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TEORIA GERAL DO PROCESSO PENAL Ana Luiza Rodrigues Sentença penal Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir sentença penal. � Descrever a estrutura e os requisitos da sentença penal. � Explicar mutatio libelli e emendatio libelli. Introdução O processo penal tem início com a denúncia ou queixa, ato pelo qual a jurisdição é provocada. Os atos seguintes devem corresponder ao rito adotado, mas, invariavelmente, quando há análise do mérito, o proce- dimento será finalizado por uma sentença. A sentença é uma espécie de decisão judicial emitida pelo Juiz, que, no exercício do poder estatal, vai ou não punir o acusado. Neste capítulo, você vai estudar as espécies de decisão judicial e se aprofundar na sentença. Vai ver a definição de sentença, sua estrutura e requisitos, além de ver a diferença entre sentenças condenatórias e absolutórias. Por fim, vai estudar as hipóteses de mutatio e emendatio libelli. 1 Provimentos judiciais Os atos jurisdicionais, ou atos do Juiz, podem ou não ter conteúdo decisório. No âmbito do processo penal eles são classificados, em geral, como despachos, decisões interlocutórias e sentenças. Vejamos mais sobre cada uma dessas classificações. Despachos Em regra, os despachos, também chamados despachos de mero expediente, não têm conteúdo decisório e têm por objetivo dar andamento ao processo, encaminhando-o em direção ao próximo ato do procedimento. Por não conterem carga decisória são irrecorríveis; entretanto Lima (2020) adverte que, se o despacho contiver algum erro formal, caberá a utilização de correição parcial, um ato administrativo-judicial para corrigir o seguimento do procedimento. Os despachos costumam expressar uma ordem do juízo e se apresentam por um “junte-se”, “intime-se” ou “cumpra-se”, por exemplo. Veja, a seguir, dois exemplos de ordem de juízo presentes em despachos: � “Ao réu, para que se manifeste no prazo de 5 (cinco) dias sobre o laudo pericial. Intime-se.” � “Juntem-se aos autos cópias dos documentos apresentados pelo perito.” Decisões interlocutórias As decisões interlocutórias têm conteúdo decisório, mas não tratam do mérito, do pedido principal, mas sim de outras questões ou incidentes suscitados no processo. São divididas entre interlocutórias simples e interlocutórias mistas. As decisões interlocutórias simples resolvem uma questão mas não colocam fim ao processo nem a uma de suas etapas, como a decisão que converte prisão em flagrante em prisão preventiva, que determina quebra de sigilo telefônico, que decreta o sequestro de bens do acusado ou que recebe a denúncia ou a queixa. Essas decisões também são irrecorríveis, mas, assim como os despachos, podem ser objeto de correição parcial, ou, a depender do caso, de outras ações que possam reverter a situação, como o habeas corpus para decisão que decretou prisão preventiva. Observe que nenhuma dessas duas possibilidades são recursos, mas, na primeira, trata-se de um ato administrativo-judicial, e, na segunda, o habeas corpus é uma ação autônoma e não se vincula nem incidentalmente ao processo. Sentença penal2 As decisões interlocutórias mistas têm conteúdo decisório mais relevante. “São denominadas de interlocutórias porquanto são proferidas no curso de um processo ou procedimento, antes de se completar totalmente e se extinguir o procedimento com a decisão definitiva de seu mérito em sentido estrito” (LIMA, 2020, p. 1606). As decisões que encerram uma fase do processo, como a decisão de pronúncia que põe fim ao juízo de admissibilidade do crime doloso contra a vida, autorizando o júri, são denominadas interlocutórias mistas não terminativas. Por sua vez, as interlocutórias mistas terminativas são as que extinguem o processo sem julgamento do mérito, como a decisão que acolhe a exceção de coisa julgada. Por terem natureza decisória, são passíveis de recurso, sendo o recurso em sentido estrito o instrumento adequado para as decisões que constem no rol do art. 581 do Código de Processo Penal (CPP). Não sendo esse o caso, caberá apelação com fundamento no art. 593, II do mesmo código (LIMA, 2020; LOPES JÚNIOR, 2019). Sentença penal Resta à análise a sentença penal. O CPP usa o termo “sentença” em sentido amplo, abrangendo a sentença em sentido estrito; as decisões interlocutórias mistas terminativas, que também encerram o procedimento (NUCCI, 2014); e os acórdãos com julgamento de mérito, que são decisões dos tribunais (LIMA, 2020). Neste capítulo vamos tratar mais a fundo da sentença penal em sentido estrito, que é emanada do juízo de primeiro grau. Segundo Nucci (2014) sentença penal é decisão terminativa do processo e definitiva quanto ao mérito, abordando a questão relativa à pretensão punitiva do Estado, para julgar procedente ou improcedente a imputação. Extraímos desse conceito que a sentença é uma decisão que “termina” com o processo, é um ato que põe fim aos procedimentos que se sucederam. Observamos também que é uma decisão que trata do mérito. De acordo com Greco Filho (2012), o Código de Processo Penal, de maneira geral, adota o sentido substancial de sentença como a decisão de mérito. Nesse sentido, a análise do mérito resulta na procedência ou improcedência da pretensão punitiva do Estado exarada pela sentença, a vontade manifesta do Estado-juiz. 3Sentença penal A sentença penal definitiva pode ter caráter absolutório ou condenatório: as sentenças