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ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS AULA 5 Profª Michelle Micarelli Struett 2 CONVERSA INICIAL Ao longo da história evolutiva, os Synapsidas passaram por diversas mudanças, como a fragmentação do supercontinente, as mudanças climáticas extremas, como as glaciações e, consequentemente, muitas espécies se extinguiram. Ainda assim, este grupo teve sucesso na diversificação e expansão da colonização do habitat terrestre, aquático e até aéreo. Além disso, os mamíferos são os sinapsídeos viventes que mais chamam nossa atenção, provavelmente pela proximidade evolutiva, por conter olhos grandes e serem peludos, tornando-os criaturas fofas para nós. Alguns até foram domesticados pelos humanos e tornaram-se animais de estimação (cães e gatos), de trabalho (cavalos) ou fonte de alimento (gados e porcos). Esta etapa envolverá o grupo Synapsida (mamíferos atuais e Synapsida não mamíferos), o objetivo é fazer você compreender sobre a origem e diversificação dos sinapsídeos, além de analisar as características gerais e entender a diversidade e filogenia dos principais grupos de mamíferos, inclusive a origem e as características anátomo-fisiológicas de nós humanos. TEMA 1 – ORIGEM E DIVERSIFICAÇÃO DA LINHAGEM DOS SYNAPSIDAS Conforme vimos anteriormente, os amniotas se dividiram em duas linhagens de acordo com o padrão das aberturas temporais no crânio e ocorreu no Carbonífero Superior (300 milhões de anos): Sauropsida (répteis e aves atuais) e Synapsidas (mamíferos). Porém, nem só de mamíferos é composta esta última linhagem mencionada, eles eram abundantes e exploraram uma ampla variedade de habitats terrestres. Durante o Permiano, eram o grupo mais abundante de vertebrados e posteriormente tornaram-se animais carnívoros topo de cadeia. Os Synapsida são vertebrados, como o próprio nome menciona, que possuem crânio sinapsida, ou seja, uma única abertura temporal atrás do orifício ocular, que foi sofrendo modificações ao longo da linhagem. Você facilmente consegue perceber essa ligação muscular entre o crânio e a mandíbula na nossa fossa temporal, coloque seu dedo acima do osso zigomático próximo ao olho, agora mova sua mandíbula para cima e para baixo e você sentirá a contração muscular (região em vermelho na Figura 1). 3 Figura 1 – Posição do músculo temporal interligado ao músculo mandibular no crânio humano Créditos: Toonzzz/ Adobe Stock. Os Synapsidas eram vertebrados de médio a grande porte, terrestres e quadrúpede com cinco dígitos nos membros, sua excreção é por meio de um rim eficiente que produz ureia. Veremos a seguir as principais mudanças entre os principais grupos de Synapsida não mamíferos (Pelycosauria e Therapsida) e os primeiros mamíferos. 1.1 Pelycosauria - pelicossauros De relação ainda sendo estudada, os Pelycosauria provavelmente são um grupo parafilético, entretanto, esses animais primitivos irradiaram no Carbonífero e eram herbívoros, como os Edaphosaurus, e carnívoros de peixes e anfíbios, como os Ophiacodon. A principal característica dos pelicossauros (apesar de ser a minoria) é a presença de uma “vela” no dorso representado pelos esfenacodontes e edafossaurídeos (Figura 2). Acredita-se que esta vela (expansão corporal) pode estar associada à obtenção de maior quantidade de luz solar para sua termorregulação. Também, apresentam uma cauda longa e pesada, um palato arqueado e uma lâmina inflectada na mandíbula inferior dos esfenacodontes (que ficou mais proeminente nos terapsídeos), esta foi uma adaptação importante no surgimento da orelha média nos mamíferos (Pough, 2008). Os pelicossauros foram extintos no final 4 do Permiano devido a mudanças climáticas como chuva ácida e atividades vulcânicas. Figura 2 – Um dos sinapsídeos primitivos mais conhecidos: Dimetrodon (Sphenacodontidae) Créditos: Herschel Hoffmeyer/ Shutterstock. 