 = 2, 25Q0 . Se você optar pela capitalização quadrimestral (três vezes ao ano), a cada quatro meses o banco paga a você um terço do saldo existente na capitalização anterior. Assim, após quatro meses seu saldo será ( 1 + 1 3 ) Q0, após oito meses seu saldo será ( 1 + 1 3 )2 Q0 e após um ano seu saldo será: • capitalização quadrimestral: ( 1 + 1 3 )3 Q0 = 2, 370Q0 . Desta forma, o juro anual da aplicação é parcelado linearmente no peŕıodos de capitalização, ou seja, dividido em partes iguais pelo número de capitalizações anuais. Ao fim de cada peŕıodo de capitalização, este juro parcelado é aplicado sobre o saldo da capitalização existente ao fim do respectivo peŕıodo. Perceba que, ao final de um ano, os juros sobre juros vão aumentando seu rendimento inicial Q0 à medida que aumentamos o número de capitalizações anuais. Assim, se você optar pela capitalização trimestral (4 vezes ao ano), bimestral (6 vezes ao ano), mensal (12 vezes ao ano), diária (356 vezes ao ano), ao final do ano o saldo total da aplicação será cada vez maior: 32 CAPÍTULO 2. PLANILHAS ELETRÔNICAS • capitalização trimestral: ( 1 + 1 4 )4 Q0 = 2, 44140625Q0. • capitalização bimestral: ( 1 + 1 6 )6 Q0 = (2, 521626 . . .)Q0. • capitalização mensal: ( 1 + 1 12 )12 Q0 = (2, 613035 . . .)Q0. • capitalização diária: ( 1 + 1 365 )365 Q0 = (2, 714567 . . .)Q0. Não há no mercado aplicações com prazo de capitalização inferior a um dia, mas se pudéssemos aumentar indefinidamente o número de capitalizações anuais, diminuindo consequentemente o peŕıodo de capitalização, verificaŕıamos que o saldo da aplicação ao final do ano continuaria aumentando. Hipoteticamente, podeŕıamos pensar por exemplo em capitalização horária (365× 24 = 8760 vezes ao ano), minuto a minuto (8760 × 60 = 525600 vezes ao ano) ou segundo a segundo (525600 × 60 = 31526000 vezes ao ano). Assim, teŕıamos: • capitalização horária: ( 1 + 1 8756 )8756 Q0 = (2, 718127 . . .)Q0. • capitalização minuto a minuto: ( 1 + 1 525600 )525600 Q0 = (2, 718279 . . .)Q0. • capitalização segundo a segundo: ( 1 + 1 31536000 )315360006 Q0 = (2, 718282 . . .)Q0. Mas, será que o fato deste saldo final anual aumentar significa que ele aumenta ilimitadamente? Isto é, podemos obter um saldo final tão grande quanto queiramos, tomando peŕıodos de capitalização suficientemente pequenos? Veremos que a resposta é não: o saldo final sempre aumenta, mas nunca ultrapassa certa cota superior. Perceba que os valores calculados na planilha eletrônica na atividade 8 correspondem às taxas finais de rendimentos, (isto é, às razões entre cada saldo final anual obtido e o respectivo valor aplicado inicialmente) correspondes aos peŕıodos de aplicação relacionadas acima. Esses valores parecem convergir para um número próximo de 2, 71828. Entretanto, para ter certeza dessas respostas, precisamos abordar o problema matematicamente. As taxas finais de rendimentos, para uma aplicação com n capitalizações anuais, são dadas pela sequência de exponenciais: en = ( 1 + 1 n )n , n = 1, 2, 3, . . . Evidentemente, a existência do limite dessa sequência, que determina a constante de Euler, precisa ser demonstrada matematicamente. Essa demonstração passa por mostrar que a sequência de números reais (en) é estritamente crescente e limitada superiormente por 3. Demonstrado isso, a completude dos números reais garante a existência do limite, que chamaremos de e. Observe inicialmente que a potência en se expande em n + 1 parcelas, como abaixo: ( 1 + 1 n )n = 1 + 1 n n+ n(n− 1) 2 1 n2 + n(n− 1)(n− 2) 2! 1 n3 + · · ·+ n 1 nn−1 + 1 nn . A (j + 1)-ésima parcela, do ponto de vista de 1 j! , se escreve como n(n− 1)(n− 2) · · · (n− j + 1) j! 1 nj = n(n− 1)(n− 2) · · · (n− j + 1) nj 1 j! = n n n− 1 n · · · n− j + 1 n 1 j! = ( 1− 1 n )( 1− 2 n ) · · · ( 1− j − 1 n ) 1 j! 2.2. TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO E MATEMÁTICA FINANCEIRA 33 Como cada um dos parênteses acima aumenta de valor se trocarmos n por n+1, segue que en < en+1 para todo n. Além disso, cada um desses parênteses é sempre menor do que 1, tornando a parcela em questão menor do que 1 j! . Assim: en = ( 1 + 1 n )n < 1 + 1 1! + 1 2! + 1 3! + 1 4! + 1 5! + · · ·+ 1 n! A soma das quatro primeiras parcelas da desigualdade acima resulta em 8 3 . Para as demais parcelas vamos usar que 1 n! < 1 2n para todo n ≥ 4. Podemos então limitar en por en = ( 1 + 1 n )n < 8 3 + 1 24 + 1 25 + · · ·+ 1 2n < 8 3 + 1 24 ( 1 + 1 2 + 1 4 + 1 8 + · · · ) = 8 3 + 1 16 · 2 = 67 24 = 2, 7916 < 3 O número e = lim n→+∞ ( 1 + 1 n )n conhecido na matemática como a constante de Euler, é um valor que aparece naturalmente na mode- lagem matemática de problemas reais, conforme já vimos no exemplo do rendimento da caderneta de poupança. Note que o que foi provado acima é que o limite da sequência en existe e é um número real menor ou igual a 3, que chamamos de e. Portanto, por enquanto sabemos apenas que 0 < e 6 3. A experiência que realizamos com a planilha eletrônica fornece aproximações para o número e. Porém, apenas com base nessa experiência, não há como saber quantos algarismos das aproximações geradas em cada passo coincidem com as casas decimais exatas de e. Determinar com precisão as casas decimais de e é outro problema, que demanda outras ferramentas matemáticas, como por exemplo polinômios de Taylor. Cabe observar ainda que, evidentemente, juros de 100% ao ano não é uma situação realista. En- tretanto, estabelecemos este valor apenas para facilitar as contas. Se, em lugar disso, fixássemos uma taxa p de juros qualquer, as taxas finais de rendimentos, em função do númeron de aplicações anuais, seriam dadas por: ( 1 + p n )n , n = 1, 2, 3, . . . É posśıvel mostrar que a sequência acima converge para o número ep. Atividades 9. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 1 a 8. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel da planilha eletrônica no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso da planilha nas atividades pode trazer para a aprendi- zagem dos conceitos enfocados, em relação a abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso de recursos computacionais)? 10. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 1 a 8, que seja adequada para as turmas em que você leciona. 34 CAPÍTULO 2. PLANILHAS ELETRÔNICAS Caṕıtulo 3 Ambientes Gráficos Introdução No ensino básico, as principais formas de representação empregadas na abordagem de funções reais de variável real são: algébricas (fórmulas), gráficas (gráficos) e numéricas (tabelas). Entretanto, de forma geral, observa-se grande ênfase em fórmulas e procedimentos algébricos rotineiros executados sem maiores reflexões, o que tende a favorecer a concepção de função simplesmente como fórmula. Em conseqüência, não é incomum que os alunos passem a considerar função como tudo aquilo que tem uma fórmula, negligenciando outros aspectos importantes do conceito, e confundindo-o com outras idéias, especialmente a de equação. O modelo usado em grande parte dos exerćıcios com essas formas principais de representação para funções segue o roteiro (ilustrado na figura 3.1): 1. partir de uma fórmula dada; 2. construir uma tabela por substituição de valores (em geral, inteiros positivos e negativos próximos de 0); 3. marcar os pontos correspondentes no plano cartesiano e ligar esses pontos, obtendo um esboço do gráfico. Fórmula Tabela Gráfico Figura 3.1: Representações para funções na escola: relações limitadas. Este é um modelo essencialmente quantitativo, pois se baseia apenas nos valores da função em um número finito (e em geral pequeno) de elementos do doḿınio, com pouca reflexão matemática levando em conta caracteŕısticas qualitativas espećıficas da função. Tanto a escolha dos elementos do doḿınio para compor tabelas quanto a interpolação de pontos para traçar gráficos são em geral feitas de forma indiscriminada, o que, efetivamente, pouco contribui para uma melhor compreensão do comportamento da função. Assim, esse modelo envolve relações limitadas entre as formas de representações. É um objetivo importante para o ensino de funções procurar “completar” o diagrama da figura 3.1, como mostra a figura 3.2, enriquecendo a abordagem com atividades que promovam articulações múltiplas entre diferentes formas de representação e, desta forma, contribuam para uma com- preensão mais qualitativa sobre funções reais. Por exemplo, relacionar as caracteŕısticas geométricas do 35 36 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS gráfico de uma função diretamente com as propriedades algébricas de sua fórmula, sem a intermediação de tabelas de valores. Fórmula Tabela Gráfico Figura 3.2: Representações para funções na escola: completando articulações. Existem alguns softwares dispońıveis que podem ajudar neste objetivo (por exemplo, [2, 7]). Es- ses programas não requerem comandos ou sintaxe de programação espećıficos e permitem manipular gráficos de funções de forma integrada com representações algébricas e numéricas, usando essencial- mente a mesma simbologia algébrica usual. Neste caṕıtulo, exploraremos possibilidades de uso desse tipo de software no ensino básico. Assim como no caso do caṕıtulo 1, o objetivo central é destacar a riqueza das explorações matemáticas que podem ser feitas com recursos tecnológicos relativamente simples e acesśıveis. As atividades propostas podem ser feitas com os programas Graphmatica [2], WinPlot [7] (que podem ser facilmente encontrados na internet), com outros equivalentes de sua pre- ferência, ou ainda com planilhas eletrônicas que tenham recursos para traçar gráficos dispońıveis (como veremos no caṕıtulo 2, a seguir). 3.1 Articulando Representações As atividades que seguem o modelo representado na figura 3.1 não são necessariamente ruins. Porém para que contribuam de fato para a aprendizagem do conceito de função, é importante que tanto a escolha dos valores na tabela quanto a construção do gráfico não sejam feitas de forma mecânica, e levem em consideração as propriedades espećıficas da função dada. Observe os exemplos da atividades a seguir. Atividades 1. Considere a função f1 : R→ R dada por f1(x) = 9x2 − 9x + 2. (a) Construa uma tabela de valores e esboce o gráfico desta função com lápis e papel. (b) Agora, construa o gráfico da função no computador. (c) Qual é o menor valor atingido pela função? (d) Que valores você escolheria para construir uma tabela, de forma a realmente ajudar a entender o comportamento desta função? (e) Como a reta y = 2 pode ajudar a entender este gráfico? 2. Considere a função f2 : R→ R dada por f2(x) = (x− 1) (4x− 1) (4x− 3). (a) Construa uma tabela de valores e esboce o gráfico desta função com lápis e papel. (b) Agora, construa o gráfico da função no computador. (c) Determine para que valores de x a função é positiva e para que valores de x a função é negativa. (d) Que valores você escolheria para construir uma tabela, de forma a realmente ajudar a entender o comportamento desta função? 3.1. ARTICULANDO REPRESENTAÇÕES 37 3. Considere a função f3 : R \ { 1 2 } → R dada por f3(x) = 1 (2x− 1) . (a) Construa uma tabela de valores e esboce o gráfico desta função com lápis e papel. (b) Agora, construa o gráfico da função no computador. (c) Esta função está definida para todos os valores x ∈ R? (d) Que valores você escolheria para construir uma tabela, de forma a realmente ajudar a entender o comportamento desta função? (e) Como a reta x = 1 2 pode ajudar a entender este gráfico? As três atividades acima são variações da mesma idéia, mas com graus de dificuldade progressiva- mente crescentes, pois envolvem exemplos de funções cada vez menos familiares aos alunos. Basica- mente, a idéia básica é propor exerćıcios envolvendo construção de tabelas e esboço gráficos sem o uso do computador, e em seguida usar a visualização dos gráficos no computador para questionar, por meio de uma questão chave, as escolhas possivelmente feitas durante as resoluções. Nesses três exemplos, se os valores escolhidos restringirem-se a números inteiros e os pontos correspondentes forem ligados indiscriminadamente, então os esboços dos gráficos obtidos deixarão de captar aspectos importantes do comportamento de cada uma das funções, que ocorrem para valores de x entre 0 e 1. Portanto, é necessário escolher os valores e ligar os pontos convenientemente. O software Graphmatica dispõe de um recurso que exibe uma tabela de valores determinada automaticamente de acordo com o intervalo em que o gráfico é traçado. Este recurso pode ser usado para explorar a relação entre os valores da tabela e o gráfico no próprio software. Na atividade 1, é dada uma função polinomial do segundo grau, que deve ser familiar aos alunos a partir do final do ensino fundamental. Portanto, eles não devem ter dificuldades em perceber que o ponto de ḿınimo da função ocorre em ( 1 2 ,−1 4 ) . A partir dáı, os alunos poderão constatar que a estratégia de substituir apenas valores inteiros e ligar os pontos, sem levar em conta as propriedades da função dada, pode não ser eficiente para traçar o gráfico (figura 3.3). Esta constatação pode ajudá-los a questionar a estratégia também no caso de exemplos menos familiares, como nas atividades 2 e 3. Figura 3.3:O gráfico de f1(x) = 9x2 − 9x + 2 traçado no software Graphmatica, com uma tabela de valores. 38 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS A função f2 da atividade 2 é polinomial do terceiro grau. Como a função já é dada na forma fatorada, podemos determinar facilmente suas ráızes: x1 = 1 4 , x2 = 3 4 e x3 = 1. Além disso, a análise de sinais do produto permite concluir que f2 é: • negativa para x < 1 4 ; • positiva para 1 4 < x < 3 4 ; • negativa para 3 4 < x < 1; • positiva para x > 1. Com base nessas informações (como f2 é cont́ınua), é posśıvel concluir que f2 tem (pelo menos) um máximo local em ] 1 4 , 3 4 [ e um ḿınimo local em ] 3 4 , 1 [ . Os gráficos de funções polinomiais de terceiro grau não têm as mesmas propriedades de simetria das funções de segundo grau, portanto, não podemos concluir, por exemplo, que esses pontos de máximo e ḿınimo ocorrem em pontos médios das ráızes, ou de valores de x para determinado valor dado de y. Para determinar sua localização analiticamente, seria necessário recorrer a métodos do cálculo infinitesimal. Entretanto, uma tabela de valores pode ajudar a encontrar sua posição aproximada e, assim, entender melhor o comportamento da função. Porém, para este fim, a tabela deve incluir pontos entre 0 e 1 4 , entre 1 4 e 3 4 e entre 3 4 e 1 (ver figura 3.4). Neste caso, a questão chave da atividade é: Determine para que valores de x a função é positiva e para que valores de x a função é negativa. Figura 3.4: O gráfico de f2(x) = (x− 1) (4x− 1) (4x− 3) traçado no software Graphmatica, com uma tabela de valores. A função f3 da atividade 3 não está definida em x = 1 2 . Além disso, como o numerador de f3 é igual a 1 e seu denominador se anula neste ponto, então, nos pontos próximos a x = 1 2 , a função assume valores indefinidamente grandes em módulo (positivos do lado direito e negativos do lado esquerdo). Em termos de limites, sabemos que: lim x→ 1 2 + f3(x) = +∞ e lim x→ 1 2 − f3(x) = −∞ . 3.1. ARTICULANDO REPRESENTAÇÕES 39 Entretanto, não é necessário recorrer a linguagem de limites para dar uma idéia intuitiva do compor- tamento da função. Isto pode ser feito por meio da observação da relação entre o comportamento do gráfico e os valores da função em pontos próximos x = 1 2 (ver figura 3.5). Como veremos na seção 2.1, tabelas de valores (que podem ser feitas por meio de planilhas eletrônicas) podem ajudar a construir uma idéia intuitiva do comportamento de limites infinitos e limites no infinito, sem que seja preciso empregar linguagem de limites. Este comportamento não seria percebido se constrúıssemos uma tabela apenas com valores inteiros de x e, especialmente, se ligássemos os pontos em considerar a interrupção do gráfico em x = 1 2 . A questão chave neste caso é: Esta função está definida para todos os valores x ∈ R? Figura 3.5: O gráfico de f3(x) = 1 (2x− 1) traçado no software Graphmatica, com uma tabela de valores. Cabem ainda algumas observações importantes sobre as atividades anteriores. Em primeiro lugar, os valores para montar as tabelas devem ser calculados com a ajuda dos recursos do próprio software, de outros softwares ou de uma calculadora. Estes cálculos podem ser trabalhosos, e o objetivo das atividades não é treinar a destreza em contas e sim enfatizar as relações qualitativas entre as propriedades da fórmula algébrica, o comportamento do gráfico e os valores da função. Por este mesmo motivo, estas representações devem ser discutidas pelo professor de forma articulada: quando cada uma delas for enfocada, é importante, sempre que posśıvel, fazer referência às demais e explicitar as relações. O software pode ser um aliado importante para estabelecer mais claramente estas articulações. Outra forma particularmente interessante de fazer isso é relacionar os conceitos de função e equação, que em muitos casos aparecem separados nos curŕıculos e livros didáticos e são freqüentemente confundidos pelos alunos. Para traçar o gráfico de uma função f , é útil determinar suas ráızes, isto é, encontrar os valores de x no doḿınio de f tais que f(x) = 0. Para discutir mais estas idéias, veja as atividades 6 a 7. Além disso, é fundamental observar que a idéia não é simplesmente usar o software para verificar o que está certo ou errado no gráfico da função. Em lugar disso, a visualização no software deve ser explorada para motivar reflexões e conjecturas sobre as funções, que devem ser verificadas posteriormente por meio de ferramentas matemáticas. Esta observação está alinhada com o objetivo mais geral de usar o computador para promover aprendizagem matemática sólida o 40 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS suficiente para permanecer e se transferir para outras situações – mesmo sem o apoio da máquina. Assim, para que o computador não se torne um critério absoluto de verdade matemática para os alunos, é importante explorar situações envolvendo resultados inesperados ou aparentemente errados, cuja interpretação exija a compreensão mais aprofundada dos conceitos matemáticos relacionados. Neste sentido, veja as atividades 1 a 5, da seção 3.3. Atividades 4. Responda às perguntas a seguir, considerando as atividades 1, 2 e 3. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os principais objetivos dessas atividades? (c) Qual é o papel das questões chave feitas em cada uma das atividades? (d) Que outras perguntas você proporia para ajudar os alunos no desenvolvimentos das ativida- des? (e) Que relações entre as representações das funções como fórmula, gráfico e tabela podem ser exploradas com as atividades? (f) Qual é o papel do software para o desenvolvimento das atividades? O que o uso do software pode acrescentar para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação à abordagem convencional (isto é, sem o computador)? (g) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 5. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 1, 2 e 3, que seja adequada para as turmas em que você leciona. Procure incluir uma ou mais questões chave na atividade que você elaborar, para ajudar a encaminhar a resolução dos alunos. Funções e Equações Observamos acima que a relação entre os conceitos de função e equação pode ser uma maneira inte- ressante de articular diferentes representações. As noções de equação e de função são freqüentemente abordadas por meio de procedimentos algébricos rotineiros, levando os alunos a desenvolverem uma concepção confusa de equação e de função simplesmente como fórmula. Por isso, é muito importante relacionar estas noções, de forma a deixar clara a diferença conceitual entre elas, e articular repre- sentações numéricas, algébricas e gráficas na resolução de equações. Em geral, quando esboçamos o gráfico de uma função f , procuramos resolver a equação f(x) = 0 (como abordamos no último item da atividade 1). De forma mais geral, podemos procurar os elementos x do doḿınio de f cujas imagens são iguais a um valor fixado a ∈ R, isto é, resolver a equação f(x) = a. Isto pode ajudar, por exemplo, a explorar propriedades gráficas de simetria no caso das parábolas, como propõe a atividade 6. Atividades 6. Considere a função g1 : R→ R, g1(x) = x2 − 4x+ 3. (a) Esboce o gráfico de g1. (b) Resolva as equações: g1(x) = 0, g1(x) = 3, g1(x) = −1 e g1(x) = −2. (c) Qual é a relação entre as soluções das equações acima e o ponto x = 2? (d) Represente as soluções das equações do item 6b graficamente. 3.1. ARTICULANDO REPRESENTAÇÕES 41 (e) Determine todos os valores de a ∈ R tais que a equação g1(x) = a tenha: duas soluções reais distintas, uma única solução real, nenhuma solução real. (f) De forma geral, qualé a relação entre as soluções das equações acima e o ponto x = 2? (g) Relacione a resposta do item 6e com o gráfico de g1. 7. Considere a função g2 : R→ R, g2(x) = (x+ 1) (x− 1)2. (a) Esboce o gráfico de g2. (b) Resolva as equações g2(x) = 0. (c) Quantas soluções tem a equação g2(x) = −1? Você saberia determinar o valor exato da solução desta equação? (d) Existe algum valor a ∈ R tal que g2(x) = a tenha exatamente duas soluções reais distintas? Justifique sua resposta. (e) Existe algum valor a ∈ R tal que g2(x) = a tenha exatamente três soluções reais distintas? Justifique sua resposta. (f) Existe algum valor a ∈ R tal que g2(x) = a não tenha soluções reais? Justifique sua resposta. (g) Relacione as respostas dos ı́tens anteriores com o gráfico de g2. A atividade 6 tem como objeto uma função polinomial do segundo grau, que deve ser familiar ao alunos. Assim, eles deverão ser capazes de resolver as equações analiticamente e que estabelecer uma interpretação gráfica para as soluções: as soluções das equações f(x) = a são dadas pelos pontos de interseção entre o gráfico de f e a reta horizontal y = a (figura 3.6, à esquerda). Figura 3.6: Os gráficos de g1(x) = x2 − 4x + 3 e g2(x) = (x + 1) (x− 1)2, com soluções gráficas de equações. Assim, a atividade 6 pode preparar os alunos para a 7. Esta envolve uma função polinomial do terceiro grau, que é menos familiar aos alunos e não pode ser manipulada algebricamente com as ferramentas matemáticas usualmente ensinadas no ensino médio. Como a função é dada na forma fatorada, os estudantes podem concluir que as soluções da equação g2(x) = 0 são −1 e 1. No entanto, eles não terão ferramentas para determinar respostas anaĺıticas exatas para as demais seguintes propostas na atividade. Este é um aspecto determinante para esta atividade, pois é justamente isso que pode levá-los a buscar as respostas por meio da interpretação do gráfico: a equação f(x) = −1 tem uma única solução real, existem valores a ∈ R tais que a equação f(x) = a tem duas (um dos quais sendo a = 0) e três soluções reais, mas não existem valores a ∈ R tais que f(x) = a não tenha soluções reais. Lembramos ainda que podemos elaborar atividades envolvendo valores aproximados para soluções de equações, com calculadoras (ver caṕıtulo 1) ou planilhas eletrônicas (ver caṕıtulo 2). 42 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS Atividades 8. Responda às perguntas a seguir, considerando as atividades 6 e 7. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os principais objetivos dessas atividades? (c) Qual é o papel do software para o desenvolvimento das atividades? O que o uso do software pode acrescentar para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação à abordagem convencional (isto é, sem o computador)? (d) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 9. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 6 e 7, que seja adequada para as turmas em que você leciona. 3.2 Faḿılias de Funções Dependendo de Parâmetros Em muitas situações de sala de aula, desejamos estudar a influência de determinados coeficientes nos aspectos dos gráficos de certas faḿılias de funções. Por exemplo, sabemos que o coeficiente angular de uma função polinomial de primeiro grau determina a inclinação de seu gráfico. A possibilidade de articular representações gráficas e algébricas de forma dinâmica em ambientes computacionais gráficos pode ajudar em explorações deste tipo, especialmente em casos não tão simples. Funções Polinomiais do Segundo Grau Quando estudamos funções polinomiais do segundo grau, sabemos que o coeficiente a está relacionado com a concavidade da parábola, e o coeficiente c translada o gráfico verticalmente. Mas qual é a influência do coeficiente b, do termo de primeiro grau, no aspecto da parábola? Observe as atividades a seguir. Atividades 1. Considere a faḿılia de parábolas y = 2 x2 + b x + 3, com b ∈ R. (a) Esboce as parábolas desta faḿılia para b ∈ Z, −10 ≤ b ≤ 10. (b) De que forma o parâmetro b influi o aspecto gráfico das curvas? (c) Determine a equação do lugar geométrico do vértices da faḿılia de parábolas. 2. De forma mais geral, determine a equação do lugar geométrico dos vértices de uma faḿılia de parábolas y = ax2 + bx + c, em que a e c são mantidos constantes e b ∈ R varia. Na atividade 1, em primeiro lugar, pede-se que sejam esboçados os gráficos da faḿılia de parábolas dada no computador (figura 3.7). Estes gráficos dão uma idéia intuitiva do movimento no plano que a variação do coeficiente b provoca e sugerem que o lugar geométrico descritos pelos vértices é uma curva com a forma semelhante a uma parábola. 3.2. FAMÍLIAS DE FUNÇÕES DEPENDENDO DE PARÂMETROS 43 Figura 3.7: A faḿılia de parábolas y = 2 x2 + b x + 3. Assim, a visualização dos gráficos na tela pode indicar um caminho para resolução anaĺıtica do problema. Para determinar analiticamente a equação deste lugar geométrico, devemos empregar as fórmulas de coordenadas do vértice de uma parábola: xv = − b 2a e yv = −∆ 4a . Portanto, no caso da nossa faḿılia de parábolas, temos: xv = − b 4 e yv = −b 2 − 24 8 = −b 2 8 + 3 . Logo: yv = −2 x2 v + 3 . Em seguida, podemos traçar o gráfico que a equação acima representa na mesma tela em que foram traçados os gráficos da faḿılia de parábolas, ilustrando visualmente a conclusão obtida (figura 3.8). Figura 3.8: A faḿılia de parábolas y = 2 x2 + b x + 3, e o lugar geométrico de seus vértices. 44 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS A atividade 2 pede a generalização da conclusão da da atividade 1. Observe que, nesta atividade, o computador não é usado diretamente. O papel do software foi motivar a exploração inicial de um exemplo particular para levar a uma conclusão geral. Novamente, tomamos as fórmulas de coordenadas do vértice, considerando a e c como constantes e b como uma parâmetro variando em R: xv = − b 2a e yv = −∆ 4a . Isto é: x2 v = b2 4a2 e yv = −b 2 − 4ac 4a = − b 2 4a + c . Logo: yv = −a x2 v + c . Observe o encaminhamento das duas atividades anteriores, como proposto acima. Primeiro, par- timos da exploração de um exemplo particular no ambiente gráfico, o que nos permitiu chegar a uma conjectura sobre a solução do problema. Em um segundo momento, verificamos matematicamente a va- lidade desta conjectura. Em seguida, voltamos ao computador para a interpretação gráfica do resultado. Finalmente, generalizamos o resultado, por meio de argumentos matemáticos. Este encaminhamento é ilustrado na figura 3.9. computador exploração inicial conjecturas verificação matemática do problema computador interpretação da solução generalização matemática da solução Figura 3.9: O papel do computador na exploração inicial e interpretação de resultados. No exemplos destas atividades, o computador desempenha um papel importante ao permitir que um grande número de gráficos seja traçado com facilidade. O objetivo das atividades não é desenvolver ou avaliar da destreza dos alunos em traçar gráficos, e sim estimular a compreensão qualitativa do problema. Provavelmente, sem o computador, o trabalho dos estudantes para traçar os gráficos seria tamanho, que sua atenção ficaria focada nos aspectos técnicos, desviando-se dos objetivos das atividades. Além disso, é importante destacar que, no encaminhamento proposto acima, não é papel do computador converter-se em um critério para verificar ou confirmar a validade matemática da solução. O papel fundamental do computador é o de motivar conjeturas e indicar caminhos para a solução do problema e para a generalização desta solução, além de enriquecer a compreensão desta solução por meio da articulaçãoentre as representações algébrica e gráfica. A validade ou não da solução devem ser baseadas exclusivamente em critérios de argumentação matemática. Gráficos e Transformações no Plano A seguir, propomos mais algumas atividades com estrutura semelhante à das anteriores. As resoluções devem seguir essencialmente a mesma estrutura proposta acima. Por exemplo, no caso de funções trigonométricas, podemos explorar os significados dos parâmetros a, b, c e d na faḿılia de funções f : R→ R, f(x) = c sen (d x+ b) + a. É o que propomos nas atividades 3 a 5 a seguir. Para facilitar o encaminhamento, analisamos separadamente os casos f(x) = sen (x + b) + a e f(x) = c sen (d x), e em seguida combinamos as conclusões. 3.2. FAMÍLIAS DE FUNÇÕES DEPENDENDO DE PARÂMETROS 45 Atividades 3. Considere a faḿılia de funções f : R→ R, f(x) = sen (x+ b) + a, em que a e b são parâmetros reais. (a) Trace o gráfico de f para a = b = 0. (b) Considere b = 0 e trace os gráficos de f para vários valores diferentes de a. Escolha valores positivos e negativos para a. O que você observa no aspecto de gráfico de f em cada um destes casos? (c) Agora, considere a = 0 e trace os gráficos de f para vários valores diferentes de b. Escolha valores positivos e negativos para b. O que você observa no aspecto de gráfico de f em cada um destes casos? (d) Trace os gráficos de f para vários valores, variando a e b simultaneamente. (e) Qual é a influência dos parâmetros a e b no aspecto gráfico de f? 4. Considere a faḿılia de funções f : R → R, f(x) = c sen (d x), em que c e d são parâmetros reais. (a) Trace o gráfico de f para c = d = 1. (b) Considere d = 1 e trace os gráficos de f para vários valores diferentes de c. Escolha valores para c tais que |c| < 1 e |c| > 1. O que você observa no aspecto de gráfico de f em cada um destes casos? (c) Agora, considere c = 1 e trace os gráficos de f para vários valores diferentes de d. Escolha valores para d tais que |d| < 1 e |d| > 1. O que você observa no aspecto de gráfico de f em cada um destes casos? (d) Trace os gráficos de f para vários valores, variando c e d simultaneamente. (e) Qual é a influência dos parâmetros c e d no aspecto gráfico de f? 5. Considere agora a faḿılia de funções f : R → R, f(x) = c sen (d x + b) + a, em que a, b, c e d são parâmetros reais. Trace os gráficos de f para vários valores de a, b, c e d. Tenha certeza de escolher valores para a e b positivos e negativos e para c e d com módulos menores e maiores que 1. Como nas atividades 3 a 5, o computador tem o papel de possibilitar as explorações inicias do pro- blema, permitindo que sejam traçados um grande número de gráficos, e a interpretação das conclusões, articulando diferentes representações. Neste caso, podemos concluir que: • os parâmetros aditivos a e b determinam translações horizontais e verticais nos gráficos das funções (figura 3.10); • os parâmetros multiplicativos c e d determinam dilatações horizontais e verticais nos gráficos das funções (figura 3.10). No caso da atividade 3, não é dif́ıcil entender o que ocorre quando variamos o parâmetro aditivo a. Como estamos somando uma mesma constante às ordenadas de cada um dos pontos pertencentes ao gráfico, o resultado é um deslocamento vertical: • no sentido positivo do eixo (para cima), se o valor do parâmetro for positivo; • no sentido negativo do eixo (para baixo), se o valor do parâmetro for negativo. 46 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS Figura 3.10: A função f(x) = sen x, suas translações f(x) = sen x + 1, f(x) = sen ( x− π 4 ) e f(x) = sen ( x− π 4 ) + 1 (à esquerda), e suas dilatações f(x) = 1 2 sen x, f(x) = sen (3 x) e f(x) = 1 2 sen (3 x) (à direita). No entanto, pode ser mais dif́ıcil para interpretar a influência do parâmetro b no gráfico. A soma de uma constante positiva à variável independente da função (dentro dos parênteses) acarreta em um movimento é para a esquerda, e não para a direita como poderia ser inicialmente esperado pelos alunos. Neste caso, justamente porque definimos uma nova função somando b unidades à variável x, para que um elemento do doḿınio da nova função tenha a mesma imagem que um elemento do doḿınio da função original, este deve ser subtráıdo de b unidades. Isto provoca um deslocamento horizontal do gráfico: • no sentido positivo do eixo (para a direita), se o valor do parâmetro for negativo; • no sentido negativo do eixo (para a esquerda), se o valor do parâmetro for positivo. Uma tabela com valores conhecidos da função seno também pode ajudar a entender o efeito de deslocamento horizontal. Considere o exemplo de f(x) = sen ( x− π 4 ) . Observe na tabela abaixo a relação entre os valores da variável x, de x− π 4 e da variável y. Compare esses valores com os gráficos de f(x) = sen (x) e f(x) = sen ( x− π 4 ) na figura 3.10. x− π 4 x y 0 π 4 0 π 2 3π 4 1 π 5π 4 0 3π 2 7π 4 −1 2 π 9π 4 0 De forma semelhante, na atividade 3, podemos perceber que, ao multiplicarmos a função por c, estamos multiplicando por um o parâmetro com valor positivo as ordenadas de cada um dos pontos pertencentes ao gráfico. O resultado é uma dilatação vertical. Se o parâmetro tiver valor negativo, além da dilatação, o gráfico sofre também uma reflexão em relação ao eixo horizontal. Assim, temos: • um esticamento vertical se valor do parâmetro for maior que 1; • um encolhimento vertical se valor do parâmetro estiver entre 0 e 1; • um esticamento vertical composto com reflexão em relação ao eixo horizontal se valor do parâmetro for menor que −1; • um encolhimento vertical composto com reflexão em relação ao eixo horizontal se valor do parâmetro estiver entre −1 e 0. 3.2. FAMÍLIAS DE FUNÇÕES DEPENDENDO DE PARÂMETROS 47 Resta entender o efeito do parâmetro d. Como constrúımos uma nova função multiplicando a variável dependente por uma constante d, para que um elemento do doḿınio da nova função tenha a mesma imagem que um elemento do doḿınio da função original, este deve ser dividido por d. Isto provoca uma dilatação horizontal do gráfico, que será composta com uma reflexão em relação ao eixo vertical, se o valor o parâmetro tiver valor negativo: • um encolhimento horizontal se valor do parâmetro for maior que 1; • um esticamento horizontal se valor do parâmetro estiver entre 0 e 1; • um encolhimento horizontal composto com reflexão em relação ao eixo vertical se valor do parâmetro for menor que −1; • um esticamento composto com reflexão em relação ao eixo vertical se valor do parâmetro estiver entre −1 e 0. Como no caso das translações horizontais, uma tabela pode ajudar a entender o efeito de dilatação horizontal. Considere o exemplo de f(x) = sen ( 1 2 x ) . A tabela abaixo relaciona os valores da variável x, de 1 2 x e da variável y. Compare esses valores com os gráficos de f(x) = sen (x) e f(x) = sen ( 1 2 x ) na figura 3.10. 1 2 x x y 0 0 0 π 2 π 1 π 2 π 0 3π 2 3 π −1 2 π 4 π 0 Escolhemos o exemplo da função seno nas atividades anteriores porque o formato de seu gráfico facilita a visualização dos efeitos dos parâmetros. Porém, é claro que as conclusões obtidas são gerais, e não exclusivas das funções trigonométricas Considere, por exemplo, as atividades 6 e 7 a seguir. Observe que, na atividade 6, o objetivo é aplicar as conclusões obtidas com suporte da exploração computacional, mas computador não é usado diretamente. Além disso, não é dada nenhuma informação sobre a fórmula algébrica da função. Portanto, o aluno deve resolver o problema apenas com os dados gráficos. Atividades 6. Abaixo vemos os gráficos de duas funções q1 : R → R (à esquerda) e q1 : R → R (à direita). Sabemos que na forma q1(x) = p(a x+ b) + c, em que a, b e c são constantes reais. Determine os valores de a, b e c. Justifique sua resposta. 1 2−1−2 1 2 −1−2 x y 1 2 3 4 5 6−1−2 1 2 3 −1 −2 x y 48 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS 7. Considere a função 1 : R→ R, h(x) = |x2 − 1|. Esboce os gráficos de h e das funções definidas por h1(x) = h(x + 1)− 2, h2(x) = 3 h(2 x) e h3(x) = 1 2 h(3 x− 1)− 2. Uma aplicação interessante de translações de gráficos é a obtenção das fórmulas de coordenadas do vértices de uma parábola (que usamos nas atividades 1 e 2 desta seção) por meio de translações de uma parábola com vértice em na origem. Primeiro, devemos escrever uma parábola y = a x2 + b x+ c qualquer na chamada forma canônica, completando quadrados: y = a x2 + b x + c = = a ( x2 + b a x+ ) + c = = a ( x2 + b a x + b2 4a2 ) − b2 4a + c = = a ( x + b 2a )2 + 4ac− b2 4a . Portanto: y = a (x− x0)2 + y0 . em que: x0 = − b 2a e y0 = 4ac− b2 4a = −∆ 4a . Estas são as conhecidas fórmulas de coordenadas do vértice de uma parábola. Pelo que já estudamos de translações, sabemos que a parábola acima é dada pela translação de y = a x2, de x0 unidades na horizontal e y0 unidades na vertical. Assim, podemos deduzir a seguinte propriedade: qualquer parábola é dada por uma translação de uma parábola com mesmo valor de a e vértices na origem. Decorre ainda desta propriedade que quaisquer duas parábolas com mesmo valor de a são congruentes, isto é, uma qualquer uma delas pode ser obtida a partir da outra por meio de uma translação. Da forma canônica, podemos deduzir também outras propriedades importantes das parábolas, como a existência do eixo de simetria vertical e a própria fórmula das ráızes. Em sala de aula, esta discussão pode ser conduzida, partindo-se de exemplos mais simples, até a conclusão geral. Este é o objetivo da atividade 8. Atividades 8. Considere a função p : R→ R, p(x) = 2 x2. Esboce os gráficos de p e das funções definidas por p1(x) = p(x− 2), p2(x) = p(x) + 1 e p3(x) = p(x− 2) + 1. Qual é relação entre estes gráficos? 9. Determine a equação de uma parábola y = a x2 + b x+ c, com a = 2 e vértice no ponto (−1, 3). 10. Responda às perguntas a seguir, considerando as atividades 1 a 9 propostas nesta seção. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os principais objetivos das atividades? (c) Qual é o papel do software para o desenvolvimento das atividades? O que o uso do software pode acrescentar para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação à abordagem convencional (isto é, sem o computador)? (d) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 11. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das propostas nesta seção, que seja adequada para as turmas em que você leciona. 3.3. PONTOS DE VISTA E PERSPECTIVAS 49 3.3 Pontos de Vista e Perspectivas Como salientamos anteriormente, é importante explorar pedagogicamente não só as potencia- lidades como também as limitações técnicas do computador. A interpretação de resultados aparentemente errados ou inesperados pode motivar explorações matemáticas, além de contribuir para a formação de uma postura cŕıtica dos estudantes. No caso de ambientes gráficos, este tipo de resultado está relacionado principalmente com arredondamento de valores numéricos e interpolação de pontos para traçar gráficos. Observe o exemplo da atividade a seguir. Atividade 1. A figura ao lado representa o gráfico da função h : R? → R, h(x) = x |x| , traçado em um programa de computador. Você consideraria este gráfico correto? Explique por que o gráfico adquiriu este aspecto. Para interpretar a figura da atividade acima, devemos entender a estrutura dos algoritmos mais simples usados pelos programas computacionais para traçar gráficos, baseados essencialmente em subs- tituição e interpolação: dada uma fórmula algébrica, montar uma tabela por substituição de valores (em geral, em grande quantidade), interpolar os pontos correspondentes no plano cartesiano. É interessante observar que este é basicamente o mesmo método do modelo de exerćıcios comentado no começo desta seção (figura 3.1, p. 35). A diferença é que o computador tem capacidade de cálculo e precisão muito maiores que as do ser humano, o que permite a construção de tabelas com muito mais valores. Por outro lado, para traçar o gráfico da atividade 1, o software não levou em conta uma propri- edade qualitativa importante da função1: x = 0 não faz parte do doḿınio e há uma interrupção do gráfico neste ponto. Este exemplo pode ser usado para mostrar aos estudantes que este método pode conduzir a erros – mesmo com a capacidade de cálculos do computador – e que, portanto, evidenciar a importância de levar em consideração propriedades qualitativas da função. As atividades 2 a 3 a seguir também envolvem respostas do software cujas interpretações podem ser usadas para motivar exploração matemática. No desenvolvimento de atividades deste tipo, é recomendável que os alunos tenham liberdade para manusear livremente o software, alterando janelas gráficas da forma que desejarem. Ao mesmo tempo, eles devem ser estimulados a procurar entender o comportamento dos gráficos e os aspectos adquiridos em diferentes janelas gráficas à luz de argumentos matemáticos. Sem orientações espećıficas do professor neste sentido, os alunos podem se perder na manipulação do software e na mudança de janelas gráficas. Estas manipulações devem sempre ser orientadas pela análise matemática dos dados do problema e das questões propostas, de forma a ajudar de fato na compreensão do problema. 1Há softwares com recursos mais sofisticados que permitem considerar propriedades qualitativas como a da atividade 1, como veremos no caṕıtulo 5. Entretanto, neste caṕıtulo, visamos enfocar o uso de softwares gráficos com recursos mais limitados. O objetivo destas atividades não é discutir que programa possui recursos mais sofisticados, e sim destacar justamente a possibilidade de empregar as próprias limitações dos softwares como potencialidades pedagógicas. 50 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS Atividades 2. A figura ao lado representa o gráfico da função p : R? → R definida por p(x) = x2 + 1 x2 , traçado em um programa de computador para −100 ≤ x ≤ 100, 0 ≤ y ≤ 5000. Justifique suas respostas. (a) O gráfico de p é uma parábola? (b) A função p possui pontos de ḿınimo locais ou absolutos? Em caso afirmativo, que pontos são estes? (c) A função p possui asśıntotas verticais ou horizontais? (d) Discuta o aspecto do gráfico na figura, considerando as respostas dos ı́tens anteriores. 3. A figura ao lado representa o gráfico da função r : R→ R, r(x) = √ x2 + 1, traçado na janela gráfica −1000 ≤ x ≤ 1000, 0 ≤ y ≤ 1000. Explique porque o gráfico adquire este aspecto. 4. A figura ao lado representa o gráfico da função q : R→ R, q(x) = (5 x− 7)(x2 − 2). (a) Quais são as ráızes reais de q? Você consegue visualizar estas ráızes no gráfico ao lado? (b) Encontre uma janela gráfica na qual seja posśıvel visualizar todas as ráızes de q. 5. Considere a função u : R→ R, u(x) = 1 x6 + 100 . (a) Trace o gráfico de u na janela −10 ≤ x ≤ 10, −10 ≤ y ≤ 10. A função u é constante igual a 0? Explique o ocorrido. (b) Trace o gráfico de u na janela −0, 1 ≤ x ≤ 0, 1, −0, 1 ≤ y ≤ 0, 1. A função u é constante igual a 0, 01? Explique o ocorrido. (c) Qual o maior valor atingido por u? Escolha uma janela gráfica na qual seja posśıvel visualizar o gráfico de u. Na atividade 2, à figura com o gráfico da função sugere que a curva é uma parábola. No entanto, esta impressão errônea se deve a escala em que o gráfico foi traçado. A inspeção da fórmula algébrica da função mostra que esta não é polinomial do segundo grau, portanto o gráfico não pode ser uma parábola. Além disso, x = 0 não é um ponto ḿınimo,como uma primeira olhada no gráfico poderia sugerir. Este ponto nem mesmo pertence ao doḿınio de p e corresponde a uma asśıntota vertical da função. Uma mudança na janela gráfica revela melhor o comportamento de p na vizinhança de x = 0, como monstra figura 3.11 (em que o gráfico de p é mostrado e azul e a parábola y = x2 em cinza). Verificamos que, para valores grandes da variável x, o termo 1 x2 fica próximo de 0, portanto p(x) ≈ x2. 3.3. PONTOS DE VISTA E PERSPECTIVAS 51 Por isso, o gráfico fica muito parecido com uma parábola em janelas com valores grandes de x. Porém, para valores de x próximos de 0, é o termo x2 que fica próximo de 0, portanto p(x) ≈ 1 x2 , cuja aparência nada tem a ver com a de uma parábola. Em atividades deste tipo, os alunos devem ser estimulados a observar a fórmula algébrica da função e alterar livremente as janelas no computador. Desta forma, a articulação das representações gráfica e algébrica contribui para uma compreensão mais profunda do comportamento da função. Figura 3.11: O gráfico de p(x) = x2 + 1 x2 e a parábola y = x2, para −10 ≤ x ≤ 10, −10 ≤ y ≤ 100. Como na atividade 2, o aspecto do gráfico exibido na atividade 3 é determinado pela ordem de grandeza dos intervalos horizontal e vertical da janela gráfica. Quando aumentamos os valores de x, a constante 1 tende a ficar despreźıvel em relação ao termo x2. Assim, para valores grandes de x temos que √ x2 + 1 ≈ √ x2 = |x|. Por isso, o gráfico tende a adquirir o aspecto da curva y = |x|. É importante observar que esta aproximação só é razoável para valores grandes de x. A figura 3.12 mostra a janela gráfica −5 ≤ x ≤ 5, 0 ≤ y ≤ 5, em que se pode distinguir claramente o gráfico de r (em azul) da curva y = |x| (em cinza). Figura 3.12: O gráfico de r(x) = √ x2 + 1 e a curva modular y = |x|, para −5 ≤ x ≤ 5, 0 ≤ y ≤ 5. 52 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS Como a função polinomial da atividade 4 já é dada na forma fatorada, podemos determinar sem dificuldades suas ráızes: x1 = 7 5 , x2 = √ 2 e x3 = − √ 2. Como os valores de x1 e x2 são próximos (sua diferença é da ordem de centésimos), a escala em que o gráfico é mostrado não permite a distinção destas ráızes. Para distinguir x1 e x2, é necessário alterar a janela gráfica para valores de x próximos de 1, 4, e valores de y próximos de 0 (figura 3.13, à esquerda). Para distinguir as três ráızes em uma mesma janela, é necessário tomar para valores de x próximos do intervalo entre a menor raiz e a maior raiz, e valores de y próximos de 0. (figura 3.13, à direita). Como na atividade anterior, uma observação superficial do gráfico mostrado pode levar a uma conclusão errônea sobre a função, e uma análise mais cuidadosa da fórmula algébrica é necessária. Figura 3.13: O gráfico de q(x) = (5 x − 7)(x2 − 2), para 1, 39 ≤ x ≤ 1, 42, −0, 001 ≤ y ≤ 0, 001 e com −1, 5 ≤ x ≤ 1, 5, −0, 001 ≤ y ≤ 0, 001, respectivamente. Verificamos que a função u da atividade 5 é estritamente positiva e atinge um máximo absoluto no ponto ( 0, 1 100 ) . Logo, a imagem da função é o intervalo ] 0, 1 100 ] . Então, se traçarmos o gráfico para −10 ≤ x ≤ 10, −10 ≤ y ≤ 10, os valores da função serão muito pequenos em relação à escala da janela, e o gráfico adquirirá um aspecto semelhante ao da reta horizontal y = 0 (figura 3.14, à esquerda). Por outro lado, se reduzirmos muito os valores de x e de y, por exemplo −0, 1 ≤ x ≤ 0, 1, −0, 1 ≤ y ≤ 0, 1, observaremos que o gráfico ficará semelhante à reta horizontal y = 1 100 (figura 3.14, à direita). Isto ocorre por que, para valores pequenos de x, temos que x6 fica muito próximo de 0, então u(x) ≈ 1 100 . A única maneira de visualizar a variação da função no gráfico é escolher escalas muito diferentes para as duas variáveis: valores grandes para x, para que a variação de u(x) não fiquem muito próximos de 1 100 ; e valores pequenos para y, para que os valores de u(x) não fiquem muito pequenos em relação à escala do eixo vertical (figura 3.15). Figura 3.14: O gráfico de u(x) = 1 x6 + 100 , para −10 ≤ x ≤ 10, −10 ≤ y ≤ 10 e −0, 1 ≤ x ≤ 0, 1, −0, 1 ≤ y ≤ 0, 1, respectivamente. 3.3. PONTOS DE VISTA E PERSPECTIVAS 53 Figura 3.15: O gráfico de u(x) = 1 x6 + 100 , para −5 ≤ x ≤ 5, −0, 005 ≤ y ≤ 0, 1. Em atividades desta natureza, em que os gráficos adquirem aspectos distintos conforme alteramos as janelas gráficas, é importante que fique claro para os alunos que o que muda não é o gráfico da função, mas apenas o seu aspecto. Isto é, quando alteramos a janela gráfica não passamos a observar um gráfico diferente, nem o gráfico que estamos observando muda de comportamento. Apenas o aspecto do gráfico é alterado, pois o estamos observando de outra janela gráfica, isto é, de outro ponto de vista. Por exemplo, no caso da atividade 3, r não passa a ser uma função modular na janela gráfica mostrada no enunciado da questão. A função continua sendo a mesma. O que ocorre é que, em comparação à ordem de grandeza das variáveis na janela gráfica de observação, a diferença entre o gráfico de r e o da função modular é tão pequena que não pode ser percebida. Quando alteramos a janela gráfica na figura 3.12, em comparação aos valores da nova janela, esta mesma diferença não é mais tão pequena, e pode ser claramente percebida. O mesmo ocorre na 2 com relação ao gráfico de p e a parábola. Como os exemplos acima mostram, observar um mesmo gráfico de diferentes pontos de vista pode ajudar a perceber propriedades da função e, portanto, a entender mais profundamente o seu comportamento. Em alguns casos, os alunos estão acostumados à ideia de que o gráfico de uma função tem “uma única cara”, e ideia que um mesmo gráfico possa ter aspectos radicalmente distintos em janelas gráficas diferentes pode causar alguma resistência inicialmente. Atividades 6. Responda às perguntas a seguir, considerando as atividades 2 a 5. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados nas atividades? (b) Quais são, na sua opinião, os principais objetivos dessas atividades? (c) Em cada uma das atividades, são propostas questões chave para ajudar na interpretar do gráfico gerado pelo computador. Identifique essas questões. (d) Que outras perguntas você proporia para ajudar os alunos no desenvolvimentos das ativida- des? (e) Qual é o papel do software para o desenvolvimento das atividades? O que o uso do software pode acrescentar para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação à abordagem convencional (isto é, sem o computador)? (f) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 7. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 1 a 5, que seja adequada para as turmas em que você leciona. 54 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS Comportamento Assintótico de Funções Polinomiais e Racionais Já sabemos que um mesmo gráfico pode adquirir aspectos bem distintos em janelas gráficas diferentes, dependendo das escalas empregadas. Nas atividades a seguir, usaremos esta ideia para entender melhor o comportamento assintótico (isto é, o comportamento da função quando a variável independente tende a ±∞) de funções polinomiais e racionais. Atividade 8. Considere as funções f, f1, f2 : R→ R, dadas respectivamente por f(x) = x2 + 10 x, f1(x) = x2 e f2(x) = 10 x. (a) Trace, na janela −1 ≤ x ≤ 1, −1 ≤ y ≤ 1, os gráficos das três funções. Os gráficos de duas das funções ficaram muito semelhantes. Que funções são estas? (b) Mude a janela para −1000 ≤ x ≤ 1000, −10000 ≤ y ≤ 10000. Os gráficos de duas das funções ficaram muito semelhantes. Que três funções são estas? (c) Explique o observado nos ı́tens anteriores. Como nas atividades da seção 3.2, o que está em jogo são as ordens de grandeza das janelas gráficas empregadas. Quandotraçamos os gráficos para −1 ≤ x ≤ 1, −1 ≤ y ≤ 1, o termo x2 fica muito pequeno em comparação ao termo 10 x (figura 3.16, à esquerda). Então, neste caso temos f(x) = x2 + 10 x ≈ 10 x = f2(x). Por outro lado, para −1000 ≤ x ≤ 1000, −10000 ≤ y ≤ 10000, é 10 x que fica muito pequeno em comparação a x2 (figura 3.16, à direita). Logo, temos f(x) = x2 + 10 x ≈ x2 = f1(x). Portanto, o gráfico de f fica muito parecido com o de f2 na janela gráfica da esquerda e com o de f1 na janela gráfica da direita. Para entender mais claramente essas aproximações, é importante sugerir que os alunos substituam alguns valores para as três funções nos intervalos a cada uma das janelas gráficas e comparem os resultados. Também é interessante propor aos alunos que aumentem gradativamente a janela gráfica, e observem o gráfico de f “descolar” aos poucos de f2 e “colar” em f1. Ainda nesta atividade, podemos observar que, quanto mais aumentamos a janela gráfica, o gráfico de f fica mais parecido com o de f1. Isto ocorre porque, na função f(x) = x2 + 10 x, embora o coeficiente do termo de grau 2 seja bem menor que o do termo de grau e 1 (1 e 10, respectivamente), para valores de x suficientemente grandes, o termo de grau 1 fica despreźıvel em relação ao de grau 2. De fato, esses termos se igual quando x = 10 e, a partir dáı, x2 passa a crescer a uma taxa muito maior que x: x2 passa a ser x vezes maior que 10 x e, para valores cada vez maiores de x, esta razão é cada vez mais significativa. Portanto para valores grandes de x, o comportamento da função é dominado pelo termo de maior grau x2. Esta propriedade é válida em geral: o comportamento de função polinomial é dominado pelo termo de maior, independente dos coeficientes de seus termos. Outros exemplos como este podem ser usados para motivar esta conclusão genérica, que deve ser enunciada precisamente e verificada formalmente. Seja f : R→ R, f(x) = anx n + . . .+a2x 2 +a1x+a0, com an, . . . , a0 ∈ R, uma função polinomial real de grau n. Pondo o termo de maior grau em evidência, podemos escrever f da seguinte forma (para x 6= 0): f(x) = anx n ( 1 + an−1 anx . . .+ a1 anxn−1 + a0 anxn ) . Seja g(x) = an−1 anx . . .+ a1 anxn−1 + a0 anxn . Então: lim x→−∞ g(x) = lim x→−∞ g(x) = 0. 3.3. PONTOS DE VISTA E PERSPECTIVAS 55 Figura 3.16: Os gráficos de f(x) = x2 + 10 x, f1(x) = x2 e f2(x) = 10 x, para −1 ≤ x ≤ 1, −1 ≤ y ≤ 1 e para −1000 ≤ x ≤ 1000, −10000 ≤ y ≤ 10000, respectivamente. Uma primeira propriedade que podemos deduzir dáı é que f(x) e anx n têm o mesmo sinal para |x| suficientemente grande. De fato, como g(x) fica tão pequeno pequeno queiramos, temos que g(x) < 1 para valores de x com módulo suficientemente grande. Para esses valores de x, teremos 1 + g(x) < 0, portanto terão o mesmo sinal. Esta propriedade dá uma ideia inicial de que o termo anx n domina o comportamento assintótico de f , independente dos demais termos. Além disso, sabemos anx n tende a −∞ ou a +∞ quando x tende a −∞ ou a +∞ (dependendo do sinal de an e da paridade de n). Dáı, segue a propriedade mais forte: lim x→−∞ f(x) = lim x→−∞ (anx n) e lim x→+∞ f(x) = lim x→+∞ (anx n) . Podemos também usar mudanças de janelas gráficas para motivar o estudo do comportamento assintótico de funções racionais, isto é funções dadas pela razão de duas funções polinomiais. Observe as atividades a seguir. Atividades 9. Considere a função p1 : R→ R definida por p1(x) = x2 x2 − 1 . (a) Trace o gráfico de p1 na janela −5 ≤ x ≤ 5, −5 ≤ y ≤ 5. (b) Amplie gradativamente a janela gráfica, aumentando o intervalo da variável x e mantendo o intervalo da variável y fixo. Que aspecto adquire o gráfico de p1? Explique o comportamento observado. 10. Considere a função p2 : R→ R definida por p2(x) = x3 x2 − 1 . (a) Trace o gráfico de p2 na janela −5 ≤ x ≤ 5, −5 ≤ y ≤ 5. (b) Amplie gradativamente a janela gráfica, aumentando simultaneamente os intervalos das va- riáveis x e y. Que aspecto adquire o gráfico de p2? Explique o comportamento observado. 11. Considere a função p3 : R→ R definida por p3(x) = x4 x2 − 1 . (a) Trace o gráfico de p3 na janela −5 ≤ x ≤ 5, −5 ≤ y ≤ 5. (b) Amplie gradativamente a janela gráfica, aumentando simultaneamente os intervalos das va- riáveis x e y. Que aspecto adquire o gráfico de p3? Explique o comportamento observado. 56 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS Figura 3.17: O gráfico de p1(x) = x2 x2 − 1 , para −5 ≤ x ≤ 5, −5 ≤ y ≤ 5 e para −100 ≤ x ≤ 100, −5 ≤ y ≤ 5, respectivamente. Figura 3.18: O gráfico de p2(x) = x3 x2 − 1 , para −5 ≤ x ≤ 5, −5 ≤ y ≤ 5 e para −100 ≤ x ≤ 100, −100 ≤ y ≤ 100, respectivamente. Figura 3.19: O gráfico de p3(x) = x4 x2 − 1 , para −5 ≤ x ≤ 5, −5 ≤ y ≤ 5 e para −100 ≤ x ≤ 100, −1000 ≤ y ≤ 1000, respectivamente. Nas três atividades acima, quando observamos os gráficos das funções em janelas com valores pe- quenos das variáveis (figuras 3.17, 3.18 e 3.19, à esquerda), podemos observar algumas caracteŕısticas das funções, tais como máximos e ḿınimos locais e asśıntotas verticais nos pontos em que os denomi- nadores se anulam. Quando aumentamos as janelas gráficas não somos mais capazes de enxergar essas caracteŕısticas locais, porém outro tipo de comportamento é revelado: as funções p1, p2 e p3 ficam pa- recidas com uma reta horizontal, com uma reta vertical e com uma parábola, respectivamente. (figuras 3.17, 3.18 e 3.19, à direita). Para entender o que está acontecendo, devemos observar que, quando aumentamos os valores de x, a constante 1 no denominador tende a ficar despreźıvel em relação aos termos polinomiais. Portanto, para valores grandes de x, valem as aproximações a seguir,que explicam o comportamentos dos gráficos: 3.3. PONTOS DE VISTA E PERSPECTIVAS 57 p1(x) = x2 x2 − 1 ≈ x2 x2 = 1 , p2(x) = x3 x2 − 1 ≈ x3 x2 = x e p3(x) = x4 x2 − 1 ≈ x4 x2 = x2 . Como na atividade 8, podemos generalizar a conclusão para qualquer função racional. Seja q : D ⊂ R→ R uma definida por q(x) = f(x) g(x) , em que f(x) = amx m + . . .+ a0 e g(x) = bnx n + . . .+ b0 são dois polinômios. Em primeiro lugar, devemos observar que os limites de q quando x→ ±∞ dependem da relação entre os graus do numerador e do denominador. Uma maneira de determinar esses limites é dividir o numerador e o denominador de q pelo termo de maior grau. Caso 1. m < n Neste caso, dividimos o numerador e o denominador de p por xn: p(x) = amx m + . . .+ a0 bnxn + . . .+ b0 = am xn−m + . . .+ a0 xn bn + bn−1 x + . . .+ b0 xn . Na expressão acima, o numerador tende a 0 e o denominador tende à constante bn 6= 0. Então, conclúımos que: lim x→−∞ p(x) = lim x→+∞ p(x) = 0 . Caso 2. m = n Neste caso, dividimos o numerador e o denominador de p por xm = xn: p(x) = amx m + . . .+ a0 bmxm + . . .+ b0 = am + am−1 x + . . .+ a0 xn bm + bm−1 x + . . .+ b0 xn . Na expressão acima, o numerador e o denominador tendem respectivamente às constante am 6= 0 e bm 6= 0. Então, conclúımos que: lim x→−∞ p(x) = lim x→+∞ p(x) = am bm Caso 3. m > n Neste caso, dividimos o numerador e o denominador de p por xm: p(x) = amx m + . . .+ a0 bnxn + . . .+ b0 = am + am−1 x + . . .+ a0 xn bn xm−n + . . .+ b0 xn . Na expressão acima, o numerador tende à constante am 6= 0 e o denominador tende a 0. Então, conclúımos que os limites lim x→−∞ p(x) e lim x→+∞ p(x) = 0 são ambos infinitos. Os sinal entre desses limites depende da relação entre dos sinais de am e bn. Em resumo, os limites no infinito de uma função racional são determinados pela relação entre as taxas de crescimento do numerador e o denominador, que, por sua vez, depende de qual destes tem o maior grau. Se o denominador tem grau maior, então a função tende a 0. Se o denominador e numerador têm o mesmo grau, então a função tende a uma constante não nula. Se o numerador tem grau maior, então a função tende a infinito. Este resultadoé usualmente estudos em cursos de cálculo em uma variável. A atividade 9 é um exemplo do caso 2 acima, enquanto as atividades 10 e 11 exemplificam o caso 3. 58 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS Embora as atividades 10 e 11 representem o mesmo tipo de comportamento assintótico – tender a infinito – a função p2 da atividade 10 fica parecida com uma reta e a função p3 da atividade 11 com um parábola. Essa diferença de comportamento – que em geral não é estudada nos cursos de cálculo – corresponde a maior aprofundamento matemático do caso em que a função racional tende a infinito, pois estabelece formas qualitativamente diferentes de tender a infinito. Com base nesses dois exemplos, podemos intuir que o comportamento assintótico dessas funções seja determinado pela diferença entre os graus do numerador e do denominador. Na verdade, podemos obter uma conclusão matemática mais precisa que esta. Como estamos tratando do caso em que ∂f > ∂g, pelo divisão polinomial, sabemos que existem polinômios q e r (quociente e resto), com ∂r < ∂g tais que: f(x) = q(x) g(x) + r(x) . Logo: p(x) = f(x) g(x) = q(x) + r(x) g(x) . Como ∂r < ∂g, podemos concluir pelo caso 1 acima que: lim x→±∞ (p(x)− q(x)) = lim x→±∞ r(x) g(x) = 0 . Assim, sempre que traçarmos o gráfico de um função racional, cujo numerador tem grau maior que o denominador, e aumentarmos progressivamente a janela gráfica, observaremos este gráfico ficar cada vez mais parecido com o do polinômio quociente entre o numerador e o denominador. Em particular o gráfico da função racional adquirirá o aspecto de um polinômio cujo grau é diferença entre os graus do numerador e do denominador. Voltando aos exemplos das atividades 10 e 11, se efetuarmos as divisões polinomiais, concluiremos que: x3 = x (x2 − 1) + x e x4 = (x2 + 1) (x2 − 1) + 1 . Logo: p2(x) = x3 (x2 − 1) = x + x (x2 − 1) e p3(x) = x4 (x2 − 1) = (x2 + 1) + 1 (x2 − 1) . Portanto: lim x→±∞ (p2(x)− x) = lim x→±∞ x (x2 − 1) e lim x→±∞ ( p3(x)− (x2 + 1) ) = lim x→±∞ 1 (x2 − 1) . Como lim x→±∞ (p2(x)− x), dizemos que a reta y = x é uma asśıntota inclinada de p2: os valo- res da função ficam muito próximos dos valores da reta, quando x cresce indefinidamente. Como lim x→±∞ ( p3(x)− (x2 + 1) ) , a parábola y = x2 + 1 tem esse mesmo papel em relação à função p3. É interessante fazer mais exemplos para observar desse comportamento no computador. Observe que o computador tem um papel importante na argumentação para chegar a essa conclusão, pois a partir da visualização dos diferentes gráficos na tela, podemos perceber essas diferentes formas de tender a infinito. Não é absurdo supor que uma das razões pelas quais esse aprofundamento matemático não é abordado em geral nos cursos de cálculo é o fato de que software gráficos ainda são pouco explorados. É importante destacar ainda que o papel do computador aqui é o mesmo das atividades anteriores neste caṕıtulo: possibilitar uma exploração que sugere um fato matemático que deve ser 3.4. MAIS EXPLORAÇÕES 59 verificada por meio de argumentação dedutiva. Neste caso, passamos da ideia informa de aproximação para a ideia formal de limite. No ensino básico, a ideia formal de limite não precisa ser tratada. Mesmo assim, as atividades não podem ser reduzir à exploração no computador. As conclusões devem ser sistematizadas por meio de argumentação dedutiva compat́ıvel com cada ńıvel escolar. Atividades 12. Responda às perguntas a seguir, considerando as atividades 8 a 11. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados nas atividades? (b) Quais são, na sua opinião, os principais objetivos dessas atividades? (c) Que ideias matemáticas podem ser motivadas por essas atividades, que não são em geral tratadas abordagem convencional (isto é, sem o computador)? (d) Qual é o papel do software para o desenvolvimento das atividades? O que o uso do software pode acrescentar para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação à abordagem convencional (isto é, sem o computador)? (e) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 13. Seria posśıvel formular uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 8 a 11, que seja adequada para as turmas em que você leciona? Justifique sua resposta. 3.4 Mais Explorações Neste caṕıtulo, foram propostas atividades com ambientes computacionais gráficos simples, isto é cujo uso não requer a aprendizagem de comandos espećıficos, visando expor aspectos dos conceitos ma- temáticos que seriam dif́ıceis de ser abordados com recursos e representações convencionais. Além disso, procurou-se empregar potencialidades e, especialmente, limitações técnicas dos softwares para motivar explorações das questões matemáticas envolvidas, além de incentivar o desenvolvimento de uma postura cŕıtica por parte dos estudantes em relação aos resultados mostrados na tela. Nesta seção, apresentamos mais algumas atividades com esse esṕırito, em que relações e proprieda- des entre funções que são usualmente tratados no ensino médio. Entretanto, o uso do software permite que essas relações e propriedades sejam abordadas de um novo ponto de vista, e que as apliquemos a exemplos de funções que normalmente não são estudados. Atividades 1. Considere a função s : R→ R definida por s(x) = x sen x. (a) Esboce o gráfico de s, juntamente com as retas y = x e y = −x. (b) Explique o comportamento do gráfico. Como as retas podem ajudar a entender esse com- portamento? (c) Você deve ser observado que as retas tangenciam o gráfico de s em certos pontos. Que pontos são esses? Esses pontos correspondem a máximos e ḿınimos locais da função s? Justifique suas respostas. (d) Que propriedades da função seno você usou para responder às questões acima? (e) Que aspecto você espera que tenha o gráfico de t(x) = x2 sen x? 2. Considere a função u : R→ R definida por u(x) = 2 sen x. 60 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS (a) Esboce o gráfico de u. (b) Determine a imagem de u. (c) A função u é periódica? Justifique sua resposta. (d) Que propriedades das funções exponencial e seno você usou para responder às questões acima? 3. Considere a função v : R→ R definida por v(x) = sen (2x). (a) Esboce o gráfico de v. (b) Determine a imagem de v. (c) A função v é periódica? Justifique sua resposta. (d) Que propriedades das funções exponencial e seno você usou para responder às questões acima? 4. Considere a função ω : R→ R definida por ω(x) = sen (log10 x). (a) Esboce o gráfico de ω, na janela gráfica 0 ≤ x ≤ 10, −2 ≤ y ≤ 2. (b) Determine as ráızes de ω. É posśıvel determinar a menor raiz de ω? E a menor? Justifique suas respostas. A função s da atividade 1 é dada pelo produto da função seno por x. Como a função seno varia entre −1 e 1, então s varia entre −x e x (figura 3.20). De forma mais geral, podemos concluir que, sempre que multiplicarmos a função seno pelo por outra função f , o resultado será uma função que varia entre −f(x) e f(x). A pergunta do item 1d tem por objetivo ajudar o aluno a perceber a sistematizar esta propriedade, e a pergunta do item 1e visa levá-los a perceber sua generalização. Figura 3.20: O gráfico de s(x) = x sen x, com as retas y = −x e y = x. Nos pontos em sen x = 1, temos que s(x) = x, nos pontos em sen x = −1, temos que s(x) = −x, e nos demais pontos, temos −1 < s(x) < 1. Portanto, o gráfico de s a reta y = x para x = π 2 + 2kπ, e a reta y = −x para x = −π 2 + 2kπ, com k ∈ Z. A imagem do gráfico mostrada na tela, além do fato destes valores de x corresponderem a pontos de máximo e ḿınimo da função seno, pode sugerir que esses sejam também máximos e ḿınimos de s. Entretanto, justamente o fato do gráfico tangenciar as retas nesses pontos fornece um argumento para mostrar o contrário: em pontosde máximos e ḿınimo 3.4. MAIS EXPLORAÇÕES 61 a reta tangente (caso exista) são horizontais, porém nesse casos elas têm inclinação ±1. Assim, no exemplo desta atividade o gráfico mostrado na tela pode sugerir uma ideia, que se revela falsa – e é a justamente a exploração motivada pela visualização desse gráfico que pode indicar o caminho para o argumento matemático para refutá-la. Na atividade 2 (figura 3.21, à esquerda), o menor valor e o maior valor atingidos por u ocorrem para os mesmos valores de x em que ocorrem o menor valor e o maior valor da função seno. Portanto, a imagem de u é o intervalo [ 1 2 , 2 ] . É importante observar aqui que só podemos chegar a esta conclusão porque a função exponencial é estritamente crescente. Isto é, a função u é uma composição u(x) = f ( sen (x)), de uma função estritamente crescente com a função seno, portanto a ordem dos valores da função seno é preservada ( sen x1 < sen x2 ⇒ 2 sen x1 < 2 sen x2). Não teŕıamos esta garantia se estivéssemos compondo uma função que não fosse crescente com a função seno (para fixar as ideias, experimente esboçar o gráfico de y = ( sen x)2, por exemplo). Além disso, temos que u é periódica, com peŕıodo 2 π. A justificativa para isto também está no fato de que u é a composição u(x) = f ( sen (x)): como os valores da função seno repetem-se, os valores também se repetirão quando uma função f qualquer é calculada sobre a função seno. Na atividade 3 (figura 3.21, à esquerda), o valor máximo de v ocorre nos pontos em que sen (2x) = 1, isto é x = log2 ( π 2 + 2 k π ) , com k ∈ Z; e o valor ḿınimo nos pontos em que sen (2x) = −1, isto é x = log2 ( −π 2 + 2 k π ) , com k ∈ Z. Portanto, a imagem de v é o intervalo [−1, 1]. Neste caso, a função u é uma composta v(x) = sen (f(x)). Como −1 6 sen x 6 1, então −1 6 sen (f(x)) 6 1 qualquer que seja a função f . Além disso, observamos que v oscila entre os valores −1 e 1, porém esta oscilação não ocorre em intervalos regulares. Assim, embora a função seno seja periódica, v não será periódica, pois a função exponencial não é. Na verdade, percebemos que a oscilação de v fica cada vez mais “intensa” (tanto que ocorre um erro de interpolação no gráfico traçado pelo software), isto é, os intervalos entre dois pontos de máximo (ou de ḿınimo) consecutivos ficam cada vez mais curtos. Esta propriedade está relacionada com o crescimento acentuado da função exponencial. Para entender essa propriedade, podemos também voltar a observar as abscissas dos pontos de máximo: xk = log2 ( π 2 + 2 k π ) , com k ∈ Z. Como a função logaŕıtmica é crescente (pois a derivada primeira log2 é positiva), então xk é crescente. Porém, como a taxa de crescimento da função logaŕıtmica é cada vez menor (pois a derivada segunda log2 é negativa), então a distância entre xk e xk+1 é cada vez menor. Figura 3.21: Os gráficos de u(x) = 2 sen x e v(x) = sen (2x). Nas questões 1 a 3, inclúımos uma questão chave: Que propriedades das funções você usou para responder às questões acima? Com isso, procuramos direcionar a atenção dos estudantes para os argu- mentos matemáticos que justificam as propriedades observadas na tela e suas posśıveis generalizações. Nessas atividades lidamos essencialmente com operações entre funções (produto na atividade 1 e com- posição nas atividades 2 e 3), que são tópicos usualmente presentes nos curŕıculos e livros didáticos do ensino médio. Porém, procuramos usar o ambiente computacional para olhar para esses tópicos 62 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS de um novo ponto de vista. Em geral, os exerćıcios envolvendo operações entre funções reduzem- se a procedimentos rotineiros para determinar funções compostas e coisas assim. Aqui, procuramos propor atividades em que as propriedades qualitativas da função produto ou composta sejam estudadas à luz da análise das propriedades qualitativas das funções originais. Além disso, buscamos ampliar o universo de funções familiares aos estudantes, empregamos exemplos cujos gráficos em geral não são traçados no ensino básico. Traçar tais gráficos seria provavelmente uma tarefa de dif́ıcil realização em sala de aula, sem o apoio do recurso computacional. É claro que a abordagem com o computador não deve se reduzir a traçar esses gráficos, mas sobretudo motivar a exploração matemática e a compreensão de suas propriedades. Continuando para a atividade 4, a visualização do gráfico na janela indicada, pode sugerir que a menor raiz da função ω seria x = 1 (figura 3.22). No entanto, as ráızes de ω são os pontos x tais que sen (log10 x) = 0, isto é, x = 10kπ, como k ∈ Z. Portanto, não existe uma maior raiz (pois o conjunto das ráızes não é limitado superiormente), nem uma menor raiz de ω (pois, embora o conjunto das ráızes seja limitado inferiormente, dada qualquer raiz, sempre podemos exibir outra menor que esta). É interessante observar ao contrário do que ocorre com a função v da atividade 3, a oscilação de ω é bastante “espaçada”. Mais precisamente, a razão entre duas ráızes consecutivas é de 10π, isto é, cada raiz é mais de 1.000 vezes maior que imediatamente anterior. Em conseqüência, embora a função tenha infinitas ráızes, em cada intervalo escolhido para o eixo horizontal só é posśıvel visualizar claramente uma delas, pois as demais ou são muito pequenas ou muito grandes para a janela. Além disso, a diferença de ordens de grandeza das ráızes faz com o gráfico adquira aspectos completamente diferentes em cada nova janela (figura 3.23). Figura 3.22: O gráfico de ω(x) = sen (log10 x). Figura 3.23: O gráfico de ω(x) = sen (log10 x), em novas janelas. 3.4. MAIS EXPLORAÇÕES 63 Logaritmos e Escalas Logaŕıtmicas Alguns software (incluindo o Graphmatica [2]) possuem um recurso para traçar gráficos em sistemas de eixos graduados em escalas logaŕıtmicas. Em um eixo em escala logaŕıtmica de base β > 1, as potências inteiras de β são representadas em intervalos com um comprimento fixo (figura 3.24). Assim, conforme caminhamos no sentido positivo do eixo, cada um desse intervalos corresponde a uma multiplicação pela base (e não à soma de uma constante, como em um eixo linear convencional). Portanto, dado x ∈ R+, se x′ é a posição que representa x no eixo em escala logaŕıtmica de base β, vale a seguinte relação: x′ = logβ x. . . . . . .x′ β−4 β−3 β−2 β−1 1 β β2 β3 β4 Figura 3.24: Um eixo em escala logaŕıtmica de base b. Atividades 5. As figuras abaixo representam as faḿılias de curvas y = k x (à esquerda) e y = xk (à direita), ambas com k =, traçadas em um sistema de coordenadas logaŕıtmicas decimais x′y′, na janela gráfica 10−3 ≤ x ≤ 103, 10−3 ≤ y ≤ 103. (a) Explique porque as curvas adquirem o aspecto de retas neste sistema de coordenadas. (b) Caracterize todas as funções f : R+ → R+ cujos gráficos adquirem o aspecto de retas no sistema de coordenadas logaŕıtmicas decimais. 6. No exerćıcio anterior, os dois eixos do sistema de coordenadas são graduados em escalas logaŕıt- micas. Podemos também graduar apenas um dos eixos em escala logaŕıtmica e manter o segundo em escala linear convencional. (a) Em um sistema de coordenadas xy ′, em que apenas o eixo vertical é graduado em escala logaŕıtmica decimal, enquanto o eixo horizontal é mantido em escala linear convencional, caracterize todas as funções f : R→ R+ cujos gráficos adquirem o aspecto de retas. (b) Em um sistema de coordenadas x′y, em que apenas o eixo horizontal é graduado em es- cala logaŕıtmica decimal, enquanto o eixo vertical é mantido em escala linear convencional, caracterize todas as funções f : R+ → R cujos gráficos adquirem o aspecto de retas. 7. Explique em que tipo de situações, envolvendo variação de grandezas, você considera que é con- veniente empregar sistemas coordenadas com: ambos os eixos graduadosem escalas logaŕıtmicas; com apenas o eixo vertical graduado em escala logaŕıtmica; com apenas o eixo horizontal graduado em escala logaŕıtmica. 