condenatórias “[…] são as que acolhem o pedido formulado na inicial acusatória, aplicando ao réu uma pena”, que pode ser “privativa da liberdade, restritiva de direitos ou multa” (AVENA, 2018). As absolutórias podem ser próprias, quando julgam improcedente a acusação, reconhecendo a inocência do réu ou a “ausência de comprovação de sua responsabilidade criminal pelo fato imputado”; e podem ser impróprias, que absolvem o réu, reconhecendo sua inimputabilidade total à época do fato, impondo, contudo, uma medida de segurança (AVENA, 2018). O que o Código Penal (CP) chama de “sentença definitiva” não pode ser confundido com “sentença transitada em julgado”. Definida superficialmente, a “sentença definitiva”, objeto principal deste capítulo, é aquela que define ou resolve o mérito. A “sentença transitada em julgado” é aquela para a qual não se admitem mais recursos (GRECO FILHO, 2012). Para que você visualize melhor a classificação dos atos jurisdicionais estudados até aqui, acompanhe o Quadro 1. Sem conteúdo decisório Com conteúdo decisório Despacho Decisões interlocutórias Sentenças Interlocutórias simples Interlocutórias mistas terminativas Interlocutórias mistas não terminativas Quadro 1. Atos jurisdicionais Sentença penal4 Avena (2018) apresenta um modelo que facilita a identificação do ato juris- dicional, para distinguir sua espécie entre despacho, decisão interlocutória ou sentença. Para o autor, pelo chamado “critério de residualidade”, basta que se façam as seguintes perguntas, na ordem apresentada a seguir, para que uma possível dúvida sobre a natureza do ato seja sanada: 1. Trata-se de um mero comando de impulso processual? Em caso positivo, haverá despacho de mero expediente. 2. Trata-se de uma decisão condenatória ou absolutória proferida pelo magistrado após esgotar todas as fases do procedimento? Em caso positivo, haverá sentença. 3. Trata-se de uma decisão que, não sendo despacho nem sentença, põe termo ao processo, importando em seu arquivamento? Em caso positivo, haverá decisão interlocutória mista terminativa. 4. Trata-se de uma decisão que, não sendo despacho nem sentença, põe termo a uma fase do processo, dando início a outra, sem importar em seu arquivamento? Em caso positivo, haverá decisão interlocutória mista não terminativa. A classificação dos atos jurisdicionais, especialmente os que têm conteúdo decisório, é muito importante para que se reconheça o recurso adequado para sua impugnação. 2 Requisitos e estrutura dasentença penal A formulação da sentença penal deve observar, independentemente de seu caráter absolutório ou condenatório, alguns requisitos, sob pena de, a depender da natureza do vício, a decisão incorrer de uma simples irregularidade até a inexistência do ato (AVENA, 2018). O art. 381 do CPP indica os requisitos da sentença, acompanhe: 5Sentença penal Art. 381. A sentença conterá: I - os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las; II - a exposição sucinta da acusação e da defesa; III - a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão; IV - a indicação dos artigos de lei aplicados; V - o dispositivo; VI - a data e a assinatura do juiz (BRASIL, 1941, documento on-line). O disposto no inciso VI, ou seja, a data e a assinatura do Juiz, são consi- derados requisitos extrínsecos das sentenças. Os demais incisos se traduzem em requisitos intrínsecos à sentença e indicam a forma e a ordem que ela deve ser construída. Tais requisitos intrínsecos são reconhecidos como relatório, fundamentação e dispositivo. Vejamos. Relatório O relatório é uma espécie de resumo dos atos que se desenvolveram no proce- dimento penal e deve conter a identificação das partes, uma breve exposição do conteúdo da acusação e da defesa, e a indicação dos principais aconteci- mentos do processo, inclusive se eventuais incidentes suscitados, conforme disposto nos incisos I e II do art. 381 do CPP. Para Lima (2020), o objetivo do relatório é demonstrar que o Juiz teve pleno contato com o processo e fazê-lo retomar seus desdobramentos, ato a ato, como que rememorando, antes de emitir sua decisão. A identificação das partes é necessária para determinar os limites subjetivos da coisa julgada. Assim, por exemplo, o acusado identificado processualmente não pode ser processado novamente pelos mesmos fatos, que fizeram coisa julgada entre as partes. No caso de processo iniciado após denúncia, o Pro- motor de Justiça não deve ser identificado pessoalmente, bastando constar a identificação da instituição em nome de quem ele fala, o Ministério Público (MP). Se iniciado por queixa-crime, no entanto, deve constar o nome do querelante (AVENA, 2018). O acusado deve, obrigatoriamente, ser identificado, sob pena de nulidade da decisão. Na forma do inciso I do art. 381, não sendo possível apontar seu nome, a sentença deve mencionar as indicações necessárias para sua identificação. Sentença penal6 A vítima também deve ser identificada no relatório para que, posterior- mente, possa, por exemplo, beneficiar-se dos efeitos extrapenais da sentença, como a reparação civil. Contudo, a ausência de sua identificação implica apenas em irregularidade e, segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (BRASIL, 2008, documento on-line), “[...] não há nulidade por ausência de menção do nome da vítima na sentença condenatória, se esta faz alusão constante à denúncia, onde consta a qualificação completa” (LIMA, 2020, p. 1611). A