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Revista Brasileira de Geociências Flávia Lopes Oliveira & Edson Farias Mello 37(2):374-389, junho de 2007 Arquivo digital disponível on-line no site www.sbgeo.org.br374 A mineração de areia e os impactos ambientais na bacia do rio São João, RJ Flávia Lopes Oliveira1 & Edson Farias Mello2 Resumo A bacia do rio São João, localizada no sudeste do estado Rio de Janeiro, vem sofrendo diversas intervenções antrópicas ao longo dos anos. Entre as décadas de 50 e 80, o rio São João e alguns dos seus afluen- tes foram submetidos a diversas obras de retificação. Esta ação provocou a intensificação do fluxo hidráulico, resultando no aumento do transporte e deposição de areia, favorecendo assim a instalação de areais. A atividade de mineração, embora proporcionando o desassoreamento da calha fluvial, foi praticada sem estudos prévios e sem monitoramento, o que gerou conflitos de ordem locacional, motivando a avaliação dos impactos ambien- tais decorrentes da extração de areia. Assim, este estudo teve como objetivo maior, avaliar a interferência da atividade de mineração na dinâmica fluvial do rio São João, a luz de outras formas de ocupação e uso do solo. Através de seções transversais ao rio, nos portos de areia, verificou-se uma grande disponibilidade de sedimen- tos, com rápidas reposições das áreas lavradas. A análise dos mapas de uso e ocupação do solo da bacia, de três épocas distintas (1984, 1994 e 2000), permitiu identificar parte da proveniência dos sedimentos. O aumento das áreas devastadas devido ao intenso uso rural, deve ter proporcionado a aceleração da erosão laminar do solo, resultando no aumento da carga sedimentar do rio. Conclui-se, que a qualidade ambiental na bacia do rio São João encontra-se muito mais seriamente comprometida em função dos desequilíbrios causados pelas reti- ficações dos canais fluviais e uso intenso do solo do que pela mineração de areia, que pode ser avaliada como de impacto ambiental secundário. Esta atividade pode até ser conduzida sem promover impactos ambientais adversos se forem mantidas as condições naturais de regime hidráulico do sistema fluvial que, no caso do rio São João, atualmente já se encontram comprometidas. Palavras-chave: mineração de areia, construção civil, impacto ambiental. Abstract Sand mining and environmental impacts in the São João river basin, Rio de Janeiro state, Brazil. Over the years, the São João River basin in southeastern Rio de Janeiro State – Brazil, underwent several anthropic interventions. During the 1950s and 1980s, the courses of this river and some of its tributar- ies were repeatedly straightened. Such actions intensified their flow-rates, increasing sand transportation and deposition, and sand- mining activities flourished. The sand exploitation, despite clearing silt and sediments from river channels, was undertaken without previous studies and monitoring which generated locational con- flicts, and originated the assessment of the environmental impacts arising out of mining activities. The main purpose of this paper is to assess the effects of sand-mining on the São João River dynamics, while bearing in mind other types of land use and occupancy. In cross-sections of the river, studied at local ports, ample amounts of sediment were noted, with rapid replenishment in the mining areas. An analysis of the land use and occupancy maps of this river basin for three separate periods (1984, 1994 and 2000), allowed the identification of some of the sediment sources. The expansion of the devastated areas due to intensive rural use, probably gave its contribution speeding up the laminar soil erosion, and the result was an increase of the sediment burden in the river. Our conclusion is that the environmental quality of the São João River basin is more seriously endangered due to the sedimentary imbalance caused by the riverbed straightening projects and intensive land use than the sand-mining activities that may be assessed as producing a secondary environmental impact. In fact, sand-mining might even be carried out without adverse environmental impacts, if the natural conditions of the hydraulic mode of the fluvial system are kept, which particularly for the São João River are already jeopardized. Keywords: Sand mining, civil construction, environmental impact. 1 – Programa de Pós Graduação, Depto. Geologia, IGEO, CCMN, UFRJ - Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: flavialopes@oi.com.br 2 – Departamento de Geologia, IGEO, CCMN, UFRJ - Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: mello@geologia.ufrj.br fluxo e de transporte de sedimentos. As modificações das condições do canal podem ser propagadas a montante e jusante, bem como late- ralmente, e por outro lado podem impactar os ecossis- temas aquáticos. Os leitos ativos de rios são dinâmi- cos e respondem rapidamente aos estímulos externos, incluindo a extração de areia. As operações de lavra INTRODUÇÃO A extração de materiais aluvionares em rios vem sendo fortemente condenada por diversos setores da sociedade em função dos desequilíbrios que esta atividade pode causar na dinâmica fluvial. O efeito imediato e direto desta ação é a redefinição dos limites do canal, seja pela retirada ou adição de materiais, que por sua vez pode promover uma mudança no padrão de Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007 375 Flávia Lopes Oliveira & Edson Farias Mello podem causar um impacto direto nos parâmetros físicos da corrente fluvial, tais como geometria do canal, ele- vação do leito, composição e estabilidade do substrato, velocidade, turbidez, transporte de sedimentos, vazão e temperatura (Rundquist 1980, Pauley et al. 1989, Kondolf 1994a, 1994b, 1997, 1998, Brown et