64 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS Na atividade 5, o aluno deve ser estimulado a explorar livremente a visualização dos gráficos no computador, em particular alterando a janela de visualização entre eixos em escalas logaŕıtmicas e eixos cartesianos convencionais. É importante observar que a alternação entre diferentes sistema de coorde- nadas para visualização de uma faḿılia de curvas, e observação imediata das mudanças de aspecto nas curvas, consiste em uma possibilidade de exploração oferecida pelo software, que dificilmente poderia ser reproduzida sem recursos computacionais. Da mesma foram que sugerimos em di- versas atividades anteriores, a exploração deve conduzir a alguma forma de sistematização matemática. Este é o objetivo do item 5b. Um gráfico de função que tenha o aspecto de uma reta no sistema x′y′ deve ter equação na forma y′ = a x′ + b, com a, b ∈ R+. Assim, teremos: y′ = a x′ + b⇒ log10 y = a log10 x + b⇒ y = 10a log10 x+b = 10b xa = c xa . Portanto, as funções f : R+ → R+ cujos gráficos adquirem o aspecto de retas no sistema de coordenadas logaŕıtmicas decimais são aquelas na forma f(x) = c xa, com a, c ∈ R+. A abordagem do conceito de logaritmo no ensino médio com freqüência reduz-se a séries de exerćıcios rotineiros envolvendo, por exemplo, empregar as propriedades algébricas dos logaritmos em resolução de equações ou para a determinação de valores numéricos. Em exerćıcios deste tipo, há pouco enfoque conceitual na ideia de logaritmo, suas relações com ordens de grandeza, ou o comportamento e a variação das funções logaŕıtmicas. Atividades envolvendo escalas logaŕıtmicas, especialmente com o apoio de ambientes gráficos, podem ser usadas para fornecer um novo olhar para o conceito de logaritmo. Em escalas logaŕıtmicas, representamos as ordens de grandeza dos números (em relação à uma base fixada), em lugar de seus valores absolutos. Assim, sistemas de coordenadas logaŕıtmicas são convenientes para estudar fenômenos envolvendo amplas variações de ordens de grandeza, desde valores muito próximos de 0 até valores muito grandes. Por exemplo, voltemos à atividade 8 da seção 3.3. Foi observado que o gráfico de f(x) = x2 +10 x é aproximado por f2(x) = 10 x, para valores de x muito próximos de 0; e por f1(x) = x2, para valores de x muito grandes (figura 3.16). Entretanto, quando a janela é pequena o suficiente para distinguirmos valores de x muito próximos de 0, os valores grandes ficam de fora; e quando aumentamos a janela para incluir valores grandes de x, não podemos mais distinguir valores muito próximos de 0. Portanto, não é posśıvel visualizar essas duas aproximações ao mesmo tempo em uma mesma janela gráfica – pelo menos no sistema de coordenadas cartesianas convencional. Porém, quando mudamos o sistema de eixos para coordenadas cartesianas passamos a enxergar não os valores das variáveis, mas suas ordens de grandeza, e o gráfico de f adquire outro aspecto (figura 3.25, à esquerda). Podemos então visualizar ao mesmo tempo, em uma mesma janela gráfica, as aproximações de f por f2(x) = 10 x, para valores de x muito próximos de 0, e por f1(x) = x2 para valores de x muito grandes (figura 3.25, à direita). Figura 3.25: O gráfico de f(x) = x2 + 10 x e o gráfico de f(x) = x2 + 10 x com f1(x) = x2 e f2(x) = 10 x, traçado em um sistema de coordenadas logaŕıtmicas, para −10−3 ≤ x ≤ 105, −10−3 ≤ y ≤ 105. 3.4. MAIS EXPLORAÇÕES 65 De forma semelhante, se traçarmos o gráfico da função ω da atividade 4 em um sistema de coorde- nadas em que o eixo horizontal é graduado em escala logaŕıtmica e o vertical é mantido em escala linear convencional, seremos capazes de visualizer diversas oscilações em uma mesma janela gráfica (figura 3.26). Figura 3.26: O gráfico de ω(x) = sen (log10 x), traçado em um sistema de coordenadas com eixo horizontal em escala logaŕıtmica, para −10−7 ≤ x ≤ 107, −2 ≤ y ≤ 2. Atividades 8. Responda às perguntas a seguir, considerando as atividades 1 a 5. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os principais objetivos dessas atividades? (c) Qual é o papel das questões chave feitas em cada uma das atividades? (d) Que outras perguntas você proporia para ajudar os alunos no desenvolvimentos das ativida- des? (e) Qual é o papel do software para o desenvolvimento das atividades? O que o uso do software pode acrescentar para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação à abordagem convencional (isto é, sem o computador)? (f) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 9. (a) Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 1 a 5, que seja adequada para as turmas em que você leciona. (b) Que questões chave você proporia para ajudar os alunos no desenvolvimentos da atividade proposta? 66 CAPÍTULO 3. AMBIENTES GRÁFICOS Caṕıtulo 4 Ambientes de Geometria Dinâmica Introdução Segundo um conhecido dito popular, uma imagem vale mais do que mil palavras. Em ambientes de geometria dinâmica, são utilizadas literalmente centenas de imagens sobrepostas, que se articulam entre si e são manipuladas de forma interativa. Imagine, então, quantas ideias podem ser traduzidas, com o aux́ılio da geometria dinâmica! As ferramentas de geometria dinâmica permitem a construção de objetos geométricos de acordo com propriedades ou relações estabelecidas. Estes podem então ser manipulados dinamicamente, de tal maneira que as propriedades e relações sejam preservadas. Esse modo particular de construção geométrica apresenta caracteŕısticas especiais, que podem ter consequências importantes para a apren- dizagem. Quando um objeto geométrico é representado por meio de papel e lápis, em geral procura-se empregar certas notações para indicar suas propriedades. Portanto, essas propriedades determinam a maneira de se representar, e se fazem notar na representação. Entretanto, o processo de construir uma representação para um objeto em ambientes de geometria dinâmica dispara outra qualidade de reflexão sobre suas propriedades e relações matemáticas. Por exemplo, quando esboçamos um losango com pa- pel e lápis (figura 4.1), comumente marcamos pequenos traços sobre cada um dos lados para indicar a sua congruência. Porém, se constrúımos um losango em geometria dinâmica (figura 4.2), além de saber que um losango é, por definição, um quadrilátero com todos os lados congruentes, somos impelidos a refletir sobre como garantir, na própria construção, que esses lados sejam de fato congruentes. Figura 4.1: A representação de um losango, com papel e lápis. 67 68 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA Figura 4.2: A representação de um losango, em geometria dinâmica. Assim, em uma representação feita com papel e lápis apenas (sem nenhum outro instrumento), as propriedades dos objetos são indicadas apenas pela notação usada. Em geometria dinâmica, por outro lado, a garantia de validade das propriedades e relações matemáticas do objeto representado é incorporada concretamente no próprio processo de construção da representação. Desta forma, as próprias experiências de construir representações em geometria dinâmica já constituem, por si só, exerćıcios que demandam um maior ńıvel de conhecimento matemático dos objetos. Essas expe- riências podem ainda fornecer pistas sobre outras propriedades e relações dos objetos constrúıdos, além daquelas que fazem parte de suas definições ou são dadas nos enunciados dos problemas, sugerindo porque estas são válidas (ou não válidas) e indicando caminhos para sua dedução. Assim, o processo de construção pode nos levar a perceber ou a conjecturarpropriedades, que, evidentemente, deverão ser confirmadas ou refutadas por argumentos matemáticos. No caso do losango dinâmico da figura 4.2, podemos questionar, por exemplo as posśıveis relações entre congruência e paralelismo dos lados: A congruência dos lados é suficiente para garantir seu paralelismo. Isto é, todo losango é um paralelogramo. Mas, será que a congruência dos lados é também necessária para garantir seu paralelismo? Isto é, será todo paralelogramo um losango? É claro que, em construções com de régua não graduada e compasso (f́ısicos) ou outros instrumentos mecânicos de desenho, a validade das propriedades matemáticas também é incorporada no processo de construção, como ocorre em geometria dinâmica. De fato, a concepção dos ambientes de geo- metria dinâmica é primordialmente inspirada nas construções com régua não graduada e compasso f́ısicos, os assim chamados instrumentos euclidianos. No entanto, uma diferença importante entre esses ambientes e os instrumentos euclidianos está justamente no aspecto dinâmico das construções. Com régua e compasso, uma construção geométrica, uma vez feita, é estática. Em geometria dinâmica, as construções não apenas podem ser manipuladas, como também as condições que a determinaram inicialmente são preservadas pela manipulação. O aspecto dinâmico dos ambientes pode indicar a validade matemática das construções, e especialmente sua não validade. Voltando ao exemplo da figura 4.2, para construir nosso losango em geometria dinâmica, nada nos impede de simplesmente marcar quatro pontos que, visualmente pareçam formar um paralelogramo quando ligados. Entretanto, o fato de que a construção não leva em conta garantias matemáticas para a congruência desses segmentos ficará claro quando esses pontos forem arrastados. Alguns pesquisadores em educação matemática (e.g. [15, 41]) destacam duas modalidades distintas de concepção de imagens materiais de objetos matemáticos, do ponto de vista da aprendizagem: um desenho, se a imagem é vista como representação particular de um objeto isolado; ou uma figura, se a imagem é percebida como representação genérica de uma classe de objetos matemáticos, que 69 compartilham um conjunto comum de propriedades. Neste sentido, perceber a imagem material de um losango como uma figura corresponde a entendê-la não apenas com um desenho isolado, mas como um representante de um classe de quadriláteros, sendo desta forma capaz de incorporar todas as propriedades matemáticas comuns a esta classe. As potencialidades destacadas anteriormente sugerem que os ambientes de geometria dinâmica podem ser explorados para ajudar os estudantes a expandirem sua concepção de uma representação geométrica de desenho para figura – o que constitui um passo de abstração matemática. Tais potencialidades fornecem, portanto, um terreno vasto para a exploração de objetos matemáticos e formulação de conjecturas sobre suas relações e propriedades, que deverão ser comprovadas ou refutadas por meio de argumentos matemáticos formais. Por outro lado, alguns autores (e.g. [61]) apontam uma preocupação com um posśıvel efeito inde- sejável do uso de ambientes de geometria dinâmica no ensino: seus recursos, em particular a ferramenta de arrastar, podem tornar as propriedades de objetos geométricos tão evidentes ao ponto de convencer os estudantes de que demonstrá-las como teoremas matemáticos seria desnecessário. Uma forma de prevenir esse efeito é também propor aos estudantes situações em que nem tudo transcorre como o esperado, como aquelas envolvendo limitações dos ambientes de geometria dinâmica e resultados surpreendentes ou contrários à sua intuição. Tais reflexões evidenciam, mais uma vez, que os efeitos do uso de recursos computacionais no ensino de Matemática não são determinados unicamente por suas caracteŕısticas intŕınsecas, mas principalmente pela forma como eles são usados na abordagem pedagógica. Portanto, destaca-se o papel central do professor, em planejar adequadamente a abordagem com tecnologias computacionais. Este caṕıtulo abordará o uso de ambientes de geometria dinâmica no ensino de Matemática, em dois campos principais: geometria euclidiana plana e funções. Em particular, como nos caṕıtulos ante- riores, serão exploradas não só as potencialidades, como também as limitações técnicas dos softwares e situações em que são produzidos resultados inesperados ou aparentemente errados. Desta forma, objetiva-se destacar a impossibilidade de tomar os resultados do computador como critério de verdade matemática e enfatizar a necessidade de argumentos formais. No campo da geometria, serão propostas atividades envolvendo construções geométricas elementares, com ênfase no estudo das propriedades das figuras planas que permanecem invariantes nas construções geométricas dinâmicas. Embora as aplicações dos ambientes de geometria dinâmica no ensino de geometria plana sejam mais difundidas, seu uso também pode ser muito enriquecedor para o ensino de funções reais. Por exemplo, podem ser exploradas relações entre as propriedades algébricas e o comportamento qualitativo de gráficos de faḿılias de funções dependendo de parâmetros, de maneira semelhante às atividades propostas no caṕıtulo 3. Porém, tais explorações podem agora ser realizadas de forma dinâmica, isto é, em lugar de digitar valores numéricos para os parâmetros, o aluno pode controlar esses valores por meio da ferramenta de arrastar dos ambientes, observando em tempo real as mudanças de aspecto provocadas nos gráficos. Além disso, os ambientes de geometria dinâmica permitem a abordagem do conceito de função em situações que usualmente são pouco exploradas no ensino básico, tais como relações de dependência funcional em construções geométricas (isto é, situações em que certos elementos das construções são funções de outros). De fato, em construções geométricas ocorrem naturalmente relações de de- pendências entre objetos, que valem a pena ser exploradas. Se a construção é feita em geometria dinâmica, essas relações, que muitas vezes podem passar despercebidas, tornam-se mais evidentes. Por exemplo, se constrúımos um quadrado inscrito em um ćırculo, então o lado e a área do quadrado são funções do raio ćırculo – ou podemos mesmo dizer que neste caso o próprio quadrado é função do ćırculo. Em geometria dinâmica, se alteramos o ćırculo, podemos ver as alterações acarretadas no quadrado inscrito; e se apagamos o ćırculo, o quadrado inscrito (que dele é dependente) também desa- parecerá. Situações como essa oferecem algumas possibilidades de exploração pedagógica que podem ser muito enriquecedoras. 70 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA • É posśıvel estudar o comportamento de funções diretamente por meio da dinâmica do ambiente, sem a mediação das representações usuais em sala de aula, especialmente a representação gráfica. Isto é, o comportamento da função pode ser analisado ao se alterar um objeto no ambiente, e observar as consequentes alterações nos objetos que são dependentes deste. Assim, a própria dinâmica do ambiente converte-se em uma forma não convencional de representação. • Além disso, pode-se ampliar o universo de funções familiares aos alunos, uma vez que são apresen- tados exemplos de funções cujos doḿınios ou contradoḿınios não são números, e sim conjuntos de objetos geométricos. Nos livros didáticos, em geral a abordagem de funções tem ińıcio com a definição de função em contexto abstrato, como relação entre dois conjuntos genéricos. Entre- tanto, quase todos os exemplos que se seguem são de funções entre conjuntos numéricos. Desta forma, verifica-se lacuna brusca na abordagem – e a apresentação de exemplos de funções de outra natureza é importante para preenche-la.• Finalmente, como são constrúıdas funções entre objetos geométricos, essas situações estabele- cem uma articulação entre geometria e funções, campos da Matemática que quase sempre são abordados de forma dissociada no ensino básico. Nas atividades propostas neste caṕıtulo, teremos como referência os softwares GeoGebra [1] e Tabulæ [6]. A razão para esta escolha deve-se apenas ao fato de que esses softwares podem ser encon- trados facilmente e sem custo na internet. Entretanto, como já observamos, nosso foco não estará em nenhum software espećıfico, e sim na discussão sobre as vantagens e limitações que o uso de ambientes de geometria dinâmica em geral pode trazer para o ensino e a aprendizagem de conceitos matemáticos. 4.1 Explorando a Geometria de Forma Dinâmica De forma geral, os ambientes de geometria dinâmica fornecem uma representação computacional para o plano euclideano, e suas ferramentas básicas são concebidas para reproduzir régua não graduada e compasso f́ısicos – os chamados instrumentos euclidianos. Esta estrutura permite a simulação de cons- truções geométricas que podem ser feitas com os instrumentos euclidianos, sendo que nesses ambientes, as construções tornam-se dinâmicas, isto é, podem ser manipuladas de forma que as propriedades e relações dos objetos constrúıdos sejam preservadas. A maior parte dos ambientes de geometria dinâmi- ca incorpora ainda outros recursos, tais como traçado de lugares geométricos, representação de seções cônicas, coordenadas cartesianas e medidas aproximadas para comprimentos e áreas. Cabe ressaltar que, em virtude das limitações inerentes ao software, as representações computa- cionais apresentam diferenças importantes em relação ao modelo matemático. De fato, no modelo matemático teórico, o plano euclidiano constitui-se de infinitos pontos, é completo (isto é, desprovido de “buracos”) e ilimitado. Nas representações em geometria dinâmica, por outro lado, lidamos sempre com uma região retangular formada por uma quantidade muito grande, porém finita de pixels. O objetivo das atividades a seguir é apresentar possibilidades de uso de ambientes de geometria dinâmica no ensino de geometria euclidiana plana, tanto para a aprendizagem de conceitos geométricos espećıficos quanto para o desenvolvimento do racioćınio matemático dedutivo envolvido, buscando sempre a forma mais geral e sólida posśıvel para que os conhecimentos adquiridos possam ser reconhecidos e aplicados, mesmo sem o apoio do computador. As atividades iniciais (1 a 6) visam a ambientação com os ambientes geometria dinâmica, que de um modo geral possuem ferramentas semelhantes. Propomos construções relativamente simples e procuramos explorar a investigação dos conceitos matemáticos envolvidos. As atividades propostas envolvem, principalmente, a investigação de regularidades, a generalização de propriedades, a formulação de conjecturas, e como desdobramento, a confirmação ou refutação dessas conjecturas por meio de argumentos matemáticos. 4.1. EXPLORANDO A GEOMETRIA DE FORMA DINÂMICA 71 Atividades 1. Foi proposta a uma turma do ensino médio a tarefa de construir um triângulo equilátero de lado AB dado, usando um ambiente de geometria dinâmica. Um dos alunos da turma propôs a seguinte solução: 1. trace a mediatriz do segmento AB; 2. usando o recurso para traçar ćırculos do ambiente, escolha o ponto A como centro e mova o cursor até que o ćırculo “encoste” no ponto B, marcando assim um ponto C, que define o raio AC; 3. marque o ponto D, de interseção entre a mediatriz de AB e esse ćırculo; 4. ligue os pontos, obtendo o triângulo ABD. (a) Você considera que a construção está correta? (b) Qual é o segmento que determina a medida do raio do ćırculo constrúıdo? Este segmento depende de AB? (c) Usando a construção proposta pelo aluno, arraste o ponto C. O que acontece com o triângulo constrúıdo? (d) O que podemos garantir sobre esse triângulo, com base na construção do aluno? Isto é, o que, de fato o aluno está construindo? Justifique sua resposta por meio de argumentos matemáticos. 72 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA 2. Para resolver a mesma tarefa da atividade 1, outro aluno da turma propôs a seguinte construção: 1. trace a mediatriz do segmento AB; 2. usando o recurso para traçar ćırculos, escolha o ponto A como centro e mova o cursor até que o ćırculo “encoste” no ponto B, de forma que o ponto C, que define o raio AC, esteja sobre a mediatriz de AB; 3. ligue os pontos, obtendo o triângulo ABC. Responda às mesmas perguntas da atividade 1, para esta construção. 3. Descreva uma maneira correta de construir um triângulo equilátero de lado AB dado em um ambi- ente de geometria dinâmica, isto é, uma construção de forma que a propriedade de ser equilátero seja preservada quando quaisquer dos elementos da construção forem arrastados. Justifique a validade de sua construção por meio de argumentos matemáticos. 4. Agora, o professor propôs a essa mesma a construção, em um ambiente de geometria dinâmica, de um quadrado de lado AB dado. Um aluno propôs a seguinte solução: 1. trace um ćırculo de centro em A e raio AB; 2. trace um ćırculo de centro em B e raio AB; 3. marque um ponto C sobre o ćırculo de centro A de tal forma que o segmento AC seja visualmente perpendicular a AB, e um ponto D sobre o ćırculo de centro B de tal forma que o segmento BD seja visualmente perpendicular a AB; 4. ligue os pontos, obtendo o quadrado ABDC. 4.1. EXPLORANDO A GEOMETRIA DE FORMA DINÂMICA 73 (a) Você considera que a construção está correta? (b) O que garante a perpendicularidade dos lados do quadrilátero nesta construção? (c) Usando a construção proposta pelo aluno, arraste o ponto C e, em seguida, o ponto D. O que acontece com o quadrilátero? (d) O que podemos garantir sobre esse quadrilátero, com base na construção do aluno? Isto é, o que, de fato o aluno está construindo? Justifique sua resposta por meio de argumentos matemáticos. 5. Questionando a solução do colega, outro aluno da turma propôs a seguinte construção para a tarefa da atividade 4: 1. trace um ćırculo de centro em A e raio AB; 2. trace um ćırculo de centro em B e raio AB; 3. marque um ponto C sobre o ćırculo de centro A de tal forma que o segmento AC seja visualmente perpendicular a AB; 4. trace um ćırculo de centro em C e raio CB; 5. marque o ponto, de interseção dos ćırculos de centro B e de centros C; 6. ligue os pontos, obtendo o quadrado ABDC. Responda às mesmas perguntas da atividade 4, para esta construção. 74 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA 6. Descreva uma maneira correta de construir um quadrado de lado AB dado em um ambiente de geometria dinâmica, isto é, uma construção de forma que a propriedade de ser quadrado seja preservada quando quaisquer dos elementos da construção forem arrastados. Lembre-se de que, para garantir que um quadrilátero seja um quadrado, precisamos garantir a congruência dos lados e dos ângulos internos, pois uma não implica na outra, como ocorre no caso dos triângulos. Justifique a validade de sua construção por meio de argumentos matemáticos. As atividades anteriores envolvem construções em que não há garantias de que o objeto geométrico obtido de fato satisfaz às condições dadas no problema. Estas atividades ilustram como os ambien- tes de geometria dinâmica, em particular o recurso de arrastar, podem ser explorados para motivar a distinção entre argumentos matematicamente válidos e argumentos emṕıricos ou indutivos, que implicam logicamente nas propriedades desejadas. Para que estes objetivos sejam atingidos, é fun- damental que as conclusões dos alunos sejam fundamentadas em argumentos matemáticos, e não na simples visualização do software. Note que foram inclúıdas questões chaves nas atividades, com o papel de dispararessa discussão. Por exemplo, no caso das atividades 1 e 2, só é posśıvel garantir que os triângulos constrúıdos são isósceles, mas não necessariamente equiláteros. Esta conclusão decorre, por um argumento baseado em congruência de triângulos, do fato do vértice oposto ao lado AB estar sobre a mediatriz deste lado. Na atividade 4 a construção só garante a congruência de três dos lados do quadrilátero, e na 5 de todos os lados. Na atividade 5 obtemos apenas um quadrilátero equilátero, isto é, um losango, que não necessariamente é equiângulo, portanto não necessariamente é um quadrado. Desta forma, pode-se motivar uma discussão sobre as relações entre congruência dos lados e dos ângulos de um poĺıgono: apenas nos casos dos triângulos essas propriedades são equivalentes. 4.1. EXPLORANDO A GEOMETRIA DE FORMA DINÂMICA 75 Observe que a maior parte dos principais softwares de geometria dinâmica preservam o registro das construções efetuadas. Esses registros podem e devem ser explorados em sala de aula, pois ajudam a estabelecer pontes entre as construções geométricas e os argumentos matemáticos que as justificam. Atividades 7. (a) Mostre que um triângulo é equilátero se, e somente se, é equiângulo. (b) Mostre que a propriedade do item anterior não vale para poĺıgonos com número de lados maior ou igual a 4. 8. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 1 a 6. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel do ambiente de geometria dinâmica no desenvolvimento das atividades? (d) Qual é o papel das questões chave feitas em cada uma das atividades? (e) Que outras perguntas você proporia para ajudar os alunos no desenvolvimentos das ativida- des? (f) Na sua opinião, que discussões sobre propriedades de triângulos e quadriláteros podem ser motivadas pela resolução das atividades? (g) Que vantagens e desvantagens o uso do ambiente de geometria dinâmica pode trazer para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação a abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso de recursos computacionais)? (h) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 9. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 1 a 6, que seja adequada para as turmas em que você leciona. Procure incluir uma ou mais questões chave na atividade que você elaborar, para ajudar a encaminhar a resolução dos alunos. Nas atividades a seguir, damos continuidade à apresentação de situações de geometria plana com apoio de ambientes de geometria dinâmica, enfocando as possibilidades de exploração dos ambientes para a formulação de conjecturas sobre as propriedades geométricas dos objetos. Atividades 10. (Adaptado de [11]) (a) Em um ambiente de geometria dinâmica, construa poĺıgonos de n lados, com n = 3, 4, 5, 6. Use os recursos do software para medir a soma dos ângulos internos de cada um desses poĺıgonos. Arraste os vértices dos poĺıgonos e observe o que acontece. O valor da soma dos ângulos internos varia? (b) Deduza um fórmula para a soma dos ângulos internos de um poĺıgono, em função do número de lados. (c) Agora, use os poĺıgonos que você construiu para calcular a soma dos ângulos externos (isto é, os complementares dos ângulos internos) dos poĺıgonos. (d) Deduza um fórmula para a soma dos ângulos externos de um poĺıgono, em função do número de lados. 76 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA 11. (Adaptado de [11]) O objetivo desta questão é investigar, com apoio de um ambiente de geome- tria dinâmica, sob que condições dois triângulos, com um grupo de elementos (lados e ângulos) congruentes, são congruentes. (a) Dado um triângulo ABC, construa outro triângulo DEF , satisfazendo: DE = AB e  = D̂. Arraste os vértices desses triângulos e investigue a relação entre eles. (b) Dado um triângulo ABC, construa outro triângulo DEF , satisfazendo: DE = AB,  = D̂ e B̂ = Ê. Arraste os vértices desses triângulos e investigue a relação entre eles. (c) É posśıvel construir um triângulo DEF com um lado e dois ângulos congruentes a um lado e dois ângulos de ABC, mas que não seja congruentes a ABC. Em caso afirmativo, construa este triângulo. Caso contrário, justifique sua resposta. (d) Quantos lados e ângulos não congruentes podem ser encontrados nos triângulos não con- gruentes constrúıdos no item anterior? (e) É posśıvel construir um par de triângulos não congruentes, com cinco pares de elementos correspondes congruentes? Em caso afirmativo, construa estes triângulos. Caso contrário, justifique sua resposta. (f) É posśıvel construir um par de triângulos não congruentes, com seis pares de elementos correspondes congruentes? Em caso afirmativo, construa estes triângulos. Caso contrário, justifique sua resposta. 12. (a) Em um ambiente de geometria dinâmica, construa um trapézio ABCD qualquer, de forma que as posições de todos os vértices possam ser alteradas, preservando o paralelismo das bases. (b) Construa as diagonais de ABCD e chame de G seu ponto de interseção. Em seguida, trace uma paralela às bases por G e chame de F e E, seus pontos de interseção com os lados AD e BC, respectivamente. (c) Agora, arraste os vértices do trapézio e observe os triângulos EGD e GCF . O que você pode afirmar sobre a relação entre essas áreas? (d) Justifique matematicamente a propriedade que você observou no item anterior. (e) Como as propriedades dinâmicas do software ajudou a formular a conjectura? 4.1. EXPLORANDO A GEOMETRIA DE FORMA DINÂMICA 77 13. O objetivo desta atividade é demonstrar a existência dos chamados pontos notáveis de um triângulo qualquer. Esses pontos são definidos da seguinte forma: • incentro: interseção das bissetrizes relativas a cada um dos ângulos internos de um triângulo; • circuncentro: interseção das mediatrizes relativas a cada um dos lados de um triângulo; • baricentro: interseção das medianas relativas a cada um dos lados de um triângulo; • ortocentro: interseção das alturas relativas a cada um dos lados de um triângulo. Portanto, demonstrar a existência desses pontos corresponde a provar que cada uma das linhas notáveis (bissetriz, mediatriz, mediana e altura) se interceptam em um único ponto. Para entender claramente as definições acima, você deverá recordar as definições de bissetriz, mediatriz, mediana e altura. (a) Em um ambiente de geometria dinâmica, construa uma representação para cada uma das situações propostas neste problema. Arraste os vértices dos triângulos e verifique o que ocorre com os pontos notáveis. (b) Demonstre formalmente a existência do incentro e do circuncentro. Essas provas decorrem diretamente das definições de bissetriz e mediatriz, respectivamente. (c) Demonstre formalmente a existência do baricentro. A dica é tomar o ponto de intercessão entre duas das medianas (que certamente existe) e determinar as razões entre as medidas dos segmentos determinados por este ponto em cada uma das duas medianas. (d) Demonstre formalmente a existência do ortocentro. Esta prova é provavelmente mais dif́ıcil das quatro. Neste caso, a dica é a seguinte. Dado um triângulo ABC, construa um triângulo DEF de tal forma que cada um dos lados de DEF contenha um dos vértices de ABC e seja paralelo ao lado ABC oposto a este vértice. Qual é a relação entre as alturas de ABC e o triângulo DEF ? Faça esta construção no ambiente de geometria dinâmica e escreva a prova formal. (e) Com ajuda do ambiente de geometria dinâmica, investigue quais dos pontos notáveis são sempre interiores ao triângulo. Justifique suas conclusões por meio de argumentos formais. (f) Verifique se as demonstrações que você escreveu no ı́tens 13b, 13c e 13d continuam valendono caso dos pontos serem exteriores ao triângulo. (g) A razão para os nomes incentro e circuncentro está nos seguintes teoremas: • O incentro de um triângulo é o centro do ćırculo inscrito neste este triângulo. • O circuncentro de um triângulo é o centro do ćırculo circunscrito a este triângulo. Represente estes enunciados no ambiente de geometria dinâmica e justifique-os formalmente. 14. Considere o seguinte problema: Dados uma circunferência C, de centro O e raio r, e uma reta a, construir todos os ćırculos simultaneamente tangentes a C e a a, passando por um ponto P ∈ a fixado. O objetivo desta atividade é analisar as soluções do problema, levando em conta todas as diferentes possibilidades para as posições relativas entre o ćırculo C e a reta a. Suponha, inicialmente, que a não corte C. (a) Quantas soluções tem o problema? Isto é, existem quantos ćırculos simultaneamente tan- gentes a C e a a, e passando por P ? 78 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA (b) Em um ambiente de geometria dinâmica, faça a seguinte construção. 1. Trace a reta b, perpendicular a a que passa por P . 2. Sobre a reta b, marque os pontos C e D tais que AP = BP = r. 3. Trace as mediatrizes dos segmentos OA e OB. 4. Marque os pontos M e N de interseção dessas mediatrizes com a reta b. Mostre que M e N são os centros dos ćırculos tangentes procurados. Construa os ćırcu- los tangentes, com centros em M e em N e raios em MP e em NP , respectivamente. Para completar, construa as retas MP e NP e marque os pontos de tangência S e T , respectivamente. (c) A construção do item 14b também vale no caso em que a é secante a C? (d) O que acontece quando a é tangente a C? (e) Existe algum caso em que o problema tenha menos de duas soluções? E mais de duas soluções? A construção do item 14b também vale nestes casos? (f) Agora, suponha que você uma pequena alteração no final da construção do item 14b. Proceda da mesma forma até obter os pontos M e N . Em seguida, construa primeiro as retas MP e NP e marque os pontos de tangência S e T . Depois, construa os ćırculos tangentes, com centros em M e em N e raios em MS e em NT . As construções são equivalentes? Arraste a reta a até que ela seja secante a C. A construção é preservada? Explique o observado. 15. Na Matemática da Grécia antiga, os problemas de determinação de áreas de figuras planas eram chamados problemas de quadraturas. Isto por que esses problemas não eram interpretados como de medições numéricas, como fazemos hoje, e sim como construções geométricas (realizadas com os instrumentos euclidianos). Assim, para os gregos, determinar uma área significava construir, com régua não graduada e compasso, um quadrado com mesma área da figura dada. Considere o seguinte problema a seguir. Com ajuda de um ambiente de geometria dinâmica, vamos resolvê-lo da forma como os gregos antigos fariam. 4.1. EXPLORANDO A GEOMETRIA DE FORMA DINÂMICA 79 Dado um pentágono qualquer, construir um quadrado com mesma área. (a) A resolução deste problema pode ser facilitada com algumas construções auxiliares. Faça as seguintes construções em um ambiente de geometria dinâmica: i. construir um retângulo com mesma área de um triângulo qualquer dado; ii. construir um quadrado com mesma área de um retângulo qualquer dado; iii. construir um quadrado cuja área seja igual a soma das áreas de dois outros quadrados dados. (b) Como você pode usar as construções do item anterior para resolver o problema proposto? 16. As homotetias são transformações no plano que correspondem a ampliações ou reduções. Assim, as homotetias preservam medidas angulares e multiplicam todas as medidas lineares por uma razão constante k ∈ R. Portanto, podemos também chamar as homotetias de transformações de seme- lhança, pois as figuras transformadas são sempre semelhantes às originais. Diversas construções geométricas e demonstrações podem ser resolvidas com a ajuda de homotetias. A construção de homotetias em ambientes de geometria dinâmica pode ajudar os alunos a perceberem os efeitos dessas transformações de maneira mais concreta. Considere o seguinte problema: Dados uma circunferência C e um segmento de reta AB, inscrever na circunferência, um triângulo equilátero que tenha um lado paralelo ao segmento AB. (a) Inicialmente descreva as idéias e conceitos matemáticos que podem ajudar na solução do problema. (b) Construa no ambiente de geometria dinâmica os elementos enunciado do problema. (c) Como o conceito de homotetia pode ajudar na solução? (d) Agora que a construção está conclúıda, apresente uma prova formal para a sua solução envolvendo transformações de homotetia. 17. (Adaptado de [53]) Considere o seguinte problema: Dado um triângulo ABC qualquer, inscrever um quadrado QRST neste triângulo. (a) Identifique os dados do problema e as condições iniciais do problema. (b) O que é desconhecido neste problema? (c) Quais as condições para a construção da solução? (d) É posśıvel resolver este problema? Use um ambiente de geometria dinâmica para investigar as possibilidades de solução. Caso a solução não lhe pareça trivial, uma posśıvel estratégia é pensar em um problema similar, com menos hipóteses. Observe que, para que QRST esteja inscrito em ABC, é preciso que todos os vértices de QRST estejam sobre os lados de ABC. Assim, podemos propor, por exemplo o seguinte problema: Dado um triângulo ABC qualquer, construir um quadrado QRST que tenha três de seus vértices sobre os lados de ABC. Quando diminuem-se as exigências de um problema, é natural que sua solução torne-se mais simples. 