ausência do relatório gera nulidade absoluta da sentença, na forma do art. 564, IV do CPP, exceto se o procedimento adotado for o sumaríssimo, previsto na Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispensa o relatório (art. 81, §3º). Fundamentação O segundo requisito intrínseco da sentença penal é a fundamentação, prevista nos incisos III e IV do art. 381 do CPP e no art. 93 da Constituição Federal: “IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade” (BRASIL, 1941, documento on-line). A fundamentação consiste na exposição dos motivos que levaram o Juiz, após enfrentar todas as teses da acusação e da defesa, a decidir de determinada maneira. A fundamentação se dá na dimensão fática e na dimensão jurídica; a primeira diz respeito à valoração dos fatos e das provas pelo Juiz, e a segunda diz respeito à fundamentação jurídica utilizada no processo. A segunda parte do caput do art. 155 do CPP diz que “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial”, o que indica a liberdade do juízo na construção de seu convencimento. Isso não significa, por outro lado, a desnecessidade de justificar suas “escolhas” (LOPES JÚNIOR, 2019). 7Sentença penal Na fundamentação da sentença, o Juiz deve abordar todos os pontos e teses aventados durante o processo, o que não importa dizer que essa justifi- cação deva ser extensa ou prolixa. O Juiz pode tratar objetivamente de certas questões ou mesmo deixar de enfrentar diretamente uma tese quando acolheu outra logicamente oposta (AVENA, 2018; REIS; GONÇALVES, 2015). Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) em precedente que trata do tema: EMENTA: I. Sentença: fundamentação: não é omissa a sentença que ex- plicita as premissas de fato e de direito da decisão e, ao fazê-lo, afirma tese jurídica contrária à aventada pela parte, ainda que não o mencione. II. Uso de documento falso (C. Pen., art. 304): não o descaracterizam nem o fato de a exibição de cédula de identidade e de carteira de habilitação terem sido exibidas ao policial por exigência deste e não por iniciativa do agente — pois essa é a forma normal de utilização de tais documentos —, nem a de, com a exibição, pretender-se inculcar falsa identidade, dado o art. 307 C. Pen. e um tipo subsidiário (BRASIL, 1994, documento on-line). A fundamentação permite o controle da atividade jurisdicional pelas par- tes, pelos cidadãos e pelo próprio Poder Judiciário quando instado em grau recursal. Somente pelos fundamentos apontados na decisão há possibilidade de acompanhar a lógica empregada pelo Juiz na valoração das provas e das teses e na aplicação das normas ao caso concreto. “A obrigação de fundamentar permite às partes não somente aferir que a convicção foi realmente extraída do material probatório constante dos autos, como também analisar os motivos legais que levaram o magistrado a firmar sua conclusão” (LIMA, 2020, p. 1612). De acordo com os arts. 93, IX da Constituição Federal, e 564, V do CPP, a falta ou insuficiência de fundamentação é causa de nulidade absoluta da sentença. Verificados problemas quanto à fundamentação, o instrumento adequado para impugnar a decisão é a apelação, sendo possível impetrar habeas corpus em caso de acusado preso (LIMA, 2020). Parte da doutrina e jurisprudência também entendem pela nulidade da sentença em que o Juiz se limita a utilizar a manifestação de uma das partes ou replicar o conteúdo de outra decisão. Nesse caso, o Juiz não justificaria a sentença pelas próprias conclusões, mas estaria transferindo o ônus da motivação a outro e violando o dever de fundamentar sua decisão. Tal prática é conhecida também como ad relationem. Sentença penal8 Dispositivo O último requisito intrínseco da sentença é o dispositivo (art. 381, V do CPP). O dispositivo finaliza a sentença afirmando, por meio de um comando, a deci- são absolutória, com seu respectivo correspondente legal (art. 386 do CPP), ou a condenação, com a designação da tipicidade da conduta e a dosimetria da pena (LOPES JÚNIOR, 2019). Se o dispositivo da sentença condenatória não consignar o tipo legal, a decisão é nula, vício que é considerado sanado se constar o “nome do crime” (nomem iuris). De outro lado, não há qualquer nulidade se, no dispositivo, não for consignado o artigo de lei que deu base à absolvição, porquanto, “[...] nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa” (art. 563 do CPP) (AVENA, 2018). A seguir, observe um exemplo de sentença penal absolutória e outro de condenatória. Atente-se para a maior complexidade envolvida na condenação, e, portanto, no dispositivo da sentença com seus comandos. Exemplo de sentença penal absolutória: Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a ação e, em consequência: ABSOLVO FULANO DE TAL da prática dos crimes dispostos nos art. 155, §4º, I e IV, do CP, (comfundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal) e art. 244-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente (com fundamento no art. 386, inciso II, do Código de Processo Penal). Custas na forma da lei. Arbitro os honorários advocatícios dos procuradores que atu- aram nos presentes autos no máximo previsto na tabela do convênio OAB/Defensoria, expedindo-se o necessário. P. R. I. C. Nada sendo requerido, arquivem-se. Cidade, data. