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brilhantemente os obstáculos que, durante séculos, impediram a tradução das teorias de Fibonacci numa prática financeira efetiva e eficaz. Esses obstáculos não eram econômicos ou políticos. Eram culturais. * A peça de Shakespeare, O mercador de Veneza, é baseada na história de um livro italiano do século XIV, chamado Il Pecorone [O asno], uma coleção de anedotas e de contos escritos por Giovanni Fiorentino, em 1378. Um deles conta a história de uma mulher rica que casa com um jovem cavaleiro honesto. Seu marido precisa de dinheiro e um dos seus amigos, ansioso para ajudar, vai a um agiota, ou prestamista, para pedir um empréstimo em nome do seu amigo. O agiota, um judeu, como Shylock, exige uma libra (0,450 quilo) de carne [do corpo] como garantia, que será tomada se o dinheiro não for pago de volta. Da maneira como Shakespeare a reescreveu, Shylock, o agiota judeu, concorda em emprestar três mil ducados a Bassanio, o pretendente apaixonado, mas com a garantia, ou o aval, do amigo de Bassanio, o mercador Antonio. Como Shylock diz, Antonio é um “bom homem” – não significando que ele seja especialmente virtuoso, mas que o seu crédito é “suficiente”. Entretanto, Shylock também observa que emprestar dinheiro a mercadores (ou a seus amigos) é arriscado. Os navios de Antonio estão espalhados pelo mundo, um a caminho do norte da África, o outro para a Índia, um terceiro para o México, um quarto para a Inglaterra: ... seus meios estão em suposição: ele tem um galeão a caminho de Trípoli, outro para as Índias; além disso, eu compreendo, sobre o Rialto, ele tem um terceiro para o México, um quarto para a Inglaterra, e tem outras venturas espalhadas no exterior. Mas navios não são senão tábuas, marinheiros senão homens: haverá ratos de terra, ratos de água, ladrões de água, ladrões de terras, eu quero dizer piratas, e depois existe o perigo de águas, de ventos e de rochedos. É precisamente por causa disso que qualquer pessoa que empresta dinheiro a um mercador, mesmo que seja apenas pela duração de uma viagem oceânica, precisa ser compensada. Geralmente chamamos isso de juro de compensação: a quantidade paga ao emprestador acima e abaixo da soma emprestada, ou o principal. O tipo de comércio exterior do qual Veneza dependia não teria acontecido se os seus financiadores não tivessem sido recompensados de alguma maneira, por arriscarem seu dinheiro em “meras tábuas e homens”. Mas por que Shylock acabou se saindo esse vilão, exigindo literalmente 0,450 quilo de carne [do corpo] – com efeito, a morte de Antonio – se ele não pudesse cumprir suas obrigações? A resposta é, naturalmente, que Shylock é um dos muitos agiotas na história que pertenceram a uma minoria étnica. Na época de Shakespeare, fazia quase um século que os judeus vinham provendo crédito comercial a Veneza. Eles montaram seu negócio na frente de um edifício conhecido outrora como Banco Rosso, sentados atrás das suas mesas – suas tavule – e sobre os seus bancos, seus banci. Mas o Banco Rosso era localizado num gueto apinhado a uma certa distância do centro da cidade.