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à primeira vista, corresponder a um ato altruísta pela nossa definição. Os atas mais comuns e mais conspícuos de altruísmo animal são realizados pelos pais, especialmente pelas mães, em relação a seus filhos. Eles podem incubá-los, ou em ninhos ou em seus próprios corpos, alimentá-los com enormes sacrifícios para si e correr grandes riscos ao protegê-los de predadores. Para citar apenas um exemplo particular, muitos pássaros que nidificam no chão realizam o chamado "comportamento de distração" quando um predador, como uma raposa, se aproxima. Um dos pais afasta-se do ninho maneando, mantendo uma asa aberta como se ela estivesse quebrada. O predador, percebendo uma presa fácil, é atraído para longe do ninho contendo os filhotes. Finalmente a ave cessa seu fingimento e lança-se ao ar exatamente à tempo de escapar das mandíbulas da raposa. Ela provavelmente terá salvo a vida de seus filhotes, mas com algum risco para si. Não estou tentando defender uma posição contando histórias. Exemplos escolhidos nunca são evidência séria de qualquer generalização importante. Essas histórias são dadas simplesmente como ilustrações do que quero dizer com comportamento altruísta e egoísta ao nível de indivíduos. Este livro mostrará como tanto o egoísmo como o altruísmo individuais são explicados pela lei fundamental que estou chamando de egoísmo do gene. Mas, primeiro devo tratar de uma explicação particular errônea de altruísmo, porque ela é amplamente conhecida e até mesmo amplamente ensinada nas escolas. Esta explicação está baseada numa concepção errada que já mencionei, segundo a qual as criaturas vivas evoluem para fazer coisas "pelo bem da espécie" ou "pelo bem do grupo". É fácil ver como esta idéia teve origem na Biologia. Grande parte da vida de um animal é dedicada à reprodução e a maioria dos atas de auto-sacrifício altruísta observados na natureza são realizados pelos pais para com seus filhotes. "Perpetuação da espécie" é um eufemismo comum para reprodução e é, inegavelmente, uma conseqüência da reprodução. É necessário apenas uma ligeira deturpação da lógica para deduzir que a "função" da reprodução é "de" perpetuar a espécie. Daí basta um pequeno passo falso para concluir que os animais em geral se comportarão de forma a favorecer a perpetuação da espécie. O altruísmo em relação aos outros membros da espécie parecerá resultar. Esta linha de pensamento pode ser posta em termos vagamente darwinianos. A evolução trabalha através da seleção natural e esta significa a sobrevivência discriminada do mais "apto". Mas, estamos falando sobre os indivíduos mais aptos, as raças mais aptas, as espécies mais aptas, ou sobre o que? Para alguns propósitos isto não importa muito, mas quando estamos falando sobre altruísmo é obviamente crucial. Se forem espécies que estão competindo no que Darwin chamou de luta pela existência, parece melhor considerar o indivíduo como um peão no jogo, a ser sacrificado quando o interesse mais importante da espécie como um todo o exigir. Expressando de maneira um pouco mais respeitável, um grupo, como uma espécie ou uma população dentro de uma espécie, cujos membros individuais estejam preparados para se sacrificar pelo bem-estar do grupo, poderá ter menos probabilidade de se extinguir do que um grupo rival cujos membros individuais coloquem seus próprios interesses egoístas em primeiro lugar. Conseqüentemente, o mundo torna-se povoado principalmente de grupos consistindo de indivíduos que se sacrificam a si próprios. Esta é a teoria da "seleção de grupo", há muito considerada verdadeira pelos biologistas não familiarizados com os detalhes da teoria da evolução, lançada em um livro famoso de V. C. Wynne-Edwards e popularizada por Robert Ardrey no livro The Social Contract. A alternativa ortodoxa é normalmente chamada "seleção individual", embora pessoalmente eu prefira falar em seleção de gene. A resposta imediata dos adeptos da seleção individual ao argumento apresentado seria mais ou menos assim. Mesmo no grupo dos altruístas quase com certeza haverá uma minoria dissidente a qual se recusa a fazer qualquer sacrifício. Se houver apenas um rebelde egoísta, pronto a explorar o altruísmo dos demais, então ele, por definição, tem maior probabilidade do que os últimos de sobreviver e ter filhos. Cada um desses filhos tenderá a herdar suas características egoístas. Após várias gerações desta seleção natural, o "grupo altruísta" será sobrepujado pelos indivíduos egoístas e será indistinguível do grupo egoísta. Mesmo se assumirmos a existência casual inicial improvável de grupos altruístas puros sem rebeldes, é muito difícil imaginar o que impe-diria indivíduos egoístas de imigrar de grupos egoístas vizinhos e, por meio de cruzamentos mistos, de contaminar a pureza dos grupos altruístas. O adepto da seleção individual admitiria que grupos realmente desaparecem e que o fato de um grupo extinguir-se ou não pode ser influenciado pelo comportamento dos indivíduos naquele grupo. Ele talvez até admita que se ao menos os indivíduos em um grupo tivessem o dom da previsão poderiam