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CON- FORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA. Exemplo de sentença penal condenatória: DISPOSITIVO. Ante o exposto, e o que mais nos autos consta, JULGO PROCEDENTE a ação penal ajuizada pelo Ministério Público, e o faço para condenar FULANO DE TAL pela prática do crime de receptação previsto no art. 180, caput, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano de reclusão em regime inicial aberto (Art. 33, §2º, “c”, CP). Entretanto, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade (reclusão) por UMA restritiva de direito, consistente em prestação pecuniária no importe de 03 (três) salários mínimos a entidade pública ou privada, mas com destinação social, 9Sentença penal nos termos do art. 44 c/c art. 45, § 1°, do Código Penal. CONDENO-O, ainda, à pena de 10 dias-multa, observado seu valor mínimo legal (art. 49, § 1º do CP) e corrigida a partir da execução. Deixo de fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pelo acusado à vítima, nos termos do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, vez que os objetos foram restituídos à vítima. Além disso, não é caso de prisão preventiva (art. 387, parágrafo único do CPP), tendo em vista a ausência dos requisitos legais. Condeno o acusado, por fim, ao pagamento das custas processuais, nos termos do art. 4°, § 9°, alínea "a", da Lei 11.608/03, observando-se a assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida (fl. 206). Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Cidade, data. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CON- FORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA. Publicação Após a confecção da sentença, que deve conter a data e a assinatura do Juiz (inciso VI do artigo 381), a decisão é enviada para publicação. A publicação é o ato que “[...] dá efetiva existência à sentença, tornando-a um ato proces- sual” (LIMA, 2020, p. 1653), é o que dá publicidade ao conteúdo da sentença e a faz chegar ao conhecimento das partes. A data da publicação, e não do julgamento, é a data em que se considera a sentença efetivamente proferida, pois é nesse momento que se torna um ato jurisdicional, saindo da esfera de particularidade do Juiz. De acordo com o art. 389 do CPP, a sentença será publicada assim que chegar às mãos do escrivão, que lavrará o respectivo termo, juntando a sentença aos autos. Após a publicação, as partes devem ser intimadas pela imprensa oficial, diário de justiça eletrônico, ou pessoalmente. A partir de então se inicia a contagem do prazo para eventuais recursos. As sentenças proferidas oralmente em audiência ou em plenário do júri, por exemplo, são consideradas publicadas no ato de sua leitura, saindo as partes intimadas (REIS; GONÇALVES, 2015). A sentença pode ser alterada pelo Juiz até a publicação, pois, como vimos, é só a partir desse momento que ela deixa de ser um ato particular do Juiz e passa a ser um ato processual, integrando os autos. Após a publicação, a sentença só poderá ser alterada nas hipóteses previstas no art. 494 do Código de Processo Civil (CPC) que é aplicado subsidiariamente ao CPP (LIMA, 2020). Tais hipóteses são as seguintes: Sentença penal10 � Para correção de erros materiais: erro material é uma inexatidão formal que não guarda relação com a matéria jurídica, por exemplo, um erro de digitação ou de cálculo. Tais erros podem ser corrigidos de ofício pelo Juiz. � Pela oposição de embargos de declaração: são cabíveis sempre que houver obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão na sentença, e devem ser opostos por qualquer das partes no prazo de dois dias (art. 382 do CPP). � Interposição de recurso com efeito regressivo: se o recurso inter- posto tiver efeito regressivo, por exemplo, o recurso em sentido estrito (art. 589 do CPP), o Juiz poderá se retratar de sua decisão. Sentença penal absolutória e condenatória Essas são as duas modalidades de sentença penal, e cada uma delas tem características próprias. A sentença penal absolutória é a que se fundamenta em uma das hipóteses do art. 386 do CPP: Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I - estar provada a inexistência do fato; II - não haver prova da existência do fato; III - não constituir o fato infração penal; IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; VII – não existir prova suficiente para a condenação (BRASIL, 1941, documento on-line). A sentenças penais absolutórias podem ser classificadas em sentença absolutória própria, que importa na absolvição do acusado que é reconhecido plenamente inocente sem a imposição de qualquer medida de segurança; e em sentença absolutória imprópria, em que há reconhecimento da conduta típica e ilícita, mas como foi praticada por inimputável (art. 26 do CP), impõe-se medida de segurança (art. 386, III do CPP). 