al. 1998, Florsheim et al. 1998, Meador & Layher 1998, Langer & Glanzman 2003, Batalla 2003). A carga de fundo de um sistema fluvial tem relação direta com a geometria hidráulica do canal e quaisquer alterações envolvendo essa variável pode acarretar no desequilíbrio do perfil longitudinal do rio (Leopold et al. 1964). Em que pese os severos impactos que as ações antropogênicas podem promover à dinâmica fluvial e aos ecossistemas aquáticos, ainda assim é possível a extração de areia a partir de fontes localizadas em leito ativo de rio, sem criar impactos ambientais adversos, desde que dentro das condições naturais de regime hi- dráulico do sistema fluvial, e mantida as salva guardas e práticas apropriadas (Langer & Glanzman 1993, Kon- dolf 1994a, OWRRI 1995). Deve ser considerado ainda, que os impactos ambientais em ambiente fluvial são uma combinação de atividades humanas locais e regionais, sendo o resul- tado de várias ações. Alguns destes impactos podem ser considerados impactos seqüentes, onde um impacto é o evento inicial de outro impacto e assim sucessivamente (Kondolf 1997). Com uma produção de areia de 23,9 milhões de m3, o estado do Rio de Janeiro figurava como o segun- do maior produtor nacional, ficando apenas abaixo do estado de São Paulo, com uma produção de 49 milhões de m3 (DNPM 2001). No Rio de Janeiro, o município de Silva Jardim era o terceiro maior produtor de areia, suas extrações tiveram início na década de 70, no curso médio-superior do rio São João, sendo posteriormente proibidas em 2002 pelos órgãos de fiscalização ambien- tal, sob a alegação de promover impactos ambientais negativos no rio São João e o assoreamento da represa Juturnaíba. A instalação dos portos de areia no curso mé- dio-superior do rio São João ocorreu em resposta ao de- sequilíbrio sedimentar imposto pelas retificações feitas, pelo extinto DNOS (Departamento Nacional de Obras e Saneamento), ao longo do curso superior e médio do rio São João e alguns de seus tributários, principalmen- te durante a construção da represa, nas décadas de 70 e 80 (Cunha 1995). Esta ação resultou em conflitos en- tre os produtores de areia e os órgãos de fiscalização ambiental, em virtude dos desequilíbrios ambientais observados no curso médio-superiordo rio São João e atribuídos a esta atividade. Este estudo foi realizado no período de 2002 a 2004 com o objetivo de avaliar a interferência da atividade de mineração na dinâmica fluvial do rio São João, a luz de outras formas de ocu- pação e uso do solo. CARACTERIZAÇÃO DA BACIA DO RIO SÃO JOÃO Localizada ao sudeste do estado do Rio de Ja- neiro, a bacia do rio São João integra parcialmente sete municípios e totalmente o município de Silva Jardim, onde se localizavam os portos de areia (Fig. 1). O rio São João nasce na serra do Sambê, complexo da serra do mar, a 700 m de altitude e percorre uma distância de 150km até desaguar no oceano Atlântico, junto à cidade de Barra de São João. Entre os seus principais afluentes estão o Capivari, Bacaxá, Pirineus, Aldeia Velha, Dou- rado e Iguape, além de outros de menor importância. Com uma área em torno de 2.190km2 (SEMA- DS 2001), a geologia no âmbito da bacia do rio São João é caracterizado conforme a seguir (CPRM 2001): sedimentos fluviais e flúvio-marinhos do Quaternário; Figura 1 - Localização da área de estudo (mapa do estado do Rio de Ja- neiro / IBGE, 1997). A mineração de areia e os impactos ambientais na bacia do rio São João, RJ 376 Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007 rochas alcalinas Cretácicas; Gnaisse Tingüi (Comple- xo Rio Negro); Cianita-sillimanita-granada-biotita xis- to e gnaisse quartzo-feldspático (Complexo Búzios); Granada-biotita-sillimanita gnaisse quartzo-feldspático (Complexo Paraíba do Sul - Unidade São Fidélis); Hor- nblenda-biotita ortognaisse cálci-alcalino, granodioríti- co a tonalítico (Complexo Região dos Lagos). Sob o ponto de vista geomorfológico a bacia apresenta quatro unidades morfoesculturais: escarpas serranas, maciços alcalinos intrusivos, planícies flú- vio-marinhas (baixadas) e superfícies aplainadas das baixadas litorâneas (Dantas 2001). Entre 20 a 40m de altitude encontra-se a unidade geomorfológica “bai- xada do rio São João”, são planícies flúvio-marinhas, compreendendo os vales dos rios São João, Una e das Ostras, preenchidos por sedimentos de origem fluvial e flúvio-lagunar. Esses fundos de vales são delimitados pelas colinas baixas da superfície aplainada da Região dos Lagos ou por colinas isoladas e as vertentes íngre- mes situadas no sopé da escarpa da serra do Taquaruçu (Fig. 2). A partir da década de 1950, o rio São João e alguns de seus afluentes, foram submetidos a diversas obras de retificação (Medeiros 1987) com o objetivo de sanear a planície de inundação, implantar o cultivo irrigado e facilitar a construção da rodovia federal BR- 101. Durante as décadas de 1970 e 1980, na ocasião da construção da represa Juturnaíba, as obras de retificação foram retomadas com maior amplitude. Atualmente, o canal do rio São João está 52% menor em extensão do que o original (Cunha 1995). No curso superior do rio, os vales são muito en- caixados até alcançar a larga planície aluvial, chegando na represa Juturnaíba. Os afluentes da margem esquerda são mais acidentados, pois nascem na área montanhosa, com declividade em torno de 50 a 65° (Fig. 3), sendo eles os que mais contribuem para o abastecimento hi- dráulico; já os afluentes da margem direita são em me- nor número e porte, com declividade média variando entre de 15 a 25° (Fig. 4), (Mello et al. 2003). A represa Juturnaíba está situada ao leste do município de Silva Jardim, com área em torno de 31km2 e profundidade máxima de 11m (Quintela & Cunha 1990). Antes do enchimento, era um