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G e o rg e P e te rs / D ig it a lV is io n V e c to rs /G e tt y I m a g e s Na Alemanha, a ideia de um Estado total apareceu em 1923, na obra do jurista Carl Schmitt (1888-1985), que depois se filiou ao Partido Nazista. Em O concei- to do político, ele defendeu a supremacia do Estado sobre todos os organismos da sociedade civil e, dentro dele, o poder do chefe, no caso do futuro Führer. No mesmo ano, Adolf Hitler, que tentou sem êxito dar um golpe de Estado em Munique, começou a escrever na prisão sua obra fundamental, Mein Kampf (Minha luta). No livro, ele resumiu as bases de seu projeto político, que ambicionava eli- minar ou subjugar todos os inimigos internos e externos da nação alemã. Nessa obra, esboça a ambição concentradora de poder e os inimigos a combater, como os judeus e os povos eslavos, que eram considerados obstáculos, respectivamente, para a purificação da raça ariana e para a conquista do Lebensraum (espaço vital). Este último era já o projeto de expansão que levaria à Segunda Guerra Mundial. O CONCEITO DE TOTALITARISMO NO PîS-GUERRA Se o conceito de Estado totalit‡rio foi concebido, de maneira geral, pelos pró- prios agentes desses regimes, após 1945, ele foi repensado por seus críticos. Não se pode dizer, no entanto, que as críticas partiram de todos os vencedores da Segunda Guerra Mundial, pois os soviéticos omitiram o assunto, enquanto os intelectuais ocidentais igualaram os regimes comunista, nazista e, por vezes, fascista. Tudo indica que o conceito de totalitarismo foi utilizado pelo Ocidente no contexto da Guerra Fria para barbarizar o mundo comunista, associando-o Os regimes totalitários controlam todas as esferas da sociedade, não sendo possível discordar de suas premissas. 59 P5_V5_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap2_040a065_LA .indd 59P5_V5_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap2_040a065_LA .indd 59 8/31/20 10:10 AM8/31/20 10:10 AM ao extermínio e ao desrespeito aos direitos humanos, como havia ocorrido nos regimes nazista e fascista. A obra de referência para essa discussão é a da filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975), autora de Origens do totalitarismo: antissemitismo, impe- rialismo, totalitarismo. Arendt pensou o totalitarismo como parte de um trio conceitual: 1. o antissemitismo, não no sentido religioso, de rejeição ao judaísmo, senão aos judeus, por sua raça, considerada inferior e parasita, opinião que da- tava do século XIX em vários países europeus; 2. o imperialismo, não apenas a expansão colonialista europeia na Ásia e na África, que degradava racialmente os povos dominados, mas também os imperialismos continentais europeus, como o pangermanismo e o pan-es- lavismo, apesar de, neste caso, as diferenças terem sido maiores do que as semelhanças; 3. o totalitarismo, um projeto e uma experiência política avessa à democracia liberal, baseado no terror policial e na propaganda massiva, ambicionando doutrinar a sociedade civil e promover a idolatria de um grande líder con- siderado o condutor da nação; no caso alemão, fortemente marcado pelo racismo. Em primeiro lugar, o conceito de totalitarismo anteriormente exposto des- taca a morfologia do poder estatal, um poder total, que vai do Estado à família e desta ao indivíduo, não admitindo críticas ou oposições. Ele refuta o diálogo e rejeita a divisão da sociedade em classes com interesses distintos e opostos. Em segundo lugar, o racismo, em particular o antissemitismo, que marcou o regime nazista, aparece como ingrediente importante desse tipo de regime po- lítico, que atropela cidadanias constitucionais com base em critérios raciais. Prevalecem, porém, no referido conceito de totalitarismo, os aspectos anti- liberais e antidemocráticos dos regimes totalitários: ■ a instituição de um partido único, com a supressão dos demais partidos, que tende a controlar o Estado ou a fundir-se com ele, nomeando dirigentes e funcionários em todos os graus; ■ a montagem de uma máquina de violência por intermédio de milícias e organismos de polícia secreta, voltados a retirar da sociedade ou mesmo eliminar fisicamente os inimigos do Estado; ■ a estruturação de lugares de confinamento para os opositores do regime, reais ou imaginários, condenados a trabalhos forçados ou ao extermínio, como nos campos de concentração nazistas; ■ a criação de um forte sistema de propaganda para reforçar os valores do Estado e as qualidades inigualáveis de seus chefes carismáticos; ■ a quase sacralização dos líderes máximos por meio do culto à personalidade dos chefes, transformados pela propaganda em personificações da nação; ■ o apego dos líderes ao diálogo direto com as massas, criando-se solenida- des e veículos atrelados ao Estado, em detrimento de instituições da socie- dade civil; ■ a organização de uma política de intervenção sistemática na sociedade ci- vil, com o objetivo de converter famílias, indivíduos e, sobretudo, crianças e jovens aos valores nacionalistas e militaristas do Estado. Essa é uma conceituação sólida da estrutura dos regimes totalitários, mas fica a dúvida sobre o papel do racismo, em especial do antissemitismo, na caracterização de um modelo geral, uma vez que nem o regime fascista, nem o soviético foram antissemitas. O grande ditador Direção de Charles Chaplin. Estados Unidos, 1940. Duração: 124 min. Sátira ao nazismo e ao fascismo realizada por Chaplin no início da Segunda Guerra Mundial. F I C A A D I C A Capa de uma das edições do livro de Hannah Arendt, publicado pela primeira vez em 1951. R e p ro d u ç ã o /e d it o ra C ia . d a s L e tr a s 60 P5_V5_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap2_040a065_LA .indd 60P5_V5_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap2_040a065_LA .indd 60 8/31/20 10:10 AM8/31/20 10:10 AM