11Sentença penal O principal efeito da sentença penal absolutória é a colocação do acusado em liberdade. Assim, na sentença absolutória própria, o acusado deve ser solto imediatamente, independentemente de quaisquer circunstâncias, mesmo que a decisão ainda não tenha transitado em julgado. Em sendo a sentença abso- lutória imprópria, no entanto, há duas possibilidades: se, durante o processo, o acusado esteve solto e nenhuma nova razão para aplicação da internação como medida de segurança surgiu, ele deve permanecer em liberdade; já se o acusado esteve sob medida cautelar de internação ao longo do processo, significa que o Juiz constatou a presença de fumus comissi delicti e periculum libertatis, devendo ser mantida a internação, a menos que o Juiz entenda que a periculosidade cessou (LIMA, 2020). São considerados efeitos secundários da sentença penal absolutória: � restituição integral da fiança (art. 337 do CPP); � impossibilidade de novo processo em face da mesma imputação; � levantamento do sequestro (art. 131, III do CPP); � levantamento do arresto ou cancelamento da hipoteca (art. 141 do CPP); � retirada da identificação fotográfica dos autos do processo (art. 7º da Lei nº. 12.037, de 1º de outubro de 2009) (LIMA, 2020). A sentença penal condenatória é definida por Lima (2020, p. 1620) como: [...] a decisão judicial que atesta a responsabilidade criminal do acusado em virtude do reconhecimento categórico da prática da conduta típica, ilícita e culpável a ele imputada na peça acusatória (ou aditamento), impondo-lhe, em consequência, uma pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa. A sentença condenatória acarreta efeitos penais e extrapenais ao acusado. Os efeitos penais podem ser primários ou secundários. Os efeitos penais primários da sentença condenatória são os seguintes (LIMA, 2020): � cumprimento da pena, que só pode ocorrer após o trânsito em julgado (Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº. 43, 44 e 54 do STF); � inclusão do nome do acusado no rol de culpados, que também só poderá ocorrer após o trânsito em julgado da sentença. Sentença penal12 São efeitos penais secundários da sentença condenatória (LIMA, 2020): � induzir a reincidência (arts. 63 e 64, I do CP); � possível regressão do regime carcerário (art. 118, II da Lei de Execuções Penais); � revogação do sursis (art. 81, I do CP); � revogação dolivramento condicional (art. 84 do CP). Os efeitos extrapenais da sentença penal condenatória subdividem-se em obrigatórios (ou genéricos) e específicos, e são classificados como “extrapenais” por reverberarem em várias outras áreas do direito. Os efeitos extrapenais obrigatórios são inerentes à condenação e, por isso, independem de declaração expressa do Juiz na sentença, bastando o trânsito em julgado para que incidam. Estão previstos no art. 91 do CPP, e, em regra, são aplicáveis a todos os casos de condenação (LIMA, 2020): � obrigação de reparar o dano; � perda em favor da União dos instrumentos do crime, desde que consis- tam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; � perda em favor da União do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé. Por fim, os efeitos extrapenais específicos da sentença penal condenatória estão previstos no art. 92 do CP e, diferentemente dos obrigatórios, precisam estar expressos e fundamentados na decisão, pois não são automáticos. São efeitos extrapenais específicos (LIMA, 2020): � confisco alargado de bens (art. 91-A do CP); � perda de cargo, função pública ou cargo eletivo; � incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado; � inabilitação para dirigir veículos automotores. 13Sentença penal 3 Congruência entre acusação e sentença A sentença deve guardar relação com o fato delituoso descrito na denúncia ou na queixa. No processo civil o Juiz está adstrito ao pedido formulado pela parte; já no processo penal, em que o pedido é genérico (condenação ou absol- vição), o que limita a atividade decisória do Juiz, é a causa de pedir, ou seja, a imputação dos fatos que correspondem a um tipo penal. O acusado, então, defende-se dos fatos, e não da capitulação (princípio da consubstanciação), e é nesse sentido que entendem doutrina e jurisprudência majoritária (LIMA, 2020). Parte da doutrina e a jurisprudência dominante entendem pelo cabimento da emen- datio libelli e da mutatio libelli em razão do princípio da correlação, que considera que o réu se defende dos fatos (ou causa de pedir), e não do pedido (crime indicado na capitulação). No entanto, há posições dissonantes, como a de Aury Lopes Júnior (2019), que se posiciona da seguinte maneira: […] pensamos, o processo penal brasileiro não pode mais tolerar a apli- cação acrítica do reducionismo contido nos axiomas jura novit curia e narra mihi factum dabo tibi ius, pois o fato processual abrange a qualifi- cação jurídica e o réu não se defende apenas dos fatos, mas também da tipificação atribuída pelo acusador. A garantia do contraditório, art.5º, LV, da Constituição, impõe a vedação da surpresa, pois incompatível com o direito à informação clara e determinada do caso penal em julgamento (LOPES JÚNIOR, 2019, documento on-line). Se o Juiz modifica o fato penal, estamos diante de uma sentença incon- gruente, que pode ser classificada da seguinte maneira: � Citra petita: sentença na qual o Juiz deixa de analisar parte dos fatos aventados, manifestando-se aquém do que posto na acusação. O vício pode ser sanado por meio de embargos de declaração, que podem ser opostos em caso de omissão. � Extra petita: aquela sentença em que o Juiz reconhece objeto diverso do pedido, por exemplo, a acusação é de cárcere privado e a condenação é por estelionato. Sentença penal14 � Ultra petita: nesta hipótese, o Juiz extrapola o objeto da acusação, incluindo fatos que não estão na acusação — por exemplo, uma acusação de estupro que resulta na condenação por estupro e cárcere privado. Observe que aqui há o julgamento dos fatos e pedidos da acusação, mas o Juiz vai além, inserindo um “bônus”. A sentença que implica uma das situações acima será nula na forma do art. 564 do CPP. No caso da sentença citra petita, a nulidade pode