corpo d’água de 4m de profundidade e de formato regular, com área em torno de 6km2, atingindo 8km2 nos perí- odos de cheia (Medeiros 1987). A represa, além do rio São João, recebe as águas dos rios Capivari e Bacaxá, que nascem na serra Azul a 280 e 400m de altitude, respectivamente. No que concerne às características climáticas, na bacia do rio São João predomina o clima tropical quente úmido, com temperaturas médias variando de 18 a 24°C. Há uma influência, quase todo ano, da Massa Tropical Atlântica, o que mantém a estabilidade do tempo. Esta, entretanto, sofre freqüentemente a interfe- rência das frentes ou descontinuidades polares e linhas de instabilidade tropical, que promovem instabilidade. Tais correntes perturbadoras respondem em grande par- te pelos totais pluviométricos anuais, que são em torno de 2.000mm, com concentração nos meses de outubro a março (75% do total anual), sendo junho e julho os meses mais secos (Quintela & Cunha 1990). Em relação à cobertura vegetal, observa-se na Figura 2 – Vista panorâmica da área próxima ao areal Sanches (rio São João) com a representação das unidades geomorfológicas (Foto: Cláudio L. Mello). Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007 377 Flávia Lopes Oliveira & Edson Farias Mello bacia dois tipos principais: na planície, vastas exten- sões marcadas basicamente por gramíneas, formando pastagens e, nas encostas das serras, assim como no tre- cho médio-inferior do rio São João, onde se localiza a Reserva Biológica Poço das Antas, são encontrados re- manescentes da Mata Atlântica (Oliveira et al. 1978). A devastação da cobertura vegetal da bacia do rio São João remonta ao período da colonização do Bra- sil, com a retirada de madeiras nobres, porém, o maior desmatamento ocorreu após a implantação do cultivo irrigado (IBDF 1981). Atualmente, o uso do solo é in- tenso, principalmente na parte sul, com presença de terrenos descobertos e já esgotados devido, em grande parte, ao cultivo de cítricos. Há a presença, também, de capoeira (mata secundária), principalmente próxima às margens dos rios; de brejos, periodicamente inundados e de mata ciliar em vários locais, sendo que, na porção do rio onde se localizavam os areais, a mata ciliar é praticamente inexistente. De acordo com dados do IBAMA (1999), no pe- ríodo anterior à construção da represa Juturnaíba existia uma relevante atividade de pesca na bacia, predominan- do a captura do bagre, tainha, robalo e camarão. Bizerril & Primo (2001), em estudo sobre peixes de águas in- teriores do estado do Rio de Janeiro, concluem que o rio São João ainda compreende um ecossistema com alta biodiversidade. Porém, Mendonça (2004) constata a significativa redução da fauna original de peixes na represa Juturnaíba devido às retificações sofridas pelos rios e à construção da represa. MÉTODOS Neste estudo foram realizadas diversas campanhas de campo no período de 2002 a 2005, com ações orientadas basicamente para o levantamento do perfil da atividade, coleta de amostras para ensaios em laboratório, monitoramento da dinâmica fluvial, e le- Figura 3 - Perfis longitudinais dos afluentes da margem esquerda do alto São João (Mello et al. 2003). Figura 4 - Perfis longitudinais dos afluentes da margem direita do alto São João (Mello et al. 2003). A mineração de areia e os impactos ambientais na bacia do rio São João, RJ 378 Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007 vantamento do uso e ocupação do solo e dos impactos ambientais negativos no curso médio-superior do rio São João. Levantamento do perfil da atividade, amostragem e ensaios O perfil da atividade foi traçado mediante o cadastramento dos agentes de produção e visita a to- dos os portos de areia. Foram obtidos dados sobre os equipamentos utilizados, capacidade produtiva instala- da, pessoal envolvido e formas de operação dos equipa- mentos, produção, destino e mecanismos de distribui- ção da areia. Nas ações seguintes foram obtidas amos- tras nas pilhas de areia dos areais (Fig. 5) para caracte- rização tecnológica preliminar do material lavrado, que envolveu a determinação da composição mineralógica, morfologia dos grãos, granulometria, selecionamento, esfericidade, teor de material pulverulento, percentual de matéria orgânica e massa específica da areia. Estabelecimento de perfis transversais ao canal flu- vial Diversos pesquisadores vêm estudando a geo- metria de canais fluviais atravésde seções transversais ao rio, com a finalidade de identificar as suas variações morfológicas, os processos sedimentares predominan- tes e as influências de eventos naturais e antrópicos so- bre a forma dos canais, destacando-se entre eles, Olson- Rutz & Marlow (1992), Wharton (1992), Harrelson et al. (1994), Park (1995), Rosgen (1996), Vieira & Cunha (1999) e Fernandes et al. (2001). Neste estudo os perfis transversais foram utili- zados para monitoramento de longo prazo das condi- ções fluviais e geomorfológicas do canal fluvial. Foram estabelecidas nove seções transversais, distribuídas em cinco areais, sendo que em quatro areais foi estabele- cida uma seção no porto de areia e outra 100 metros a montante do ponto de extração, e em um areal somente uma seção no porto de areia (Figs. 5 e 6). As seções transversais tiveram por objetivo fornecer o perfil de elevação do rio, indicar as mudanças ocorridas com o tempo e, principalmente, fornecer a reposição de areia no local de extração. Os dados obtidos foram utilizados para avaliar as modificações na estabilidade do leito do rio, e saber se predominavam processos de agradação, erosão ou se o leito do rio manteve-se inalterado. Em todas as seções transversais foram transpor- tadas as cotas altimétricas de Referência de Nível (RN) topográfico mais próximos da área, através