80 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA (e) Experimente construir com um ambiente de geometria dinâmica uma figura que satisfaça às condições deste problema. (f) Como as propriedades dinâmicas do ambiente podem ajudar a relacionar este novo problema com o proposto originalmente? (g) Utilize as propriedades dinâmicas do ambiente para investigar a localização do quarto vértice. (h) Escreva uma prova matemática para o resultado obtido. As atividades 10 e 11 foram desenhadas para provocar sensações de surpresa ou incerteza nos alunos (ver [31]). Como observamos na introdução deste caṕıtulo, situações em que o computador produz resultados inesperados ou aparentemente errados são importantes para evidenciar aos estudantes a necessidade de construir argumentos matemáticos, e evitar que eles atribuam ao computador um estatuto de verdade matemática. As atividades 11 e 10 são apenas exemplos. Evidentemente, a escolha do tipo de questões que podem ter este efeito depende do público de alunos, seu ano escolar e sua bagagem de conteúdos. Na atividade 11, observamos que a soma dos ângulos internos de um poĺıgono convexo, dada por Sn = 180◦(n − 2), depende do número de lados, e cresce com esse número. Como cada ângulo ex- terno depende do ângulo interno correspondente, isto pode sugerir que a soma dos ângulos externos também varia com o número de lados do poĺıgono. No entanto, a soma dos ângulos externos de um poĺıgono convexo é constante, igual a 360◦. Além disso, como o cálculo de valores numéricos dos ambientes de geometria dinâmica envolve arredondamentos, este pode produzir resultados aproximados, que podem inclusive mudar de aluno para aluno. A discussão sobre as razões matemáticas destes erros de arredondamento pode, mais uma vez, ser usada para evidenciar a necessidade de buscar argumentos matemáticos. A atividade 10 envolve várias situações investigativas, em que a exploração no computador pode ser duvidosa ou inconclusiva. Algumas das situações propostas serão mais familiares aos alunos, e outras menos. Assim, o professor pode conduzir a atividade para a necessidade de buscar argumentos matemáticos para decidir que condições garante a congruência. Esta investigação podelevar ainda à discussão sobre o que significa enunciar os chamados “casos de congruência de triângulos”: estabelecer condições suficientes para a congruência, isto é condições que impliquem na congruência. Note que, nos enunciados das atividades 12, 13 e 15, empregamos os termos “trapézio qualquer”, “triângulo qualquer” e “pentágono qualquer”. Nosso objetivo com isto é chamar atenção para a importância da generalidade das construções no ambiente. Isto é, estas devem corresponder exatamente às condições estabelecidas nos enunciados dos problemas, sem propriedades que tornem os objetos representados mais particulares ou mais gerais. Por exemplo, a construção feita na atividade 12 não pode gerar apenas trapézios isósceles, por um lado, nem quadriláteros que deixem de ser trapézios, por outro – deve ser constrúıdo um trapézio genérico. Portanto, a única suposição que pode ser usada é o paralelismo das bases. A propriedade dinâmica do ambiente ajuda a verificar a generalidade dessa construção, uma vez que as alterações sofridas pelo poĺıgono podem ser observadas quando seus vértices são arrastados. Um aspecto importante no desenvolvimento do pensamento dedutivo em Matemática é a compreen- são de que, em uma demonstração não podem ser usadas suposições diferentes daquelas estabelecidas pelas hipóteses dadas. Quando fazemos uma representação estática (isto é, em papel e lápis) para um objeto geométrico, somos quase que inevitavelmente obrigados a incorporar na representação carac- teŕısticas mais particulares que as hipóteses dadas. Por exemplo, quando temos a intenção de desenhar um triângulo qualquer, quase sempre representamos nosso triângulo com base na posição “horizontal” e todos os ângulos agudos. Em alguns casos, as particularizações nas representações podem levar a parti- cularizações indevidas nos argumentos matemáticos. Por outro lado, o uso de representações dinâmicas, especialmente por meio da ferramenta de arrastar, pode ajudar a tornar mais evidente o fato de que 4.1. EXPLORANDO A GEOMETRIA DE FORMA DINÂMICA 81 devemos pensar em uma figura como uma representação genérica, que incorpora todas as relações e propriedades comuns à classe de objetos matemáticos representada. Um dos obje- tivos da atividade 13, especialmente nos ı́tens 13e e 13f, é explorar a relação entre a generalidade das representações e a generalidade dos argumentos matemáticos. Na atividade 14, a construção é válida em geral se a não intercepta C. De fato (figura 4.3, à esquerda), pelo caso lado-ângulo-lado de congruência de triângulos, temos que ACM ≡ OCM , logo AM ≡ OM . Como, por construção OS = PA = r, então MS ≡ MP . Dáı, decorre o fato de o ćırculo de centro M e raio MS = MP é tangente a C e a a (por que?). Analogamente (figura 4.3, à direita), temos que BDN ≡ ODN , logo BN ≡ ON , Como, por construção OS = PA = r, então NT ≡ NP . Segue que o ćırculo de centro N e raio NT = NP é tangente a C e a a (por que?). Figura 4.3: Construção dos ćırculos tangentes a um ćırculo C e a uma reta a, passando por um ponto P ∈ a fixado, no caso a exterior a C. Se a é secante a C, a construção vale, a não ser no caso em que P está sobre o ćırculo C. Se P 6∈ C, a justificativa da construção vem das congruências de triângulos ACM ≡ OCM e BDN ≡ ODN , como acima (figura 4.4). Entretanto, no caso em que P ∈ C, temos que OP = r. Como além disso, por construção, PA = PB = r, então, PA ≡ OP e PB ≡ OP . Portanto, P está nas mediatrizes dos segmentos PA e PB, logo P é o ponto de interseção destas mediatrizes com a reta a. Por isso, M e N coincidirão com P . Assim, não é posśıvel construir os ćırculos tangentes. De fato, neste caso o problema não tem solução, isto é, não existe nenhum ćırculo tangente a C e a a, passando por P . Figura 4.4: Construção dos ćırculos tangentes a um ćırculo C e a uma reta a, passando por um ponto P ∈ a fixado, no caso a secante a C. 82 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA Finalmente, vejamos o que acontece se a é tangente a C. Se a 6∈ C, podemos repetir a construção, porém uma das mediatrizes traçadas é paralela a a (figura 4.5). Portanto, só conseguimos obter um ćırculo tangente a C e a a. De fato, o problema tem uma única solução. No caso em que P ∈ C (isto é, P é o próprio ponto de tangência entre C e a), ambas as mediatrizes seriam paralelas a a. Portanto, não conseguiŕıamos construir nenhum ćırculo tangente. De fato, neste caso, o problema tem infinitas soluções, isto é, existem infinitos ćırculos tangentes a C e a a, passando por P . Figura 4.5: Construção dos ćırculos tangentes a um ćırculo C e a uma reta a, passando por um ponto P ∈ a fixado, no caso a tangente a C. A tabela 4.1 resume o número de soluções do problema proposto na atividade 14, para todos os casos posśıveis. Existem vários outros problemas envolvendo tangência a objetos geométricos, cuja diversidade de soluções torna a investigação enriquecedora. Nestes casos, os ambientes de geome- tria dinâmica podem dar um suporte importante às explorações dos aluno, desde que estas sejam acompanhadas dos devidos argumentos matemáticos. número de soluções P 6∈ C P ∈ C a exterior a C 2 — a secante a C 2 0 a tangente a C 1 ∞ Tabela 4.1: Número de soluções do problema de construção dos ćırculos tangentes a um ćırculo C e a uma reta a, passando por um ponto P ∈ a fixado. Neste sentido, o item 14f exemplifica uma situação em que a dinâmica do ambiente torna evidente a importância de cada escolha feita em uma construção – ou, em outras palavras, a importância de precisão com que cada objeto é definido na generalidade de um argumento matemático. Com a “pequena” alteração proposta na construção, observamos que esta não se preserva para o caso em que a reta a é secante a C, pois um dos ćırculos constrúıdos passa a ser tangente apenas a a, mas não a C (figura 4.6). Como entender por que isto ocorre? Observe que, a diferença fundamental entre as construções propostas nos ı́tens 14b e 14f está na definição dos raios dos ćırculos tangentes: estes são definidos como MP e NP em 14b, e como MS 4.1. EXPLORANDO A GEOMETRIA DE FORMA DINÂMICA 83 e NT em 14f. Os pontos S e T , por sua vez, são definidos pelas interseções entre a reta OM e C e entre a reta ON e C. Porém, cada uma destas retas possui dois pontos de interseção com C, mas somente um de cada dois são os pontos de tangência procurados. Portanto, em 14f o raio dos ćırculos constrúıdos são definidos tendo como base não os pontos de tangência, mas sim pontos de C que podem ou não coincidir com os pontos de tangência. Por isso, a construção não é estável, ou seja quando os elementos são movidos, os ćırculos constrúıdos podem deixar de ser tangentes. Figura 4.6: Por que a construção não se preserva? Desta forma, a exploração no ambiente de geometria dinâmica de uma escolha inadequada (pois não vale para todos os casos que a construção deve contemplar) permite o aprofundamento da compreensão da própria construção geométrica e dos conceitos matemáticos envolvidos. Sem o recurso dinâmico do ambiente, a diferença entre as escolhas e suas consequências para a construção poderiam facilmente passar despercebidas. Portanto, como nas atividades 10 e 11, a incerteza que esta situação pode causar nos alunos pode ser aproveitada pelo professor para motivar a exploração matemática de aspectos pouco evidentes do problema. A atividade 15 explora a ideia de determinar a área de uma figura geométrica por meio de composição e decomposição em figuras mais simples. Na matemática grega, estas eram ideias fundamentais na abor- dagem dos problemas de quadraturas, expressas por duas das noções comuns (ou axiomas) enunciadas por Euclides: Se iguais são somados a iguais, então os todos são iguais. Se iguais são subtráıdosde iguais, então os restos são iguais. No ensino básico, a abordagem de áreas (e também de volumes) frequentemente reduz-se a um repertório de fórmulas, apresentadas sem justificativas, que devem ser memorizadas pelos alunos. Iro- nicamente, isto faz com que a abordagem de geometria na escola seja mais algébrica ou numérica do que geométrica! Em geral, os alunos têm pouca oportunidade de explorar relações e propriedades geométricas em um contexto puramente geométrico, antes da apresentação de fórmulas. Por exemplo, é fundamental para a aprendizagem da noção de área explorá-la e percebê-la antes de mais nada como um atributo de natureza geométrica das figuras planas, ao qual, eventualmente, podem-se atribuir medidas numéricas (uma vez fixada uma unidade) e que – em certos casos muito particulares – pode ser representado por fórmulas algébricas. Assim, o resgate da abordagem de áreas por composição e decomposição é muito importante, e os ambientes de geometria dinâmica podem ser grande ajuda 84 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA em atividades desse tipo. No caso da atividade 15, a ideia é decompor o pentágono em triângulos (figura 4.7) e usar equivalências de áreas dos triângulos para obter a quadrado com mesmo área que o pentágono (figura 4.8). Figura 4.7: Um pentágono decomposto em triângulos. Figura 4.8: Um retângulo com mesma área de um triângulo dado; um quadrado com mesma área de um retângulo dado; e um quadrado cuja área é a soma de dois quadrados dados. Na atividade 16, a ideia é usar o fato de que, uma vez que as homotetias preservar ângulos, em particular, preservam paralelismo (figura 4.9). O ambiente de geometria dinâmica oferece uma repre- sentação mais concreta da transformação: os alunos podem efetivamente ver e manipular sua ação em figuras geométricas. Figura 4.9: Aplicando uma transformação de homotetia para resolver uma construção geométrica. 4.2. APROFUNDANDO A EXPLORAÇÃO GEOMÉTRICA 85 O encaminhamento da atividade 17 é inspirado na abordagem de Pólya1 para a resolução de proble- mas. A estratégia empregada para resolver um problema relativamente dif́ıcil é pensar primeiro em um problema semelhante, com condições mais simples. Por sua própria natureza, este tipo de estratégia envolve a investigação livre de diversos casos e, possivelmente, a formulação e verificação de diversas conjecturas intermediárias. Para esse processo, os ambientes de geometria dinâmica podem ser de grande ajuda. Atividades 18. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 10 a 17. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel do ambiente de geometria dinâmica no desenvolvimento das atividades? (d) Que questões chave você proporia para ajudar os alunos no desenvolvimentos das atividades? (e) Que vantagens e desvantagens o uso do ambiente de geometria dinâmica pode trazer para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação a abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso de recursos computacionais)? (f) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 19. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 10 a 17, que seja adequada para as turmas em que você leciona. 4.2 Aprofundando a Exploração Geométrica Existem incontáveis maneiras de aproveitar os recursos dos ambientes de geometria dinâmica no ensino. Na seção anterior, selecionamos algumas atividades como exemplos, com o objetivo principal de discutir alguns aspectos relevantes para o planejamento da abordagem de geometria euclidiana plana com apoio desses ambientes. Nesta seção, apresentamos mais algumas sugestões de atividades, enfocando conteúdos um pouco mais avançados. Lugares Geométricos A maior parte dos ambientes de geometria dinâmica dispõem de ferramentas de lugar geométrico2 ou rastro, que geram representações geométricas para o conjunto descrito por um ou mais pontos de uma construção, quando um de seus elementos é variado. Essas ferramentas acrescentam aos recursos dinâmicos de arrastar, os registros geométricos das variações consequentes. Isto é, além de observar essas variações, pode-se obter um registro concreto para elas. Desta forma, é posśıvel revelar novas relações entre os elementos de uma construção (que não são percebidas em uma primeira análise), 1György Pólya (1887-1985) foi um matemático húngaro. Além de ter contribúıdo em diversos campos da pesquisa em Matemática, seu importante trabalho em Ensino de Matemática tornou-se uma referência para a pesquisa em resolução de problemas. 2Do ponto de vista matemático, o termo lugar geométrico nada mais é que um sinônimo do conceito de conjunto, empregado no contexto particular da geometria plana ou espacial. Alguns autores criticam o uso do termo, argumentando que isto pode causar a impressão de que se tratam de conceitos matemáticos diferentes. Neste texto, optamos por manter o termo lugar geométrico, não apenas por ele ser usado na maioria dos softwares de geometria dinâmica, como também por julgar que, do ponto de vista pedagógico, seu uso enfatiza a ideia de definir conjunto de pontos do plano que compartilham uma propriedade em comum. 86 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA visualizar os lugares geométricos descritos pela variação desses elementos e explorar suas propriedades – levando a resultados às vezes surpreendentes. As atividades 1 e 2 a seguir apresentam alguns exemplos de exploração dessas ferramentas. Atividades 1. O objetivo desta atividade é utilizar a ferramenta de lugar geométrico do ambiente de geometria dinâmica para construir a imagem de um objeto por uma transformação no plano. Neste caso, usamos o exemplo da construção da imagem de um ćırculo por uma homotetia. Considere um ponto H e um número real k > 0 fixados (por exemplo, tome k = 1, 5). Construa um ćırculo C, de centro O e raio r > 0 qualquer (considere inicialmente H exterior a C). Marque um ponto P sobre C. Construa o ponto P ′ na reta que contém H e P , tal que P ∈ HP ′ e: HP ′ HP = k . (a) Temos que P ′ é a imagem de P pela homotetia de centro H e razão k. Justifique esta afirmação. (b) Arraste o ponto P ao longo do ćırculo C e observe o comportamento de P ′. O que você verifica? (c) Use os recursos de ambiente para traçar o lugar geométrico de P ′ quando P percorre C. Este lugar geométrico corresponde à imagem de C pela homotetia de centro H e razão k. Mostre que este lugar geométrico também é um ćırculo. (d) Qual é a medida do raio do ćırculo constrúıdo no item 1c? Como se pode construir o centro desse ćırculo? (e) Se construirmos outra figura geométrica, como por exemplo um quadrado, qual seria a imagem dessa figura pela homotetia? (f) Mova o ponto O até que H fique interior a C. Em seguida, mova O até que ele coincida com H. Justifique matematicamente o que você observa. (g) Agora, repita toda a construção acima, alterando a razão de homotetia k para um número menor que 1 (tome, por exemplo, k = 0, 5). Justifique matematicamente o que você observa. 2. Aproveite as telas que você construiu na atividade 14 da seção 4.1 para traçar os lugares geomé- tricos dos centros dos ćırculos simultaneamente tangentes a uma reta e um ćırculo dados. (a) Para isso, use o recurso do ambiente geometria dinâmica para gerar os lugares geométricos dos centros dos ćırculos tangentes ao ćırculo C e à reta a, quando o ponto P varia sobre a. Considere os casos: a exterior a C, a secante a C e a tangente a C. (b) Que tipo de subconjuntos dos planos são esses lugares geométricos? Justifique sua respostas com argumentos matemáticos. As ferramentas de lugar geométrico e rastro dos ambientes de geometria dinâmica propiciam um novo ńıvel deanálise das construções geométricas. Como exploramos em diversas situações na seção anterior, ferramentas como a de arrastar permitem observar de forma dinâmica as alterações em uma construção quando um de seus elementos varia. As ferramentas de lugar geométrico acrescentam a esse recurso a possibilidade de gerar registros concretos de tais alterações. Esses registros podem então ser percebidos e estudados como objetos geométricos em si – cujas alterações também podem ser 4.2. APROFUNDANDO A EXPLORAÇÃO GEOMÉTRICA 87 observadas dinamicamente de acordo com a variação de elementos da construção. Assim, é posśıvel analisar propriedades comuns a um ou mais pontos de uma construção geométrica e suas relações com a variação das condições iniciais da construção, do ponto de vista dos subconjuntos do plano euclidiano formados por esses pontos. Por exemplo, na atividade 1, pode-se construir primeiro a imagem pela transformação de homotetia de um ponto P fixado no ćırculo C. Em seguida, pode-se construir o conjunto formado pelas imagens de todos os pontos P ∈ C, isto é, a imagem de C (figura 4.10). Em em segundo ńıvel de análise, pode-se observar o que acontece com esse conjunto imagem quando são alteradas as condições iniciais da construção, tais como a posição relativa entre o centro de homotetia e o centro do ćırculo (figura 4.11), ou a razão de homotetia (figura 4.12). Figura 4.10: A imagem de um ćırculo por uma transformação de homotetia. Figura 4.11: O que acontece quando a posição relativa entre o centro de homotetia e o centro do ćırculo é alterada. Figura 4.12: O que acontece quando a razão de homotetia é alterada. 88 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA Na atividade 2, no caso em que a é exterior a C, a visualização no ambiente de geometria dinâ- mica sugere que o lugar geométrico dos centros dos ćırculos simultaneamente tangentes a C e a a é união de duas parábolas (figura 4.13). Para provar matematicamente este fato, observamos que um ponto X no plano é centro de um ćırculo simultaneamente tangente a C e a a se, e somente se, d(X,O) = d(X, a) + r (este é o caso do ponto M na figura) ou d(X,O) = d(X, a)− r (este é o caso do ponto N na figura). Assim, essas parábolas têm focos em O e diretrizes nas retas paralelas a a que distam r unidades de a. Figura 4.13: O lugar geométrico dos ćırculos tangentes a um ćırculo C e a uma reta a, no caso a exterior a C. No caso em que a é secante a C (figura 4.14), a posição de uma das parábolas inverte-se. O lugar geométrico é formado pelas duas parábolas, exclúıdos os pontos de interseção entre C e a. De fato, o argumento acima continua válido, mas esses pontos não são centros de nenhum ćırculo tangente a C e a a. Analogamente, no caso em que a é tangente a C (figura 4.15), o lugar geométrico é formado por uma única parábola, da qual é exclúıdo o (único) ponto de interseção entre C e a. Figura 4.14: O lugar geométrico dos ćırculos tangentes a um ćırculo C e a uma reta a, no caso a secante a C. 4.2. APROFUNDANDO A EXPLORAÇÃO GEOMÉTRICA 89 Figura 4.15: O lugar geométrico dos ćırculos tangentes a um ćırculo C e a uma reta a, no caso a tangente a C. Atividades 3. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 1 e 2. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel do ambiente de geometria dinâmica no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso do ambiente de geometria dinâmica pode trazer para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação a abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso de recursos computacionais)? (e) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 4. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 1 e 2, que seja adequada para as turmas em que você leciona. Geometria Espacial Podemos empregar representações em geometria dinâmica para a geometria especial da mesma forma que fazemos quando usamos papel e lápis: usamos representações planas para representar objetos tri- dimensionais. Assim, podemos aproveitar os recursos e funcionalidades dos ambientes de geometria dinâmica para explorar o espaço, assim como fazemos com a geometria plana, como discutimos na seção anterior. No caso da geometria especial, essas funcionalidades permitem alterar o ponto de vista de observação de um objeto tridimensional de forma dinâmica, contribuindo com a exploração do espaço e com o desenvolvimento da visualização espacial. Entretanto, é importante lembrar sempre que ainda lidamos com representações planas para objetos tridimensionais. Esta limitação na forma de representar é sem dúvida um obstáculo para o ensino de geometria espacial, que não é sanado pelo uso de ambientes de geometria dinâmica. Da que maneira que fazemos esboços de objetos tridimensionais em papel e lápis, ao construir representações para desses 90 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA objetos em geometria dinâmica, buscamos retratar aspectos relacionados à visualização, mas abrimos mão da preservação das propriedades métricas. Por exemplo, a representação do cubo da atividade 6 deve ser de tal forma que os movimentos no ambiente não distorçam as interseções entre arestas e faces. Podeŕıamos obter representações um pouco mais precisas usando, por exemplo, conceitos da geome- tria projetiva. Porém, nas atividades a seguir, optamos por propor representações simples, respeitando principalmente as relações de incidência e paralelismo entre os elementos, sem levar em conta as pro- priedades métricas dos objetos originais. Acreditamos que esta opção é suficiente para os objetos pedagógicos das atividades. Atividades 5. Seja ABCD um tetraedro regular. Considere R e S os pontos médios de BC e de AD, respecti- vamente. Utilize o ambiente de geometria dinâmica para investigar se as afirmações a seguir são verdadeiras ou falsas. Dê uma justificativa formal para cada um de suas conclusões. (a) O segmento AR é altura do triângulo ABC. (b) O segmento RS é altura do triângulo ARD. (c) O segmento RS é mediana do triângulo BSC. (d) O triângulo BSC é isósceles. (e) O triângulo ARD é equilátero. 6. (Adaptado de Provão/2000) Considere um cubo, em que CC ′ é uma aresta e ABCD e A′B′C ′D′ são faces opostas. O plano que contém o vértice C ′ e os pontos médios das arestas AB e AD determina no cubo uma seção. (a) Então, essa seção é um: i. triângulo isósceles; ii. triângulo retângulo; iii. quadrilátero; iv. pentágono; v. hexágono. Justifique sua resposta. 4.2. APROFUNDANDO A EXPLORAÇÃO GEOMÉTRICA 91 (b) Construa uma representação para este cubo e a seção em um ambiente de geometria dinâ- mica. Examine novamente a resposta do item 6a? (c) Como o ambiente de geometria dinâmica ajudo a responder 6a? Como já observamos, as representações para objetos tridimensionais nas atividades propostas devem respeitar principalmente a incidência e o paralelismo entre os elementos. Por exemplo, para construir o cubo da atividade 6a, podemos partir do quadrado frontal BCB ′C ′ e construir as demais arestas de forma que o paralelismo entre as demais arestas seja respeitado. Assim, para que a dinâmica da construção preserve a visualização do objeto geométrico tridimensional, podemos tomar como base as seguintes relações espaciais (figura 4.16): • A reta determinada pelos pontos M e N está contida no plano superior ABCD. Portanto, o ponto I1, de interseção entre as retas MN e BC pertence ao mesmo plano. • Como a reta BC também está contida no plano BCB ′C ′, então I1 também pertence a este plano. Assim, a reta determinada por I1 e C ′ está contida no plano BCB ′C ′ e necessariamente intercepta aaresta BB ′. Chamamos de R o ponto de interseção entre as retas I1C ′ e BB′. • Como I1 pertence à reta MN (por construção) e esta reta está contida no plano C ′MN , então I1 pertence a este plano. Como C ′ também pertence ao plano C ′MN , então a reta I1C ′ está contida neste plano. Isto garante que o ponto R pertence ao plano C ′MN . • Analogamente, tomamos o ponto I2, de interseção entre as retas MN e CD, definimos S o ponto de interseção entre as retas I2C ′ e DD′, e temos a garantia de que S pertence ao plano C ′MN . Figura 4.16: Representando de um objeto tridimensional em geometria dinâmica. 92 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA Com esta construção, garantimos que os pontos C ′,M , N , R e S, que são os vértices do pentágono são, de fato, coplanares. Experimente movimentar os pontos livres da construção do cubo. Você deverá verificar que, apesar de qualquer deformação visual (ou mudança do ponto de vista) que o movimento possa produzir na representação do cubo, sempre teremos a imagem de um pentágono (figura 4.17). Observe ainda que existe uma posição que o pentágono é visto como um segmento de reta. O que isto significa? Figura 4.17: Movimentando um objeto tridimensional em geometria dinâmica. Atividades 7. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 5 e 6. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel do ambiente de geometria dinâmica no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso do ambiente de geometria dinâmica pode trazer para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação a abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso de recursos computacionais)? (e) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 8. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 5 e 6, que seja adequada para as turmas em que você leciona. Haberdasher’s Puzzle Existem diversos quebra-cabeças matemáticos que podem ser usados para a exploração lúdica de relações entre figuras geométricas bidimensionais e tridimensionais. Alguns desses quebra-cabeças podem ter peças suas constrúıdas em ambientes de geometria dinâmica. Apresentamos a seguir uma proposta de uso do GeoGebra para explorar a dinâmica de um quebra- cabeças geométrico criado por Henry Dudeney3 em 1902: o Haberdasher’s Puzzle. Este quebra-cabeça consiste em fazer cortes retiĺıneos em um triângulo equilátero para montar um retângulo com os pedaços recortados (figura 4.18). 3Henry Ernest Dudeney (1857-1930) foi um matemático inglês autor de diversos jogos e quebra-cabeças matemáticos. 4.2. APROFUNDANDO A EXPLORAÇÃO GEOMÉTRICA 93 [foto:http://es.wikipedia.org/wiki/Henry Dudeney] Figura 4.18: Ilustração do Haberdasher’s Puzzle. No Haberdasher’s Puzzle, para se obter pedaços com quatro ângulos retos compat́ıveis com a mon- tagem de um retângulo são suficientes três cortes retiĺıneos. Esses cortes dividem o triângulo equilátero em três pedaços quadrangulares e um pedaço triangular: • o primeiro corte deve partir de um ponto F na base do triângulo equilátero, a uma distância x (menor do que a metade do lado do triângulo) de um dos vértices, e chegar no ponto médio do lado oposto a este vértice; • o segundo corte deve ser perpendicular ao primeiro corte e partir de um segundo ponto G na base do triângulo equilátero, a uma distância do primeiro ponto igual à metade do lado do triângulo; • o terceiro corte também deve ser perpendicular ao primeiro corte a partir do ponto médio E do único lado do triângulo equilátero que não foi seccionado pelos outros dois cortes. Para montar o quadrado basta fixar o primeiro pedaço quadrangular, dar um giro de 180◦ nos outros dois pedaços quadrangulares e transladar o pedaço triangular. A seguir apresentamos uma sequência de expressões (figura 4.2) que, após digitadas no campo de Entrada do GeoGebra, produzem o Haberdasher’s Puzzle em geometria dinâmica (figura 4.19). Nesta construção, toda a geometria dinâmica do Haberdasher’s Puzzle é determinada pela posição do ponto F , que pode arrastado ao longo do lado AB do triângulo equilátero, entre o vértice A e o ponto médio deste lado. Os pontos D e F são os médios dos lados BC e CA, respectivamente. O ponto G se move de forma que FG = 1 2 AB, e os pontos H e I se movem de forma que os segmentos GH e EI sejam ambos perpendiculares a FD. Os pedaços do triângulo ficam reposicionados, numa configuração retangular II ′LH ′ que depende da distância x do ponto F ao vértice A. Com a dinâmica do Haberdasher’s Puzzle, podemos perceber que é posśıvel encontrar uma posição do ponto F de tal forma que II ′LH ′ seja um quadrado. Assim, é natural propor o seguinte problema. Qual é a distância x do ponto F ao vértice A que corresponde a configuração quadrada na geometria dinâmica do Haberdasher’s Puzzle? Se a pergunta acima fosse de múltipla escolha provavelmente a alternativa x = 1 4 AB seria a mais escolhida. Porém, por mais provável que se pareça, essa alternativa não é a correta. A atividade 9 a seguir fornece um roteiro para encontrar a resposta correta para esse problema. 94 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA 1. A = (0, 0) 2. B = (6, 0) 3. C = girar[B, 60◦, A] Observação: o śımbolo ◦ da unidade graus deve ser selecionado na caixa de escolha logo ao lado do campo Entrada. 4. a = Segmento[B,C] 5. b = Segmento[A,C] 6. c = Segmento[A,B] Observação: desabilitar a exibição dos rótulos dos segmentos a, b e c. 7. D = PontoMédio[B,C] 8. E = PontoMédio[A,C] 9. F = Ponto[Segmento[A,PontoMédio[A,B]]] Observação: provavelmente esse ponto será criado sobre o vértice A: movimente-o para um lugar próximo a este vértice. 10. G = F +Vetor[A,B]/2 11. corte1 = Segmento[F,D] 12. H = Interseção[corte1,Perpendicular[G, corte1]] 13. corte2 = Segmento[G,H] 14. I = Interseção[corte1,Perpendicular[E, corte1]] 15. corte3 = Segmento[E, I] Observação: desabilitar a exibição dos rótulos dos segmentos corte1, corte2 e corte3. 16. pedaço1 = Poĺıgono[C,D, I, E] Observação: desabilitar a exibição dos rótulos dos segmentos criados. 17. pedaço2 = Girar[Poĺıgono[A,E, I, F ], 180◦ , E] Observação: desabilitar a exibição dos rótulos dos segmentos criados e dos pontos A′ e E′. 18. pedaço3 = Girar[Poĺıgono[B,D,H,G],−180◦, D] Observação: desabilitar a exibição dos rótulos dos segmentos criados e dos pontos B ′ e D′. 19. pedaço4 = Transladar[Transladar[Poĺıgono[F,G,H],Vetor[F,C]],Vetor[F,A]] Observação: desabilitar a exibição dos rótulos dos segmentos e dos pontos criados. Tabela 4.2: Construção do Haberdasher’s Puzzle em geometria dinâmica. 4.2. APROFUNDANDO A EXPLORAÇÃO GEOMÉTRICA 95 Figura 4.19: Geometria dinâmica do Haberdasher’s Puzzle. Atividades 9. O objetivo desta atividade é determinar a medida da distância x de tal forma que o retângulo formado no Haberdasher’s Puzzle seja um quadrado. (a) Mostre que a região retangular formada é bem definida, isto é, os pontos F ′, C e G′ estão alinhados. (b) Mostre que o segundo e o terceiro cortes têm a mesma medida, ou seja, GH = EI. (c) Mostre que as medidas dos lados do retângulo formado são dadas pelo primeiro corte e pelo dobro do segundo corte, isto é, DF e 2 ·GH. (d) Da equivalência entre as áreas do triângulo inicial e do retângulo formado, conclua que DF ·GH = √ 3 8 ·AB2 . (e) Mostre que o retângulo formado será um quadrado quando DF = 4 √ 3 2 · AB . (f) Das relações métricas do triânguloBFD, conclua que o retângulo formado será um quadrado quando x = 3− √ 4 √ 3− 3 4 · AB . Observamos que o número 3− √ 4 √ 3− 3 4 ' 0, 25450761671624 . . . é construt́ıvel com régua e compasso. 10. Explore a geometria dinâmicado Haberdasher’s Puzzle para um triângulo qualquer, refazendo sua construção com C = (3, 5) e movimentando, além do ponto F , os pontos A, B e C. Faça conjecturas sobre as condições para a existência de configurações retangulares e quadradas. 11. Idealize uma sequência didática com o Haberdasher’s Puzzle em uma aula de 50 minutos. Quais conceitos geométricos podem ser explorados? De que forma esses conceitos podem ser explora- dos? 96 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA 4.3 Articulando Geometria e Funções: Gráficos Dinâmicos Esta seção e a seguinte abordarão o uso de ambientes de geometria dinâmica no ensino de funções. Embora esses ambientes sejam mais largamente usados no ensino de geometria plana, seu uso também pode contribuir com aspectos importantes da aprendizagem de funções, não apenas no que diz respeito às diferentes representações de funções e das relações entre elas, como também ao próprio conceito de função. Além disso, as atividades envolvendo funções em ambientes de geometria dinâmica promovem naturalmente a articulação entre funções e geometria – campos da Matemática que em geral são apresentados de forma estanque nos livros didáticos e curŕıculos do ensino básico. Tal articulação se dá fundamentalmente em dois sentidos: por um lado, quando gráficos de funções reais são constrúıdos em geometria dinâmica, é necessário aplicar diversos conceitos da geometria plana; e por outro lado, os recursos dinâmicos dos ambientes permitem reconhecer e explorar concretamente relações funcionais entre objetos geométricos. Nesta seção, enfocaremos a construção de gráficos de funções reais de uma variável real em am- bientes de geometria dinâmica. A própria construção de gráficos em geometria dinâmica é, por si só, um exerćıcio interessante, que mobiliza e articula diversos conceitos geométricos de funções. Além disso, é posśıvel explorar relações entre as propriedades algébricas e o comportamento qualitativo de gráficos de faḿılias de funções dependendo de parâmetros. Atividades dessa natureza com ambientes computacionais gráficos já foram discutidas no caṕıtulo 3. No entanto, os ambientes de geometria dinâmica acrescentam aos recursos gráficos usuais a possibilidade de controlar os valores numéricos dos parâmetros por meio da ferramenta de arrastar, propiciando uma nova perspectiva de exploração de funções. Dança com Gráficos O software GeoGebra é concebido para integrar recursos geométricos e algébricos em um só ambiente (dáı vem o seu nome). Com isso, podemos facilmente gerar gráficos de funções reais elementares a partir de suas expressões algébricas, como propõe a atividade 1. Além disso, é posśıvel introduzir um ou mais parâmetros reais nos gráficos traçados, gerando-se assim faḿılias de funções reais, como propõem as atividades 2 em diante. A variação dinâmica desses parâmetros modifica o gráfico original da função em um movimento cont́ınuo, como em uma dança. Cada parâmetro, quando alterado dinamicamente, conduz o gráfico nesta dança com um passo caracteŕıstico, em um movimento espećıfico. Neste baile das funções elementares, a aprendizagem dos conceitos envolvidos pode se tornar muito mais significativa com o aux́ılio da geometria dinâmica. Atividades 1. Use o software GeoGebra para gerar gráficos de várias funções reais elementares à sua escolha. Para isto, basta digitar as expressões algébricas das funções no campo Entrada, como mostra a figura abaixo. Compare esta atividade com as que você realizou no caṕıtulo 3. Você vê alguma vantagem no uso do ambiente de geometria dinâmica? 2. Use agora o GeoGebra para representar faḿılias de funções reais dependendo de parâmetros, por meio de gráficos dinâmicos. Como exemplo, consideremos as funções f : R → R definidas por f(x) = a cos(b x + c), com a, b, c ∈ R. Exploraremos o movimento gráfico de f , a partir da mudança dinâmica nos valores dos parâmetros. 4.3. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: GRÁFICOS DINÂMICOS 97 (a) Primeiro, você deverá definir os seletores de valores para os parâmetros a, b e c. Para definir cada um deles, escolha a opção Seletor na barra de ferramentas superior (como mostra a figura abaixo) e, em seguida, clique na área de trabalho para marcar a posição em que o respectivo seletor aparecerá. Depois, digite f(x) = a cos(b x + c) e, em seguida, g(x) = cos(x) no campo Entrada. Os valores dos parâmetros podem ser controlados ar- rastando os seletores que aparecem na tela. Assim, você poderá observar as mudanças no gráfico dinâmico, comparando-as com o gráfico de g, que é fixado como referência. (b) Que questões você pode propor aos seus alunos com esta atividade? 3. Como já comentamos, muitas das atividades com ambientes computacionais gráficos propostas no caṕıtulo 3 também podem ser realizadas em geometria dinâmica. Em alguns casos, os recursos dinâmicos podem trazer vantagens pedagógicas a estas atividades. Por exemplo, repita a atividade 1 da seção 3.2 usando o ferramenta Seletor do GeoGebra para definir os parâmetros. Que vantagens e desvantagens pedagógicas você vê no uso do ambiente de geometria dinâmica, em relação ao ambiente gráfico, para realizar esta atividade? 4. Crie um roteiro para ajudar seus alunos a responderem as questões propostas nas atividades 6 e 7 da seção 3.2, com apoio de um ambiente de geometria dinâmica. 5. Crie um roteiro para ajudar seus alunos a responderem as questões propostas nas atividades 8 e 9 da seção 3.2, com apoio de um ambiente de geometria dinâmica. 98 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA 6. Considere a faḿılia de funções polinomiais h : R+ → R definida por h(x) = xk, com k ∈ R. Use o GeoGebra para criar um gráfico dinâmico representando essa faḿılia. (a) Explique o comportamento dos gráficos, considerando os casos em que k < 0, 0 6 k < 1 e k > 1. (b) Você observará que para alguns valores de k o programa mostra um trecho do gráfico para x < 0. Que valores são esses? Explique por que isso ocorre. 7. Considere a faḿılia de funções polinomiais do terceiro grau p : R → R definida por p(x) = x (x − 1) (x − a), com a ∈ R. Use o GeoGebra para criar um gráfico dinâmico representando essa faḿılia. (a) Varie a e observe as mudanças no gráfico de p. (b) Para que valores reais de a a função admite três ráızes reais distintas? Quantas ráızes reais tem p para os demais valores de a? Justifique sua resposta. 8. Considere a faḿılia de funções polinomiais do terceiro grau q : R → R definida por q(x) = x (x2 − a), com a ∈ R. Use o GeoGebra para criar um gráfico dinâmico representando essa faḿılia. (a) Varie a e observe as mudanças no gráfico de p. (b) Para que valores reais de a a função admite três ráızes reais distintas? Quantas ráızes reais tem p para os demais valores de a? Justifique sua resposta. (c) Você observará que, quando os valores positivos de a aumentam, o gráfico parece adquirir o aspecto de uma reta. Por que isso ocorre? A atividade 1 visa simplesmente à familiarização com os recursos de GeoGebra para o traçado de gráficos de funções reais. Como o enunciado da atividade sugere, procure comparar o uso de ambientes gráficos com o uso de ambientes de geometria dinâmica para gerar gráficos de funções reais elementares. As vantagens dos ambientes de geometria dinâmica no ensino de funções reais tornam-se mais significativas quando seus recursos são explorados para gerar gráficos dinâmicos. Por exemplo, no caso da atividade 3, é posśıvel mover dinamicamente a parábola e observar o movimento do vértice ao longo do lugar geométrico descrito por y = −2 x2 + 3 (figura 4.20). Figura 4.20: Gráfico dinâmico da faḿılia de parábolas y = 2 x2 + b x+ 3. 4.3. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: GRÁFICOS DINÂMICOS 99 Assim como na atividade 2, as atividades 4 e5 envolvem a aplicação de transformações em gráficos de funções (figura 4.21). Como sabemos (ver caṕıtulo 3): • os parâmetros aditivos determinam translações horizontais e verticais nos gráficos; • os parâmetros multiplicativos determinam dilatações horizontais e verticais nos gráficos. Com os recursos do ambiente de geometria dinâmica, é posśıvel criar seletores para controlar os valores dos parâmetros por meio da ferramenta de arrastar, que permitem manipular dinamicamente e visualizar os efeitos das transformações de translação e dilatação nos gráficos. Figura 4.21: O efeito dinâmico de transformações de translação e dilatação em gráficos de funções reais. As atividades 6 a 8 exploram a variação dinâmica de parâmetros em funções polinomiais. De forma semelhante ao que já discutimos no caṕıtulo 3, atividades desta natureza podem contribuir para a aprendizagem de funções reais em pelo menos dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, os recursos do ambiente computacional permitem a exploração das propriedades qualitativas das funções, articulando representações algébricas e gráficas de forma dinâmica. Isto é, o aluno pode manipular dinamicamente os valores dos parâmetros e observar, ao mesmo tempo, as alterações consequentes nos gráficos. Em segundo lugar, torna-se mais acesśıvel o estudo de tipos de funções cuja abordagem no ensino básico apenas com recursos usuais seria dif́ıcil (tais como funções polinomiais de grau maior que 2). Este aspecto possibilita a expansão do repertório de funções reais familiares aos alunos – que muitas vezes são levados a desenvolver uma imagem bastante limitada, por terem sido apresentados apenas a funções polinomiais de grau menor ou igual a 2. Atividades 9. