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Capítulo 3 ESPIRAIS IMORTAIS Somos máquinas de sobrevivência, mas “somos” não significa apenas pessoas. Inclui todos os animais, plantas, bactérias e vírus. O número total de máquinas de sobrevivência na Terra é muito difícil de contar e mesmo o número total de espécies é desconhecido. Tomando-se apenas os insetos, o número de espécies tem sido estimado em cerca de três milhões e o número de indivíduos talvez seja de um trilhão. Os tipos diferentes de máquinas de sobrevivência parecem muito variados externamente e em seus órgãos internos. Um polvo não é em nada parecido com um camundongo e ambos são um tanto diferentes de um carvalho. No entanto, em sua química fundamental são bastante uniformes e, em particular, os replicadores que possuem, os genes, são basicamente o mesmo tipo de molécula em todos nós – de bactérias a elefantes. Somos todos máquinas de sobrevivência para o mesmo tipo de replicador – moléculas de DNA – mas há muitas maneiras de viver no mundo e os replicadores construíram uma ampla gama de máquinas para explorar estas maneiras. Um macaco é uma máquina que preserva os genes em cima das árvores, um peixe é uma máquina que os preserva dentro d’água. Há até um pequeno verme que preserva os genes em bolachas de chope. O DNA trabalha de maneiras misteriosas. Dei a entender, para simplificar, que os genes modernos, constituídos de DNA, são praticamente iguais aos primeiros replicadores no caldo primitivo. Não tem importância para a discussão, mas isto talvez não seja realmente verdadeiro. Os replicadores originais talvez tenham sido um tipo de molécula relacionado ao DNA, ou talvez tenham sido completamente diferentes. Neste último caso poderíamos dizer que suas máquinas de sobrevivência devem ter sido capturadas em um estágio posterior pelo DNA. Se isto ocorreu, os replicadores foram totalmente destruídos, pois nenhum traço deles resta nas máquinas de sobrevivência modernas. Com referência a este assunto, A. G. Cairns-Smith fez a sugestão intrigante de que nossos ancestrais, os primeiros replica-dores, talvez não tenham sido, absolutamente, moléculas orgânicas, mas sim cristais inorgânicos – minerais, pequenos pedaços de barro. Usurpador ou não, o DNA tem hoje o domínio incontestável, a menos que, como sugiro tentativamente no último capítulo, uma nova tomada de poder esteja, agora, justamente começando. Uma molécula de DNA é uma longa cadeia de blocos de construção, moléculas pequenas chamadas nucleotídeos. Da mesma maneira como as moléculas de proteína são cadeias de aminoácidos, também as moléculas de DNA são cadeias de nucleotídeos. A molécula de DNA é pequena demais para ser vista, mas sua forma exata foi engenhosamente decifrada por meios indiretos. Ela consiste em um par de cadeias de nucleotídeos torcidas juntas, formando uma espiral elegante, a “dupla hélice”, a “espiral imortal”. Os nucleotídeos constituintes existem em apenas quatro tipos diferentes, cujos nomes podem ser abreviados para A, T, C e G. Eles são os mesmos em todos os animais e plantas. O que difere é a ordem na qual estão enfileirados. Um constituinte G de um homem é, em todos os detalhes, idêntico a um constituinte G de um caramujo. Mas, a seqüência dos constituintes em um homem não é apenas diferente daquela em um caramujo. É também diferente – embora em menor grau – da seqüência em todos os outros homens (excetuando-se o caso especial de gêmeos idênticos). Nosso DNA mora dentro de nossos corpos. Ele não se concentra em uma parte específica do corpo, mas é distribuído entre as células. Existem cerca de um milhão de bilhões de células constituindo um corpo humano médio e, com algumas exceções que podemos ignorar, cada uma dessas células contém uma cópia completa do DNA daquele corpo. Este DNA pode ser considerado como um conjunto de instruções sobre como construir um corpo, escrito no alfabeto A, T, C e G dos nucleotídeos. É, como se em cada quarto de um imenso prédio existisse uma estante contendo os planos do arquiteto para todo prédio. A “estante” em uma célula é chamada de núcleo. No homem, os planos do arquiteto montam 46 volumes – em outras espécies o número é diferente. Os volumes são chamados de cromossomos. São visíveis sob o microscópio como longos fios e os genes estão enfileirados em ordem ao longo deles. Não é fácil e, de fato, talvez nem seja significativo. decidir onde um gene termina e o seguinte começa. Felizmente, como este capítulo mostrará, isto não tem importância para nossos propósitos. Farei uso da metáfora dos planos do arquiteto, misturando livremente a linguagem da metáfora com