1.2 Therapsida - terapsídeos Os terapsídeos tiveram origem no Permiano e até o Triássico foi um período de muitas mudanças climáticas e assim muitas espécies se extinguiram. No entanto, a diversidade destes animais, principalmente no fim do Triássico, deu-se pela locomoção mais ativa, membros mais elevados e, também, pela especialização alimentar (cavar, pastar, comer raízes). Essa locomoção só foi possível porque os terapsídeos mais derivados desenvolveram um diafragma, um músculo que divide a cavidade torácica e abdominal do corpo. Este músculo auxilia na respiração por meio da contração e relaxamento dos pulmões, assim era possível e eficiente o animal correr e respirar ao mesmo tempo, porque não dependia da contração do tronco, como nos ancestrais. Além disso, a perda de costelas lombares e perda da gastrália (costela abdominal encontrado nos Archosauria) também foram importantes nesse processo respiratório, que é encontrado até nos mamíferos viventes. 5 Os terapsídeos eram bem diversificados, poderiam ter animais com hábito herbívoro, insetívoro e carnívoro, provavelmente tinham algum tipo de pelos, tamanho corporal e cabeça grandes. Outras características como abertura temporal maior para a inserção dos músculos maiores (adutores) para mastigação, presença de um dente canino maior, incisivos e pós- caninos (Pough, 2008). Também haviam tamanhos menores (não passavam do tamanho de um cachorro) como os cinodontes (Figura 3), que eram uma das linhagens dos terapsídeos mais bem-sucedidos naquela época. Estes animais possuem características derivadas e que tornaram muito próximos aos mamíferos que conhecemos hoje em dia. Assim, possuíam dentes com séries molares multicuspidadas, eram carnívoros, tiveram um aumento do forame infraorbital, fornando um rosto enervado e sensorial, e possuíam uma projeção do calcâneo que auxiliava no suporte do peso durante a corrida. Por fim, a formação de um palato secundário, assim era possível respirar e se alimentar simultaneamente. Figura 3 – Réplica de cinodonte (Therapsida) do período Triássico Créditos: Adwo/Adobe Stock. Há algumas evidências do Triássico de que estes animais eram endotérmicos. Provavelmente, a produção do calor só foi possível a altas taxas metabólicas e devido às modificações nos sistemas respiratórios, locomotores e cardiovascular para suprir a quantidade de oxigênio necessária para os músculos na locomoção ativa. Também, há hipóteses de que a endotermia pode ter sido selecionada primariamente para aquecer os ovos e assim acelerar o crescimento dos embriões (Pough, 2008). 1.3 Os primeiros mamíferos 6 Há 200 milhões de anos, no Triássico (Mesozoico), surgiram os primeiros mamíferos propriamente ditos. Estes mamíferos são os últimos cinodontes restantes que prosperaram no Cretáceo após a extinção dos dinossauros. Uns dos primeiros mamíferos conhecidos foram os Morganucodon e Megazostrodon (Figura 4). O primeiro possuía uma glândula no canto interno do olho chamada glândula harderiana, esta tem aspecto oleoso com função de proteger os pelos quando esses animais transferem essa substância da sua pata para o corpo. Os mamíferos primitivos eram pequenos (tamanho do musaranho) e com crânio grande, lobo olfatório grande (sistema sensorial mais complexo), hábito noturno e insetívoros, dentes difiodontes cobertos com esmalte (dentes que são substituídos ao longo da vida, os “dentes de leite”, exceto os molares) e seus molares superiores encaixam com os dois inferiores (oclusão precisa). Esse tipo de dentição associado à mastigação com movimento rotativo da mandíbula auxilia no corte do alimento em pedaços menores para facilitar a