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 1 a 8. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel do ambiente de geometria dinâmica no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso do ambiente de geometria dinâmica pode trazer para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em comparação com abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso de recursos computacionais), e com ambientes gráficos simples (como aqueles discutidos no caṕıtulo 3)? (e) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 10. Para cada um dos ı́tens a seguir, elabore uma atividade usando gráficos dinâmicos de funções dependendo de parâmetros, com os mesmos objetivos das atividades 1 a 8, que seja adequada para as turmas em que você leciona. Formule também uma sequência didática para aplicação de cada uma das atividades que você elaborar em uma aula de 50 minutos. Especifique os objetivos, os conceitos matemáticos explorados e de que maneiras esses conceitos podem ser explorados. 100 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA (a) funções polinomiais; (b) funções trigonométricas; (c) funções exponenciais e logaŕıtmicas. Construindo Gráficos Como Lugares Geométricos Nesta seção, estamos enfocando a construção de gráficos de funções reais em ambientes de geometria dinâmica. Até aqui, lançamos mão, para este fim, dos recursos espećıficos incorporados no GeoGe- bra: eixos cartesianos, digitação direta de expressões algébricas no campo Entrada, uso de Seletores para controlar valores de parâmetros (se quisermos usar gráficos dinâmicos para representar faḿılias de funções). Tais recursos não estão dispońıveis em todos os softwares de geometria dinâmica. Entretanto, mesmo naqueles que não os oferecem, também é posśıvel gerar gráficos de funções. Nesses casos, porém, é preciso construir do ińıcio toda a estrutura matemática necessária para representar esses gráficos – isto é, deve-se munir o plano euclidiano sintético com um sistema de coordenadas cartesianas. Evidentemente, quando o objetivo está em ensinar tópicos espećıficos sobre funções reais e o com- portamento de seus gráficos, não há motivo para desprezar os recursos do software que tornam seu estudo mais acesśıvel. Por outro lado, o exerćıcio de construir um sistema de coordenadas cartesianas em um ambiente de geometria dinâmica pode ser muito enriquecedor para a aprendizagem dos con- ceitos que fundamentam a geometria anaĺıtica. Por exemplo, ao se construir o sistema cartesiano, é necessário pensar em como estabelecer precisamente, com as ferramentas dispońıveis no software, a unidade linear, a orientação dos eixos, sua perpendicularidade (se for o caso), e assim por diante. O próprio processo de construção ressalta a importância teórica desses conceitos, que são tão elementares que seu papel constituinte na teoria é em geral esquecido. Além disso, uma vez estabelecido o sistema cartesiano, para construir o gráfico de uma função, emprega-se basicamente a ferramenta de lugar geométrico do ambiente. O uso dessa ferramenta tem como base o próprio conceito matemático de gráfico: o lugar geométrico dos pontos do plano cartesiano cujas coordenadas verificam a lei de formação da função. Em geral, os alunos aprendem tantos procedimentos para traçar gráficos em casos particulares, que essa noção fundamental fica em segundo plano. Em suma, quanto me- nos ferramentas prontas estão dispońıveis para a construção, mais conceitos matemáticos elementares são mobilizados. Outro aspecto importante dessas construções é a integração de diversos conceitos da geometria euclidiana no estudo de geometria anaĺıtica, funções reais e gráficos. Além da própria idéia de lugar geométrico são explorados os conceitos de paralelismo, perpendicularidade, razão entre medidas, trans- formações no plano (homotetias). Assim, é posśıvel explicitar na abordagem pedagógica as múltiplas relações de um mesmo conceito a diversos campos da Matemática, em lugar de atrelá-lo a uma forma espećıfica de representação. As atividades a seguir constituem um roteiro para a construção de um sistema de coordenadas cartesianas e de gráficos de funções reais em ambientes de geometria dinâmica que não possuem essas ferramentas espećıficas incorporadas. Ao longo das atividades, procuraremos ressaltar elementos geométricos e conceitos relacionados com cada construção. Teremos como referência o software Tabulæ. Esse roteiro será organizado em três etapas, mas ou menos independentes, a saber: • construção do sistema de coordenadas cartesianas, a partir de um tela em branco (atividade 11); • construção de gráficos de funções reais como lugares geométricos, a partir de uma tela com sistema cartesiano previamente constrúıdo (atividade 12); • definição de parâmetros e construção de gráficos dinâmicos, representando faḿılias de funções (atividade 13). 4.3. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: GRÁFICOS DINÂMICOS 101 Atividades 11. (Adaptado de [27]) O roteiro a seguir visa à construção de um sistema de coordenadas cartesianas em geometria dinâmica. 1. Construa uma reta livre de referência (preferencialmente em posição visualmente horizontal). Construa uma reta paralela e uma reta perpendicular à reta de referência. Chame essas duas retas de ox e oy, respectivamente. Chame de O o ponto de interseção entre ox e oy. Esconda a reta de referência. 2. Marque um ponto Ux na reta ox, à direita do ponto O. Construa um ćırculo de centro O e raio OUx. Chame de Uy o ponto de interseção entre esse ćırculo e a reta oy, que está acima do ponto O. Esconda o ćırculo constrúıdo. 3. Marque um ponto livre X sobre o eixo ox, e um ponto livre Y sobre o eixo oy. Use a ferramenta Razão por 3 pontos para definir as razões x = OX OUx e y = OY OUy . 4. Trace as retas perpendiculares a ox passado por X e a oy passando por Y , e chame de P o ponto de interseçãodestas retas. Se quiser, você poderá esconder essas retas em seguida. (a) No primeiro passo, foi constrúıda uma reta de referência, que depois foi escondida. Qual é a vantagem de construir essa reta? Por que não construir diretamente os eixos horizontal e vertical? (b) No sistema cartesiano constrúıdo, qual é o papel dos pontos Ux e Uy? (c) Qual é o significado das razões x = OX OUx e y = OY OUy calculadas? Arraste os pontos X e Y ao longo dos eixos e observe a variação desses valores. (d) Observe que, a partir de certo ponto da construção, passamos a usar a palavra eixo em lugar de reta. Por que esta palavra não foi usada desde o começo? (e) Arraste o ponto Ux ao longo do eixo horizontal, mantendo os pontos X e Y parados. Observe o que acontece com os valores de x e y enquanto você arrasta Ux. Interprete esses resultados nos casos em que: i. Ux está entre O e X; ii. X está entre O e Ux; iii. O está entre X e Ux. (f) Suponha que você faça a seguinte alteração na construção proposta: em lugar de marcar o ponto Uy como interseção do ćırculo com o eixo oy, marque Uy como um ponto livro nesse eixo. Assim, você poderá mover os pontos Ux e Uy independentemente. Que diferença esta alteração representa no sistema de eixos constrúıdo? 102 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA 12. (Adaptado de [27]) O roteiro a seguir visa à construção do gráfico de uma função real em geome- tria dinâmica, a partir de um sistema de coordenadas cartesianas previamente constrúıdo. Assim, comece com uma tela com um sistema de eixos cartesianos constrúıdo. 1. Como na atividade anterior, marque um ponto livre X sobre o eixo ox, e use a ferramenta Razão por 3 pontos para definir a razão x = OX OUx . 2. Use a ferramenta Calculadora para inserir a expressão algébrica da função cujo gráfico você deseja traçar. Neste exemplo, traçamos o gráfico de y = x2− 4x+ 3. Para inserir a expres- são na calculadora, você deverá selecionar x na própria tela e digitar os números e sinais no teclado da calculadora que aparecerá na tela. Chame de y o valor gerado. 3. Para marcar o ponto Y no eixo vertical cuja ordenada é y = x2 − 4x+ 3, você deverá usar a ferramenta Homotetia. Construa a imagem do ponto Uy pela homotetia de centro O e razão y. 4. Trace as retas perpendiculares a ox passado por X e a oy passando por Y , e chame de P o ponto de interseção destas retas. 5. Agora você poderá representar o gráfico de y = x2− 4x+ 3, usando as ferramentas Rastro de objetos ou Locus (lugar geométrico). Para usar a ferramenta Rastro de objetos, você deverá marcar o ponto P e, em seguida, selecionar a ferramenta. Para usar a ferramenta Locus, você deverá marcar o ponto P e, em seguida, selecionar a ferramenta. Para usar a ferramenta Locus, selecione a ferramenta e, em seguida marque os pontos P e X: com isso, o software representará o lugar geométrico de P quando X varia. 4.3. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: GRÁFICOS DINÂMICOS 103 (a) Justifique o uso da transformação de homotetia, incluindo a escolha de y e O como razão e centro de homotetia, para determinar o ponto no eixo oy que corresponde à ordenada do ponto P . (b) Discuta como o uso das ferramentas Rastro e Locus nesta atividade pode contribuir com a aprendizagem do conceito de função. Compare o uso dessas duas ferramentas, do ponto de vista pedagógico. (c) Arraste o ponto Ux ao longo do eixo horizontal, mantendo os pontos X e Y parados. Observe e explique as mudanças sofridas pelo gráfico. (d) Explique por que a parábola sempre passa pelo ponto OUx, quanto arrastamos os pontos X e Ux. Qual deve ser a relação entre os segmentos OX e OUx para que o ponto P coincida com o outro ponto em que a parábola intercepta o eixo horizontal? Justifique sua resposta. (e) Qual deve ser a relação entre os segmentos OX e OUx para que o ponto P coincida com o vértice da parábola? Justifique sua resposta. 13. (Adaptado de [27]) O roteiro a seguir visa à construção de um gráfico dinâmico para representar uma faḿılia de funções reais dependendo de um ou mais parâmetros, a partir de um sistema de coordenadas cartesianas previamente constrúıdo. Como na atividade anterior, comece com uma tela com um sistema de eixos cartesianos constrúıdo. 1. Como nas atividades anteriores, comece marcando um ponto livre X sobre o eixo ox, e use a ferramenta Razão por 3 pontos para definir a razão x = OX OUx . 2. Para definir os parâmetros, você deverá proceder de forma semelhante à construção das coordenadas x e y na atividade 11. Primeiro, trace uma reta r, sobre esta marque dois pontos Oa e Ua. Esta reta servirá como eixo de variação do parâmetro, e os pontos Oa e Ua servirão para marcar o zero e a unidade. Agora, marque um ponto livre A sobre a reta r e use a ferramenta Razão por 3 pontos para definir a razão a = OA OUa . Por meio desse procedimento, você poderá definir quantos parâmetros quiser. A partir dáı, a construção segue como a anterior. 3. Usar a ferramenta Calculadora para inserir uma expressão algébrica. Neste exemplo, traçamos a faḿılia de parábolas y = a x2 + b x + c, com a, b, c ∈ R. Construa os parâmetros a, b e c. Para inserção na calculadora, selecione x, a, b e c na própria tela. Chame de y o valor gerado. 104 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA 4. Use a ferramenta Homotetia para marcar o ponto Y no eixo vertical cuja ordenada é y = a x2 + b x + c. 5. Trace as retas perpendiculares a ox passado por X e a oy passando por Y , e chame de P o ponto de interseção destas retas. 6. Crie um gráfico dinâmico para representar a faḿılia y = a x2 + b x + c com a ferramenta Locus. (a) Altere os valores dos parâmetros. Observe e explique as mudanças no gráfico. (b) Observe que nesta construção não nos preocupamos em garantir que as unidades dos di- ferentes parâmetros fossem iguais. Ao definir mais de um parâmetro em uma construção como esta, é necessário que haja algum tipo de relação entre as unidades fixadas para cada um deles? Justifique sua resposta. (c) Compare esta atividade as anteriores desta seção, e com aquelas do caṕıtulo 3 que envolvem funções dependendo de parâmetros. Discuta as vantagens e desvantagens pedagógicas. Observe que com a ferramenta Calculadora dispońıvel no Tabulæ, é posśıvel definir funções polino- miais, trigonométricas, exponenciais, logaŕıtmicas e combinações destas. Procure pensar em atividades semelhantes abordando diferentes tipos de funções reais e compare-as com as desta seção e as do caṕıtulo 3. Estes processos de construção exercitam a compreensão de conceitos sobre quais em geral não se reflete quando são empregados software com mais recursos prontos. 4.3. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: GRÁFICOS DINÂMICOS 105 Por exemplo, os ı́tens 11e, 11f e 12c tratam dos efeitos de mudanças de coordenadas em pontos e em subconjuntos do plano cartesiano (no caso, gráficos de funções). Cabem algumas observações importantes a esse respeito. Nos ı́tens 11e e 11f, arrastar os pontos Ux e Uy corresponde a alterar as escalas dos eixos coordenados. Quando essas escalas são alteradas, a posição de P permanece fixa, porém os valores de suas coordenadas mudam. De fato, o ponto P é constrúıdo de maneira independente dos pontos Ux e Uy, entretanto suas coordenadas x e y dependem de Ux e Uy, pois são definidas como razões: x = OUx OX y = OUy OY (4.1) Assim, arrastar os pontos Ux e Uy corresponde a observar as alterações dos valores das coordenadas de um ponto fixo, enquanto são aplicadas mudanças no sistema de coordenadas do plano. No caso, as mudanças de coordenadas em questão correspondem simplesmente a alterações de escala, porém essas não são as únicas formas posśıveis de mudanças de coordenadas no plano (ver atividade 15). Na atividade 12, como o objetivo não é construir pontos X e Y independentes, mas estabelecer uma dependênciafuncional entre eles, a construção é feita de forma diferente. As relações 4.1 também são verdadeiras, porém a ordem da construção é diferente. Para entender bem essas diferenças e seus significados matemáticos, você deverá percorrer atentamente os passos da construção. Exatamente como em 11, o ponto X é constrúıdo de maneira independente de Ux e Uy; e, em seguida, a coordenada x é definida como razão entre OX e OUx. Entretanto, a diferença está na construção da coordenada vertical: a coordenada y é definida primeiro, como função da coordenada x; e o ponto Y é constrúıdo em seguida, como imagem de Uy pela homotetia de centro O e razão y. Assim, Y depende de y, que, por sua vez, é função de x. Isto é, o ponto Y e o valor de y não são arbitrários, e sim funções de x. A relação y = OUy OY é válida, mas neste caso não é a definição da coordenada y (como em 11), e sim uma consequência da construção do ponto Y como imagem por uma homotetia. Em consequência dessa construção, no item 12c, quanto Ux é arrastado, a posição do ponto X permanece fixa, mas a de Y muda. Ou seja, quando as escalas são alteradas, tanto a posição de P quanto os valores de suas coordenadas mudam. Além disso, em 12c, quando o ponto Ux é arrastado, o aspecto do gráfico da função também se altera. Isto ocorre porque a equação que define o lugar geométrico permanece fixa, enquanto a escala dos dois eixos é alterada. Ou seja, a parábola visualizada permanece sendo o conjunto {(x, y) ∈ R2 | y = x2 − 4x + 3}, porém a escala dos eixos muda. Portanto, arrastar o ponto Ux corresponde a ampliar ou reduzir a escala de visualização deste conjunto. Os ı́tens 12e e 12d podem ajudar a entender este aspecto: quando X ou Ux são arrastados, o efeito é o mesmo se a relação entre esses pontos (isto é, a razão entre os segmentos OX e OUx) for mantida. É importante observar ainda que, no item 11e, as escala dos dois eixos coordenados estão vinculadas entre si. Portanto, as mudanças de coordenadas em questão consistem da aplicação de uma transfor- mação por homotetia. Por outro lado, no item 11f as escala dos eixos não estão vinculadas, isto é, é posśıvel alterá-las independentemente. Compare essas atividades com as da seção 3.3 que envolve mudanças de escala. Por exemplo, nas atividades 4 e 5 daquela seção (p. 50), é preciso usar escalas muito diferentes nos eixos para entender o comportamento das funções. Atividades 14. Proponha um roteiro para a construção de gráficos de funções, de forma que seja posśıvel alterar as escalas dos eixos coordenados independentemente (como no item 11f). 106 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA 15. Evidentemente, existem outras formas de mudanças de coordenadas no plano, além daquelas discutidas nas atividades 11 e 12. De fato, qualquer transformação invert́ıvel R2 → R2 pode ser vista como uma mudança de coordenadas (e o mesmo vale em R3, bem como em dimensões superiores). Como exemplo, proponha um roteiro para uma construção que permita visualizar os efeitos das mudanças de coordenadas dadas por rotações no plano cartesiano. 16. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 11, 12 e 13. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Como se pode usar essas atividades para promover a articulação entre conceitos de geometria euclidiana, geometria anaĺıtica e funções em sala de aula? (d) Qual é o papel do ambiente de geometria dinâmica no desenvolvimento das atividades? (e) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? Que estratégias você adotaria para superar esses obstáculos. 4.4 Articulando Geometria e Funções: Novas Formas de Olhar Na seção anterior, apontamos dois aspectos importantes do uso de ambientes de geometria dinâmica no ensino de funções reais (p. 99): articular representações algébricas e gráficas dinamicamente, e expandir o repertório de exemplos familiares aos alunos. Entretanto, as potencialidades de aplicação desses ambientes no ensino de funções vão ainda mais além. Por exemplo, é posśıvel empregar outras formas de representação para funções reais, diferentes daquelas usualmente presentes em sala de aula no ensino básico (tipicamente, algébricas e gráficas). Esta é a proposta do aplicativo apresentado na tabela 4.3 e das atividades 2 a 8, a seguir. Além disso, é posśıvel estudar o comportamento de funções reais sem a mediação das representações usuais, por meio da exploração dinâmica da dependência funcional entre objetos em uma construção geométrica, como propõem as atividades 10 a 14. Tais aplicações ainda dizem respeito ao campo das funções reais – porém a geometria dinâmica oferece caminhos interessantes para se explorar além desse território. Os recursos dinâmicos permitem a experiência concreta com funções cujos doḿınios e contradoḿınios não são conjuntos numéricos. Por exemplo, as atividades 17 a 20 enfocam transformações no plano. Assim, além de apresentar novas representações e expandir o repertório de exemplos de funções reais apenas, é posśıvel ampliar o próprio universo de funções abordadas, articulando os campos de geometria plana e funções e aproximando mais a abordagem pedagógica da generalidade matemática do conceito de função. Desenrolando o Seno Ensinar o conceito de radiano não é uma tarefa fácil. Muitos alunos saem do ensino médio sem qualquer percepção intuitiva de medidas angulares em radianos. Esse fato pode ser verificado, solicitando aos alunos que representem medidas angulares em graus e em radianos por meio de aberturas com os braços: provavelmente, eles não terão dificuldades para representar uma abertura de 60◦, por exemplo, mas não terão ideia de como abrir os braços para indicar 1 rad. Apresentaremos a seguir o aplicativo Desenrolando o Seno, que permite relacionar graus com radia- nos e, de quebra, desenrolar arcos no eixo horizontal para traçar o gráfico da função seno (figura 4.22). Os passos da construção desse aplicativo no GeoGebra são dados na tabela 4.3. A geometria dinâmica 4.4. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: NOVAS FORMAS DE OLHAR 107 do aplicativo Desenrolando o Seno dá-se pelo movimento do ponto P sobre o eixo horizontal, desde a origem O até o ponto A de abscissa igual a π. Diversos aspectos interessantes da trigonometria podem ser explorados observando o desenrolar do arco de circunferência no eixo horizontal, juntamente com o traçado do gráfico do seno. Figura 4.22: Aplicativo GeoGebra: Desenrolando o Seno. 108 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA 1. O = (0, 0) Propriedades desse ponto: na aba básico habilitar a opção Fixar Objeto. 2. C = (−1, 0) Propriedades desse ponto: na aba básico habilitar a opção Fixar Objeto. 3. c = Ćırculo[C,O] Propriedades desse ćırculo: na aba básico desabilitar Exibição de Rótulo, na aba estilo mudar o estilo da linha para tracejado. 4. A = (2pi, 0) Propriedades desse ponto: na aba básico habilitar a opção Fixar Objeto. 5. P = Ponto[Segmento[O,A]] Propriedades desse ponto: na aba cor escolher vermelho, na aba estilo escolher Espessura da Linha 5; movimente esse ponto sobre o eixo horizontal até a abscissa 1. 6. radiano = Segmento[O,P ] Propriedades desse segmento: na aba básico em Exibir Rótulo escolher a opção Valor, na aba cor escolher verde escuro, na aba estilo escolher Espessura da Linha 9. 7. Q = Girar[O, radiano,C] Propriedades desse ponto: na aba cor escolher vermelho. 8. grau = Ângulo[O,C,Q] Propriedades desse ângulo: na aba básico em Exibir Rótulo escolher a opção Valor, na aba estilo escolher Tamanho 50. 9. cc = Arco[c,Q,O] Propriedades desse arco: na aba básico desabilitar Exibir de Rótulo, na aba cor escolher verde escuro, na abaestilo escolher Espessura da Linha 9. 10. h = Reta[Q,EixoX] Propriedades dessa reta: na aba básico desabilitar Exibir de Rótulo, na aba estilo escolher Estilo da Linha pontilhado. 11. v = Perpendicular[P,EixoX] Propriedades dessa reta: na aba básico desabilitar Exibição de Rótulo, na aba estilo escolher Estilo da Linha pontilhado. 12. seno = Função[sin(x), x(O), x(A)] Propriedades desse gráfico: na aba cor escolher vermelho, na aba estilo escolher Espessura da Linha 9. Tabela 4.3: Construção do aplicativo Desenrolando o Seno. Atividade 1. Elabore uma sequência didática com a utilização do aplicativo Desenrolando o Seno, apresentado na tabela 4.3 em uma aula de 50 minutos. Quais conceitos trigonométricos podem ser explorados? De que forma esses conceitos podem ser explorados? 4.4. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: NOVAS FORMAS DE OLHAR 109 Eixos Paralelos As atividades 2 a 8 a seguir apresentam uma forma diferente de analisar o comportamento de funções reais em geometria dinâmica: as variáveis independente e dependente são representadas em um sistema de eixos paralelos, em lugar de perpendiculares. Assim, quando o ponto X que representa a variável independente em um dois eixos é arrastado, o ponto Y que representa a variável dependente no segundo eixo move-se de acordo com os valores correspondentes da função. Se os pontos XY são ligados por um segmento de reta, o comportamento da função pode ser mais claramente percebido por meio da observação do movimento do segmento XY . O exerćıcio de compreender o comportamento de uma função real, a partir da interpretação de uma forma de representação diferente das mais familiares, pode ser enriquecedor para os alunos. Nas construções a seguir, teremos como referência o GeoGebra. Atividades 2. (Adaptado de [35]) A seguir, apresentamos um roteiro para construção de um sistema de eixos paralelos para representar funções reais no GeoGebra. Neste roteiro, constrúımos eixos paralelos horizontais. Porém, esta escolha é arbitrária, uma vez que a posição dos eixos não tem qualquer papel no desenvolvimento das atividades. 1. Marque os pontos Ox = (0, 0), Ux = (1, 0), Ox = (0, 2), Ux = (1, 2). A maneira mais fácil de fazê-lo é digitar diretamente no campo Entrada. Selecione a opção Fixar Objeto nas Propriedades de cada um destes pontos. 2. Trace as retas ox, passando por Ox e Ux, e oy, passando por Oy e Uy. 3. Marque um ponto livre X na reta ox. Os pontos Ox e Oy representarão as origens dos eixos ox e oy, respectivamente, e os segmentos OxUx e OyUy as unidades desses eixos. Observe que na construção acima a distância entre os eixos ox e oy é igual 2, porém esta distância é arbitrária e você poderá escolhê-la como quiser. Agora, você poderá usar esse sistema de eixos paralelos para representar o comportamento de uma função real. Para isso, siga o roteiro abaixo, em que damos o exemplo da função f : R→ R, f(x) = x2. 1. No campo Entrada, defina k =RazãoAfim[Ox, Ux, X]. 2. No campo Entrada, defina o ponto Y = (k2, 2) (basta escrever Y=(k^2,2)). 3. Construa um segmento ligando os pontos X e Y . 110 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA O número k corresponde à coordenada do ponto X em relação ao eixo ox. Usamos a letra k, em lugar de x, porque x é um “śımbolo reservado” no GeoGebra, isto é, tem um significado espećıfico. (a) Justifique cada passo da construção acima. (b) Arraste o ponto X ao longo do eixo de ox e observe o movimento do segmento XY . Explique esse comportamento. 3. (Adaptado de [35]) Você poderá usar o roteiro proposto na atividade 2 para representar diversas funções reais. Para isso, basta alterar a definição do ponto Y , entrando nas Propriedades do ponto. Verifique as funções dispońıveis no GeoGebra no campo localizado logo à direita de Entrada. Como exemplo, represente em eixos paralelos a função f : R? → R, f(x) = 1 x . Arraste o ponto X ao longo do eixo de ox e observe o movimento do segmento XY . (a) Explique o comportamento do segmento XY quando você aproxima o ponto X de Ox. Por que o ponto Y parece “sumir” e “reaparecer” do outro lado? (b) Explique o comportamento do segmento XY quando você afasta o ponto X de Ox. 4. Represente em eixos paralelos a função f : R → R, que, a cada x ∈ R associa a parte inteira de x. Para isto, use a função floor do GeoGebra. Arraste o ponto X ao longo do eixo de ox e observe o movimento do segmento XY . O segmento XY parece dar pequenos “saltos”. Por que isto ocorre? 5. Também é posśıvel usar o sistema de eixos paralelos para representar mais de uma função simul- taneamente. Por exemplo, a figura abaixo mostra a representação das funções f1, f2 : R → R, dadas por f1(x) = x2 e f2(x) = x3. (a) Faça essa construção, adaptando o roteiro proposto na atividade 2. Para fazer esta adaptação, você deverá definir um ponto Y1, da mesma forma que o ponto Y foi definido na atividade 2, e definir um segundo ponto Y2 no eixo oy. Como este segundo ponto deve ser constrúıdo? (b) Arraste o ponto X ao longo do eixo de ox e explique o comportamento dos segmento XY1 e XY2. 6. Você poderá ainda usar eixos paralelos para representar operações entre funções, tais como soma, produto ou composição. Por exemplo, a figura abaixo representa as funções f1, f2 : R → R, dadas por f1(x) = x2 e f2(x) = f1(x) + 1. 4.4. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: NOVAS FORMAS DE OLHAR 111 (a) Faça essa construção, adaptando o roteiro proposto na atividade 2. Para fazer esta adaptação, você deverá definir p =RazãoAfim[Oy, Uy, Y1], por meio do campo Entrada. Em seguida, defina o ponto Y2 = (p+ 1, 2). (b) Arraste o ponto X ao longo do eixo de ox e explique o comportamento dos segmento XY1 e XY2. Como as atividades anteriores ilustram, diversos aspectos interessantes sobre o comportamento de funções reais podem ser explorados por meio de sistemas de eixos paralelos. Observe que, nas ativi- dades 3 e 4, foram inclúıdas questões chave para ajudar seu desenvolvimento pelos alunos. No caso da atividade 3, essas questões procuram encaminhar a análise dos limites infinitos e no infinito da função. Assim, o “sumir e reaparecer do outro lado” corresponde à existência de um asśıntota vertical em x = 0. Na atividade 4, os “pequenos saltos” correspondem aos infinitos pontos de descontinui- dade da função. Questões como essas, se convenientemente formuladas, podem ajudar a entender as propriedades particulares de cada exemplo abordado. Atividades 7. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 2 a 6, que seja adequada para as turmas em que você leciona. Procure incluir questões chave (como as propostas nas atividades 3 e 4). 8. Outra possibilidade de exploração de representação de funções em eixos paralelos é fornecer construções prontas e pedir para que os alunos tentem adivinhar a função representada. Elabore uma atividade desta natureza, que seja adequada para as turmas em que você leciona. Inclua questões chave que ajudem os alunos a chegarem à resposta. 9. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 2 a 8. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? Que questões conceituais podem ser exploradas quando utilizamos os eixos paralelos para representar funções? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel do ambiente de geometria dinâmica no desenvolvimento das atividades? (d) Como você considera que atividades como essas podem contribuir com a aprendizagem de funções reais no ensino básico? (e) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 112 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA Relações de Dependência entre Grandezas Geométricas O objetivo das atividades 10 a 14 a seguir é investigar relações de dependência funcional entre grandezas geométricas (basicamente,comprimentos e áreas), com o apoio de ambientes de geometria dinâmica. Essas atividades (que têm como referência o software GeoGebra) são organizadas de acordo com a seguinte estrutura: • Em primeiro lugar, procura-se investigar as relações de dependência sem a mediação de represen- tações algébricas e gráficas, explorando-se apenas a construção geométrica dinâmica. • Em seguida, a variação dos valores das funções é explorada por meio de pontos variáveis sobre um eixo. • Somente depois dessa exploração inicial, é constrúıdo o gráfico da função, ainda se empregando os recursos do software. Propõe-se então que as perguntas feitas em cada problema sejam res- pondidas por meio de métodos anaĺıticos. Esta estrutura visa incentivar uma percepção intuitiva da variação das funções reais, antes de analisá- las por meio de representações algébricas e gráficas. Tais representações são muito poderosas para a resolução de problemas modelados por funções reais e, por isso, são as mais largamente empregadas em sala de aula. Entretanto, justamente devido a esse grande poder de resolução, as representações algébricas e gráficas são muitas vezes abordadas de forma mecanizada e com pouca reflexão, o que pode comprometer seriamente o desenvolvimento da ideia intuitiva de variação. A investigação de relações dependência entre grandezas geométricas constituem uma oportunidade para recuperar a percepção intuitiva da ideia de variação, e os ambientes de geometria dinâmica podem fornecer um apoio importante para esse objetivo. Atividades 10. (Adaptado de [10]) O objetivo desta atividade é investigar a variação da área de um retângulo, quando um de seus lados é mantido fixo e o segundo varia. Em um ambiente de geometria dinâmica, construa um retângulo ABCD de lados AB = CD = 4 e BC = DA = 3. Marque um ponto livre X ∈ AB e um ponto Y ∈ CD tal que XY ⊥ AB. (a) Use os recursos do software para exibir o comprimento de AX e a área do retângulo AXYD. Arraste o ponto X ao longo de AB e observe a variação da área de AXYD. Como você caracterizaria essa variação? 4.4. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: NOVAS FORMAS DE OLHAR 113 (b) Construa um eixo para representar a variação da área de AXYD. Para fazer isso no Geo- Gebra, você poderá seguir o roteiro abaixo. Neste roteiro, constrúımos um eixo vertical, porém esta é uma escolha arbitrária e você poderá constrúı-lo na posição que desejar. 1. Marque os pontos O = (0, 0), U = (0, 1), por meio do campo Entrada, e selecione a opção Fixar Objeto nas Propriedades de cada um destes pontos. 2. Trace a reta ox passando por O e U . 3. Defina S=Área[A,X,Y ,D], digitando esta expressão no campo Entrada. Com isso, você criará uma variável numérica S, cujo valor é a área de AXYD. 4. Marque o ponto P = (0, S), pelo campo Entrada. Portanto, este ponto variará sobre a reta determinada por O e U . Arraste X ao longo de AB e observe o movimento do ponto P . (c) Agora construa, no ambiente de geometria dinâmica, o gráfico que representa a área de AXYD em função do lado AX. Para fazer isso no GeoGebra, você poderá seguir o roteiro: 1. Selecione a opção Exibir Eixos no menu. 2. Defina k=Comprimento[Vetor[A,X]], pelo campo Entrada. 3. Defina S=Área[A,X,Y ,D], pelo campo Entrada. 4. Marque o ponto P = (k, S), pelo campo Entrada. Antes de completar a construção, arraste X ao longo de AB e observe o movimento do ponto P . É o caminho deste ponto que descreve o gráfico de S. 5. Construa o lugar geométrico do ponto P = (k, S), quando X varia sobre AB. (d) Defina a função S que a cada k = AX associa a área do retângulo AXYD, especificando seu doḿınio e seu contradoḿınio. Qual é a imagem desta função? 11. (Adaptado de [10]) Suponha que agora você pretenda investigar a variação da área de um triângulo retângulo, quando um de seus lados varia. Nesta atividade, a investigação será conduzida seguindo os mesmos passos da atividade 10. Construa em um ambiente de geometria dinâmica um triângulo retângulo ABC de catetos AB = 4 e BC = 3. Marque um ponto livre X ∈ AB e um ponto Z ∈ BC tal que XZ ⊥ AB. 114 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA (a) Exiba o comprimento de AX e a área do triângulo AXZ no ambiente geometria dinâmica. Arraste o ponto X ao longo de AB e observe a variação da área de AXZ. Como você caracterizaria essa variação? (b) Construa um eixo para representar a variação da área de AXZ, adaptando o roteiro dado no item 10b. Arraste X ao longo de AB e observe o movimento do ponto P que você construiu sobre o eixo. Você considera que esta exploração pode ajudar a entender a variação da área do triângulo AXZ? (c) Construa, no ambiente de geometria dinâmica, o gráfico que representa a área de AXZ em função do lado AX adaptando o roteiro de 10c. Antes de completar a construção, arraste X ao longo de AB e observe o movimento do ponto P . (d) Defina a função S1 que a cada k = AX associa a área do triângulo AXZ, especificando seu doḿınio e seu contradoḿınio. Qual é a imagem desta função? 12. (Adaptado de [10]) Considere uma alteração no problema proposto na atividade 11. Com o mesmo enunciado, agora você investigará a variação da área do trapézio retângulo BXZC, em função dos valores de XB. Repetiremos os passos das atividades 10 e 11. 4.4. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: NOVAS FORMAS DE OLHAR 115 (a) Exiba o comprimento de BX e a área do trapézio BXZC. Arraste X ao longo de AB e observe a variação da área de BXZC. Como você caracterizaria essa variação? (b) Construa um eixo para representar a variação da área de BXZC, adaptando o roteiro dado no item 10b. Arraste X ao longo de AB e observe o movimento do ponto P . Você considera que esta exploração pode ajudar a entender a variação da área? (c) Construa, no ambiente de geometria dinâmica, o gráfico que representa a área de BXZC em função do lado XB adaptando o roteiro de 10c. Antes de completar a construção, arraste X ao longo de AB e observe o movimento do ponto P . (d) Defina a função S2 que a cada k = XB associa a área de BXZC, especificando seu doḿınio e seu contradoḿınio. Qual é a imagem desta função? (e) Qual é a relação entre as funções S (definida na atividade 10), S1 (definida na atividade 11) e S2 (definida nesta atividade)? 13. (Adaptado de [11]) Considere o seguinte problema. Dentre todos os triângulos isósceles ABC com AB = AC = a fixos, determine aquele que tem a maior área. Para investigar a solução deste problema, seguiremos os mesmos passos das atividades anteriores. (a) Em um ambiente de geometria dinâmica, construa um triângulo ABC tal que os compri- mentos AB = AC = 1 sejam fixos e o comprimento de BC seja variável. Use os recursos do software para exibir os valores do comprimento de BC e da área de ABC. Arraste os pontos B e C e observe a variação da área do triângulo ABC. (b) Como a existência do ponto de máximo procurado pode ser justificada, apenas com base nas condições geométricas do problema? Como a exploração feita no item anterior pode ajudar a responder esta questão? (c) Construa um eixo para representar a variação da área de ABC, adaptando o roteiro dado no item 10b. Arraste os pontos B e C e observe o movimento do ponto P e o seu valor máximo. Com base nesta exploração, você é capaz de ter uma idéia de que triângulo isósceles tem a maior área? (d) Construa, no ambiente de geometria dinâmica, o gráfico que representa a área de ABC em função do lado BC adaptando o roteiro de 10c. Antes de completar a construção, arraste B e C e observe o movimento do ponto P . (e) Defina a função S que a cada k = BC associa a área de ABC, especificando seu doḿınio e seu contradoḿınio. Qual é a imagem desta função? (f) Determine analiticamente o ponto de máximo absoluto da função S. 116 CAPÍTULO 4. AMBIENTESDE GEOMETRIA DINÂMICA 14. (Adaptado de [27]) Considere o seguinte problema. Dentre todos os retângulos com peŕımetro p fixo, determine aquele com a maior área. Para investigar a solução deste problema, seguiremos os mesmos passos das atividades anteriores. (a) Em um ambiente de geometria dinâmica, construa um retângulo ABCD, cujos lados possam ser alterados mantendo-se fixo o peŕımetro. Uma maneira de fazer essa construção no Geo- Gebra é dada no roteiro a seguir. Nesta construção, fixamos o peŕımetro do retângulo em 20 unidades, mas esta é um escolha arbitrária. 1. Marque um ponto A qualquer. Defina o ponto W = A+ (10, 0), pelo campo Entrada. Trace o segmento AW . Marque um ponto livre B no segmento AW . Esta construção garante que o ponto B nunca poderá ficar a uma distância de A superior a 10 unidades. Em seguida, esconda o ponto W e o segmento AW . 2. Defina a=Comprimento[Vetor[A,B]], pelo campo Entrada. 3. Defina b = 10− a, pelo campo Entrada. 