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No artigo a seguir, a historiadora brasileira Emília Viotti da Costa (1928-2017) reflete sobre a distância entre as afirmações históricas dos direitos humanos que surgiram após a declaração de 1789 e sua efetiva concretização. Leia os trechos selecionados antes de iniciar a atividade. Direitos no Brasil: teoria e prática Muitas das lutas populares no Brasil não passaram de tentativas, em geral frustradas, de tornar real o que a Constituição assegura ser um direito do cidadão, mas tornou-a na prática privilégio de alguns setores da so- ciedade. Desde o século XIX, o tema principal da polí- tica de oposição no Brasil tem sido denunciar um con- traste entre a teoria e a prática, e a tarefa principal das oposições tem sido a democratização desses direitos. Que essas ideias continuem a ser revolucionárias qua- se duzentos anos depois da Revolução Francesa é uma demonstração evidente de que o ideal esteve sempre muito longe do real. Para milhões de brasileiros, mui- tos desses direitos não passaram de ficção jurídica. [...] Como é possível que o povo respeite a lei se os que têm como tarefa defendê-la são os primeiros a desrespeitá-la? Se os crimes dos poderosos não são punidos enquanto os pequenos pagam? Que significado tem a lei, quando ela é feita e refeita de acordo com os interesses de quem está no poder? Que significado tem uma constituição que a cada passo é reescrita para de novo ser negada, uma cons- tituição que é violada em nome da defesa de ordem constitucional? Como é possível dar credibilidade a um sistema e legitimidade a um poder que desmo- ralizam a cada passo os postulados ideológicos em que a sociedade brasileira se lança mais uma vez, na tarefa de criar uma nova constituição? É preciso refletir sobre essas questões. A reflexão nos leva inevitavelmente a comparações. Enquanto no Brasil o ideário burguês de 1789 ainda é novidade para a grande maioria da população, nos Estados Unidos – onde apenas as minorias ainda lutam pela conquista desses direitos – essas noções são corriqueiras. A diferença se explica pela extraordinária capacidade assimilativa que áreas centrais do capitalismo têm Reflexões NÃO ESCREVA NO LIVROProfessor, no Manual você encontra orientações sobre esta seção. Emília Viotti da Costa em sua casa em São Paulo (SP), em 1998. Emília foi uma historiadora brasileira estudiosa dos temas do Brasil colonial e da escravidão no Brasil. Aposentada compulsoriamente da função de professora na Universidade de São Paulo (USP) pelo Ato Institucional n. 5 (AI-5), durante a ditadura militar, estabeleceu-se nos Estados Unidos, onde foi professora na Universidade de Yale. Entre seus livros, desta cam-se Da senzala à colônia e Da monarquia à república. Direitos humanos Direitos humanos são aqueles que pertencem a todos nós única e exclusivamente por sermos humanos. Quaisquer outras condições – ideologia, estado civil, cultura, pertenci- mento a qualquer etnia, sexo, opinião política, nascimento, etc. – não são consideradas para definir os direitos huma- nos, porque todos têm direito a viver dignamente e a ser respeitados em sua condição humana. São considerados direitos inalienáveis, ou seja, não po- dem ser retirados de ninguém. A responsabilidade de zelar por eles pertence a cada poder político, em nível local, e à Assembleia Geral da ONU, em nível internacional. A declaração de 1948 foi complementada por muitos ou- tros documentos que buscaram contemplar os direitos humanos conforme as especificidades locais. No Brasil, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Estatuto do Idoso também são referências indispensáveis para a concretização plena dos direitos humanos para a nossa população. Conceito A d ri a n a Z e h b ra u s k a s /F o lh a p re s s 61 V1_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap2_040-063.indd 61V1_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap2_040-063.indd 61 26/09/2020 12:3026/09/2020 12:30 Etapas 1 Filtrar e selecionar as fontes Todos os documentos, se bem analisados, podem trazer informações relevantes. Mas nem tudo é relevante para responder à pergunta ou à hipótese de pesquisa. Por isso, é fundamental fazer um filtro inicial de quais documentos serão analisados. Para selecionar o material com o qual o grupo vai trabalhar, estabeleçam parâme- tros para incluir na pesquisa ou excluir dela os documen- tos que se alinham ou não ao que pretendem investigar. Nesta etapa, é imprescindível estabelecer um critério de confiabilidade das fontes, isto é, quais características são essenciais para confiar nas informações que a fonte transmite. Pensem no fenômeno das fake news, bastante conhecido atualmente. Vocês confiariam em uma notícia apenas por ela ter sido enviada por alguém que conhecem? Se fosse uma mentira intencional, vocês continuariam a confiar na pessoa ou na notícia? Procurem fontes confiáveis. 2 Analisar previamente os documentos selecionados Nesta etapa, tracem os objetivos do grupo, isto é, as perguntas que vocês de- sejam responder. Em seguida, organizem o material selecionado e identifiquem as fontes (jornais, revistas, sites? de que autores e período?) e pensem em quais hipó- teses e perguntas podem ser descartadas e quais já começam a fazer mais sentido. Esse processo é simples e vocês talvez só o entendam melhor quando estiverem trabalhando com os documentos selecionados, estabelecendo os critérios da pes- quisa conforme as fontes escolhidas. Ao realizar pesquisas de conteúdos na internet, é necessário analisar as informações com cautela e assegurar-se da confiabilidade das fontes. Busque sempre por órgãos oficiais e sites com boa reputação e responsabilidade quanto ao conteúdo veiculado. revelado (até o presente) e a limitada capacidade do capitalismo periférico. Em outras palavras, a extraordinária acumulação de capital nos Estados Uni- dos tornou possível a criação de um mercado de trabalho capaz de absorver a grande maioria da população [...]. COSTA, Emília Viotti da. A caixa de Pandora (Folha de S.Paulo, 13 jun. 1985). Apud: PINSKY, Jaime (org.). História da América através dos textos. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 108-111. Esse texto foi produzido três anos antes da promulgação da Constitui- ção brasileira de 1988. Nela, muitos direitos humanos foram positivados. Por exemplo, a igualdade em direitos e deveres entre homens e mulheres (artigo 5o, inciso I), a criminalização do racismo (artigo 5o, inciso XLII), o direito à vida digna à família, às crianças, aos adolescentes e aos idosos como um dever con- junto da família, da sociedade e do Estado (artigo 230o, inciso VIII). 1. Até que ponto uma Constituição justa e democrática é importante para a garantia da igualdade e da liberdade políticas? 2. Em sua opinião, no Brasil, após a Constituição de 1988, os direitos estudados neste capítulo foram de fato garantidos ou permaneceram no plano do ideal? Debata em grupo com os colegas. Justifique sua resposta com base em seus conhecimentos. Dê exemplos de situações reais e apresente-os aos outros grupos. N a d ia S n o p e k /S h u tt e rs to ck 62 V1_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap2_040-063.indd 62V1_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap2_040-063.indd 62 26/09/2020 12:3026/09/2020 12:30