ser sanada pela interposição de embargos de declaração. Se o Juiz não reconhecer e sanar a omissão, as partes podem apresentar apelação, indicando a omissão e pleiteando a declaração de nulidade da sentença. A configuração de uma das incongruências é vício grave na decisão, que desrespeita a previsão constitucional do contraditório e da ampla defesa, pois como poderiam as partes exercer tais direitos em um processo acusatório que se última com o Estado-juiz decidindo com base em fatos novos ou diversos, sobre os quais não tiveram conhecimento ou oportunidade de se manifestar (LOPES JÚNIOR, 2019)? Sendo assim, o Juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido, daquilo que está na acusação. “A inobservância ao princípio da correlação entre acusação e sentença dará ensejo ao reconhecimento de nulidade absoluta do feito, porquanto haverá violação a preceitos constitucionais como os da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal” (LIMA, 2020, p. 1658). O Juiz só está autorizado a realizar modificações nas hipóteses dos arts. 383 e 384 do CPP, que correspondem ao que a doutrina convencionou denominar de emendatio libelli e mutatio libelli. Vejamos mais sobre cada uma. Emendatio libelli A emendatio libelli tem previsão no art. 383 do CPP: “O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave” (BRASIL, 1941, documento on-line). No caso da emendatio libelli, os fatos (que dão embasamento à causa de pedir) não são alterados, mas a classificação ou capitulação descrita na denúncia ou queixa é modificada pelo Juiz para se ajustar aos fatos descritos. Essa alteração é possível mesmo que em prejuízo do acusado. 15Sentença penal A capitulação é o tipo penal, o artigo de lei que prevê a conduta delituosa. Como vimos, segundo o princípio da consubstanciação, o réu se defende dos fatos e não da capitulação (ou artigo de lei), de modo que não restaria qualquer irregularidade em tal prática. Nesse sentido, decidiu o STJ o seguinte: PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. DESCLASSIFICAÇÃO. CONCUS- SÃO PARA CORRUPÇÃO PASSIVA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. INOCORRÊNCIA. EMENDATIO LIBELLI. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência do STJ, à luz do princípio da correlação ou da congruência, o juiz está adstrito aos limites da acusação, sendo-lhe defeso se afastar dos fatos descritos na denúncia, podendo, contudo, dar-lhes capitulação jurídica diversa, ainda que implique em penalidade mais severa, nos termos do art. 383 do CPP. 2. Na espécie, mostra-se plenamente possível e válida a nova capitulação jurídica dada na sentença e mantida no acórdão impugnado, que, em razão dos fatos narrados na denúncia, desclas- sificou o delito de concussão para corrupção passiva. 3. Agravo regimental improvido (BRASIL, 2018, documento on-line). No caso concreto, o tribunal assentiu com a decisão de primeira instân- cia, que, com base nos mesmos fatos narrados na acusação, considerou se tratar de crime diverso do capitulado, desclassificando a prática do crime de concussão para o de corrupção passiva, promovendo, assim a emendatio libelli. A emendatio libelli deve ser feita no momento em que o Juiz for emitir a sentença. A doutrina assente quanto a isso porque o instituto está previsto no CPP, no capítulo dedicado à sentença; além disso, antes do contato com os fatos e da produção das provas, o Juiz não poderia exercer cognição plena para ter certeza sobre a nova capitulação. Assim, não é cabível quando do recebimento da denúncia (LIMA, 2020). Sob a égide do princípio da consubstanciação, peloqual as partes se defen- dem dos fatos e não da capitulação, há entendimento majoritário no sentido de que as partes não precisam ser ouvidas previamente à emendatio libelli, pois, em se tratando apenas de uma ajuste quanto à capitulação, o réu já teria se defendido dos fatos. Atente-se que, apesar de majoritário, este não é um entendimento unânime, e há autores sustentando, em nome do contraditório e da ampla defesa, a necessidade de intimação das partes para se manifestarem antes da publicação da sentença (LIMA, 2020; LOPES JÚNIOR, 2019). Sentença penal16 O Juiz pode aplicar a emendatio libelli de três maneiras distintas, acompanhe: � Emendatio libelli por defeito de capitulação: o Juiz, ao analisar os fatos, percebe que a capitulação indicada pela acusação diz respeito à conduta diversa, por exemplo, um acusado é denunciado por tentativa de homicídio, mas, por equívoco, na denúncia a capitulação é de crime de ameaça (art. 157, CP). Na sentença o Juiz reconhece o crime de tentativa de homicídio e adequa a capitulação. � Emendatio libelli por interpretação diferente: o Juiz profere a decisão de pronúncia ou a sentença em conformidade com os fatos, mas os interpreta de maneira distinta do que posto na acusação, alterando, assim, a capitulação. Nesse caso, a nova definição jurídica atribuída não terá sido decorrência de qualquer inovação ao fato descrito, mas sim de interpretação diversa quanto ao enquadramento desse mesmo fato (AVENA, 2018). Um exemplo é o agente acusado por homicídio qualificado por meio cruel, já que cortou a garganta de um colega de cela enquanto este dormia. Contudo, ao proferir sentença, o Juiz interpreta os fatos de modo que a circunstância qualificadora não seria o emprego de meio cruel, mas uso de recurso que impossibilitou a defesa do ofendido. � Emendatio libelli por