digestão. Em relação à reprodução, provavelmente eram ovíparos. Figura 4 – Mamíferos primitivos Morganucodon e Megazostrodon Créditos: Miha de/Shutterstock. Créditos: Liliya/Adobe Stock. A lactação provavelmente surgiu antesda amamentação, há hipóteses que sugerem que as glândulas sebáceas e mamárias eram associadas, assim secretavam substâncias orgânicas que a princípio eram feromônios para reconhecimento e cuidado parental. Também podiam fornecer reserva nutritiva extra para os ovos, além de proteção microbiana (que é uma 7 propriedade do leite). Por fim, o surgimento da lactação foi importante porque permitiu gerar filhotes em qualquer época do ano, ou seja, não depende da disponibilidade de recurso alimentar para nutrição, porque havia o leite materno. TEMA 2 – MAMÍFEROS: CARACTERÍSTICAS GERAIS Uma das características mais marcantes quando se fala em mamíferos é a presença de glândulas mamárias (derivado do nome do grupo) e de pelos de queratina (em fase embrionária ou reduzido), provenientes das glândulas pilíferas. Estes pelos são órgãos sensoriais e auxiliam na retenção do calor corporal, camuflagem e isolamento da água (aquáticos). Os “bigodes” de roedores e carnívoros (por exemplo, gatos) são pelos especializados conhecidos como vibrissas (Kardong, 2010). Também, apresentam outras glândulas no tegumento, como as sudoríparas (suor para esfriar), sebáceas (sebo para lubrificar os pelos), salivares (digestão na boca) e alguns podem ter glândula de cheiro (Patricio-Costa, 2021). Associado a isso, podem apresentar anexos da epiderme, como as unhas, garras ou casco, que são localizados na extremidade dos dígitos dos membros. Além de chifre (macho veado) e cornos (bovídeos, caprinos e ovinos), ambos são ossos protuberantes no crânio e podem ser usados para defesa ou disputa entre machos para obter parceiras. Os mamíferos apresentam uma mandíbula única com dentes difiodontes, músculos faciais (por isso, podem fazer expressões), sistema sensorial bem aguçado (evoluíram com hábitos noturnos), capacidade de amamentação e lactação que variam entre as espécies. A termorregulação é do tipo endotérmica e possuem tecido adiposo (isolamento térmico e reserva energética), apresentam coração com quatro cavidades separadas (dois átrios e dois ventrículos), e a aorta é voltada para o lado esquerdo. Por fim, seus pulmões são lobados e mais complexos, a troca gasosa ocorre nos alvéolos. Por fim, abordaremos um pouco sobre as características gerais das Subclasses Monotremata e Theria (Metatheria e Eutheria). 8 2.1 Monotremata - monotremados As características dos monotremados provavelmente são muito semelhantes aos mamíferos mais primitivos. Estes animais ainda botam ovos (ovíparos) e assim possuem cloaca. Também, possuem um bico córneo com receptores eletromagnéticos, ausência de dentes quando adultos, orelha sem aurícula (orelha externa) e cóclea não é enrolada parcialmente, presença de glândula mamária (porém sem mamilos) e sudoríparas (não tão eficientes) e são endotérmicos. Este grupo é composto pelos ornitorrincos e os equidnas. 2.2 Theria – marsupiais e placentários As características gerais dos térios são: vivíparos (embrião desenvolve dentro da fêmea), presença de mamilos nas mamas, orelha com aurícula (orelha externa) e cóclea enrolada pelo menos duas vezes. Além disso, há uma diversidade de no crânio, dentição e na cintura escapular nas espécies. Por fim, há aberturas distintas para sistema urinário e reprodutor (substituição da cloaca), aqui o órgão copulatório possui um canal para eliminar a urina. Os térios são divididos em Metatheria (marsupiais) e Eutheria (placentários), basicamente suas maiores diferenças se dão nos aspectos reprodutivos. Assim, os marsupiais são aqueles mamíferos em que as fêmeas