4. Defina C = B + (0, b) e D = A + (0, b), pelo campo Entrada. 5. Ligue os pontos A, B, C e D por segmentos de reta, e defina o poĺıgono ABCD. Agora, use os recursos do software para exibir os valores do comprimento de BC e da área de ABCD. Arraste o vértice B do retângulo e observe a variação da área de ABCD. (b) Como a existência do ponto de máximo procurado pode ser justificada, apenas com base nas condições geométricas do problema? Como a exploração feita no item anterior pode ajudar a responder esta questão? (c) Construa um eixo para representar a variação da área do retângulo ABCD em função da variação de AB, adaptando o roteiro dado no item 10b. Arraste o vértice B e observe o movimento do ponto P e o seu valor máximo. Com base nesta exploração, você é capaz de ter uma idéia de que retângulo tem a maior área? (d) Construa, no ambiente de geometria dinâmica, o gráfico que representa a área de ABCD em função do lado AB adaptando o roteiro de 10c. Antes de completar a construção, arraste o ponto B e observe o movimento do ponto P . (e) Defina a função S que a cada k = AB associa a área de ABCD, especificando seu doḿınio e seu contradoḿınio. Qual é a imagem desta função? (f) Determine analiticamente o ponto de máximo absoluto da função S. 4.4. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: NOVAS FORMAS DE OLHAR 117 No problema proposto na atividade 10, é posśıvel verificar que acréscimos iguais no lado variável do retângulo implicam em acréscimos iguais em sua área. Isto pode ser constatado, observando que a medida do lado XY permanece constante enquanto a medida de AX varia. Este tipo de variação caracteriza as funções afins, o que é confirmado pelo traçado do gráfico da função S (figura 4.23) e por sua definição: S : [0, 4]→ R , S(x) = 3 x . Figura 4.23: O gráfico da função área do retângulo, constrúıdo em geometria dinâmica. Já nos problemas das atividades 11 e 12, verifica-se que os acréscimos nos valores nas funções não dependem apenas dos acréscimos nas variáveis independentes. É claro que tanto a área do triângulo quanto a área do trapézio crescem quando os respectivos lados variáveis aumentam. Isto é, as funções S1 e S2 são ambas crescentes. Entretanto, os acréscimos da função S1 crescem, enquanto que os da função S2 decrescem quando os lados aumentam. Esses acréscimos nas áreas do triângulo e do trapézio podem ser observados por meio das variações nas medidas dos lados XZ de cada um dos poĺıgonos, enquanto as medidas dos lados AX e XB, respectivamente, variam. Em termos de cálculo diferencial, isto equivale a dizer que tanto S1 quanto S2 têm derivadas positivas, porém S1 tem derivada segunda positiva e S2 tem derivada segunda negativa (ver, por exemplo [48]). Assim, as medidas dos lados XZ representam “acréscimos infinitesimais” nas funções área. Finalmente, podemos construir os gráficos das funções S1 e S2 no ambiente de geometria dinâmica (figuras 4.24 e 4.25) e escrever suas definições: S1, S2 : [0, 4]→ R , S1(x) = 3 8 x2 , S2(x) = 1 2 x ( 6− 3 4 x ) = 3 x− 3 8 x2 . 118 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA Figura 4.24: O gráfico da função área do triângulo, constrúıdo em geometria dinâmica. Figura 4.25: O gráfico da função área do trapézio, constrúıdo em geometria dinâmica. Assim, é posśıvel verificar que, para cada valor de x, vale a relação: S(x) = S1(x) + S2(x) . Esta relação pode ser interpretada geometricamente de forma simples, que também pode ser repre- sentada em geometria dinâmica, como mostra a figura 4.26. 4.4. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: NOVAS FORMAS DE OLHAR 119 Figura 4.26: A relação entre as áreas, representada em geometria dinâmica. Na atividade 13, a exploração da construção geométrica dinâmica no ambiente pode ajudar a perceber a justificativa geométrica para a existência da solução do problema. De fato, nos casos em que B = C e em que BC = 2AB, o triângulo se degenera em segmentos de reta, e a área vale 0. Como a área assume apenas valores positivos e varia continuamente, então esta assume um máximo absoluto para algum valor de BC entre 0 e 2AB. Em termos do cálculo diferencial, esta conclusão é consequência do Teorema de Weierstrass (ver, por exemplo [48]). A prinćıpio, a intuição pode nos sugerir que a solução do problema esteja no ponto médio de 0 e 2AB, isto é, que o triângulo isósceles de maior área posśıvel seja o triângulo equilátero. Entretanto, o gráfico que representa a área (figura 4.27) sugere que a solução não é essa. Tomando AB = AC = a, temos que a função área é definida da seguinte forma: S : [0, 2 a]→ R , S(x) = 1 4 x √ 4 a2 − x2 . Para determinar analiticamente o ponto de máximo a partir dessa função, precisamos de métodos do cálculo. Determinando a derivada de S, obtemos: S ′(x) = 2 a2 − x2 2 √ 4 a2 − x2 Como a solução da equação S ′(x) = 0 é x = a √ 2 , podemos concluir que este é o ponto de máximo de S. Portanto, o triângulo isósceles de maior área posśıvel é o triângulo retângulo isósceles. Assim, a solução do problema é “metade de um quadrado”. Esta observação nos lembra um problema equivalente, cuja solução é mais intuitiva: Dentre todos os losangos com lado fixo, aquele que tem a maior área é quadrado. 120 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA Figura 4.27: O gráfico da função área do triângulo isósceles, constrúıdo em geometria dinâmica. De maneira análoga, na atividade 14, observamos que, se AB = 0 ou AB = p 2 , o retângulo se degenera em segmentos de reta, e a área vale 0. Então, como a área é positiva e cont́ınua, podemos concluir que a área assume um máximo absoluto para algum valor de AB entre 0 e p 2 . A figura 4.28 mostra o gráfico que representa a área traçado em um ambiente de geometria dinâmica. A função área é definida por: S : [ 0, p 2 ] → R , S(x) = x (p 2 − x ) . Portanto, a solução do problema é a quadrado de lado p 4 . Atividades 15. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 10 a 14. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel do ambiente de geometria dinâmica no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso do ambiente de geometria dinâmica pode trazer para a aprendizagem dos conceitos estudados, em relação a abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso de recursos computacionais)? (e) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 16. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 10 a 14, que seja adequada para as turmas em que você leciona. 4.4. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: NOVAS FORMAS DE OLHAR 121 Figura 4.28: O gráfico da função área de um retângulo com peŕımetro fixo,constrúıdo em geometria dinâmica. Transformações no Plano A partir de agora, apresentamos alguns exemplos de atividades em ambientes de geometria dinâmica que envolvem funções cujos doḿınios e contradoḿınios não são conjuntos de números reais, visando à ampliação do universo de funções exploradas pelos alunos no ensino básico. Transformações no plano podem ser vistas como funções R2 → R2. A maioria dos ambientes de geometria dinâmica, incluindo o GeoGebra e o Tabulæ, dispõem de recursos prontos que permitem a construção direta e a exploração das propriedades dos principais tipos de transformações no plano, tais como homotetias, reflexões, rotações, translações e inversões. Por outro lado, construções de trans- formações no plano em geometria dinâmica desde o começo, sem que esses recursos prontos sejam utilizados (como propõe as atividades 18 a 19), também podem ser exerćıcios interessante, pois mobi- lizam os elementos e propriedades fundamentais que servem para definir cada tipo de transformação. O objetivo dessas atividades é justamente aprofundar o conhecimento sobre as definições das trans- formações. Já no caso da atividade 20, em que se pede que seja usado o recurso pronto dispońıvel no GeoGebra, o objetivo é usar a dinâmica do ambiente para explorar as propriedades da transformação e, posteriormente, justificar sua validade com base na definição formal. Atividades 17. Reveja as atividades 16 da seção 4.1 e 1 da seção 4.2, que enfocam propriedades das trans- formações de homotetia. Responda às perguntas a seguir, justificando as suas respostas. Lembre- se que, para que uma homotetia fique bem definida é preciso que sejam conhecidos seu centro (um ponto no plano) e sua razão (um número real). (a) Escreva a definição de homotetia. 122 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA (b) Homotetias são funções injetivas? (c) Homotetias são funções sobrejetivas? (d) Seja C um ćırculo de centro O e raio r. Mostre que a imagem de C também é um ćırculo. Como se pode encontrar o centro e o raio do ćırculo imagem a partir do centro e do raio do ćırculo original? (e) Se A é um subconjunto qualquer do plano, explique a relação entre A e seu conjunto imagem por uma homotetia. 18. Existem dois tipos principais de reflexões ortogonais no plano: as centrais (em relação a um ponto) e as axiais (em relação a uma reta). Uma reflexão axial pode ser definida da seguinte forma. Seja r uma reta fixada no plano. A reflexão ortogonal em relação a r é definida como a função R : R2 → R2 que a cada ponto P no plano associa o (único) ponto P ′ 6= P tal que: (i) PP ′ é perpendicular a r; (ii) se Q é o ponto de interseção entre PP ′ e r, então PQ ≡ P ′Q. (a) Com base na definição acima, elabore um roteiro para construção da reflexão de um ponto P em relação a uma reta em um ambiente de geometria dinâmica. (b) Use a ferramenta Lugar geométrico do ambiente para obter as imagens de uma reta e de um ćırculo pela reflexão que você construiu. (c) Seja R : R2 → R2 uma reflexão ortogonal em relação a uma reta. Se P é um ponto e A é um subconjunto no plano, o que se pode afirmar sobre R(R(P )) e R(R(A))? Justifique a sua resposta. 19. Repita a atividade 18 para reflexões centrais. 20. As inversões são tipos de transformações do plano, definidas da seguinte forma. Seja C um ćırculo, de centro O e raio r, fixado no plano. A inversão em relação a C é definida como a função que a cada ponto P no plano associa o (único) ponto P ′ pertence à semi-reta −→ OP tal que: OP ·OP ′ = r2 . Use os recursos do GeoGebra para fazer a seguinte construção. 1. Construa um ćırculo C de centro O. 2. Marque um ponto livre P . Use o recurso do software para marcar o ponto P ′, dado pela imagem de P pela transformação de inversão em relação ao ćırculo C. 3. Construa uma reta r e marque um ponto livre A sobre r. Marque A′, imagem de A pela inversão em relação a C. Use a ferramenta Locus para construir o lugar geométrico de A′ quanto A varia sobre r. Esse conjunto corresponde à imagem da reta r pela transformação de inversão. 4. Construa um ćırculo K de centro C e marque um ponto livre B sobre K. Marque B ′, imagem de B pela inversão em relação a C. Use a ferramenta Locus para construir o lugar geométrico de B ′ quanto B varia sobre K. Esse conjunto corresponde à imagem da reta K pela transformação de inversão. 4.4. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: NOVAS FORMAS DE OLHAR 123 (a) Mova livremente o ponto P . Observe o que acontece com P ′, nos casos em que P : é exterior a C; é interior a C; está sobre a circunferência de C. O que acontece quando P se aproxima de O? E quanto P se afasta muito de O? (b) Você observará que a imagem da reta r pela transformação de inversão é um ćırculo, que chamaremos de r′. Mova livremente a reta r. Observe o que acontece com o ćırculo r ′, nos casos em que r é: exterior a C; secante a C; tangente a C. O ćırculo r ′ sempre passa pelo centro de C? (c) Você observará que a imagem do ćırculo K pela inversão também é um ćırculo, que chama- remos de K′. Mova livremente o ćırculo K. Observe o que acontece com K′, considerando as diferentes posições relativas entre K e C. O que acontece quando os centros de K e de C coincidem? Existe alguma situação em que o ćırculo K′ passe pelo centro de C? (d) Demonstre rigorosamente todas as propriedades observadas nos ı́tens anteriores, com base na definição de inversão. 21. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 17 a 20. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel do ambiente de geometria dinâmica no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso do ambiente de geometria dinâmica pode trazer para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em relação a abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso de recursos computacionais)? (e) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 22. Elabore uma atividade, com os mesmos objetivos das atividades 17 a 20, que seja adequada para as turmas em que você leciona. 124 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA Anexo: Utilizando o GeoGebra O GeoGebra [1] é um software livre de matemática dinâmica idealizado para professores e alunos de todos os ńıveis educacionais. Disponibilizado gratuitamente na internet, o GeoGebra reúne recursos de geometria dinâmica, álgebra e cálculo em um mesmo programa, e com o mesmo grau de importância. Do ponto de vista da geometria, ı́cones em uma barra de ferramentas localizada na parte superior do aplicativo permitem a construção dinâmica de diversos objetos geométricos por meio da manipulação do mouse do computador. Do ponto de vista da álgebra, um campo de entrada localizado na parte inferior do aplicativo permite a digitação de equações e coordenadas para a construção desses mesmos objetos geométricos. No GeoGebra, uma expressão na janela de álgebra a esquerda do aplicativo corresponde a um objeto na janela de visualização geométrica a direita do aplicativo, e vice-versa. Figura 4.29: Aplicativo GeoGebra. Por exemplo, na figura 4.29 vemos um triângulo e sua circunferência circunscrita. Para fazer essa construção via barra de ferramentas geométricas, na parte superior do aplicativo, basta realizar a seguinte sequência de ações: 1. habilitar a opção Poĺıgono: clicar em três locais distintos na janela de visualização geométrica para definir os vértices do triângulo; clicar novamente no primeiro vértice para fechar o ciclo de vértices do triângulo. 2. habilitar a opção Mediatriz: selecionar um lado ou dois vértices para construir uma primeira mediatriz; selecionar outro lado ou outros dois vértices paraconstruir uma segunda mediatriz. 4.4. ARTICULANDO GEOMETRIA E FUNÇÕES: NOVAS FORMAS DE OLHAR 125 3. habilitar a opção Interseção de Dois Objetos: selecionar as mediatrizes constrúıdas para construir o ponto onde elas se cruzam. 4. habilitar a opção Ćırculo definido pelo centro e um de seus pontos: selecionar o encontro das mediatrizes e um vértice do triângulo para construir a circunferência circunscrita. 5. habilitar a opção Mover: usar o mouse para movimentar qualquer um dos vértices do triângulo; você irá vivenciar o poder da geometria dinâmica. Para fazer essa mesma construção via campo de entradas algébricas, na parte inferior do aplicativo, basta digitar no campo Entrada a seguinte sequência de expressões e comandos: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Além das construções via campo de entrada ou barra de ferramentas, o GeoGebra permite a ma- nipulação e formatação dos objetos constrúıdos. A seguir listamos algumas dicas que podem ser úteis durante uma construção geométrica no GeoGebra. Com esse software, você pode: • usar os ı́cones Desfazer e Refazer no lado direito da barra de ferramentas para desfazer ou refazer a(s) última(s) construção(ções); • esconder objetos clicando sobre eles com o botão direito do mouse e escolhendo Exibir objeto para desativar ou reativar a exibição; • alterar a aparência dos objetos (nome, cores, espessura, etc), clicando sobre eles com o botão direito do mouse e escolhendo Propriedades para habilitar a caixa de diálogo espećıfica para esse fim; • arrastar a janela de visualização com o mouse habilitando o ı́cone Deslocar Eixos na barra de ferramentas; • escolher letras gregas e comandos algébricos diversos ao lado do campo de entrada; • ativar ou desativar a exibição de muitos objetos e elementos gráficos na opção de menu Exibir; • alterar muitas coisas na opção de menu Opções. 126 CAPÍTULO 4. AMBIENTES DE GEOMETRIA DINÂMICA Caṕıtulo 5 Sistemas de Computação Algébrica Introdução Os sistemas de computação algébrica (CAS, abreviação do termo em inglês Computer Algebra Systems) são softwares matemáticos que integram recursos numéricos, gráficos e simbólicos. Do ponto de vista numérico e gráfico, os sistemas de computação algébrica podem ser vistos como poderosas calculadoras cient́ıficas, capazes de efetuar cálculos e produzir gráficos com grande precisão e versa- tilidade. Porém, seu aspecto mais interessante é a possibilidade de operar com expressões simbólicas que representam objetos matemáticos. Por exemplo, se efetuamos o cálculo 2 √ 48 + 4 √ 144 numeri- camente em uma calculadora, a resposta fornecida será uma aproximação decimal para o resultado, como por exemplo 0, 12830005981992. Os recursos dos sistemas de computação algébrica permitem também operar simbolicamente com esta expressão numérica, fornecendo como resultado a expressão simplificada 10 √ 3. Os sistemas de computação algébrica podem, além disso, operar com expressões algébricas simbólicas. Assim, é posśıvel operar com 2 √ 16 x + 4 √ 16 x2, por exemplo, obtendo 10 √ x como resultado. Os recursos dispońıveis nos sistemas de computação algébrica fornecem ferramentas para abordar, numérica e simbolicamente, problemas envolvendo uma ampla gama de conceitos matemáticos: desde os mais básicos, como operações aritméticas elementares, passando por gráficos em duas ou três di- mensões, resolução de equações e sistemas, operações vetoriais e matriciais, até os mais avançados, tais como limites, derivadas, integrais, expansões em séries de funções, resolução de equações diferenciais. Entretanto, o uso de tais recursos requer linguagem de programação com comandos e sintaxe espećıficos, que podem ser bastante sofisticados, e cuja aprendizagem pode ser dif́ıcil para alunos no ensino básico. Por outro lado, esse grau de dificuldade pode ser dosado de acordo com o ńıvel escolar, por meio do planejamento de atividades envolvendo sintaxe mais elementar. Como veremos neste caṕıtulo, mesmo com alguns poucos comandos, é posśıvel realizar uma grande variedade de atividades nos sistemas de computação algébrica. A própria aprendizagem de uma sintaxe de programação já constitui, por si só, exerćıcios de simbolização matemática de natureza diferente daqueles que faze- mos com papel e lápis. De fato, quando aprendemos certa simbologia matemática, devemos nos familiarizar com a consistência lógica de suas regras para expressar ideias e procedimentos matemáticos adequadamente. Quando aprendemos as regras sintáticas de uma linguagem de programação compu- tacional, as eventuais inconsistências lógicas cometidas já são indicadas pelo próprio software, na forma de mensagens de erro. Isto é, de certa forma, o software responde às tentativas (corretas ou incorretas) do usuário para expressar procedimentos matemáticos. Cálculos simbólicos não acarretam em erros acumulados gerados por arredondamentos ou apro- ximações, como ocorre com cálculos numéricos, pois seus resultados não são aproximações numéricas, e sim representações simbólicas. Entretanto, isto não significa que as ferramentas simbólicas 127 128 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA dos sistemas de computação algébrica sejam isentas de limitações. Como você observará em diversos exemplos neste caṕıtulo, essas ferramentas podem produzir resultados inesperados ou aparen- temente contraditórios, mesmo em situações relativamente simples. Desta forma, a interpretação de resultados produzidos por ferramentas computacionais simbólicas, mesmo nos sistemas de computação algébrica mais poderosos, não dispensa ou substitui o conhecimento dos conceitos matemáticos envolvidos. Neste caṕıtulo, enfocaremos apenas uma fração bastante restrita das vastas possibilidades de apli- cação dos sistemas de computação algébrica. Serão priorizados exemplos de atividades que tenham relação mais direta com os conteúdos do ensino básico e cujo desenvolvimento não demande o uso de um grande número de comandos ou sintaxe excessivamente complicada. Também serão propostas algumas atividades sobre conceitos um pouco mais avançados, que, embora esses conceitos não figurem explicitamente nos curŕıculos escolares, envolvem ideias importantes para a fundamentação teórica da abordagem de Matemática no ensino básico. Essas atividades são mais direcionadas à reflexão do próprio professor. De forma geral, as sugestões propostas neste caṕıtulo tem objetivo de enriquecer o repertório de recursos didáticos do professor. Deste modo, o professor pode incorporar algumas das atividades aqui apresentadas em seus planos de aula, e sobretudo adquirir autonomia para elaborar outras, mais adequadas às turmas em que leciona, na medida que passa a dominar as ferramentas tecnológicas para o ensino de Matemática. Existem diversos sistemas de computação algébrica dispońıveis, cujas sintaxes de programação po- dem diferir muito. Por isso, neste caṕıtulo teremos como principal o software Maxima [3]. Como nos caṕıtulos anteriores, esta escolha deve-se ao fato de o Maxima poder ser obtido gratuitamente na internet. Além disso, a a interface wxMaxima, também dispońıvel gratuitamente, oferece um conjunto de atalhos que tornam o programa consideravelmente mais amigável. Cabe ressaltar que o objetivo deste caṕıtulo não é aprender a sintaxe espećıfica do Maxima, e sim usá-la como exemplo para ilustrar o que pode ser feito com sistemas de computação algébrica e como esses sistemas podem contribuir para o ensino básico de Matemática. A seção 5.1 visa fornecer um panorama geral das ferramentas básicas do Maxima que podem ser aplicadas à abordagem de conteúdos matemáticos do ensino médio. Procuraremos ainda discutir para que situações os sistemas de computação algébrica são realmente vantajosos. Como o uso dessessis- temas requer a familiarização com linguagens de programação espećıficas, em geral vale a pena usá-los quando suas ferramentas espećıficas são relevantes de fato para as questões tratadas. Na seção 5.2, apresentamos algumas ferramentas mais sofisticas, porém ainda com foco em conteúdos do ensino médio. Nas seções 5.3 e 5.4, passamos a enfocar conceitos matemáticos um pouco mais avançados, de cálculo infinitesimal e de aritmética, respectivamente. 5.1 Integrando Cálculo Numérico e Simbólico Nesta seção, serão explorados as ferramentas básicas do Maxima para resolver equações, definir funções e traçar gráficos. Procuraremos comparar o desenvolvimento das atividades com o sistema de compu- tação algébrica, com de atividades semelhantes propostas em caṕıtulos anteriores, visando avaliar que potencialidades pedagógicas podem ser acrescentadas pela integração de recursos simbólicos. Como nos caṕıtulos anteriores, também serão enfocadas algumas limitações técnicas dos sistemas de computação algébrica, destacando a possibilidade de convertê-las em potencialidades pedagógicas. Basicamente, na interface wxMaxima, você poderá digitar os comandos diretamente na linha de comando. Para indicar o encerramento de cada bloco de comandos, você deverá pressionar simulta- neamente as teclas Shift e Enter. O software executará então a instrução programada, registrando a entrada e a resposta, respectivamente, nas linhas indicadas pelos śımbolos %i e %o (abreviações dos 5.1. INTEGRANDO CÁLCULO NUMÉRICO E SIMBÓLICO 129 termos em inglês input e output), seguidos de um número. Por exemplo, a figura 5.1 mostra o cálculo simbólico de √ 12. Para efetuar o mesmo cálculo numericamente, você deverá acrescentar na instrução o comando numer (figura 5.2). Figura 5.1: Cálculos simbólicos básicos no wxMaxima. Figura 5.2: Cálculos numéricos básicos no wxMaxima. Alternativamente, é posśıvel efetuar primeiro o cálculo simbolicamente e depois obter o resultado numérico (figura 5.3), usando o comando float. O śımbolo % é usado para representar o resultado do comando imediatamente anterior. Assim, no caso da instrução da figura 5.3, o śımbolo % representa 2 √ 3. É posśıvel ainda executar dois comandos dentro de um mesmo bloco. Para isto, basta encerrar cada linha com o śımbolo ; e separar da linha seguinte pressionando a tecla Enter (lembre-se que para encerrar cada bloco de comandos, é preciso pressionar simultaneamente Shift e Enter). Figura 5.3: Cálculos simbólicos e numéricos básicos no wxMaxima. Para atribuir letras a constantes numéricas, ou a objetos matemáticos em geral, o śımbolo : é empregado (figura 5.4). Assim, para representar por exemplo a = √ 12 e b = √ 27, você deverá digitar a:sqrt(12) e b:sqrt(27). Você poderá então operar com estes śımbolos. Além disso, os próprios śımbolos %i e %o, de input e output, podem ser usados para representar e operar com objetos matemáticos (figura 5.5). 130 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Figura 5.4: Atribuindo nomes a objetos no wxMaxima. Figura 5.5: Atribuindo nomes a objetos no wxMaxima. Para resolver equações, o comando básico do Maxima é o solve. Este comando pode ser digitado diretamente, porém a interface wxMaxima oferece uma opção que facilita seu uso e dispensa a me- morização de sua sintaxe. Assim, basta escolher no menu superior a opção Equações e em seguida Resolver. O sistema abrirá uma caixa com campos para digitação da equação a ser resolvida e sua incógnita correspondente (figura 5.6). Figura 5.6: Resolvendo equações com o wxMaxima. 5.1. INTEGRANDO CÁLCULO NUMÉRICO E SIMBÓLICO 131 O comando permite também a resolução de equações envolvendo constantes literais. Por isso, é necessário especificar qual é a incógnita (figura 5.7 e 5.8). O comando solve pode ser usado ainda para resolver sistemas de equações (figura 5.9). Para isso, as equações, assim como as incógnitas, devem ser separadas por v́ırgulas. Figura 5.7: Resolvendo equações com o wxMaxima. Figura 5.8: Resolvendo equações com o wxMaxima. Figura 5.9: Resolvendo sistemas de equações com o wxMaxima. 132 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Para traçar gráficos de funções reais de uma variável, o comando básico é o wxplot2d. Assim como no caso do solve, este comando pode ser acessado no menu superior do wxMaxima, bastando para isso escolher a opção Gráfico e em seguida Gráfico 2d. O sistema abrirá uma caixa com campos para digitação da expressão algébrica da função, dos intervalos dos dois eixos nos quais o gráfico será visualizado, dentre outras opções. Também é posśıvel traçar gráficos de várias funções em uma mesma janela gráfica (figura 5.10). Figura 5.10: Traçando gráficos com o wxMaxima. Atividades 1. Para definir funções no Maxima, o śımbolo := deve ser usado. Considere como exemplo a função polinomial g : R → R, g(x) = x3 − 2 x + 1. Faça o que é pedido abaixo no software. Use, a figura a seguir como guia. (a) Defina a função g. Note que, uma vez definida g, você não precisará digitar novamente sua expressão algébrica cada vez que a função for usada. A partir de agora, basta digitar simplesmente g(x). 5.1. INTEGRANDO CÁLCULO NUMÉRICO E SIMBÓLICO 133 (b) Trace o gráfico de g na janela −5 ≤ x ≤ 5, −10 ≤ y ≤ 10. (c) Encontre as ráızes de g. (d) Determine representações decimais para as ráızes de p. (e) Determine os valores de g em x = −3, x = −1, x = 1 e x = 3. (f) Determine representações decimais para esses valores. 2. Considere a função de segundo grau definida por p(x) = x2 − 5 x + 3, para x ∈ R. Como você sabe, se p possui ráızes reais, então sua média aritmética é a abscissa do ponto de ḿınimo do gráfico da função. Para determinar o ponto de ḿınimo com o Maxima, usando este fato, siga o roteiro abaixo. (a) Defina a função p. 134 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA (b) Encontre as ráızes de p, usando a opção Equações e Resolver. (c) Atribua nomes a esta ráızes. Para isto, você precisará acessar os números que foram obtidos na linha de comando anterior, que é indicada pelo śımbolo%o2. Em primeiro lugar, devemos observar que a linha anterior é formada por uma lista ordenada com duas entradas (no Maxima, listas ordenadas são representados por colchetes). Cada um dos elementos de uma lista ordenada é representado pelo nome da lista seguido da respectiva ordem entre colchetes. Assim, neste caso, %o2[1] e %o2[2] representam, respectivamente, as expressões x = − √ 13− 5 2 e x = √ 13 + 5 2 . Em segundo lugar, observamos que queremos associar nomes aos lados direitos destas expressões. O comando em Maxima para fazer isso é rhs (do inglês, right hand side). Assim, devemos definir x1=%o2[1] e x2=%o2[2]. (d) Encontre xv a média aritmética das duas ráızes. (e) Você observará que o software não gerará o resultado em sua forma mais simplificada. Porém, o comando ratsimp pode ser usado para efetuar a simplificação. Este comando pode ser acessado no menu do wxMaxima, nas opções Simplificar e, em seguida, Simplificar expressão. (f) Calcule yv = p(xv). (g) Simplifique também a expressão de yv. 5.1. INTEGRANDO CÁLCULO NUMÉRICO E SIMBÓLICO 135 3. É posśıvel ainda definir funções por mais de uma expressão com o Maxima. Para isso, devem ser usados os comandos if, then e else. (a) Considere a função u : R→ R definida por: u(x) = { x2 se x < 0 x se x > 0 Para definir esta função no Maxima, devemos escrever u(x):=(if x<0 then xˆ2 else x);. Isto significa dizer que: se x < 0. então u(x) = x2; para os demais valores de x, u(x) = x. Assim, pode-se traçar o gráfico de u, com o comando wxplot. (b) Considere agora a função v : R→ R definida por: v(x) = { x2 se x < 0 x− 1 se x > 0 Defina a função v no máxima e trace seu gráfico. O que você observa?O gráfico foi traçado corretamente? Como você interpreta esse resultado? 4. Use o Maxima para resolver a equação cos(x) = 0, para x ∈ R. Como você interpreta a resposta do software? Foram exibidas todas as soluções da equação? Justifique suas respostas. 5. Considere a equação: x√ x + 1 = 1, para x ∈ R. (a) Resolva a equação usando o comando solve. A resposta do software soluciona o problema? (b) O software precisa de uma “ajuda” para resolver a equação. Eleve ao quadrado a equação gerada no item anterior. (c) Use novamente o comando solve para resolver a nova equação obtida. As soluções dadas pelo software são de fato ráızes de equação proposta? 136 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA 6. Considere a equação: cos x = x2, para x ∈ R. (a) Tente resolver a equação no Maxima, por meio o comando solve. A resposta do software soluciona o problema? (b) A equação dada têm soluções reais? Sugestão: para responder a esta pergunta, analise os gráficos das curvas y = cos x e y = x2. (c) Você saberia encontrar expressões para as soluções das equações? (d) Como na atividade 5, você observará que o comando solve não ajuda em nada a resolver a equação. No entanto, neste caso, as soluções das equações dadas não têm expressão anaĺıtica. Porém, podemos determinar aproximações numéricas para essas soluções. Para isso, use o comando find root. Para acessar o comando, escolha as opções Entrada e em seguida Encontrar raiz no menu superior do wxMaxima. Será aberta uma caixa par a digitação da equação, a incógnita e o intervalo em que a raiz deverá ser procurada. O padrão deste intervalo no software é −1 a 1. Mantenha este padrão e acione o comando. Você observará que o software retorna uma mensagem de erro. A que se deve este erro? (e) Como você pode alterar os parâmetros de definição escolhidos para o comando find root no item anterior, de forma a encontrar aproximações numéricas para cada uma das ráızes reais da equação proposta. 7. Use os recursos do Maxima para encontrar aproximações numéricas para cada uma das ráızes reais das seguintes equações: (a) ln x = 1 x (b) 2x = x2 (c) 2x = x3 8. Considere a função polinomial do terceiro grau h : R→ R, h(x) = x3 − 4 x+ 1. (a) Defina h no Maxima e use o software para gerar o gráfico da função. Quantas ráızes reais tem h? Quantas ráızes complexas tem h no total? (b) Use o comando solve para obter as ráızes de h. Para facilitar seu trabalho nas questões a seguir, dê nomes às ráızes. Como na atividade 2, você poderá definir esses nomes por meio das instruções x1:rhs(%o3[1]), x2:rhs(%o3[2]) e x3:rhs(%o3[3]). No Maxima, o śımbolo %i representa a unidade imaginária i. Você pode concluir que as ráızes de h exibidas pelo software são números complexos não reais? 5.1. INTEGRANDO CÁLCULO NUMÉRICO E SIMBÓLICO 137 (c) Para verificar melhor a resposta do item anterior, você poderá determinar as partes ima- ginárias das ráızes de h. Para fazer isso, use o comando imagpart do Maxima. Este comando pode também ser acessado no menu do wxMaxima, escolhendo as opções Sim- plificar, Simplificação complexa e Obter parte imaginária. Agora, com base no resultado produzido por este comando, você pode concluir que as ráızes de h exibidas pelo software são números complexos não reais? (d) Use o comando ratsimp para simplificar as partes imaginárias obtidas no item anterior. O que você pode concluir sobre as ráızes de h? Justifique sua conclusão com base em argumentos matemáticos. 9. Considere a função polinomial do terceiro grau f : R → R, f(x) = x3 − 4 x + k, em que k é uma constante real. (a) Use Maxima para traçar o gráfico de f , para k = 1. Quantas ráızes reais distintas f possui neste caso? (b) Agora, trace o gráfico de f para k = 4. Quantas ráızes reais distintas f possui neste caso? (c) Considere a seguinte questão: Determine um valor de k para o qual f possua uma raiz real dupla. Os ı́tens anteriores sugerem que o valor de k procurado está entre 1 e 4, mas o sistema de computação algébrica pode ajudar a encontrar a resposta exata desta questão. Para que f tenha uma raiz real dupla, a ordenada de um dos pontos de extremo local de f deve ser igual 0. Para obter os valores das abscissas desses pontos de extremo local, deve-se determinar as ráızes da derivada de f . Em seguida, deve-se determinar k tal que a imagem por f de um desses valores é 0. Assim, deve-se resolver uma equação cuja incógnita é k. Para fazer esta operação no Maxima, será preciso limpar o valor de k da memória do software, uma vez o último valor numérico atribúıdo à constante (no caso, k = 4) ainda deve estar guardado. Isto pode ser feito com o comando kill. 138 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Para determinar a derivada, deve ser empregado o comando diff, que, no wxMaxima, pode ser acessado no menu superior, nas opções Cálculo e, em seguida, Diferenciar. Em seguida, pode-se continuar a solução da questão de acordo com o procedimento acima. Finalmente, você poderá gerar uma representação gráfica para a solução do problema. Para isso, atribua à constante k o valor encontrado na equação anterior e use este valor para gerar o gráfico. (d) O valor de k que soluciona a questão proposta no item anterior é único? Justifique usa resposta. 5.1. INTEGRANDO CÁLCULO NUMÉRICO E SIMBÓLICO 139 10. Considere o seguinte sistema, com (x, y) ∈ R2 e em que k é uma constante real: { x2 − y = 0 x− 2 y = k Use o sistema de computação algébrica para responder as questões a seguir. (a) Resolva o sistema para k = −1 e faça um esboço representando a solução. (b) Resolva o sistema para k = 1 e faça um esboço representando a solução. (c) Determine todos os valores de k para os quais o sistema tem: i. apenas uma solução; ii. duas soluções; iii. nenhuma solução. Faça um esboço representando a solução do sistema no caso em que a mesma é única. 11. Repita as atividades 6 e 7 da seção 3.1 (pp. 40 a 41) usando um sistema de computação algébrica. Procure usar os recursos do software para estudar as soluções das equações propostas. 12. Repita a atividade 5 da seção 3.2 (p. 45) usando um sistema de computação algébrica. Procure usar os recursos do software para estudar as soluções das equações propostas. Compare com o uso e ambientes gráficos simples e de ambiente de geometria dinâmica. 13. Repita a atividade 4 da seção 3.3 (p. 50) usando um sistema de computação algébrica. Procure usar os recursos do software para encontrar as ráızes da função. 14. Repita a atividade 4 da seção 3.4 (p. 60) usando um sistema de computação algébrica. Ao empregar o comando solve para encontrar as ráızes da função ω(x) = sen (log10 x), será posśıvel determinar todas as ráızes reais? Observe a mensagem que o software retorna quando esta instrução é executada. 15. Repita as atividades 5 e 6 da seção 3.4 (p. 63) usando um sistema de computação algébrica. Observe que o comando solve oferece a possibilidade de gerar gráficos em escalas logaŕıtmicas. 16. Repita as atividades 7 e 8 da seção 4.3 (p. 98) usando um sistema de computação algébrica. Procure usar os recursos do software para estudar as ráızes das funções. As atividades 1 a 3 visam apresentar os recursos básicos do Maxima para definir funções, calcular seus valores numérica e simbolicamente, gerar gráficos e resolver equações determinadas por funções. Esses recursos servirão de suporte para o desenvolvimentos das demais atividades desta seção. De forma geral, essas atividades procuram ilustrar o fato de que o uso de sistemas de computação algébrica no ensino é mais vantajoso as situações em que o uso das ferramentas simbólicas do sistema são efetivamente relevantes para as questões tratadas. Tipicamente, este é o caso das atividades 6 e 7, que envolvem equaçõescujas soluções reais existem, porém não admitem expressões anaĺıticas. Portanto, a integração de ferramentas simbólicas e numéricas é importante neste caso. Por outro lado, é importante que o aluno desenvolva a consciência de que, apesar dos poderosos recursos simbólicos dos sistemas de computação algébrica, seus resultados sempre devem ser analisados criticamente. A atividade 3 ilustra este aspecto com um exemplo muito simples: o gráfico de uma fun- ção descont́ınua. Observe que o software liga indevidamente os pontos, como se o segmento vertical de (0,−1) a (0, 0) pertencesse ao gráfico (figura 5.11). Este é uma limitação no algoritmo de interpolação, que já foi discutida no Caṕıtulo 3 (ver atividade 1 da seção 3.3, p. 49). 