supressão de circunstância: nesse caso, nem todos os fatos da acusação restaram comprovados no processo, e o Juiz, ao proferir sentença, suprime a circunstância não corroborada, o que resultará em nova capitulação. Seria o caso de uma acusação de roubo em que não restou demonstrado o emprego de violência ou grave ameaça; em razão disso, o Juiz desqualifica o crime para furto, visto que somente a subtração da coisa alheia está provada nos autos. A depender, a desclassificação operada pela emendatio libelli pode provocar a modificação da competência. Nesse caso, o Juiz, ao emendar, não deve pro- ferir qualquer juízo sobre o mérito, fundamentando a desqualificação apenas com base na tipificação do crime. Como essa desqualificação não adentra o mérito, é considerada uma decisão interlocutória, recorrível por recurso em sentido estrito (art. 581, II do CPP). Após o trânsito em julgado, o Juiz deve encaminhar os autos para o juízo competente (AVENA, 2018). 17Sentença penal O Juiz pode entender, por exemplo, que os fatos narrados não ensejam a capitu- lação pelo crime de tráfico de drogas, mas sim de posse de drogas, caso em que a competência para o julgamento é do Juizado Especial, oportunidade em que, ope- rada a desqualificação, os autos devem seguir para o Juizado Especial Criminal (Lei nº. 9.099/1995). Mutatio libelli A segunda hipótese de modificação que autoriza o julgamento sem a restrita correlação entre acusação à sentença é a mutatio libelli. O art. 384 do CPP prevê o seguinte: Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição ju- rídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente (BRASIL, 1941, documento on-line). No decorrer da instrução processual podem surgir novos fatos que não estavam contemplados na denúncia ou queixa. Sendo esse o caso, a peça acu- satória precisa ser aditada, incluindo os novos fatos em prejuízo do acusado, ocorrendo então a mutatio libelli. O conteúdo do art. 384, que acabamos de ver, resulta de uma alteração decorrente da Lei nº. 11.719, de 20 de junho de 2008. O conteúdo anterior dava ao Juiz o poder de encaminhar os autos ao MP para possível aditamento se surgissem fatos novos. Essa era uma importante questão para a doutrina, que rechaçava a aplicação do artigo por considerá-lo inconstitucional, em razão da violação ao processo acusatório e do dever de imparcialidade do Juiz. Sentença penal18 Ocorre que, apesar de o caput do artigo ter vinculado a iniciativa do adi- tamento ao MP, o §1º manteve a redação anterior e deixou implícita a possi- bilidade de uma iniciativa provocada pelo Juiz, remetendo o leitor ao art. 28 do CPP: “§1º. Não procedendo o órgão do MP ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código”. O art. 28, por sua vez, prescrevia: Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de in- formação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender (BRASIL, 1941, documento on-line). Assim, se o MP não promovesse o aditamento do art. 384 e o Juiz discor- dasse de suas razões, poderia remeter o autos para o procurador geral, atuando como um provocador da atividade acusatória. Entretanto, a Lei nº. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como Pacote Anticrime, entrou em vigor no dia 24 de janeiro de 2020 e alterou o texto do art. 28, que passou a ter a seguinte redação: Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei (BRASIL, 1941, documento on-line). A leitura da nova redação dada ao art. 28 do CPP leva à conclusão de que cabe exclusivamente ao MP a proposta de aditamento da acusação se surgirem novos fatos (mutatio libelli), e que o Juiz não pode ter qualquer iniciativa caso o aditamento não seja realizado, não podendo mais encaminhar os autos ao Procurador Geral. Essa alteração está em conformidade com o debate de processualistas que já defendiam a inaplicabilidade do §1º do art. 384 do CPP, por ser flagrante violação ao sistema acusatório, inconstitu- cional e interpretativamente inadequado no contexto do ordenamento jurídico (LOPES JÚNIOR, 2019). 19Sentença penal Em vista do princípio da consubstanciação, segundo o qual o acusado se defende dos fatos e não da capitulação, e em sendo a mutatio libelli caso de alteração dos fatos por eventos conhecidos somente durante a instrução processual, é obrigatória a realização do aditamento e a abertura de prazo para exercício do contraditório e da ampla defesa. Então, conhecidos os fatos novos, o MP pode requerer o aditamento oralmente (por exemplo, ao fim de uma audiência de instrução), ou pode fazê-lo no prazo de cinco dias. Após, o acusado será intimado para, no mesmo prazo, manifestar-se. Encerradas as manifestações, os autos irão conclusos ao Juiz, que vai decidir se recebe ou não o aditamento. Se for inadmitido, o processo segue seu curso; mas, ao contrário, se receber o aditamento, o Juiz deve iniciar nova fase de instrução processual, agendando audiência e abrindo prazo para produção de provas e arrolamento de testemunhas (art. 384, §§ 2º, 4º e 5º) (AVENA, 2018). Exemplos de mutatio libelli: � O MP denuncia o acusado pela prática de furto simples (art. 155 do CP). Durante a instrução, testemunhas e a vítima assentem que, durante a subtração, houve em- pregode violência, fato não conhecido e que, portanto, não constava na acusação. Isso faz configurar o crime de roubo (art. 157 do CP). Requerendo o MP, deve ser aditada a acusação em razão de mutatio libelli (LIMA, 2020). � Um caso de desqualificação do crime de furto para receptação (ou vice-versa) configura mutatio libelli, porquanto a conduta do art. 155 do CP (subtrair) é diversa de adquirir, receber e ocultar (art. 180 do CP). Por serem atos diversos, a defesa contra os fundamentos de um não servem contra os fundamentos do outro tipo penal diverso (AVENA, 2018). Sentença penal20 As mesmas disposições sobre mudança de competência e encaminhamento dos autos aos juizados especiais criminais previstas na emendatio libelli se aplicam à mutatio libelli, mas atenção: a mutatio libelli não é cabível em segunda instância, conforme entendimento sumulado pelo STF: Súmula 453. Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa (BRASIL, 2017, documento on-line). Acompanhe no Quadro 2 um resumo comparativo entre emendatio libelli e mutatio libelli. Fonte: Adaptado de Lima (2020). Emendatio libelli � Não há alteração da base fática da imputação. � Não há necessidade de aditamento. � Não há necessidade de oitiva das partes contrárias. � É cabível em toda e qualquer espécie de ação penal pública (incondicionada e condicionada) e privada (exclusiva, personalíssima e subsidiária da pública). � O Juiz fica vinculado ao fato imputado ao acusado na peça acusatória. Mutatio libelli � Há alteração da base fática da imputação decorrente do surgimento de elementares ou circunstâncias não contidas na imputação originária. � Há necessidade de aditamento (espontâneo ou provocado), independentemente do quantum de pena cominado à nova imputação. � Há necessidade de oitiva das partes, notadamente da defesa, que deve ser ouvida antes do juízo de admissibilidade do recebimento do aditamento à peça acusatória. � É cabível apenas na ação penal pública (incondicionada e condicionada) e na ação penal privada subsidiária da pública. � Pelo menos em regra, o Juiz fica vinculado aos termos do aditamento. Quadro 2. Quadro comparativo entre emendatio e mutatio libelli 21Sentença penal Acompanhe, a seguir, uma síntese dos principais conceitos que vimos neste capítulo (NUCCI, 2014). � Sentença: é a decisão definitiva e terminativa do processo, acolhendo ou rejeitando a imputação formulada pela acusação. Cuida-se da sentença em sentido estrito. Entretanto, toda a decisão que afasta a pretensão punitiva do Estado é, igualmente, sentença, embora em sentido lato (como a que julga extinta a punibilidade do réu). � Despacho: é a decisão do magistrado que dá andamento ao processo, sem decidir qualquer controvérsia. � Decisão interlocutória: é a decisão do Juiz solucionando controvérsia entre as partes, mas sem julgar o mérito (pretensão de punir do Estado). Divide-se em in- terlocutória simples (decide a controvérsia e o processo continua) e interlocutória mista (decidida a controvérsia, cessa o trâmite do processo ou encerra-se uma fase). � Emendatio libelli: é a possibilidade de o Juiz dar nova definição jurídica ao fato, devidamente descrito na denúncia ou queixa, ainda que importe em aplicação de pena mais grave (art. 383, CPP). � Mutatio libelli: é a possibilidade de o magistrado dar nova definição jurídica ao fato, não descrito na denúncia ou queixa, devendo haver prévio aditamento da peça acusatória e, em qualquer situação, ouvindo-se a defesa (art. 384, CPP). AVENA, N. C. P. Processo penal. 10. ed. São Paulo: Método, 2018. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília: Presidência da República, 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 4 ago. 2020. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (5ª turma). Habeas Corpus nº 89.324 – PE (2007/0200263-6). Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Julgamento: 7 fev. 2008. DJe, 03 mar. 2008. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8701970/ habeas-corpus-hc-89324-pe-2007-0200263-6-stj/relatorio-e-voto-13758873. Acesso em: 4 ago. 2020. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. (6ª turma) AgRg no REsp 1675716 (2017/0137201-4 - 04/02/2019). Relator: Ministro Nefi Cordeiro. Julgamento: 13 dez. 2018. DJe, 4 fev. 2019. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_ registro=201701372014&dt_publicacao=04/02/2019 . Acesso em: 4 ago. 2020. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmulas. Brasília, 2017. Disponível em: http://www.stf. jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula. Acesso em: 4 ago. 2020. Sentença penal22 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. (1ª turma). HC 70179 / SP. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Julgamento: 1 mar. 1994. DJ, 24 jun. 1994. Disponível em: https://jurisprudencia. stf.jus.br/pages/search/sjur113087/false. Acesso em: 4 ago. 2020. GRECO FILHO, V. Manual de Processo Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. LIMA, R. B. de. Manual de Processo Penal. 8. ed. Salvador: Juspodvim, 2020. LOPES JÚNIOR, A. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. NUCCI, G. de S. Manual de processo penal e execução penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Fo- rense, 2014. REIS, A. C. A.; GONÇALVES, V. E. R. Direito processual penal esquematizado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. Leitura recomendada BRASIL. Supremo Tribunal Federal. (2ª turma). HC 76420 / SP. Relator: Ministro Maurício Corrêa. Julgamento: 16 jun.1998. DJ, 14 ago. 1998. Disponível em: https://jurisprudencia. stf.jus.br/pages/search/sjur114041/false. Acesso em: 4 ago. 2020. 23Sentença penal