apresentam uma expansão da pele para abrigar o filhote (marsúpio) e são representados pelos gambás, coalas, toupeiras e cangurus. Já os placentários são animais cujos embriões se desenvolvem no útero ligados por uma placenta, estes são todos os mamíferos restantes. Já nos aspectos morfológicos, os Metatheria apresentam um crânio com osso nasal alargado e ausência de bula timpânica, enquanto no Eutheria o osso nasal é retangular, e apresentam bula timpânica. Além disso, nos metatérios há substituição do último pré-molar e possuem mais dentes incisivos que nos eutérios, que também não trocam os molares. Nos esqueletos, houve perda dos ossos epipúbicos nos eutérios (Figura 5), facilitando a expansão do quadril durante um parto e a corrida em forma de galope, enquanto os metatérios ainda os possuem. 9 Figura 5 – Diferenças no esqueleto do marsupial Vombatus ursinus (Metatheria) e do placentário Addax nasomaculatus (Eutheria) Créditos: Mayer/ Adobe Stock. Créditos: Mayer/ Adobe Stock. OOSSSSOOSS EEPPIIPPÚÚBBIICCOOSS 10 TEMA 3 – MAMÍFEROS: DIVERSIDADE E FILOGENIA No início do Cenozoico ocorreu a irradiação dos mamíferos atuais dos terapsídeos, estes já eram de formas corporais maiores. Provavelmente, a grande diversidade ecomorfológica dos mamíferos se deu por processos de dispersão, isolamento de espécies e pela evolução convergente devido à fragmentação da Pangea, bem como pelos climas instáveis que perduraram naquela época promovendo assim essas diferenciações. Assim, onde era a Laurásia (África e Madagascar) praticamente consiste em eutérios, na Oceania tem Monotremata, Metatheria e Eutheria, e o Novo Mundo contém os dois últimos grupos mencionados. Os mamíferos podem ser animais pequenos, como camundongos, até animais que pesam toneladas, como as baleias. Inclusive, apresentam os maiores vertebrados do mundo, tanto terrestre quanto aquáticos. Também, habitam locais terrestres com hábitos fossorial, dulcícola, marinho, geleira, arborícola, marinho e voador (Patricio-Costa, 2021). Atualmente, há mais de 5.000 espécies de mamíferos no mundo distribuídas em 26 ordens. Somente no Brasil, há 770 espécies, sendo que as mais numerosas são as ordens Rodentia, Chiroptera e Primates (Abreu, 2021). Por fim, falaremos um pouco sobre a filogenia e a diversidade encontrada nos Monotremata e Theria (Figura 6). 11 Figura 6 – Relações filogenéticas dos mamíferos Créditos: Aliaksandr Radzko/ Shutterstock. Créditos: Pinare/ Shutterstock. Créditos: Credo Graphics/ Shutterstock. 3.1 Monotremata - monotremados Os monotremados atuais compreendem apenas uma ordem com duas famílias, Ornithorhynchidae e Tachyglossidae (Figura 7), e são encontrados na Austrália, Tasmânia e Nova Guiné. Os ornitorrincos são semiaquáticos e se alimentam de invertebrados aquáticos, enquanto as equidnas são terrestres e com o auxílio de uma língua longa capturam formigas e cupins para se alimentarem. Ambos ocupam tocas e túneis. 12 Figura 7 – Animais monotremados: ornitorrinco (Ornithorhynchidae) e equidna (Tachyglossidae) Créditos: Lukas/ Adobe Stock. Créditos: Pelooyen/ Adobe Stock. 3.2 Theria – marsupiais e placentários Os eutérios irradiaram no fim do Mesozoico e sua distribuição atual é diferente daquele período devido à fragmentação da Pangea em Laurásia (norte) e Gondwana (sul). Por exemplo, a maioria dos marsupiais hoje é encontrada na Austrália, no entanto, sua origem se deu na América do Norte (Novo Mundo). Os eutérios são um grupo bem diversificado e determinar as relações entre os grupos é difícil, porque a filogenia se altera bastante se são considerados caracteres morfológicos ou moleculares. Isso se deve provavelmente porque houve uma rápida diversificação deste grupo. Os edentados (Superordem Xenarthra) são considerados o grupo