140 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Figura 5.11: O gráfico de uma função descont́ınua no Maxima. Portanto, os resultados fornecidos pelos sistemas de computação algébrica devem contri- buir para o enriquecimento dos conhecimentos matemáticos dos alunos, mas não substitúı-los – esses resultados devem sempre ser encarados criticamente. Neste sentido, o papel do professor é determinante, pois tal atitude cŕıtica por parte dos alunos nem sempre se desenvolve naturalmente. De fato, tem-se observado que, em certas situações, os estudantes tendem a valorizar mais os resultados do computador que seus próprios conhecimentos matemáticos – mesmo quanto tem segurança desses conhecimentos (ver por exemplo, [8]). Por isso, é importante explorar situações simples (para as quais o uso do sistema de computação algébrica nem mesmo seria necessário), mas cujas soluções são exibidas de forma incompleta pelo software. A limitação ilustrada na figura 5.11 é de natureza numérica, pois se deve a forma como o software liga pontos para gerar um gráfico. Entretanto, os sistemas de computação algébrica podem ainda apresentar limitações na própria estrutura simbólica, que constituem a principal especifici- dade desse tipo de software. A atividade 4 ilustra uma limitação dessa natureza, também com um exemplo bastante simples: a resolução da equação cos(x) = 0. Evidentemente, não precisamos de um sistema de computação algébrica para resolver essa equação, pois sabemos que suas soluções são dadas por x = π 2 + k π, com k ∈ Z. Entretanto, o software exibe apenas uma solução x = π 2 (figura 5.12). Observe que o próprio sistema retorna uma mensagem apontando para esta limitação: Algumas soluções serão perdidas. Figura 5.12: Resolvendo equações no Maxima. A atividade 5 exemplifica de outra maneira ainda a importância o uso de conhecimentos matemáticos para a interpretação de resultados gerados pelo sistema de computação algébrica. Neste caso, oMaxima 5.1. INTEGRANDO CÁLCULO NUMÉRICO E SIMBÓLICO 141 não reconhece a manipulação algébrica necessária para resolver a equação, e o aluno deverá ser capaz de identificar tal manipulação para “ajudar” o software (figura 5.13). Figura 5.13: Ajudando o Maxima a resolver uma equação. Além disso, para interpretar os resultados dados pelo Maxima, o aluno também deverá recorrer a seu conhecimento qualitativo sobre a questão proposta. Quando a equação original foi elevada ao quadrado, a nova equação obtida não é equivalente à original, pois foi acrescentada uma raiz (figura 5.14). Como a equação original é x = √ x + 1, para que um número x ∈ R seja ráız, este deve necessariamente ser positivo. Portanto, a solução negativa dada pelo Maxima deve ser descartada. A única solução real da equação é √ 5 + 1 2 . Figura 5.14: Interpretando resultados do Maxima. É claro que este é um exemplo relativamente simples, que também poderia ser resolvido sem o sistema de computação algébrica. Entretanto, é importante entender a necessidade de interpretar os resultados do computador em situações mais simples, das quais temos mais clareza, para saber lidar com aquelas em que as propriedades matemáticas não são tão evidentes. Uma situação um pouco mais sutil é dada na atividade 6. Como na atividade 5, o Maxima não consegue resolver simbolicamente a equação dada (figura 5.15). Porém, diferentemente da atividade anterior, isto não se deve apenas a uma limitação do software em identificar a estratégia algébrica que conduz à solução. Neste caso, as soluções da equação proposta não admitem expressões anaĺıticas. Isto é, embora seja posśıvel mostrar que a equação possui soluções reais, estas soluções não podem ser expressas como combinações das operações elementares, potências e radicais, e das funções transcen- dentes elementares usuais (trigonométricas, exponenciais e logaritmos). Então, só resta tentar encontrar aproximações numéricas para essas soluções. No entanto, ao se tentar encontrar essas aproximações numéricas, a prinćıpio o Maxima retorna uma mensagem de erro (figura 5.16). Figura 5.15: Tentando resolver a equação cos(x) = x2 simbolicamente no Maxima. Figura 5.16: Tentando resolver a equação cos(x) = x2 numericamente no Maxima. 142 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA O gráfico das curvas y = cos(x) e y = x2 podem ajudar a entender porque a mensagem de erro foi gerada. O algoritmo usado pelo software para encontrar aproximações numéricas para soluções de equações se baseia nos seguinte fato: se uma função cont́ınua f : [a, b] → R é tal que f(a) e f(b) possuem sinais opostos, então existe (pelo menos) um elemento c ∈ ]a, b[ tal que f(c) = 0 (isto é, a equação f(x) = 0 tem pelo menos uma raiz no intervalo ]a, b[ ). Esta é uma consequência do Teorema do Valor Intermediário (ver [48, 52]). No caso desta equação, o software está tentando encontrar para a função f(x) = x2 − cos(x). Porém, como f(−1) e f(1) são ambos negativos, não há garantias da existência de ráızes no intervalo ] − 1, 1[ (que o intervalo padrão do comando solve no wxMaxima). Verificaremos que, na verdade há duas ráızes neste intervalo, no entanto o algoritmo do software não consegue encontrá-las. Figura 5.17: Explorando graficamente a equação cos(x) = x2 Maxima. Os gráficos também ajudam a perceber as localizações das soluções da equação, e a escolher intervalos menores, que permitam ao software encontrar encontrar aproximações numéricas para as mesmas. Por exemplo, temos que f(−π) = f(−π) = π2 e f(0) = −1. Logo, o Teorema do Valor Intermediário nos garante que a equação cos(x) = x2 tem pelo menos uma raiz no intervalo ]− π, 0[ e pelo menos uma raiz no intervalo ]0, π[ (figura 5.18). Figura 5.18: Resolvendo a equação cos(x) = x2 numericamente no Maxima. A atividade 7 apresenta exemplos de equações semelhantes, que podem ser resolvidas numericamente pelo mesmo procedimento. Em particular no caso do item 7b, um primeiro olhar para os gráficos das curvas y = 2x e y = x2 (figura 5.19, à esquerda) pode sugerir que a equação 2x = x2 possui somente duas soluções: uma negativa, no intervalo ]−1, 0[ , e outra igual a 2. Entretanto, temos que 4 também é uma solução de 2x = x2, que pode ser visualizada se alteramos a janela gráfica (figura 5.19, à direita). Na figura 7, vemos que, para x suficientemente grande, os valores função exponencial ultrapassam os da função polinomial. De forma, mais geral, os valores de qualquer função exponencial ultrapassam os de qualquer função polinomial, para x suficientemente grande. Dáı, pode-se concluir que a equação 2x = x3 também tem duas soluções reais positivas, sendo uma no intervalo ]1, 2[ e outra no intervalo ]9, 10[ (figura 5.20). 5.1. INTEGRANDO CÁLCULO NUMÉRICO E SIMBÓLICO 143 Figura 5.19: As curvas y = 2x e y = x2. Figura 5.20: As curvas y = 2x e y = x3. Equações cujas soluções não admitem expressões anaĺıticas podem contribuir para a ampliação da concepção dos alunos sobre a resolução de equações. Em geral, os alunos estãoacostumados a lidar com equações “bem comportadas” – cujas soluções podem ser determinadas facilmente pela aplicação de certos procedimentos algébricos. É importante que eles sejam apresentados também a exemplos em que é posśıvel provar que existem soluções reais, porém estas não podem ser obtidas analiticamente. (De fato, em certo sentido, pode-se afirmar que estes constituem a maioria dos casos.) O uso de recursos computacionais no ensino de Matemática torna esses exemplos mais acesśıveis. Outra situação cuja interpretação demanda a compreensão cuidadosa dos conceitos matemáticos envolvidos ocorre na atividade 8. Ao se gerar o gráfico da função h(x) = x3−4 x+1 com o Maxima, a figura mostrada na tela sugere que a função tem 3 ráızes reais distintas (figura 5.21). Entretanto, ao se resolver a equação h(x) = 0 com o software, são exibidas 3 ráızes complexas cujas partes imaginárias parecem ser diferentes de 0 (figura 5.22). Assim, há um aparente conflito entre as representações gráfica e numérica produzidas pelo software. Somente após se extrair e simplificar as partes imaginárias dessas ráızes, verifica-se que estas são nulas (figura 5.23). Figura 5.21: O gráfico de h(x) = x3 − 4 x+ 1 no Maxima. 144 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Figura 5.22: As ráızes de h(x) = x3 − 4 x+ 1 no Maxima. Figura 5.23: Explorando o comportamento de h(x) = x3 − 4 x+ 1 no Maxima. As atividades 9 e 10 exploram a resolução de equações e de sistemas (respectivamente) dependendo de parâmetros. Assim, os recursos do sistema de computação algébrica são empregados para determinar os valores dos parâmetros para os quais as equações ou sistemas têm certo número dado de soluções. As respostas para tais questões envolvem a resolução de novas equações, cujas incógnitas passam a ser esses parâmetros. Na atividade 10, para determinar os valores de k para os quais o sistema tem uma única solução, deve-se, em primeiro lugar, obter expressões para as soluções do sistema, em função de k (figura 5.24). Em seguida, deve-se igualar as abscissas das duas soluções do sistema e resolver a equação em k assim formada (figura 5.25). Observe que, as soluções do sistema são exibidas na forma de duas listas 5.1. INTEGRANDO CÁLCULO NUMÉRICO E SIMBÓLICO 145 ordenadas dentro de uma lista ordenada. Por isso, para obter os valores de suas abscissas, precisamos usar as instruções solucao[1][1] e solucao[2][1], que se referem ao primeiro elemento da primeira lista e ao primeiro elemento da segunda lista. Finalmente, pode-se gerar o gráfico que representa o (único) caso em que o sistema tem uma única solução (figura 5.26). Figura 5.24: Explorando o número de soluções de um sistema no Maxima. Figura 5.25: Explorando o número de soluções de um sistema no Maxima. Figura 5.26: Explorando o número de soluções de um sistema no Maxima. 146 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Atividades 17. Discuta as vantagens e desvantagens pedagógicas do uso do sistema de computação algébrica para realizar as atividades 11 a 16, em relação a ambientes gráficos simples ou ambiente de geo- metria dinâmica. Note que, nos casos em que os recursos espećıficos do sistema de computação algébrica não são aproveitados, provavelmente seu uso provavelmente não oferecerá vantagens significativas. 18. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 4 a 10. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel do sistema de computação algébrica no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso do sistema de computação algébrica pode trazer para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em comparação com abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso de recursos computacionais), e com outros tipos recursos (especialmente aqueles que não possuem recursos simbólicos)? (e) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 19. Para cada um dos ı́tens a seguir, elabore uma atividade usando gráficos um sistema de computa- ção algébrica, com os mesmos objetivos das atividades 4 a 10, que seja adequada para as turmas em que você leciona. 20. Formule uma sequência didática para aplicação de atividades semelhantes à 2, para cada um dos tipos de função abaixo. Especifique os objetivos, os conceitos matemáticos explorados e de que maneiras esses conceitos podem ser explorados. (a) funções polinomiais; (b) funções trigonométricas; (c) funções exponenciais e logaŕıtmicas. 5.2 Aprofundando a Exploração Simbólica Nesta seção, apresentamos algumas ferramentas um pouco mais avançadas do Maxima, ainda abor- dando conteúdos do ensino básico. Embora essas ferramentas envolvam sintaxe de programação mais elaborada que aqueles apresentados na seção anterior, os resultados gerados podem ser interessantes para a sala de aula. Assim, mesmo nos casos em que a sintaxe é complicada demais para os alunos do ensino médio, os recursos a seguir podem ser usados pelo professor para produzir recursos para uso em aula. Por exemplo, na atividade 10 da seção anterior, foi abordada representação gráfica da solução de um sistema composto pela equação de uma reta e pela equação de uma parábola. Na atividade 1 a seguir, é proposto um sistema composto pela equação de uma reta e pela equação de um ćırculo. As soluções desse sistema não podem, portanto, ser representadas por meio de gráficos de y como funções de x. Neste caso, temos basicamente duas opções para representar graficamente as soluções do sistema: por meio de curvas parametrizadas ou de expressões definidas implicitamente. Para gerar curvas planas parametrizadas ou impĺıcitas no Maxima, pode-se empregar o comando wxdraw2d. Este comando é mais geral que o wxplot2d, que permite apenas desenhar gráficos de funções. 5.2. APROFUNDANDO A EXPLORAÇÃO SIMBÓLICA 147 Também apresentaremos alguns exemplos de geração de objetos em três dimensões, incluindo gráficos de funções de duas variáveis reais (funções R2 → R) e outras curvas e superf́ıcies no espaço. Para isto, serão empregados os comandos wxplot3d e wxdraw3d. Serão apresentados ainda exemplos de produção de animações, com o comando with slider. Representando Objetos no Plano e no Espaço Antes de iniciar as atividades desta seção, apresentamos algumas novas ferramentas do Maxima, que ajudarão no seu desenvolvimento. Começamos apresentando uma forma diferente (e um pouco mais “econômica”) de resolver a atividade 10, em que foi proposto o sistema: { x2 − y = 0 x− 2 y = k (5.1) A atividade pede a solução do sistema 5.1 para certos valores fixos de k e, depois, a exploração do seu número de soluções, em função de k. Para que não seja necessário repetir as equações do sistema várias vezes, podemos usar as ferramentas do Maxima para dar nomes às equações (figura 5.27). Assim, o software passará a identificar pelo nome parabola a equação x2 − y = 0. Figura 5.27: Atribuindo um nome a um objeto matemático no Maxima. Analogamente, podemos nomear a segunda equação que compõe o sistema. Porém, observamos que esta equação na verdade representa uma faḿılia de retas, indexada pelo parâmetro real k. Podemos usar a ferramenta de definir funções no Maxima para criar esta faḿılia (figura 5.28). Assim, o software passará a identificar por reta(k) a equação x− 2 y = k para um valor dado de k. Figura 5.28: Atribuindo um nome a uma faḿılia de objetos matemáticos no Maxima. Esses nomes para as equações podem então ser usados para efetuar quaisquer operações ou pro- cedimentos que as envolva no Maxima, como por exemplo resolver o sistema 5.1 para k = 1 (figura 5.29), ou para k ∈ R genérico (figura 5.30). Figura 5.29:Resolvendo um sistema no Maxima. Figura 5.30: Resolvendo um sistema no Maxima. Na atividade 1 a seguir, serão desenhadas curvas a partir de equações paramétricas e impĺıcitas, com o comando wxdraw2d, combinado com os comandos implicit ou parametric. Por exemplo, para 148 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA desenhar o ćırculo de equação x2 +y2 = 1 com o comando wxdraw2d, podemos proceder basicamente de duas maneiras: • implicitamente (figura 5.31): a instrução implicit(xˆ2+yˆ2=1, x,-2,2, y,-2,2) indica a curva plana de equação cartesiana x2 + y2 = 1, traçada na janela gráfica −2 ≤ x ≤ 2, −2 ≤ y ≤ 2; • parametricamente (figura 5.32): a instrução parametric(cos(t), sen(t), t,0,2*%pi) indica a curva plana de equação paramétrica (cos t, sen t), traçada para t ∈ [ 0, 2 π ]. O formato adquirido pela curva deve-se a uma distorção causada pelas escalas dos eixos. Figura 5.31: Gerando curvas por equações impĺıcitas no Maxima. Figura 5.32: Gerando curvas por equações paramétricas no Maxima. As atividades 2 a 7 envolvem a representação de objetos no espaço tridimensional. Os comandos wxplot3d e wxdraw3d podem ser usados de forma análoga aos comandos wxplot2d e wxdraw2d. Por exemplo, a figura 5.33 mostra o gráfico da função f : R2 → R, f(x, y) = x2 + y2, gerado com o comando wxplot3d (que pode ser acessado no menu superior do wxMaxima, da mesma forma que o comando wxplot2d). O gráfico dessa função é um parabolóide circular, que também pode ser gerado como equação impĺıcita por meio do comando wxdraw3d (figura 5.34). Como você notará, a resolução das curvas geradas pelo comando wxplot3d é, em geral, melhor que a das geradas pelo comando wxdraw3d. Para gerar superf́ıcies que não são gráficos de funções R2 → R, como é o caso do cilindro x2 + (y − 1)2 = 1, deve-se necessariamente usar o comando wxdraw3d (figura 5.35). 5.2. APROFUNDANDO A EXPLORAÇÃO SIMBÓLICA 149 Figura 5.33: Gerando gráficos de funções reais de duas variáveis no Maxima. Figura 5.34: Gerando superf́ıcies por equações impĺıcitas no Maxima. Figura 5.35: Gerando superf́ıcies por equações impĺıcitas no Maxima. 150 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Para traçar curvas no espaço com o Maxima, deve-se representá-la parametricamente. Por exemplo, consideremos a curva C no espaço, dada pela interseção entre o parabolóide z = x2 + y2 e o cilindro x2 + (y − 1)2 = 1. Para obter equações paramétricas a esta curva C, observamos que ela é dada pela imagem do ćırculo de equação x2 + (y − 1)2 = 1 pela função f(x, y) = x2 + y2. Uma parametrização do ćırculo é dada por (x(t), y(t)) = (cos t, sen t + 1). Assim, para completar a parametrização de C, fazemos: z(t)=f(cos t, sen t+ 1) = (cos t)2 + ( sen t + 1)2 = cos2 t+ sen 2t+ 2 sen t+ 1 =2 sen t + 2 Tendo as equações paramétricas, pode-se usar os comandos wxdraw3d e parametric, de forma análogo ao caso bidimensional (figura 5.36). A figura 5.37 mostra as duas superf́ıcies traçadas junta- mente com a curva dada por sua interseção. Figura 5.36: Gerando curvas no espaço por equações paramétricas no Maxima. Figura 5.37: Gerando objetos no espaço tridimensional no Maxima. 5.2. APROFUNDANDO A EXPLORAÇÃO SIMBÓLICA 151 Atividades 1. Considere o seguinte sistema, com (x, y) ∈ R2 e em que k é uma constante real: { x2 + y2 = 1 2 x+ y = k Use o sistema de computação algébrica para responder as questões a seguir. (a) Resolva o sistema para k = 1 e faça um esboço representado a solução. (b) Determine todos os valores de k para os quais o sistema tem uma única solução. Para cada um desses valores de k, faça um esboço representado a solução do sistema. 2. O Maxima possui uma ferramenta para resolução de sistemas lineares, por meio do comando linsolve, que pode ser acessado no menu superior do wxMaxima, na opção Equações, em seguida Resolver sistema linear. (a) Considere, por exemplo, o sistema linear: x+ 2y + z = 0 2x− y − z = 1 x− 2z = −1 Ao acessar o comando linsolve no wxMaxima, o sistema abrirá uma caixa para digitação do número de equações (abaixo, à esquerda), em seguida uma caixa para digitação de cada uma das equações e as incógnitas (abaixo, à direita). O software retornará então a solução do sistema. Use o comando linsolve para resolver os sistemas abaixo. Como você interpreta as respostas dadas pelo Maxima? (b) x+ 2y + z = 0 2x− y − z = 1 3x+ y = 1 (c) x+ 2y + z = 0 2x− y − z = 1 3x+ y = −1 152 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA 3. O Maxima oferece ferramentas para definir e operar com matrizes. O comando matrix, que serve para definir matrizes, pode ser acessado no menu superior do wxMaxima, na opção Álgebra, em seguida Introduzir matriz. (a) Considere, por exemplo, a matriz associada ao sistema linear do item 2a: A = 1 2 1 2 −1 −1 1 0 −2 Ao acessar o comando matrix no wxMaxima, o sistema abrirá uma caixa para digitação do número de linhas e do número de colunas (abaixo, à esquerda), em seguida uma caixa para digitação de cada uma das entradas da matriz (abaixo, à direita). O software retornará então a matriz definida. (b) Os comandos determinant e invert servem para calcular o determinante e a inversa de uma matriz. Use esses comandos para calcular o determinante e a inversa da matriz A definida acima. (c) Sabemos que todo sistema linear pode ser escrito na forma matricial. Por exemplo, o sistema linear do item 2a pode ser escrito na forma: 1 2 1 2 −1 −1 1 0 −2 x y z = 0 1 −1 Portanto, para resolver o sistema, deve-se multiplicar a matriz inversa de A pelo vetor (0, 1,−1). No Maxima, deve-se usar um ponto para representar o produto entre matrizes e entre matrizes e vetores. Compare com a solução obtida no item 2a. 5.2. APROFUNDANDO A EXPLORAÇÃO SIMBÓLICA 153 (d) Escreva os sistemas dos ı́tens 2b e 2c na forma matricial. É posśıvel obter a solução desse sistema por meio do produto pela matriz inversa? Justifique sua resposta. 4. Em transformações lineares, uma interpretação geométrica do determinante de uma matriz é a razão entre a medida da imagem de um conjunto e a medida do conjunto original. Assim, no caso bidimensional, sabemos que uma matriz A ∈ M2×2(R) define uma transformação linear TA : R2 → R2, dada por: TA(x, y) = A ( x y ) Então, se X ⊂ R2 é um subconjunto do plano e S(X) é área de X, temos: S(A(X)) = | detA| S(X) (a) Considere, por exemplo, a matriz: A = ( 2 −1 −2 3 ) . Use o sistema de computação algébrica para calcular o determinante de A. (b) Considere quadrado Q em R2, cujos vértices são os pontos (0, 0), (1, 0), (1, 1) e (0, 1). A imagem de Q por A é o paralelogramo A(Q), cujos vértices são Q(0, 0), Q(1, 0), Q(1, 1) e Q(0, 1). Qual é a área desse paralelogramo? Faça um esboço do paralelogramo A(Q) com o Maxima. Sugestão: use o software para determinar os vértices de A(Q) e escreva equações paramé- tricas para seus lados. (c) Qual é a interpretação geométrica do determinante no caso em que detA = 0? (d) Qual é a interpretação geométrica do determinante no caso tridimensional, isto é, para A ∈ M3×3(R)? 5. Voltemos ao sistema linear do item 2b. Podemos observar que a terceira equação do sistema é a soma das outras duas, portanto esta pode ser eliminada. Então, o sistema é indeterminado, isto é, possui infinitas soluções. Mais precisamente, o sistema original é equivalente a: { x+ 2y + z = 0 2x− y − z = 1 Dáı, podemos concluir que o conjunto solução do sistema é a interseção de dois planos distintos no R3. Logo, este conjunto é uma reta no espaço. A resposta dada pelo Maxima para a resolução do sistema por meio do comando linsolve corresponde a equações paramétricas para essa reta (o śımbolo %r1 representa o parâmetro das equações). (a) Represente o conjunto solução do sistema no Maxima, por meiode equações paramétricas. (b) Represente o conjunto solução do sistema no Maxima, como interseção entre dois planos. 154 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA 6. Sejam A a matriz associada ao sistema do item 2a e B a matriz associada aos sistemas dos ı́tem 2b e 2c. (a) Determine e represente geometricamente os vetores A(1, 0, 0), A(0, 1, 0) e A(0, 0, 1). Qual é a relação entre esses vetores? (b) Determine e represente geometricamente os vetores B(1, 0, 0), B(0, 1, 0) e B(0, 0, 1). Qual é a relação entre esses vetores? 7. Use o Maxima para gerar as seguintes superf́ıcies no espaço. (a) z = x2 + y2 (b) x2 4 + y2 9 = 1 (c) x2 2 + y2 4 + z2 9 = 1 (d) z2 = x2 + y2 (e) z2 = x2 + y2 + 1 (f) z2 = x2 + y2 − 1 Na atividade 1, podemos atribuir nomes para as equações do sistema, considerando a segunda equação como um faḿılia indexada pelo parâmetro k (figura 5.38). Assim, podemos resolver o sis- tema, por meio do comando solve, e representar a graficamente as soluções, por meio dos comandos wxdraw2d e implicit (figura 5.39). Figura 5.38: Resolvendo sistemas no Maxima. Figura 5.39: Resolvendo sistemas no Maxima. 5.2. APROFUNDANDO A EXPLORAÇÃO SIMBÓLICA 155 De forma análoga aos exemplos anteriores, obtemos as expressões das soluções do sistema, para k genérico. Para determinar os valores de k para os quais o sistema tem uma única solução, igualamos as abscissas dessas soluções e resolvemos a equação assim obtida tendo k como incógnita (figura 5.40). Em seguida, representamos graficamente o sistema, para os dois valores de k para os quais a solução é única (figura 5.41). Figura 5.40: Explorando o número de soluções de um sistema no Maxima. Figura 5.41: Explorando o número de soluções de um sistema no Maxima. 156 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA As atividades 2 a 6 buscam chamar atenção para a integração entre a resolução de sistemas lineares, os conceitos de matriz e determinante, e para as interpretações geométricas dessas noções. No en- sino médio, abordagem de sistemas lineares em geral se resume à apresentação de procedimentos de resolução e classificação quanto ao número de soluções (como determinado, indeterminado ou imposśıvel). Entretanto, pouca ênfase é dada para o significado geométrico desses tipos de soluções, para a interpretação geométrica do determinante de uma matriz como medida e para as relações entre estas ideias. Por exemplo, não é incomum que os alunos saibam identificar que um dado sistema é indeterminado e que isto significa que o mesmo tem infinitas soluções, porém não consigam reconhecer que soluções são essas e que tipo de conjunto elas formam. Os sistemas de computação algébrica podem ajudar a produzir recursos que tornem essas noções mais concretas para os alunos. Na atividade 2, as respostas dadas pelo Maxima indicam que os sistema do item (b) tem infinitas soluções (figura 5.42) e o sistema do item (c) não tem soluções (figura 5.43). Figura 5.42: Soluções de sistemas lineares no Maxima. Figura 5.43: Soluções de sistemas lineares no Maxima. A atividade 3 enfoca a resolução de sistemas lineares na forma matricial, e a atividade 4 a inter- pretação geométrica de determinante como razão entre medidas de conjuntos. No caso bidimensional, explorado na atividade 4, a medida é área. Porém, no caso tridimensional, vale a interpretação análoga, de determinante como razão entre volumes. Para o professor, é importante que fique clara a relação entre essas ideias, especialmente no caso de sistemas sem soluções ou com infinitas soluções. Por exemplo, no caso tridimensional, temos que qualquer sistema linear pode ser escrito na forma matricial: a11 x + a12 y + a13 z = b1 a21 x + a22 y + a23 z = b2 a31 x + a32 y + a33 z = b3 m a11 a12 a13 a21 a22 a23 a31 a32 a33 x y z = b1 b2 b3 Se a matriz A = (aij) tem determinante 0, isto significa que ela transforma conjuntos com volumes diferentes de 0 em conjunto com volumes iguais a 0. Isto é, a matriz transforma objetos tridimensionais em objetos bidimensionais ou unidimensionais. Neste caso, essa transformação não pode ser injetiva nem sobrejetiva. Como a transformação não é injetiva, cada elemento da imagem está associado a mais de um elemento do doḿınio. Como a transformação não é sobrejetiva, existem elementos do contradoḿınio que não estão associados a nenhum elemento do doḿınio (isto é, que não pertencem à imagem). Se o vetor (b1, b2, b3) pertence à imagem de A, então o sistema tem infinitas soluções (como é o caso do item 2b). Se, por outro lado, o vetor (b1, b2, b3) não pertence à imagem de A, então o sistema não tem soluções (como é o caso do item 2c). 5.2. APROFUNDANDO A EXPLORAÇÃO SIMBÓLICA 157 Na atividade 3, calculamos em primeiro lugar os vértices do paralelogramo A(Q) (figura 5.44). Como Q tem área 1 e detA = 4, então a área de A(Q) é igual a 4. Figura 5.44: Matrizes, determinantes e áreas no Maxima. Em seguida, determinamos equações paramétricas para os lados de A(Q). Para isso, usamos o fato de que o segmento que liga u e v pode ser parametrizado por t u + (1 − t) v, com t ∈ [0, 1]. (figura 5.45). Usamos então essas equações paramétricas para gerar uma representação para A(Q) no Maxima (figura 5.46). Figura 5.45: Matrizes, determinantes e áreas no Maxima. 158 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Figura 5.46: Matrizes, determinantes e áreas no Maxima. A atividade 5 explora a interpretação geométrica da solução do sistema linear do item 2b. Como este sistema é indeterminado, admite infinitas soluções. Mais precisamente, como esse sistema pode ser interpretado com a interpretação de dois planos no espaço (representados na figura 5.47, à esquerda), então conclúımos que seu conjunto solução é uma reta no R3 (representada por meio de suas equações paramétricas na figura 5.47, à direita). A figura 5.48 mostra a representação da juntamente com os dois planos. Figura 5.47: Interpretação geométrica da solução de um sistema linear no Maxima. 5.2. APROFUNDANDO A EXPLORAÇÃO SIMBÓLICA 159 Figura 5.48: Interpretação geométrica da solução de um sistema linear no Maxima. A atividade 6 tem como objetivo ilustrar o fato de que uma matriz M ∈ M3×3(R) transforma ve- tores não coplanares em: vetores não coplanares se detM 6= 0, e em vetores coplanares se detM = 0. Esta é outra interpretação para o fato de que uma matriz com determinante nulo transforma objetos tridimensionais em objetos unidimensionais ou bidimensionais. Por exemplo, temos que detB = 0 e que B(1, 0, 0) = (1, 2, 3), B(0, 1, 0) = (2,−1, 1) e B(0, 0, 1) = (1,−1, 0). Então, podemos observar que: B(1, 0, 0) = 3B(0, 1, 0)− 5B(0, 0, 1) Portanto, os vetores B(1, 0, 0), B(0, 1, 0) e B(0, 0, 1) são coplanares. Entretanto, representações geométricas geradas no software nem sempre permitem uma percepção clara desta propriedade. Por exemplo, como observamos na figura 5.49, as imagens geradas pelo Maxima não oferecem uma per- cepção de profundidade clara, que permita distinguir vetores não coplanares de coplanares. Mais uma vez, esta situação ilustra o fato de que os resultados produzidos pelo computador não dispensam a compreensão dos conceitos matemáticos envolvidos. Figura 5.49: Representação de vetores não coplanares (à esquerda) e de vetores coplanares (à direita) no Maxima. 160 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Para gerar as superf́ıcies na atividade 7, deve-se observar em que casos em que pode ser usado o comando wxplot3d e aqueles em que deve ser usado o comando wxdraw3d. (figuras 5.50 a 5.52). Você perceberá que a resolução dos gráficos gerados pelo software nem sempre favorece a compre- ensão imediata do aspecto geométrico das superf́ıcies, porém esses gráficos podem ajudar a explorar as propriedadesgeométricas dessas superf́ıcies. O Maxima possui ferramentas que permitem melhorar a qualidade das imagens geradas. Entretanto, não é objetivo deste texto abordar estes aspectos técnicos do software. O leitor que se interessar não terá dificuldades em encontrar referências dispońıveis na internet. Figura 5.50: Um parabolóide hiperbólico e um parabolóide eĺıptico no Maxima. Figura 5.51: Um elipsóide e cone circular no Maxima. Figura 5.52: Hiperbolóide de duas folhas e de uma folha no Maxima. 5.2. APROFUNDANDO A EXPLORAÇÃO SIMBÓLICA 161 Animações Encerramos esta seção com um exemplo de construção de animações no Maxima (atividade 8 e 9). Animações de gráficos podem ser particularmente interessantes para o estudo do comportamento de faḿılias de funções dependendo de parâmetros. No Maxima, o comando básico para para ge- rar animações é with slider. Para empregar esse comando, devem ser declarados os valores de um parâmetro com os quais se deseja produzir a animação, e a expressão algébrica de uma faḿılia de funções dependente desse parâmetro. de acordo com a sintaxe mostrada na figura 5.53. Os software gerará então os gráficos da faḿılia de funções correspondentes aos valores declarados para o parâmetro, e a animação será produzida pela projeção quadro a quadro desses gráficos. O menu superior do wxMaxima dispõe de botões para controlar a animação. Figura 5.53: Construindo animações no Maxima. Em lugar de se digitar os valores do parâmetro um a um, pode se usar o comando makelist para criar uma lista com esses valores. Por exemplo, a instrução da linha %i2 da figura 5.54 gera uma lista com valores inteiros de k de 1 a 10. Portanto, a instrução da linha %i3 produzirá um resultado equivalente ao da figura 5.53. O comando makelist é particularmente útil quando se deseja criar uma lista com uma quantidade grande de valores. Por exemplo, a instrução mostrada na figura 5.55 corresponde à geração da lista forma pelos valores de k 4 , para k inteiro variando de 1 a 40. Entretanto, uma animação com quantidade muito grande de quadros pode tomar um tempo de processamento pelo Maxima excessivamente prolongado. Figura 5.54: Construindo animações no Maxima. Figura 5.55: Construindo animações no Maxima. 162 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Atividades 8. Para cada um dos ı́tens a seguir, elabore uma atividade usando animações de faḿılias de gráficos de funções dependendo de parâmetros, que seja adequada para as turmas em que você leciona. Formule também uma sequência didática para aplicação de cada uma das atividades que você ela- borar em uma aula de 50 minutos. Especifique os objetivos, os conceitos matemáticos explorados e de que maneiras esses conceitos podem ser explorados. (a) funções polinomiais; (b) funções trigonométricas; (c) funções exponenciais e logaŕıtmicas. 9. Discuta as vantagens e desvantagens do uso de animações produzidas com sistemas de compu- tação algébrica para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em comparação com abordagens convencionais (isto é, sem o uso de recursos computacionais), e com gráficos dinâmicos produzidos em ambiente de geometria dinâmica (como os apresentados na seção 4.3). 10. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 1 a 8. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel do sistema de computação algébrica no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso do sistema de computação algébrica pode trazer para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em comparação com abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso de recursos computacionais)? (e) Quais dessas atividades poderiam ser adaptadas para o ensino médio? (f) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 5.3 Conceitos Fundamentais do Cálculo Infinitesimal Esta seção enfocará o uso de sistemas de computação algébrica na abordagem dos conceitos fundamen- tais do cálculo infinitesimal de funções reais de uma variável real: limite, derivada e integral. Embora o cálculo infinitesimal não faça parte dos curŕıculos da maioria das escolas no Brasil, suas ideias estão intrinsecamente ligadas com a fundamentação matemática de muitos tópicos estudados no ensino mé- dio, tais como números reais e funções. Portanto, o conhecimento dessas ideias é importante para a formação do professor. Além disso, diversas coleções de livros didáticos para o ensino médio têm trazido caṕıtulos de “introdução ao Cálculo”, porém, em grande parte dos casos, estes apresentam apenas procedimentos e regras para cálculo de limites e derivadas. A incorporação de recursos computacionais no ensino abre novas possibilidades para a abordagem de cálculo infinitesimal. Por exemplo, as ferramentas simbólicas dispońıveis nos sistemas de computação algébrica permitem que o foco da abordagem não fique tão centrado em procedimentos pesados de cálculo, e seja mais direcionado para a interpretação e análise de propriedades qualitativas de resultados. Assim, recursos computacionais, desde que integrados em abordagens pedagógicas cuidadosamente planejadas e conduzidas, podem contribuir para que os conceitos do cálculo infinitesimal sejam apresentados de forma mais acesśıveis e, em certos casos, possibilitar a antecipação de sua abordagem. O Maxima dispõe de ferramentas para calcular limites, derivadas e integrais numérica e simbolicamente, como veremos a seguir. 5.3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO CÁLCULO INFINITESIMAL 163 Limites O comando básico para cálculo de limites é limit, que pode ser acessado no menu superior do wxMaxima, seguindo as opções Cálculo e Encontrar limites. Este comando permite o cálculo de limites globais (figura 5.56) e laterais (figura 5.58), por meio da seleção das opções dispońıveis no campo Direção. Figura 5.56: Calculando limites com o wxMaxima. Figura 5.57: Calculando limites com o wxMaxima. Figura 5.58: Calculando limites laterais com o wxMaxima. 164 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Também podem ser calculados limites no infinito (figura 5.59). Para isto, a opção Infinito deve ser selecionada no campo Especial. Podem ainda ser calculados limites de expressões envolvendo constantes (figura 5.60). Neste caso, é importante indicar corretamente a variável segundo a qual o limite deve ser calculado. Figura 5.59: Calculando limites no infinito com o wxMaxima. Figura 5.60: Calculando limites com o wxMaxima. Atividades 1. Considere as funções f1, f2 : R? → R, definidas por f1(x) = 1 x e f2(x) = 1 x2 . Use o Maxima para calcular os limites lim x→0 f1(x) e lim x→0 f2(x). Compare os resultados dados pelo software. Agora, calcule os limites laterais lim x→0− f1(x), lim x→0+ f1(x), lim x→0− f2(x) e lim x→0+ f2(x). Como você interpreta esses resultados? 2. Considere as funções g1, g2 : R? → R, definidas por g1(x) = x |x| e g2(x) = sen ( 1 x ) . Use o Maxima para calcular lim x→0 g1(x) e lim x→0 g2(x). Compare os resultados dados pelo software. Agora, calcule lim x→0− g1(x), lim x→0+ g1(x), lim x→0− g2(x) e lim x→0+ g2(x). Como você interpreta esses resultados? 5.3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO CÁLCULO INFINITESIMAL 165 3. Repita as atividades 8 a 11 da seção 3.3 (p. 54 a 55) usando um sistema de computação algébrica. Procure usar os recursos do software para determinar os limites necessários. Que vantagens e desvantagens pedagógicas você vê no uso do sistema de computação algébrica para realizar estas atividades? Na atividade 1, todos os limites laterais são infinitos. Porém, os limites laterais de f1 possuem sinais opostos, enquanto que os de f2 têm o mesmo sinal. Assim, temos que lim x→0 1 x2 = +∞, quecorresponde à resposta dada pelo Maxima. Porém, não podemos representar lim x→0 1 x pelo śımbolo de infinito. Por isso, o Maxima retorna o palavra Infinity ao cálculo de lim x→0 1 x , significando apenas que os limites laterais são infinitos. Figura 5.61: Limites infinitos no wxMaxima. Na atividade 2, ambos os limites propostos não existem, porém com comportamentos distintos (figura 5.62). No caso da função g1, o limite global não existe porque os limites laterais existem mas são diferentes. Porém, no caso de g2 nem mesmo os limites laterais existem. Para apontar essa di- ferença de comportamento, o Maxima retorna os termos: und, no caso em que o limite global não existe por que os limites laterais existem mas são diferentes; e ind no caso em que o limite não existe por outros motivos. Para entender melhor o comportando dessas funções, você poderá usar o próprio software para traçar seus gráficos1 (figura 5.63). Observe que, por exemplo, que: sen ( 1 x ) = 0 ⇐⇒ x = 1 n π , n ∈ Z sen ( 1 x ) = 1 ⇐⇒ x = 1 π 2 + n π , n ∈ Z Portanto, existem sequências de números reais positivos (an)n∈N e (bn)n∈N tais que lim an = lim bn = 0, mas lim g2(an) = 0 e lim g2(bn) = 1. Por isso, não pode existir lim x→0+ g2(x). Analo- gamente, não pode existir lim x→0+ g2(x). Na verdade, para cada α ∈ [0, 1], podemos construir uma sequência de números reais (positivos ou negativos) (xn)n∈N tal que lim xn = 0 e lim g2(xn) = α. 1Observe que o Maxima não representa graficamente o fato de o ponto x = 0 não pertencer ao doḿınio das funções. Este tipo de limitação computacional já foi amplamente discutida no caṕıtulo 3. 