do banco de dados Geodésicos do IBGE. Também foram levantados e trabalhados dados históricos e atuais de três estações pluviométricas: Rio Dourado, Quartéis e Gaviões e uma fluviométrica: Correntezas, da Agência Nacional de Águas (ANA) / Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), localizadas na bacia hidrográfica do rio São João. As medidas foram sistematicamente tomadas, de 50 em 50cm, logo após o funcionamento das dragas e ao longo de vários dias depois. Após a interrupção da atividade mineira, o monitoramento prosseguiu por mais dois anos, para uma avaliação do comportamento da calha fluvial sem o funcionamento das dragas. Análise do uso e ocupação do solo A análise do uso e ocupação do solo abrangeu toda a bacia do rio São João, e foi realizada através de técnicas de geoproces- samento e sensoriamento remoto a partir de três ima- gens de satélite LANDSAT TM5, órbita/ponto 216/76, R5G4B3, adquiridas em 05/07/84, 22/07/94 e 18/10/00, com controle de campo. Os mapas foram produzidos com a utilização do software SPRING 4.1 do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE). As imagens fo- ram registradas, recortadas, segmentadas (com limiar de similaridade 08 e limiar de área 30; nas imagens de 1984 e 1994, as segmentações adotadas foram de 95% e na imagem de 2000 foi de 90%), e classificadas pelo ISOSEG (técnica de segmentação e classificação não- supervisionada por regiões do SPRING 4.1) em cinco classes, gerando mapas no Scarta 4.1 e no Iplot 4.1 (módulos do SPRING 4.1). Após a execução dos ma- pas foram extraídas as áreas em km2 correspondentes às classes estabelecidas e calculados os valores de perda e expansão de cada classe, depois foram calculadas as porcentagens referentes a cada área. RESULTADOS Caracterização da estrutura produtiva A estrutura produtiva no “Distrito Areeiro” de Silva Jardim com- Figura 5 - Localização dos areais. Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007 379 Flávia Lopes Oliveira & Edson Farias Mello preendia dez empresas de mineração das quais sete es- tavam em operação na ocasião do levantamento (julho de 2002). Em conjunto, apresentavam uma capacidade instalada de cerca de 312 mil m3 ao ano, com produção anual em 2000, 2001 e 2002, respectivamente, de 138, 114 e 25,5 mil m3. Os equipamentos utilizados compre- endiam dragas (balsa, motor e bomba), retro-escavadei- ras, pá carregadeiras, peneiras e, de modo geral, toda a estrutura encontrava-se em estado de grande desgaste. Somente um areal contava com silo, os demais armaze- navam a areia diretamente no pátio (Fig. 6). A comercialização da areia era feita predomi- nantemente com venda através da associação dos are- eiros (APAREIA), responsável também pela determi- nação de preços, promoção, marketing e serviços de atendimento, sendo o transporte de responsabilidade do próprio cliente. Cerca de 90% do material extraído era destinado para os municípios de São Gonçalo e Nite- rói e os outros 10% para os municípios de Casimiro de Abreu, Itaboraí e Região dos Lagos. Os preços prati- cados variavam de R$ 7,00 a R$ 11,00 o m3 em 2002, sendo os maiores preços cotados para os materiais de maior granulometria, oriundos dos areais localizados mais a montante do rio (Figs. 5 e 7). CARACTERIZAÇÃO DO MATERIAL LAvRA- DO A fração leve da areia é constituída por quartzo (55 a 75%), feldspato (08 a 15%) e mica (15 a 33%). Os minerais pesados ocorrem subordinadamente e são re- presentados principalmente por biotita, granada, ilme- nita e hornblenda; subordinadamente por monazita, es- pinélio, limonita, magnetita, sillimanita e traços de zir- cão e augita. Os cristais de quartzo mostraram-se muito angulosos a angulosos, os feldspatos sub-arredondados a arredondados e, em sua maioria alterados, com co- loração amarelada, sendo parcialmente pulverulentos e com textura fosca. De modo geral a areia apresenta granulometria muito grossa a média (Tab. 1 e Fig. 7), selecionamento variando de moderado a mal selecio- nada e exibem baixa esfericidade. O teor de material Figura 6 - Levantamento de seção transversal, areal Taquaruçu. A mineração de areia e os impactos ambientais na bacia do rio São João, RJ 380 Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007 pulverulento varia de 0,52% (areal Taquaruçu, rio São João) a 6,4% (areal Sanches), os percentuais de matéria orgânica variam de 0,26% no afluente Pirineus a 1,6% no rio São João (areal Taquaruçu) e as determinações de massa específica indicaram valores em torno do 2,60g/cm3. O regime pluviométrico e fluviométrico Uma par- cela da carga sedimentar dos cursos d’água é obtida pela ação erosiva que as águas exercem sobre as margens e fundo do leito (Christofoletti 1981). A maior parte, en- tretanto, é fornecida pela remoção detrítica das verten- tes. Por essa razão, desde há muito tempo reconhece-se que o transporte de sedimento é governado por fatores hidrológicos que controlam as características e o regi- me dos cursos de água. Dentre esses fatores destaca- se a quantidade e a distribuição das precipitações. Os fluxos e transporte de sedimentos constituem respostas aos processos e ao estado de equilíbrio atuantes no sis- tema fluvial. O estudo da pluviosidade é muito importante em análises da evolução de perfis transversais ao rio, na medida que a precipitação influencia tanto no esco- amento superficial nas encostas, como no escoamento canalizado, transporte e sedimentação dos materiais só- lidos no canal fluvial. Foram obtidos dados atuais e históricos de três estações pluviométricas da ANA/CPRM, localizadas na bacia hidrográfica do rio São João, num período de cinco anos de observação (1999 a 2003): estação Rio Dourado, localizada mais próxima à linha da costa, a 12m de altitude; estação Quartéis, localizada em