Prévia do material em texto
ORIENTAÇÕES ESPECÍFICAS | 225 Como povos tradicionais, a distinção entre indígenas e ribeirinhos é menos importante para o desenvolvimen- to do Tema, pois o foco é abordar as formas de relação com a natureza, os modos de vida particulares a cada co- munidade e as noções de identidade vinculadas a essas práticas. No caso dos caiçaras, também vemos uma certa ambiguidade em relação aos seus modos de vida, já que muitas comunidades caiçaras são formadas, total ou par- cialmente, por descendentes de quilombolas do litoral sudeste brasileiro. É importante deixar claro que cada comunidade tra- dicional se constitui a partir de uma história particular, que por vezes entrelaça muitas das características que os pesquisadores costumam separar entre diferentes popu- lações, criando “tipos ideais”. Na experiência vivida, as co- munidades são resultado de forças contraditórias, muitas vezes de populações oprimidas em diferentes momentos e por diferentes razões. Assim, uma comunidade quilom- bola costeira pode ter recebido no passado indígenas ex- propriados de suas terras, organizado um modo de viver baseado na pesca e parecer, atualmente, uma “pura” co- munidade caiçara. Na verdade, noções de pureza não se aplicam aos processos culturais como um todo, uma vez que tais processos são complexos e produtores de trans- formações, amálgamas e ambiguidades. Ao olharmos para comunidades tradicionais, não procuramos pureza, mas sim as formas específicas pelas quais elas construíram suas próprias misturas e ambiguidades, marcadas por for- mas específicas de lidar com o meio ambiente. Para explorar o conteúdo focado nas formas de vida ligadas aos rios e aos mares, o professor pode optar por um caso específico e descrevê-lo, para depois abordar as questões mais amplas que analisamos ao longo do Livro do Estudante. Essa é uma estratégia usual em cursos que tratam de grupos tradicionais na universidade, por exem- plo. Como uma forma de explorar essa possibilidade, apresentamos a seguir uma discussão sobre um caso es- pecífico de expropriação de populações ribeirinhas. Esse texto pode ser um ponto de partida para iniciar a refle- xão sobre tais populações. Acrescentamos também um exercício específico sobre esse caso, ligado à construção da hidroelétrica de Belo Monte (ver a seção Atividades complementares). O estudo das populações tradicionais e das formas de expropriação de seus direitos na atualidade pode re- unir todos os professores de Ciências Humanas em aulas coletivas, já que, além da discussão sobre a historicidade desses processos e da produção de territorialidades es- pecíficas, há margem para trabalhar as estruturas sociais de exclusão e o contexto de suas produções (Sociologia), bem como as noções de direitos humanos e diferença (Filosofia). Mais conteœdo Impactos das construções de barragens No Livro do Estudante mencionamos o impacto da construção de hidroelétricas na vida de ribeirinhos e de populações indígenas (p. 99). Um exemplo emblemático desse impacto é a construção da usina hidroelétrica de Belo Monte, na região de Altamira (PA). Para a construção da barragem e do reservatório da usina no curso do rio Xingu, pelo menos 20 mil pessoas foram desalojadas. Importante afluente do rio Amazonas, o rio Xingu sempre foi vital para milhares de comunidades indígenas e residentes da floresta. Na fase inicial da cons- trução, muitas famílias não eram legalmente reconhecidas como ribeirinhas, e seus direitos não foram considerados. A construção da represa afetou diversas populações indígenas que, ao menos, fizeram parte do plano de con- tenção de danos do projeto e supostamente receberam contrapartidas do consórcio responsável pelas obras. Po- rém, essas famílias foram simplesmente removidas de seus territórios, com indícios de violações dos direitos humanos. Ainda durante o processo de construção de Belo Mon- te os ribeirinhos conseguiram se reunir para reivindicar seus direitos com base nos usos tradicionais de seus territórios. O Ministério Público reconheceu esses direitos e promo- veu ações para mitigar a situação dessas famílias. Uma par- te delas foi reassentada numa pequena área de preservação permanente da empresa, mas continuam insatisfeitos, já que não podem reproduzir naquele pequeno espaço as mesmas formas de vida que tinham. A situação dessas fa- mílias é um exemplo de como populações ribeirinhas têm sido afetadas pelos avanços de outras formas de relação com a natureza (no caso, as formas que atendem aos in- teresses capitalistas de produção). Conselho ribeirinho em reunião para defender seus direitos diante do consórcio construtor da usina de Belo Monte em Brasília (DF), em 2018. G il F e rr e ir a -N e s a /a m a zo n ia .o rg .b r Fontes de pesquisa para o professor • O documentário Belo Monte, depois da inundação, di- rigido por Todd Southgate, apresenta os processos que se desenrolaram depois da construção da represa, aten- to ao ponto de vista dos povos que foram atingidos em suas formas de vida. Belo Monte, depois da inundação. Direção de Todd Southgate. Brasil, 2016. Disponível em: https:// depoisdainundacao.com/index_port.html Acesso em: 2 set. 2020. MPE_vol3_Cie_HUM_Igor_g21Sc_184a256.indd 225MPE_vol3_Cie_HUM_Igor_g21Sc_184a256.indd 225 29/09/2020 17:3329/09/2020 17:33 226 • No site do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Ne- pam), da Unicamp, encontramos muitas informações dis- poníveis sobre populações tradicionais e suas relações com o meio ambiente. Na aba “Pesquisa/publicações”, especi- ficamente, há várias obras disponíveis para download. Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam). Disponível em: www.nepam.unicamp.br/pesquisa-nepam/. Acesso em: 4 ago. 2020. • A publicação Caiçaras e caipiras: uma prosa sobre natu- reza, desenvolvimento e cultura, organizada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Univer- sidade de Campinas, resultado de pesquisa e extensão, pode ser baixada gratuitamente na página do núcleo. Caiçaras e caipiras: uma prosa sobre natureza, desenvolvimento e cultura. Nepam. Disponível em: www. nepam.unicamp.br/caicaras-e-caipiras-uma-prosa-sobre- natureza-desenvolvimento-e-cultura/. Acesso em: 4 ago. 2020. � Seções do Tema 3 Ampliando (p. 100) A seção destaca um texto que explora o conhecimen- to de caiçaras sobre o comportamento de espécies de botos em Cananeia, São Paulo. O trecho mostra que bió- logos consideram os saberes caiçaras similares aos estu- dos científicos, tanto pela consistência como pela exten- são do domínio sobre o comportamento dos botos. Podemos considerar esse conhecimento como etnociên- cia, ou seja, um conhecimento nativo sobre o meio am- biente que auxilia os povos tradicionais na vida cotidiana. Ao abordarmos um tema que dialoga diretamente com a área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias, mobilizamos a habilidade EM13CNT206, que considera a importância da preservação da biodiversidade e a produ- ção de políticas de sustentabilidade. Explorando (p. 101) 1. Aqui propomos uma pesquisa sobre como popu- lações caiçaras ou ribeirinhas podem recorrer a mecanismos legais de proteção do uso tradicional das terras que habitam. No caso, avaliamos o Taus (Termo de Autorização de Uso Sustentável). A pesquisa deve destacar as definições que são muito claras no decreto (como no artigo 4, por exemplo). Os estudantes devem perceber que o Taus é con- cedido em áreas adjacentes a leitos de águas (rios e lagos) e áreas de praias marinhas, ilhas fronteiriças, etc. Esses terrenos, por definição, pertencem à União e não poderiam ser ocupados. A própria União criou esse instrumento para reconhecer o direito das po- pulações que habitam essas áreas ancestralmente e também para evitar sua ocupação por populações não tradicionais. Assim, povos ribeirinhos e caiçaras recorrem ao Taus porque vivem nessas áreas e são populações tradicionais, que dependemdelas para reproduzir seus modos de vida. Tema 4 Comunidades extrativistas (p. 102) Os professores de Geografia e de História são os mais re- comendados a trabalhar o conteúdo deste Tema. O foco é compreender as formas pelas quais as comunidades extrati- vistas constroem relações duradouras com o meio ambiente em condições sustentáveis, já que necessitam continuamen- te dos biomas preservados para a extração de seus produtos. O Tema destaca a atuação dos seringueiros do Amazo- nas, cuja luta política resultou na criação da figura jurídica Reserva Extrativista. Essas reservas são o reconhecimento do Estado de que a forma de vida tradicional desses povos deve ser preservada e que, além disso, produz sustentabilidade (ou seja, criar Reservas Extrativistas é um incentivo à conservação ambiental). Aqui são mobilizados conhecimentos do Ensino Funda- mental sobre atividades econômicas relacionadas à explora- ção de produtos naturais, cujo exemplo mais conhecido é a exploração do látex na Amazônia para produção de borra- cha, no final do século XIX e começo do século XX. Dessa forma, é possível iniciar uma discussão sobre o lugar desses fluxos econômicos na estrutura geral da economia e na his- tória do país. Desenvolver esse trabalho com os professores de Geo- grafia e de Sociologia pode ser bastante produtivo, já que po- demos aproveitar a questão da exploração econômica do látex para refletir sobre a ocupação do território e os proces- sos migratórios, resultados da riqueza gerada pela borracha, aliás distribuída de modo desigual. Outra forma de lidar com o conteúdo do capítulo é tra- tar do fluxo econômico da borracha e, por meio dele, eviden- ciar a conexão dos extrativistas com os mercados compra- dores (no caso da borracha, um mercado global). No entanto, a discussão sobre a produção da borracha pode integrar também professores de Biologia e de Química. No caso dos biólogos, uma discussão sobre o bioma amazô- nico e as características dos sistemas de extrativismo pode ser interessante. Já o professor de Química pode trabalhar ques- tões sobre os avanços científicos que permitiram o processo de vulcanização da borracha (assunto da seção Ampliando). Como tema geral de pesquisa, o caso da borracha pode con- gregar vários saberes em sala de aula e produzir ganhos pe- dagógicos significativos. MPE_vol3_Cie_HUM_Igor_g21Sc_184a256.indd 226MPE_vol3_Cie_HUM_Igor_g21Sc_184a256.indd 226 29/09/2020 17:3329/09/2020 17:33