166 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Figura 5.62: Limites inexistentes no wxMaxima. Figura 5.63: Limites inexistentes no wxMaxima. 5.3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO CÁLCULO INFINITESIMAL 167 Derivadas Para calcular derivadas, o comando básico do Maxima é diff. Esse comando também é acesśıvel no menu superior do wxMaxima, nas opções Cálculo e Diferenciar, em que devem ser informadas a função a ser derivada, a variável de derivação e a ordem da derivada (figura 5.64). Assim, este comando permite também o cálculo direto de derivadas de ordem superior (figura 5.65). Também podem ser calculadas derivadas de funções cujas expressões envolvem constantes ou várias variáveis, o que, em particular, permite o cálculo de derivadas parciais (figura 5.66). Figura 5.64: Calculando derivadas com o wxMaxima. Figura 5.65: Calculando derivadas com o wxMaxima. Figura 5.66: Calculando derivadas com o wxMaxima. 168 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Atividades 4. Considere a função h : R→ R definida por h(x) = ||x| − 1|. (a) Use o Maxima para calcular h′. Esta derivada está definida para todos os valores de x? (b) Trace os gráficos de h e de h′. Como você interpreta esses resultados? 5. Considere a função p : R→ R definida por p(x) = x4 − 3 x2 − 2 √ 2 x + 2. Use o Maxima para responder às questões a seguir. (a) Defina a função derivada2 de p. Para isso, siga os passos mostrados na figura abaixo: você deverá primeiro atribuir um nome à expressão simbólica de p′ gerada pelo software e, em seguida, usar o comando ev (que serve para atribuir valores numéricos a uma expressão simbólica) para definir a função com essa expressão. (b) Determine todos os valores de x ∈ R em que a p′(x) = 0. Use o comando ratsimp para simplificar as expressões geradas pelo programa. (c) Determine as equações das retas tangentes ao gráfico de p no pontos (1, p(1)), (2, p(2)), e em todos os pontos em que a reta tangente é horizontal. (d) Esboce os gráficos de p e p′ na mesma janela gráfica. (e) Esboce o gráfico de p e todas as retas tangentes obtidas no item 5c na mesma janela gráfica. 6. Considere a função q : R \ { 0, 1 2 } → R definida por q(x) = x2 − 4 2 x2 − x . Use o Maxima para responder às questões a seguir. (a) Defina a função derivada de q. (b) Calcule lim x→+∞ q(x) e lim x→−∞ q(x). (c) Determine todos os pontos de máximo e de ḿınimo locais de q. (d) Faça esboços do gráfico de p em janelas gráficas em que seja posśıvel visualizar esses pontos de máximo e de ḿınimo. 7. Em muitos casos não é posśıvel resolver analiticamente equações do tipo f(x) = 0, isto é, não é posśıvel encontrar os valores exatos das ráızes da função f . Por exemplo, considere as equações dadas nas atividades 6 e 7 da seção 5.1 (p. 136). Nessas situações, só é posśıvel procurar demonstrar a existências das ráızes e buscar valores aproximados para elas. 2Você não poderá usar o śımbolo p′ para definir uma função, portanto escolha outro śımbolo, que envolva apenas letras e números, para representar a derivada de p. 5.3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO CÁLCULO INFINITESIMAL 169 Uma das principais formas de obter aproximações para ráızes de funções é o chamado método de Newton, que consiste no seguinte. Seja f : ]a, b[⊂ R → R uma função cujas ráızes deseja-se aproxi- mar. Começamos com um valor x0 e encontramos a reta tangente ao gráfico de f no ponto (x0, f(x0)). Tomamos o ponto x1, de interseção entre essa reta tangente e o eixo x. Aplicamos então o mesmo procedimento a x1, obtendo o ponto x2, de in- terseção da reta tangente ao gráfico de f no ponto (x1, f(x1)) com o eixo x. Assim, constrúımos uma sequência (xn)n∈N tal que xn+1 é o ponto de interseção da reta tangente ao gráfico de f no ponto (xn, f(xn)) com o eixo x. Como essa reta tem equação dada por y = f ′(xn)(x − xn) + f(xn), então a sequência (xn) é definida recursivamente da seguinte forma: xn+1 = xn − f(xn) f ′(xn) x y É posśıvel mostrar que, se f tem uma raiz no intervalo ]a, b[ , é duas vezes diferenciável com f ′′ cont́ınua, e f ′ não se anula, então é posśıvel escolher um valor inicial x0 para o qual a sequência definida pelo método de Newton convirja para uma raiz de f (ver, por exemplo [48, 52]). (a) Elabore um procedimento para aplicar o método de Newton no Maxima. (b) Considere a função polinomial f : R→ R, f(x) = x5 + x3 + 1. Como f é de grau ı́mpar e f ′(x) = 5 x4 + 3 x2 > 0 ∀ x ∈ R, podemos concluir que f tem uma única raiz real. Tente usar o comando solve para resolver a equação f(x) = 0 simbolicamente. Aplique o método de Newton para encontrar uma aproximação para essa raiz. Compare o resultado com o comando find root, que serve resolver equações numericamente. 8. O objetivo desta atividade é usar o Maxima para explorar o comportamento local de uma função diferenciável f próximo a um ponto x0 de seu doḿınio, comparando a relação entre o gráfico de f e a sua reta tangente em (x0, f(x0)) com a relação entre o gráfico e outras retas que passam por (x0, f(x0)) mas não são tangentes. Em primeiro lugar, você deverá escolher: uma função diferenciável f ; um ponto x0 no doḿınio de f ; um valor a ∈ R (que será a inclinação de uma reta passando pelo ponto (x0, f(x0))). Esta reta terá, portanto, a seguinte equação: r(x) = m (x− x0) + f(x0) . No exemplo a seguir, foram escolhidos f(x) = x2, x0 = 1 e a = 2 (que é corresponde à f ′(x0)). 170 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Agora, digite no Maxima a seguinte rotina3, que chamaremos de aproximação linear: O valor de h na primeira linha da rotina representa o variação h = ∆x = x − x0. Você poderá alterar livremente este valor, e acionar novamente a rotina. O software dará então o seguinte retorno: • o valor de h; • a diferença ρ(h) entre os valores de f e de r em x = x0 + k: ρ(h) = f(x0 + h)− r(x0 + h) = f(x0 + h)− f(x0)− a h ; • a razão ρ entre a diferença acima e h: α(h) = ρ(h) h = f(x0 + h)− r(x0 + h) h = f(x0 + h)− f(x0)− a h h = f(x0 + h)− f(x0) h − a ; • uma figura exibindo: os gráficos de f (em azul) e de r (em lilás) no intervalo [x0−h, x0 +h]; juntamente com um segmento de reta horizontal (em vermelho), cujocomprimento é |h|; um segmento de reta vertical (em vermelho), que liga esses dois gráficos na extremidade superior do intervalo, e, portanto, cujo comprimento é igual a |ρ(h)|. 3As definições de y1, y2, xrange e yrange visam apenas ajustar o tamanho da janela gráfica para melhor visualização. Portanto, não constituem parte conceitual importante da atividade. 5.3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO CÁLCULO INFINITESIMAL 171 (a) Mantendo a = 2, acione a rotina aproximação linear para h = 0, 1 e em seguida para h = 0, 01. Explique os comportamentos de ρ(h), de ρ(h) h e dos gráficos. (b) Agora, altere o valor de a para a = 2, 5. Acione a rotina aproximação linear para h = 1, para h = 0, 1 e para h = 0, 01. Explique os comportamentos de ρ(h), de ρ(h) h e dos gráficos. A atividade 4 ilustra mais um exemplo de limitações do software, que geram resultados aparente- mente contraditórios. Observe o gráfico da função h na figura 5.67. É claro que a derivada de h é a função h′ : R \ {−1, 0, 1} → R dada por: { −1 se x < −1 ou 0 < x < 1 1 se −1 < x < 0 ou x > 1 Figura 5.67: O gráfico de f(x) = ||x| − 1| no wxMaxima. Entretanto, quando h′ é calculada simbolicamente no Maxima, não são considerados os pontos em que h não é diferenciável (figura 5.68). Observe que, de fato, a resposta do software coincide com h′(x) para os valores de x em que h′ está definida. Figura 5.68: Calculando derivadas no wxMaxima. Além disso, ao gerar o gráfico do h′, o software liga indevidamente os pontos em que h′ não está definida (figura 5.67), gerando um gráfico que não pode representar uma função real. Erros computacionais deste tipo já foram abordados no caṕıtulo 3 (ver atividade 1 da seção 3.3, p. 49). 172 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Figura 5.69: O gráfico da derivada de f(x) = ||x| − 1| no wxMaxima. As atividades 5 e 6 visam à familiarização com algumas das ferramentas do Maxima que podem ajudar a estudar o comportamento gráfico de funções. Na atividade 5, é necessário simplificar as ráızes da equação p′(x) = 0 determinadas pelo software, para perceber que ambas são reais. Figura 5.70: Explorando derivadas no wxMaxima. O exerćıcio de analisar o gráfico de uma função com a de sua derivada, traçados em uma mesma janela gráfica, pode ajudar na exploração das relações entre as propriedades gráficas da função e da derivada. Por exemplo, figura 5.71, podemos observar as propriedades nos gráficos de h (em azul) e h′ (em vermelho): • Nos pontos x em p′(x) = 0, no caso, x1 = − √ 2 2 e x2 = √ 2, a reta tangente ao gráfico de p é horizontal. • Nos intervalos em p′(x) > 0, p é crescente. • Nos intervalos em p′(x) < 0, p é decrescente. • Analisando a primeira raiz de p′, x1 = − √ 2 2 , observamos que é posśıvel encontrar um raio δ1 > 0 tal que p′(x) < 0 para x1 − δ1 < x < x1 e também para x1 < x < x1 + δ1. Logo, conclúımos que p é decrescente em ]x1 − δ1, x1[ e também em ]x1, x1 − δ1[ e, portanto, que (x1, f(x1)) é ponto de inflexão de p. • Analisando a segunda raiz de p′, x2 = √ 2, é posśıvel encontrar um raio δ2 > 0 tal que p′(x) < 0 para x2− δ2 < x < x2 e p′(x) > 0 para x2 < x < x2 + δ2. Logo, conclúımos que p é decrescente em ]x2 − δ2, x2[ e crescente em ]x2, x2 − δ2[ e, portanto, que (x2, f(x2)) é ḿınimo local de p. 5.3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO CÁLCULO INFINITESIMAL 173 Da análise acima, conclúımos que p é decrescente em ]−∞, x2[ e crescente em ]x2,+∞[ , e que (x2, f(x2)) é, de fato, um ponto de ḿınimo absoluto de p. Figura 5.71: Explorando derivadas e gráficos no wxMaxima. Para obter as equações das retas tangentes ao gráfico de p (figura 5.72), nos pontos x0 em que p′(x0) 6= 0, no caso x3 = 1 e x4 = 2, fazemos y = p′(x0) (x − x0) + f(x0). Nos pontos x0 em que p′(x0) = 0, no caso x1 = − √ 2 2 e x2 = √ 2, basta fazer y = f(x0). Finalmente, geramos o gráfico de p com as retas tangentes obtidas (figura 5.73). Figura 5.72: Explorando derivadas no wxMaxima. 174 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Figura 5.73: Explorando derivadas e gráficos no wxMaxima. Na atividade 6, verificamos que a derivada de q tem duas ráızes, x1 = 8− 2 √ 15 e x2 = 8 + 2 √ 15, e, pelo teste da derivada segunda, conclúımos que (x1, q(x1)) é um ponto de ḿınimo local e (x1, q(x1)) é um ponto de máximo local (figura 5.74). Figura 5.74: Calculando extremos locais no wxMaxima. 5.3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO CÁLCULO INFINITESIMAL 175 Entretanto, se esboçamos o gráfico em uma janela gráfica “convencional”, como não por exemplo a da figura 5.75, não conseguimos visualizar esses pontos de máximo e de ḿınimo. Figura 5.75: O gráfico de q(x) = x2 − 4 2 x2 − x na janela gráfica −5 ≤ x ≤ 5, −5 ≤ y ≤ 5. Para buscar janelas gráficas nas quais seja posśıvel visualizar os pontos de máximo e de ḿınimo, devemos calcular os valores de suas coordenadas (figura 5.77). Verificamos que x1 é próximo de 0, mas q(x1) é relativamente grande (próximo de 30); e que x2 é relativamente grande (próximo de 15), mas mas q(x2) é próximo de 1 2 . Por isso, esses pontos ficaram fora da janela da figura 5.75. Para obter uma janela gráfica adequada para a visualização de (x1, q(x1)), deve-se escolher valores próximos de x1 na horizontal e q(x1), como por exemplo 0 ≤ x ≤ 0, 5, 30 ≤ y ≤ 35 (figura 5.77, à esquerda). Como q(x2) ∼= 1 2 é y = 1 2 é uma asśıntota horizontal de q, a variação da função q na região próxima a x2 é muito sutil. Portanto, para que seja posśıvel perceber visualmente essa variação, deve-se escolher um intervalo horizontal extenso e um intervalo vertical muito próximo de q(x2), como por exemplo 5 ≤ x ≤ 25, 0, 5 ≤ y ≤ 0, 51 (figura 5.77, à direita). Figura 5.76: Calculando extremos locais no wxMaxima. 176 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Figura 5.77: O gráfico de q(x) = x2 − 4 2 x2 − x nas janelas gráficas 0 ≤ x ≤ 0, 5, 30 ≤ y ≤ 35 e 5 ≤ x ≤ 25, 0, 5 ≤ y ≤ 0, 51. Na atividade 7, verificamos que não é posśıvel resolver a equação f(x) = 0 analiticamente no Maxima (figura 5.78). Introduzimos no software a fórmula do método de Newton: N(x) = x− f(x) f ′(x) (figura 5.79). Escrevemos uma instrução para aplicar a fórmula a um valor x0 escolhido, obtendo x1 = N(x0), e atualizamos o valor de x0, com o valor de x1 obtido. Acionado essa instrução sucessivas, os valores obtidos aproximação de raiz de f . Depois de algumas iterações, verificamos que o aproximação obtida para a raiz coincide com o valor dado pelo comando find root do Maxima (figura 5.80). Figura 5.78: Uma equação que não pode ser resolvida analiticamente no wxMaxima. Figura 5.79: Aplicando o método de Newton no wxMaxima. Figura 5.80: Resolvendo uma equação numericamente no wxMaxima. 5.3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO CÁLCULO INFINITESIMAL 177 Atividade 8 explora uma interpretação para a definição de derivada dinamicamente. Como sabemos, f : D ⊂ R→ R é diferenciável em x0 ∈ D se existe o limite: lim h→0 f(x0 + h)− f(x0) h . (5.2) O valor deste limite é chamado de derivada de f em x0 e denotado por f ′(x0). Uma forma equivalente de enunciar esta definição é afirmar que f é diferenciável em x0 se existe a ∈ R tal que: lim h→0 f(x0 + h)− f(x0)− a h h = 0 . (5.3) Neste caso, temos a = f ′(x0). A equação da reta tangente ao gráfico de f no ponto (x0, f(x0)) será então r(x) = a (x − x0) + f(x0). Fixado x0, o denominador da expressão 5.3, dado por ρ(h) = f(x0 + h)− f(x0)− a h, é chamado de resto. Assim, o resto corresponde à diferença entre os valores de f e da reta r em x = x0 + h. Se tomamos agora um número real qualquer a 6= f ′(x0), então r(x) = a (x−x0)+f(x0) representa uma reta que intercepta o gráfico de f em (x0, f(x0)), mas não é tangente ao gráfico nesse ponto. Neste caso, temos que: lim h→0 ρ(h) = 0 , mas lim h→0 ρ(h) h 6= 0 . Por outro lado, se a = f ′(x0), a definição de derivada afirma que:lim h→0 ρ(h) = lim h→0 ρ(h) h = 0 . Desta forma, podemos dizer que qualquer reta que intercepta o gráfico de f em (x0, f(x0)) aproxima a função nesse ponto, nos sentido em que ρ(h) tende a zero. Porém, dentre todas as retas que interceptam o gráfico de f em (x0, f(x0)), aquela cuja inclinação é a = f ′(x0) (isto é, a reta tangente) é a única para a qual ρ(h) h também tende a zero – ou seja, o resto tende a zero mesmo quando comparado com h. Em outras palavras, lim h→0 ρ(h) h = 0 significa que, para valores pequenos de h, o resto ρ(h) fica muito menor que h. Neste sentido, a reta tangente é a melhor aproximação linear local para f em (x0, f(x0)). A rotina aproximação linear, proposta na atividade 8, visa explorar esta interpretação de derivada, articulando representações numéricas e gráficas de forma dinâmica. Para este fim, a rotina exibe os valores numéricos de h, do resto ρ(h) e da razão α(h) = ρ(h) h ; juntamente com a os gráficos de f e da reta de equação r(x) = a (x − x0) + f(x0), em que são destacados um segmento vertical cujo comprimento é |ρ(h)| e um segmento horizontal cujo comprimento é |h|. Este segmento de tamanho h determina o tamanho da janela gráfica, uma vez sua dimensão horizontal é dada pelo segmento [ x0−h, x0 +h ]. Desta forma, é posśıvel observar os valores ρ(h) e de h, numérica e geometricamente, e comparar seu comportamento quando h se aproxima de 0, ao mesmo tempo que se observa a relação entre o gráfico de f e a reta r. De fato, no caso em que a = f ′(x0) (figura 5.81), quando aproximamos os valores de h de 0, podemos observar os valores de ρ(h) e de α(h) = ρ(h) h se aproximando de 0. Ao mesmo tempo, verificamos que o segmento vertical de comprimento |ρ(h)| deixar ser viśıvel – pois este fica muito menor que |h| (que determina o tamanho da janela gráfica). Portanto, o gráfico de f tende a se confundir com a reta r. 178 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Figura 5.81: Comportamento local de uma função diferenciável e sua reta tangente. Por outro lado, se a 6= f ′(x0) (figura 5.82), quando aproximamos os valores de h de 0, observamos que os valores de ρ(h) se aproximando de 0, mas os de α(h) = ρ(h) h não. Verificamos que o segmento vertical de comprimento |ρ(h)| é sempre viśıvel e o gráfico de f sempre pode ser distinguido da reta r. Figura 5.82: Comportamento local de uma função diferenciável e uma reta não tangente. É importante observar que o sistema de computação algébrica desempenha um papel central nesta atividade, pois as representações numéricas e gráficas não poderiam ser articuladas desta maneira apenas com recursos didáticos não computacionais. Integrais Nesta seção, não nos aprofundaremos muito no cálculo de integrais com o Maxima. Serão propostas apenas algumas atividades visando a familiarização com o uso do comando básico integrate, por meio de situações em que este é usado de forma integrada com outras ferramentas do software, apresentadas anteriormente neste caṕıtulo. O comando integrate também pode ser acessado no menu superior do wxMaxima, nas opções Cálculo e Integrar, em que devem ser informadas a função integrando e a variável de integração. Este comando permite o cálculo de integrais indefinidas (figura 5.83) e definidas (figura 5.84). No caso de integrais definidas, o Maxima retornará uma função primitiva da função integrando. Para calcular integrais indefinidas, é necessário escolher esta opção no menu e informar os limites de integração. Também é posśıvel digitar o comando integrate diretamente, sem usar o menu. Neste caso, para calcular uma integral definida, basta incluir os limites de integração (de acordo com a sintaxe mostrada na figura 5.84). Se os limites de integração forem omitidas, o software interpretará a instrução como uma integral indefinida. Com o comando integrate é posśıvel ainda calcular integrais impróprias. Os limites de integração infinitos podem ser selecionados na opção Especial. Se a integral for divergente, o Maxima retornará uma mensagem com esta informação (figura 5.85). Se a integral for convergente, o software retornará o seu valor (figura 5.86). 5.3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO CÁLCULO INFINITESIMAL 179 Figura 5.83: Calculando integrais indefinidas com o wxMaxima. Figura 5.84: Calculando integrais definidas com o wxMaxima. Figura 5.85: Calculando integrais impróprias com o wxMaxima. Figura 5.86: Calculando integrais impróprias com o wxMaxima. 180 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Atividades 9. Use o Maxima para calcular a integral indefinida: ∫ xndx . (a) O Maxima retornará esta solicitação perguntando se n+ 1 é zero ou diferente de zero: Por que você acha que o software retorna esta pergunta? (b) Você poderá responder à pergunta do Maxima na mesma linha de comando: Explique o resultado dodo pelo software. 10. (a) Para cada n ∈ N, considere An a região limitada entre a curva y = xn e o eixo x, para 0 6 x 6 1. Seja an a área de An: an = ∫ 1 0 xn dx . Determine lim n→+∞ an. Interprete geometricamente este resultado. (b) Para cada n ∈ N, considere tn ∈ ]0, 1[ tal que: ∫ t 0 xn dx = 1 2 an . Isto é, x = tn é a reta vertical que divide An em duas regiões de igual área. Determine lim n→+∞ tn. Interprete geometricamente este resultado. (c) Faça uma animação para representar a faḿılia de curvas y = xn, quando n cresce. 11. A figura ao lado representa uma região plana P, de base b a altura h, delimitada por um arco de parábola e um segmento de reta perpendicular ao seu eixo de simetria. (a) Determine uma fórmula para a área de P, em função de b e h. (b) Determine uma fórmula para o volume do sólido Q, gerado pela rotação de P em torno de seu eixo de simetria, em função de b e h. b h (c) Supondo que b+h = k, sendo k é uma constante real, determine a relação entre b e h para que a área de P seja o maior posśıvel. (d) Ainda supondo b + h = k, determine a relação entre b e h para que o volume de Q seja o maior posśıvel. 5.3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO CÁLCULO INFINITESIMAL 181 As perguntas feitas pelo software, como a exemplificada na atividade 9, visam estabelecer propri- edades dos dados que podem alterar a forma do resultado. Na atividade 10, também será necessário responder algumas perguntas dessa natureza. Nesta atividade, usar o comando integrate para deter- minar que an = 1 n+ 1 (figura 5.87). Portanto, lim n→+∞ an = 0. Figura 5.87: Resolvendo problemas de integração com o wxMaxima. Em seguida, encontramos a área delimitada entre y = xn e o eixo x, para 0 6 x 6 t, que é dada por ∫ t 0 xn dx = tn+1 n+ 1 (figura 5.88). Então, o número tn procurado será solução da equação tn+1 = 1 2 (n+ 1) . Logo, tn = 2− 1 n+1 . Portanto, lim n→+∞ tn = 1. Isto significa que, quando n cresce, a área an tende a ficar mais concentrada na extremidade superior do intervalo [ 0, 1 ]. A animação proposta no item 10c pode ajudar a entender melhor este comportamento. Figura 5.88: Resolvendo problemas de integração com o wxMaxima. Na atividade 11, primeiro representamos o arco de parábola que delimita P como gráfico de uma função f do segundo grau. Como P deve ter base b e altura h, podemos buscar f de tal forma que f ( − b 2 ) = f ( b 2 ) = 0 e f(0) = h. Então, obtemos (figura 5.89): f(x) = 4 h b2 ( b2 4 − x2 ) 182 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Conhecida a função f , podemos obter por integração as fórmulas de S, a área de P, e V , o volume de V (figura 5.89): S = 2 3 b h V = π 8 b2 h O volume V foi obtido pela fórmula de volume sólidos de revolução: 2 π ∫ x2 x1 x f(x) dx. Figura 5.89: Resolvendo problemas de integração com o wxMaxima. Estabelecendo a restrição h = k − b, podemos definir a função s : [0, k] → R, que a cada valor b associa o valor correspondente da área de P (figura 5.90): s(b)= 2 3 b (k − b) = 2 3 (k b− b2) . Determinamos a derivada de s e resolvemos a equação s′(x) = 0, obtendo b = 1 2 k como solução. Portanto, a região de maior área posśıvel é aquela tal que b = h. Figura 5.90: Resolvendo problemas de integração com o wxMaxima. Analogamente, definimos a função v : [0, k]→ R, que a cada valor b associa o valor correspondente da volume de Q (figura 5.91): v(b) = π 8 b2 (k − b) = π 8 (k b2 − b3) . Determinamos a derivada de V e resolvemos a equação v ′(x) = 0, obtendo b = 2 3 k como solução. Portanto, devemos ter h = 1 3 k. Logo, a região que determina o sólido de maior volume posśıvel é aquela tal que b = 2 h. 5.3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO CÁLCULO INFINITESIMAL 183 Figura 5.91: Resolvendo problemas de integração com o wxMaxima. É claro que muitos dos cálculos feitos nas atividades 9, 10 e 11 são relativamente simples e não demandariam o uso do software. Entretanto, o objetivo é empregar essas situações para ilustrar como é posśıvel integrar as diversas ferramentas do sistema de computação algébrica apresentadas neste caṕıtulo no encadeamento da resolução de um problema. Polinômios de Taylor Encerraremos esta seção apresentando animações para gerar gráficos de polinômios de Taylor apro- ximando funções reais. Como sabemos, dada uma função f : D ⊂ R → R, k vezes diferenciável, definimos o polinômio de Taylor de ordem n de f em torno de um ponto x0 ∈ D como (ver, por exemplo [48, 52]): pn(x) = n∑ k=0 f (n)(x0) k! (x− x0)k . Conceitualmente, o polinômio de Taylor de ordem n de f em torno de x0 é, dentre todos os polinômios de grau menor ou igual a n, aquele que melhor aproxima o gráfico de f na vizinhança de x0. Além disso, quanto maior for a ordem do polinômio, melhor será a aproximação. Por exemplo, o polinômio de Taylor de ordem 5 de f(x) = sen (x) em torno de x0 = 0 é dado por: p5(x) = x− x3 6 + x5 120 . Como todas as derivadas de ordem par de f(x) = sen (x) em x0 = 0 se anulam, então todos os polinômios de Taylor de f em torno de x0 = 0 só apresentam termos de grau ı́mpar. No Maxima, o comando taylor permite calcular polinômios de Taylor. Para isso, devem ser infor- mados, nesta ordem: a função; o ponto em torno do qual de deseja determinar o polinômio de Taylor; e a ordem do polinômio (figura 5.92). Figura 5.92: Determinando polinômios de Taylor com o wxMaxima. Com o Maxima, podemos construir animações para ilustrar graficamente a propriedade de que, quanto maior a ordem do polinômio de Taylor melhor será a aproximação da função. Para isso, devemos 184 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA usar o comando with slider (ver p. 161). Segundo a sintaxe do comando, devem ser informados, nesta ordem: o parâmetro da animação; os valores desse parâmetro; a faḿılia de funções dependendo desse parâmetro; e a janela gráfica. Pode-se ainda usar o comando makelist para a gerar uma lista com os valores do parâmetro. Como exemplo, construiremos uma animação para os polinômios de Taylor de f(x) = sen (x) em torno de x0 = 0. Neste caso, a faḿılia de funções é formada pelos polinômios de Taylor, e o parâmetro é a ordem do polinômio. Portanto, só interessam os polinômios de ordem ı́mpar. Devemos gerar então uma lista com números ı́mpares. Por exemplo, podemos gerar uma lista com os 11 primeiros números ı́mpares (figura 5.93). Com esta lista, criaremos uma animação com os polinômios de Taylor de ordens 1 a 21. Usamos então a lista gerada para criar a animação com o comando with slider (figura 5.94). A figura 5.95 mostra os três primeiros quadros desta animação. Figura 5.93: Determinando polinômios de Taylor com o wxMaxima. Figura 5.94: Determinando polinômios de Taylor com o wxMaxima. Figura 5.95: Determinando polinômios de Taylor com o wxMaxima. Para ilustrar mais claramente a aproximação, podemos ainda representar os gráficos dos polinômios juntamente com o gráfico da função na animação constrúıda (figuras 5.96 e 5.97). Figura 5.96: Determinando polinômios de Taylor com o wxMaxima. Figura 5.97: Determinando polinômios de Taylor com o wxMaxima. 5.4. EXPLORAÇÕES ARITMÉTICAS 185 Atividades 12. Use o Maxima para construir animações para os polinômios de Taylor de: (a) f(x) = cos x, em torno de x0 = 0. (b) f(x) = ex, em torno de x0 = 0. (c) f(x) = ln x, em torno de x0 = 1. 13. Responda as perguntas a seguir considerando as atividades 1 a 12. (a) Quais são os principais conceitos matemáticos enfocados? (b) Quais são, na sua opinião, os objetivos das atividades? (c) Qual é o papel do sistema de computação algébrica no desenvolvimento das atividades? (d) Que vantagens e desvantagens o uso do sistema de computação algébrica pode trazer para a aprendizagem dos conceitos enfocados, em comparação com abordagens com recursos convencionais (isto é, sem o uso de recursos computacionais)? (e) Quais dessas atividades poderiam ser adaptadas para o ensino médio? (f) Que obstáculos e desvantagens você considera que seriam enfrentados na aplicação dessas atividades em sala de aula? 5.4 Explorações Aritméticas Conceitos como os de múltiplo, divisor, número primo, decomposição em fatores primos, e as ideias relacionadas, estão entre os principais tópicos abordados na aritmética do ensino básico. É interessante saber que conceitos tão elementares como esses podem dar origem a problemas com soluções matemati- camente sofisticadas, incluindo até mesmo problemas que permanecem em aberto, isto é, cujas soluções ainda não são conhecidas. Alguns desses problemas foram propostos há vários séculos e apresentam enunciados simples, que são acesśıveis mesmo para alunos do ensino médio. Por outro lado, questões en- volvendo divisibilidade e números primos despertam grande interesse na pesquisa matemática de ponta até os dias de hoje, pois possuem muitas aplicações importantes, especialmente na área de códigos e criptografia (ver, por exemplo [24]). Assim, é posśıvel estabelecer uma conexão entre Matemática ele- mentar e Matemática superior: mesmo problemas com enunciados simples, envolvendo apenas conceitos básicos que aprendemos na escola, podem ser de grande relevância em Matemática superior, e levar a soluções que demandam ferramentas matemáticas avançadas. Os sistemas de computação algébrica permitem abordar esses problemas históricos por meio de uma perspectiva computacional, realizando alguns dos cálculos pesados envolvidos e permitindo que os alunos explorem propriedades qualitativas dos resultados. Nesta seção, utilizaremos o Maxima para realizar explorações aritméticas com números de Fermat, primos de Mersenne e uma certa função aritmética envolvendo números perfeitos (ver, por exemplo [38]). Aproveitaremos para apresentar algumas novas ferramentas do Maxima. Os Primos de Fermat e de Mersenne Iniciamos com os números de Fermat, que são obtidos a partir de um número natural n > 0 pela operação aritmética: Fn = 22n + 1 . (5.4) Os primeiros quatro números de Fermat, obtidos a partir de n = 1, 2, 3, 4, são: 186 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA F1 = 5, F2 = 17, F3 = 257, F4 = 65537. Em 1640, o matemático Pierre de Fermat observou que esses primeiros quatro números eram primos e conjecturou que todos os outros números dados pela expressão 5.4 também seriam primos. Entretanto, verificar a primalidade de um número n ∈ N grande (isto é, verificar se n é ou não primo) pode ser uma tarefa bastante dif́ıcil, pois envolve testar a divisibilidade de n por todos os primos p 6 √ n. Supondo que todos esses números primos sejam conhecidos, cada uma dessas verificações envolve uma grande quantidade de cálculos aritméticos elementares. Na época de Fermat, as ferramentas dispońıveis (basicamente, papel e lápis) não possibilitavam fazer tantos cálculos. Hoje, com o aux́ılio de computadores,é posśıvel constatar rapidamente que Fermat não estava correto em sua conjectura. Por exemplo, com o Maxima (figura 5.98), verificamos que o sétimo núme- ro de Fermat F7 = 340282366920938463463374607431768211457 , que possui 39 algarismos, não é primo, pois é composto pelo produto dos primos: F7 = 59649589127497217× 5704689200685129054721 . (5.5) Figura 5.98: Explorando os números de Fermat o wxMaxima. Na tela mostrada na figura 5.98, empregamos os comandos do Maxima: slength, para determinar a quantidade de algarismos de um número; primep para verificar a primalidade de um número; divisors para determinar todos os divisores de um número. Assim, foi posśıvel verificar que o número de 5.4. EXPLORAÇÕES ARITMÉTICAS 187 Fermat F7 não é primo, que possui dois fatores primos e que, portanto, a expressão 5.5 corresponde à decomposição em fatores primos desse número. Entretanto, quando lidamos com números ainda maiores, a verificação da primalidade pode ser dif́ıcil, mesmo com o aux́ılio dos computadores mais poderosos de que dispomos no momento. Assim, não conhecemos hoje nenhum outro primo de Fermat além dos que já eram conhecidos em 1640, e nem mesmo sabemos se a quantidade desses primos é finita ou infinita. Tais questões permanecem em aberto. O desafio de saber a quantidade de certos números especiais também ocorre com os chamados primos de Mersenne, obtidos a partir de um número primo p pela operação aritmética Mp = 2p − 1 . (5.6) Nem todos os númerosMp = 2p−1, com primo p, são primos. Executando um sistema de computa- ção algébrica em um microcomputador comum (figura 5.99), não é preciso esperar nem um minuto para testar a primalidade dos números de Mersenne Mp = 2p − 1 correspondentes aos primeiros duzentos primos p, e listar os catorze primos de Mersenne encontrados. Figura 5.99: Explorando os números de Mersenne o wxMaxima. Na tela mostrada na figura 5.99, utilizamos os comandos for, while e do, que servem para executar uma instrução (especificada entre parênteses) enquanto uma condição dada for verdadeira. Neste caso, iniciamos definindo p = 1 e criando uma lista vazia. Em seguida, começamos a incrementar o contador i, de uma em uma unidade, e, a cada passo, executamos a seguinte instrução: • determinados o número primo p seguinte, por meio do comando next prime; • calculamos o número de Fermat correspondente a p, fazendo Mp = 2p − 1; • verificamos se Mp é primo, por meio da instrução primep, e, em caso afirmativo, inclúımos p na lista. 188 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA Por exemplo, quando i = 1, determinados o número primo seguinte ao valor inicial p = 1, que é p = 2, calculamos M2 = 22 − 1 = 3 e verificamos se M2 é primo. Como M2 é primo, inclúımos p = 2 na lista. Em seguida, determinamos o próximo número primo, que é p = 3, e repetimos a instrução. Executamos essa instrução até que o valor do contador i seja igual a 200. Ao final desse processo, teremos produzido uma lista com os números p, dentre os 200 números primos, tais que o número de Meresenne Mp = 2p − 1 correspondente é primo. Verificamos ainda que o décimo quarto primo de Mersenne, M607 = 53113799281676709868958820655246862732959311772703 19231994441382004035598608522427391625022652292856 68889329486246501015346579337652707239409519978766 587351943831270835393219031728127 possui 183 algarismos. Até dezembro de 2001 eram conhecidos apenas trinta e nove primos de Mersenne. Hoje, após quase dez anos de computação ininterrupta em poderosos supercomputadores, o grupo GIMPS (Great Internet Mersenne Prime Search) de busca de primos de Mersenne conseguiu aumentar essa quantidade em apenas oito novos números, sendo que o último deles, M43112609, possui mais de doze milhões de algarismos. Atividades 1. Utilize o Maxima para verificar que o quinto e o sexto números de Fermat não são primos e encontre a lista de seus divisores. 2. Utilize o Maxima para verificar que não existem primos de Mersenne com 608 < p < 1278. 3. Utilize o Maxima para verificar que p = 1279 é um número primo, gerador do primo de Mersenne M1279, com 386 algarismos. Números Perfeitos Os sistemas de computação algébrica também podem ser utilizados na exploração de algumas funções aritméticas interessantes envolvendo a função σ(n), que calcula a soma de todos os divisores positivos de um número natural n. Dentre estas está uma função f que subtrai de cada número natural n a soma de seus divisores positivos próprios (isto é, diferentes de 0 e do próprio n). Assim, esta função pode ser calculada da seguinte forma: f : N∗ → Z , n 7→ f(n) = n− [σ(n)− n] = 2n− σ(n) De certa forma, a função f compara um número natural n com a soma de seus divisores próprios. Por exemplo: f(1) = 1 = 1− [0] = 1 f(6) = 6− [1 + 2 + 3] = 0 f(24) = 24− [1 + 2 + 3 + 4 + 6 + 8 + 12] = −12 f(111) = 111− [1 + 3 + 37] = 70 Então, os elementos do conjunto dos zeros da função f , f−1(0) = {n ∈ N∗ | f(n) = 0} = {6, 28, 496, 8128, 33550336, . . .} 5.4. EXPLORAÇÕES ARITMÉTICAS 189 são os números naturais n com a seguinte propriedade: n é igual à soma de seus divisores próprios. Esses números fascinaram os gregos antigos a ponto de serem chamados de números perfeitos. Atualmente, os elementos conhecidos desse conjunto são todos pares e estão relacionados com os primos de Mersenne por meio de um teorema devido parte a Euclides e parte a Euler (para a prova, veja por exemplo [38]): Teorema 5.1 Um número natural n é um número perfeito par se, e somente se, n = 2p−1Mp, onde Mp é um primo de Mersenne. O comando divsum do Maxima calcula σ(n), para n ∈ N∗ (figura 5.100). O Maxima permite também criar uma lista com os pares ordenados (n, f(n)) e utilizar essa lista para gerar o gráfico da função f . A figura 5.101 mostra esse gráfico restrito ao retângulo de visualização 0 < n < 10000 e −100 < f(n) < 100. Figura 5.100: Explorando a função f(n) = 2n− σ(n) no wxMaxima. Figura 5.101: O gráfico da função f(n) = 2n− σ(n). 190 CAPÍTULO 5. SISTEMAS DE COMPUTAÇÃO ALGÉBRICA A dispersão dos pontos (n, f(n)) do gráfico da função f é um verdadeiro convite à Matemática. Observe essa dispersão na figura 5.101. Muitos pontos do gráfico de f se apresentam alinhados. Por quê? Para entender porque muitos pontos do gráfico de f se apresentam alinhados, vamos explorar inicialmente os alinhamentos horizontais. O caso mais evidente, logo abaixo do eixo x, corresponde aos naturais n para os quais f(n) = −12. Com o aux́ılio do Maxima (figura 5.102) podemos rapidamente listar esses números e obter f−1(−12) = {n : f(n) = −12} = {24, 30, 42, 54, 66, 78, 102, 114, 138, 174, . . .} . Figura 5.102: Explorando o alinhamento f(n) = −12. Observando a decomposição em fatores primos dos naturais n para os quais f(n) = −12, temos a seguinte proposição: Proposição 5.1 Se n = 6p com p primo distinto de 2 e 3, então f(n) = −12. Demonstração: Como p é um primo distinto de 2 e 3 segue que 6 e p não possuem divisores comuns além do 1. Logo, os divisores de n = 6p são 1, 2, 3, 6, p, 2p, 3p e 6p. A soma desses divisores é σ(n) = 12 + 12p e f(n) = 2n− σ(n) = 12p− (12 + 12p) = −12. O segundo caso de alinhamento horizontal na figura 5.101 corresponde aos naturais n para os quais f(n) = −56. Para este caso temos a seguinte proposição, cuja demonstração será deixada como exerćıcio. Proposição 5.2 Se n = 28p com p primo distinto de 2 e 7, então f(n) = −56. 5.4. EXPLORAÇÕES ARITMÉTICAS 191 Observe que, nas duas proposições anteriores, aparecem os dois primeiros números perfeitos, 6 e 28. A generalização para os demais números perfeitos se dá na proposição a seguir, cuja demonstração também será deixada como exerćıcio. Proposição 5.3 Se K é um número perfeito e se n = Kp com p primo não divisor de K, então f(n) = −2K. Passemos agora a proposições que justificam os alinhamentos obĺıquos