relevo montanhoso na parte norte da bacia, a 58m de altitude; e a estação Gaviões, localizada próximo à nascente do rio São João, a 1.620m de altitude. Estes dados per- mitiram a avaliação do controle da linha da costa e do relevo nos índices pluviométricos. Adicionalmente, foram obtidos dados fluvio- métricos da estação Correntezas, da ANA/CPRM, lo- calizada no rio Bananeiras, a 23m de altitude, próximo ao areal Correntezas. A estação pluviométrica Rio Dourado está mais susceptível às chuvas por convecção, devido a sua pro- ximidade do oceano Atlântico (influência marítima) e, conseqüentemente, na grande capacidade de evapora- ção. São chuvas rápidas apresentando uma média men- sal de 142mm e totais anuais em torno de 1.700mm (Fig. 8). As estações pluviométricas Quartéis e Gavi- ões localizam-se próximas ao relevo acidentado,onde o clima é mais úmido, porém amenizado pela altitude. Estas áreas são caracterizadas pelas chuvas orográficas, apresentando maiores concentrações mensais e médias anuais (Fig. 8). A influência topográfica funciona como uma barreira natural à entrada de frentes frias, gerando chu- vas concentradas, mesmo fora do período chuvoso. Tais concentrações podem ser vistas nos gráficos de distri- buição diária na Fig. 9. A estação pluviométrica Quartéis registrou 167mm de média mensal e 1.620mm de total anual; já a estação Gaviões registrou 192mm de média mensal e 2.300mm de total anual (Fig. 8). Os dados provenientes da estação Gaviões são mais indicados na análise da evolução das seções transversais ao rio, uma vez que esta estação localiza-se próxima à cabeceira do rio São João. Sendo assim, ela registra as chuvas que influen- ciam diretamente o “Distrito Areeiro” de Silva Jardim. Apesar do gráfico dos dados fluviométricos (Fig. 8) ter uma curva suave, devido aos escoamentos subsuperficiais que alimentam o rio de forma lenta e contínua, observa-se uma forte relação com os gráficos de distribuição de chuvas médias mensais, sendo em todos os gráficos os maiores índices encontrados nos meses de janeiro e dezembro. Figura 7 - Distribuição granulométrica das areias do rio São João, “Distrito Areeiro” de Silva Jardim. (ima- gem colorida disponível na versão on-line) Tabela 1 - Resultados de análises de teor de material pulverulento, matéria orgânica e massa específica das areias do rio São João, “Distrito Areeiro” de Silva Jardim. AreAis Material pulverulento (%) Matéria orgânica (%) Massa específica (g/cm3) Taquaruçu (São João) 0,56 1,6 2,61 Taquaruçu (Pirineus) 1,05 0,26 2,62 Correntezas (Bananeiras) 3,56 0,30 2,62 Correntezas (São João) 2,6 0,37 2,60 Sanches 6,4 1,04 2,61 Aveirense 2,53 0,62 2,56 Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007 381 Flávia Lopes Oliveira & Edson Farias Mello Os escoamentos fluviais incluem os chamados fluxos de chuva, os quais são gerados depois de deter- minado tempo de chuva e, ao atingir o canal de dre- nagem, aumentam sua vazão, e os fluxos de base, que são parte do fluxo canalizado que se mantém durante os períodos secos e são alimentados pela descarga da água subsuperficial residente nos solos e rochas. Essa água subterrânea representa chuvas passadas estocadas no solo (Coelho Netto 2003). Monitoramento da calha fluvial através de seções transversais Os dados obtidos nos perfis transver- sais ao rio São João e tributários indicaram uma rápida reposição de areia nos areais localizados mais a mon- tante, mesmo nos períodos com baixos índices pluvio- métricos, como foi o caso do areal Taquaruçu (rio São Figura 8 - Médias pluviométricas e fluviométricas mensais de 1999 a 2003. Figura 9 - Distribuição pluviométrica diária, estação Gaviões (Rep - correspon- de ao período de reposição de areia na área lavrada). A mineração de areia e os impactos ambientais na bacia do rio São João, RJ 382 Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007 João), onde foi registrada uma total reposição na área dragada em apenas quatro dias, em 12/10/2002. A área no perfil correspondente a esta reposição foi em torno de 16,8m2 (Fig. 10). Não sendo registrada pluviodidade no dia do levantamento da seção e, nem nos nove dias antecedentes (Fig. 9 – Rep. 1; Rep.: indica na figura o dia do levantamento da reposição de areia na área la- vrada). Os areais localizados nos afluentes também apre- sentaram rápida reposição de areia. No areal Taquaruçu Figura 10 - Perfis transversais ao rio, seções nos portos de areia. Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007 383 Flávia Lopes Oliveira & Edson Farias Mello (rio Pirineus), foi registrada uma reposição total em um mês e 19 dias, correspondendo a uma área de 20m2 no perfil (Fig. 10), entre os meses de julho e setembro de 2002, sendo esse período de baixa pluviosidade, com um total de 116,5mm distribuídos em nove dias (Fig. 9 – Rep. 2). Após esta data o rio foi novamente dragado e, um mês depois, foi observada uma reposição total de areia, correspondendo a uma área de 22m2 no per- fil (Fig. 10), nesse período houve cinco dias de chuva com um total de 84mm (Fig. 10 – Rep. 3). No afluente Bananeiras, areal Correntezas, foi verificada completa reposição em 28 dias, entre os meses de agosto e se- tembro de 2002, correspondendo a uma área no perfil de 14,4m2 (Fig. 10). Nesse intervalo foram registrados dois curtos períodos de chuva, com 46,6 e 40,3mm cada (Fig. 9 - Rep. 4). Depois, o rio foi dragado novamente e houve uma reposição correspondendo a uma área de 25,5m2 no perfil, de outubro de 2002 a janeiro de 2003, sendo este intervalo de maiores índices pluviométricos (Fig. 9 – Rep. 5 e 10). No areal Sanches, 7km abaixo do areal Taqua- ruçu, foi observada uma reposição mais lenta do que nos areais a montante, demorando quatro meses e meio (entre os dias 02/11/2002 e 10/02/2003) para total re- composição da área lavrada, de 33m2 em perfil (Fig. 10), sendo necessário iniciar o período chuvoso (Fig. 9 – Rep. 6). Como foi o caso, também, do areal Aveirense, localizado mais a jusante, onde a reposição de sedimen- tos foi menos acelerada ainda, indicada pelo acréscimo de 12m2 no perfil, em dois meses (de agosto a outubro de 2002). O registro de total reposição ocorreu somente em fevereiro de 2003, correspondendo a uma área de 68,36m2 no perfil (Fig.s 9 - Rep. 7 e 10). Nas seções localizadas 100m acima da área dra- gada, foi constatada a predominância dos processos de sedimentação. Somente no areal Taquaruçu, porto de areia no rio São João, foi observada em perfil, erosão de 4,5m2 da calha fluvial durante o período de extração de areia (Fig. 11). De modo geral, os dados obtidos nos portos de areia, após a paralisação da lavra, indicaram um acú- mulo de sedimentos areno-quartzosos na calha fluvial, culminando no assoreamento de alguns segmentos do rio (Fig. 12). Os trechos da calha fluvial onde foram observados maiores acúmulos de areia correspondem ao areal Taquaruçu (portos do rio São João e Pirineus), com respectivamente 32,5 e 40m2 de sedimentação em áreas nos perfis, e areal Correntezas (rio Bananei- ras), com 23,4m2 de reposição no perfil (Fig.s 10). As medidas feitas 100m acima das dragas indicaram um acúmulo de areia mais acelerado em todos os pontos monitorados após a paralisação das atividades nos are- ais, principalmente no areal Taquaruçu, no rio Pirineus, onde houve uma agradação de 37,4m2 (Fig. 11). A análise dos dados pluviométricos aliada aos perfis transversais mostra uma relação direta entre a acelerada reposição de areia nas áreas lavradas e as chuvas concentradas nos meses de outubro a março. Entretanto, foram registradas rápidas reposições nos meses de agosto a setembro em resposta às chuvas Figura 11 - Perfis transversais ao rio, em seções 100m a montante dos portos de areia. A mineração de areia e os impactos ambientais na bacia do rio São João, RJ 384 Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007 orográficas (Fig.s 9 e 10). Estudo temporal do uso e ocupação do solo Os ma- pas de uso e ocupação do solo evidenciaram transfor- mações ocorridas na bacia do rio São João ao longo de 16 anos. Para melhor comparação qualitativa e quanti- tativa, foram separadas cinco classes. Na classe vege- tação inclui-se tanto a floresta nativa como áreas com vegetação secundária; a classe área urbana refere-se aos núcleos urbanos; a classe uso agropastoril abrange toda a atividade pertinente à agricultura e/ou pasto, estejam elas com ou sem vegetação; a classe corpo d’água está relacionada a toda extensão da represa Juturnaíba e a classe sedimento em suspensão refere-se à parte da represa onde foi identificada uma concentração de se- dimentos em suspensão. Devido à opção de reduzir a apenas um tipo de vegetação, definiu-se limiares que não identificaram as vias, gerando assim um menor nú-mero de classes. No mapa de 1984 (Fig. 13), pode-se observar Figura 12 - Assoreamento da calha fluvial com formação de barras de areia, confluência dos rios São João e Bananeiras, onde se encontrava o areal San- ches. Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007 385 Flávia Lopes Oliveira & Edson Farias Mello Figura 13 - Mapas de uso e ocupação do solo da bacia do rio São João nos anos de 1984, 1994 e 2000, elaborados com base na imagem de satélite Landsat TM5. A mineração de areia e os impactos ambientais na bacia do rio São João, RJ 386 Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007 maior preservação da vegetação, não somente nas áreas de relevo montanhoso e na Reserva Biológica Poço das Antas, mas em toda a bacia, inclusive na parte sul. O uso agropastoril concentra-se ao sul e sudeste da bacia, principalmente, próximo às margens dos rios. Nesta época, já existia a represa Juturnaíba, porém, ela ocu- pava uma área bem menor do que a atual. O rio São João era ligado à represa pelo canal Revólver e não foi observada a presença de sedimentos em suspensão. O mapa de 1994 (Fig. 13) mostra maior devas- tação da vegetação, com uma extensa presença de uso agropastoril. O rio São João passou a desaguar na re- presa, devido à expansão de sua área, que quase tripli- cou de tamanho. No mapa de 2000 (Fig. 13), observa-se uma sig- nificativa redução das áreas com vegetação e o predo- mínio das áreas de uso agropastoril, inclusive na parte norte da bacia. Nesta região verificam-se manchas re- manescentes de florestas de variados tamanhos, princi- palmente, nos topos das colinas, possivelmente devido às leis ambientais, que regulam os desmatamentos nas nascentes das drenagens. Também é notório o grande crescimento urbano na faixa litoral, que tem resultado na devastação da vegetação de restinga e dos mangue- zais. Outra observação importante na imagem de 2000 refere-se aos sedimentos em suspensão na represa de Juturnaíba, próximo à foz dos rios Capivari e Bacaxá. Isto evidencia a intensificação dos processos erosivos na parte sul da bacia, possivelmente devido ao extenso e mau uso agropastoril do solo. Foi constatada, no mapa de 2000 (Fig. 13) e em trabalhos de campo, a degradação do solo no entorno da represa, devido à devastação da cobertura vegetal, intenso uso agropastoril e à ocupações da margem da represa, com a retirada da mata ciliar. Observando a distribuição em área das classes registradas nos mapeamentos (Tabs. 2, 3 e 4), verifica- se que houve uma perda constante da vegetação princi- palmente para o uso agropastoril. Foi registrado (Tab. 2) um acréscimo na área da represa Juturnaíba, entre os anos de 1984 e 1994. Em 2000 a represa manteve, praticamente, a mesma extensão do ano anterior, porém foi registrada uma área de 7km2 com sedimentos em suspensão (Tab. 3). Os dados da tabela 4 mostram uma relação positiva entre a perda e expansão nas classes: vegetação (com uma perda de 19,69%) e uso agropas- toril (com uma expansão de 17,26%), entre os anos de 1984 e 2000, confirmando o aumento no uso do solo para atividades rurais na bacia. Há também uma expan- são de 1,51% da área urbana bem menos expressiva quando comparada com a rural. Impactos ambientais negativos gerados pela ativida- de de mineração Os recursos hídricos são bastante sensíveis às atuações antrópicas, sendo a extração de areia uma delas, tornando-se mais problemática ainda quando feita de forma incorreta, sem os devidos crité- rios e cuidados, o que pode acarretar graves agressões ao meio ambiente. Foram identificados, através dos limites e cri- térios estabelecidos pelo: Código de Mineração De- creto 62.934/1968; Código Florestal Brasileiro Lei 4.771/1965, como também a sua Medida Provisória 2.166-67/2001 e a Resolução do CONAMA 302/2002; Deliberação Estadual CECA 4.222/2002; Lei Estadu- al 1.130/1987 e pelo Folheto Explicativo destinado às Tabela 2 - Valores em áreas (km2) das classes de uso e ocupação do solo da bacia do rio São João entre 1984 e 1994. Classes de uso e ocupação do solo 1984 (Km2) 1994 (Km2) Perda (Km2) Expansão (Km2) Vegetação 1.103 779 324 - Área urbana 97 113 - 16 Uso agropastoril 979 1.267 - 288 Corpo d’água 11 31 - 20 Tabela 3 - Valores em áreas (km2) das classes de uso e ocupação do solo da bacia do rio São João entre 1994 e 2000. Classes de uso e ocupação do solo 1994 (Km2) 2000 (Km2) Perda (Km2) Expansão (Km2) Vegetação 779 672 107 - Área urbana 113 130 - 17 Uso agropastoril 1.267 1.357 - 90 Corpo d’água 31 24 7 - Sedimentos em suspensão - 7 - 7 Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007 387 Flávia Lopes Oliveira & Edson Farias Mello prefeituras do estado do Rio de Janeiro, publicado pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA / Batista 1997), impactos negativos, decorrentes das ações ina- dequadas nas áreas de mineração, sendo eles: devasta- ção da Área de Proteção Permanente (APP) - fixação de pátio de operação, manobras e estocagem de areia; alte- ração da paisagem pela formação de grandes montes de estocagem de areia no pátio de operações e, em alguns casos, muito próximos à margem do rio, na APP; des- montes de margens fluviais ocasionados por dragagens feitas muito próximas ou até mesmo nas próprias mar- gens; possível aceleração na velocidade de escoamento fluvial, devido à extração em grandes profundidades; vazamento de óleos e graxas; obstrução do canal flu- vial pelo descarte de parte de equipamentos; extração de areia próxima à obra de arte (ponte); e equipamentos mal dimensionados para o porte do rio e com elevado grau de desgaste. DISCUSSÕES E CONCLUSÕES O “Distrito Are- eiro” de Silva Jardim foi considerado um importante pólo produtor de areia para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, fornecendo insumo, principalmente, para os municípios de São Gonçalo e Niterói. Como um fator positivo, os empreendimentos contavam com facilidade de escoamento do produto e proximidade dos centros consumidores, sendo que o produto tinha boa aceitação no mercado. A facilidade de colocação do material no mercado deveu-se muito mais à proximi- dade do mercado consumidor do que às características do material, uma vez que desvantagens, como a grande concentração de minerais micáceos, não constituíram empecilho para a sua comercialização. As análises mostraram que as areias possuem algumas características tecnológicas favoráveis, de acordo com as normas da ABNT NBR’s 7214 (1982) e Projeto 7211 (2004), tais: baixos teores de matéria orgâ- nica, boa distribuição granulométrica, alta concentração de quartzo, bons índices de massa específica e ausência de torrões de argila. Como características desfavoráveis apresentava: altos teores de material pulverulento (are- ais Correntezas e Sanches), considerando o limite de material pulverulento para concreto sujeito a abrasão de 3% e para os demais concretos de 5% (Frazão et al. 2002); alta concentração de mica em todas as amostras, com valores variando de 15 a 33%, considerando 2% o limite tolerado para a adesividade e a trabalhabilidade das argamassas e concretos; baixo grau de esfericidade dos grãos de quartzos e feldspatos; e a alta angulosida- de dos grãos de quartzo. Dentre as motivações que suscitaram os estu- dos na região havia a dúvida sobre os danos provocados pela mineração no leito do rio. As calhas fluviais nos portos de areia foram então sistematicamente monitora- das e os resultados mostraram que havia uma rápida re- posição de areia na maioria das áreas dragadas. A maior velocidade de reposição de areia ocorreu nos areais Ta- quaruçu (rios São João e Pirineus) e Correntezas (rio Bananeiras), durante todo o ano, independentemente dos índices pluviométricos. Já nos areais localizados mais a jusante (Sanches e Aveirense), a reposição foi mais acentuada no período de maior índice pluviomé- trico (outubro a março). Estes dados indicaram que os impactos negativos foram mais em decorrênciadas prá- ticas inadequadas utilizadas pelos mineradores do que a retirada de areia propriamente dita. Como corrobora Kondolf (1994b) a extração de areia em rios é possível de ser conduzida com seguran- ça quando a taxa de extração de areia não excede a taxa de reposição, porém é necessário realizar uma pesquisa contínua, visto que, o fluxo e o transporte de sedimen- tos para a maioria dos rios são altamente variáveis de ano a ano. No âmbito geral da bacia do rio São João, a aná- lise dos impactos ambientais mostrou que fatores nega- tivos mais relevantes antecederam à mineração, sendo eles: as atividades agropastoris e a retificação dos ca- nais fluviais. A análise comparativa dos mapas de uso e ocupação do solo da bacia do rio São João, dos anos de 1984, 1994 e 2000, indica que as transformações sofri- das pela bacia, em virtude das intervenções antrópicas agropastoris, desencadeou severos impactos ambientais negativos. Os mapas mostram uma contínua devastação da mata nativa, devido à ação antrópica, principalmen- te, no que se refere ao alastramento do uso agropastoril na parte sul, que ocorreu devido às obras de drenagem sofridas pelos canais fluviais, destruindo assim muitas áreas de brejo e mangue. O aumento da erosão laminar decorrente ao intenso uso agropastoril é evidenciado pela presença de corpo d’água com concentração de sedimentos em suspensão, na parte sul da represa Ju- turnaíba, próximo à desembocadura dos rios Capivari e Tabela 4 - Valores em percentuais das classes de uso e ocupação do solo da bacia do rio São João no período de 16 anos (1984 a 2000). Classes de uso e ocupação do solo 1984 % 1994 % 2000 % Perda % Expansão % Vegetação 50,37 35,57 30,68 19,69 - Área urbana 4,43 5,16 5,94 - 1,51 Uso agropastoril 44,70 57,85 61,96 - 17,26 Corpo d’água 0,50 1,42 1.10 - 0,60 Sedimentos em suspensão - - 0,32 - 0,32 A mineração de areia e os impactos ambientais na bacia do rio São João, RJ 388 Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (2), 2007 Bacaxá (vide Fig. 13), sendo assim, é possível afirmar que os afluentes da margem sul da represa podem ser considerados os agentes mais importantes no aporte de material em suspensão para a represa. Observa-se um avanço da degradação na APP tanto no topo de morros, quanto no entorno da represa, o que favorece a acele- ração da erosão do solo, contribuindo, também, para a sedimentação na represa. A análise dos dados das seções transversais aliada ao estudo temporal de uso e ocupação do solo sugere que a retificação dos canais fluviais, associada às intervenções antrópicas agropastoris, devem estar resultando num maior aporte de sedimentos na bacia hidrográfica. No período chuvoso, há um intenso flu- xo hídrico superficial, decorrente das chuvas torren- ciais, carreando uma grande carga de sedimentos. Os sedimentos finos, como silte e argila, são conduzidos em suspensão para a represa Juturnaíba e as partículas areno-quartzosas acumulam-se nos canais de escoa- mento, progressivamente promovendo o assoreamen- to das calhas fluviais. Neste contexto, a paralisação da mineração tem acentuado este desequilíbrio, na medida que deixou de retirar os excedentes de sedimentos das calhas fluviais. Uma conseqüência do assoreamento no rio São João foi observada recentemente, quando ocorreu o de- sabamento da ponte sobre o rio São João no Km 228,5 da BR-101, em Silva Jardim, no dia 08 de novembro de 2005, em decorrência do transbordamento do rio. Considerando-se os sérios danos causados pela retificação dos canais fluviais, a ausência da mata ci- liar e o uso intenso do solo na bacia do rio São João, pode-se avaliar a atividade de mineração de areia no curso médio-superior do rio São João como de impac- to ambiental secundário. Esta atividade pode até ser conduzida sem promover impactos ambientais adver- sos se forem mantidas as condições naturais de regime hidráulico do sistema fluvial que, no caso do rio São João, atualmente já se encontra comprometida. Assim, o atual estado de degradação da bacia do rio São João requer, antes de tudo, ações que possibilitem o retorno do estado de equilíbrio ou semi-equilíbrio do rio São João e seus tributários. A mineração em leito de rios pode ser tolera- da, se não houver a remoção de maior quantidade de sedimentos que o sistema pode repor. A questão é de- terminar a percentagem de carga de fundo transportada pela corrente fluvial. O problema pode ser abordado empiricamente pela observação das mudanças do canal fluvial, resultantes da extração do material aluvionar. A abordagem metodológica utilizada neste trabalho, dian- te do quadro verificado na bacia do rio São João, e em consonância a estudos semelhantes em outras regiões, mostra que as modificações do canal podem ser moni- toradas através de levantamentos efetuados diretamen- te no terreno e pode-se sugerir um plano de monito- ramento em dois estágios: no primeiro deve-se efetuar um diagnóstico da situação do rio antes das atividades de mineração, quando devem ser levantadas as conFig. ções gerais do sistema fluvial e uso da terra nas escalas da bacia e local; no segundo estágio deverá ser imple- mentado o monitoramento da calha fluvial, durante as atividades de mineração, através de seções transversais à calha fluvial. Estes dados poderão subsidiar a escolha do melhor local para extração de areia. Tendo em vista a manutenção das condições ambientais do rio, a mineração de areia pode até ser conduzida, desde que, amparada por critérios regula- dores, principalmente, taxa de sedimentação e índices pluviométricos, aliados permanentemente ao monitora- mento e a recuperação da mata ciliar e considerando a fragilidade do sistema hídrico, e as outras formas de uso dos recursos naturais e ocupação do solo. Referências Batalla R.J. 2003. Sediment deficit in rivers caused by dams and instream gravel mining. A review with examples from NE Spain. Rev. Cuaternario y Geomorfología, 17:79-91. Batista J.J. 1997. Folheto explicativo. Rio de Janeiro, SEMA, 8 p. Bizerril C.R.S.F. & Primo P.B.S. 2001. Peixes de Águas In- teriores do Estado do RJ. Rio de Janeiro, FEMAR/SE- MADS, Série 5, 417 p. Brown AV., Lyttle M.M., Brown KB. 1998. Impacts of gravel mining on gravel bed streams. Transactions of the Amer- ican Fisheries Society., 127:979-994. Christofoletti A. 1981. Geomorfologia fluvial. 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