mais primitivo dos eutérios, não possuem dentes (tamanduás) ou sua dentição é bem simplificada (tatus e preguiças). A Ordem Insectivora, como o próprio nome diz, são animais que se alimentam de insetos, como os musaranhos e as toupeiras. Os Ungulatos é a maior Superordem e compreende os mamíferos que possuem cascos, sendo dividido em artiodáctilos(gado, rena, girafa), porque possuem número de dedos pares, e em perissodáctilos (zebra e rinoceronte), número ímpar de dedos. A Ordem Carnívora é constituída por carnívoros (dentes carniceiros - lobo, raposa, cães, gatos) e alguns herbívoros como os pandas e os pinípedes, representados pelas formas aquáticas: focas, leões-marinhos e morsas. Os roedores, camundongos, capivara, cutia e paca 13 constituem a maior ordem (Rodentia). A Ordem Primates com aproximadamente 300 espécies, é composta pelos prossímios – lêmures, társios e Lóris e os Primatas derivados, os antropoides – macacos, símios (gorilas, chimpanzés e orangotangos) e humanos. Os marsupiais (Figura 8) podem ser divididos em pelo menos quatro linhagens e são encontrados em toda a América e na Oceania. A maior diversidade deste grupo é representada pelos diprotodontios (Figura 9), recebem este nome porque seu par de incisivos inferiores são alinhados para frente, como os cangurus, coalas e vombates. A ordem Didelphimorphia (gambás), com aproximadamente 95 espécies, é adaptada para locomoção terrestre, arborícola, semiaquática e escalada. A Superordem Australidelphia é constituída por carnívoros dasiurídeos, como os gatos e camundongos marsupiais e o famoso Diabo-da-Tasmânia. Figura 8 – Diversidade de marsupiais (Metatheria) Créditos: Alexander Potapov/ Adobe Stock. 14 Figura 9 – Crânio e dentição dos diprotodontios Créditos: Satirus/Adobe Stock. TEMA 4 – MAMÍFEROS: ESPECIALIZAÇÕES Vimos que a diversificação de mamíferos é enorme, neste tópico veremos algumas adaptações especializadas que as espécies apresentam para determinado tipo de item alimentar e de locomoção conforme o habitat em que vivem. 4.1 Dentição e crânio para alimentação Todos os mamíferos mastigam para fragmentar o alimento e assim facilitar a digestão. Seus dentes são compostos por dentes incisivos (cortar), caninos (furar – ausente nos herbívoros), pré-molares com cúspide única (perfurar e dilacerar) e molares com três cúspides ou mais (quebrar). Os incisivos e dentição dos roedores são maiores e crescem ao longo da vida (condição hipselodonte), por isso, precisam sempre roer para controlar o crescimento. Os mamíferos onívoros e frugívoros possuem dentição bunodontes (cúspide arredondada) para maceração. Em alguns herbívoros como o cavalo (Figura 10), houve uma molarização, ou seja, pré e molares são semelhantes e todos têm a função de mastigar. Além disso, sua dentição é formada por conjunto de bunodontes desgastados (lofos), fornando lâminas cortantes de vegetais. 15 Vimos que os mamíferos possuem a condição de difiodontia, ou seja, há uma troca dos dentes ao longo da vida. Nos herbívoros é diferente, porque eles precisam ser duráveis para essa mastigação excessiva de material fibroso, neles a condição é de hipsodontia, ou seja, molares com coroa bem desenvolvida, porém limitada, ao se desgastar não produz mais. Enquanto os carnívoros possuem caninos maiores e dentes carniceiros (rasgar e cortar) (Figura 10). Por fim, alguns animais têm dentes reduzidos ou ausentes e línguas compridas para se alimentarem de néctar (morcegos e alguns marsupiais) ou formigas e cupins, os mirmecófagos, que possuem longa mandíbula. As baleias não têm dentes, mas sim barbatanas para filtragem do alimento na água. Figura 10 – Dentição e crânio de um herbívoro (cavalo) e carnívoro (lobo cinzento) Créditos: Satirus/Shutterstock. Créditos: Wallenrock/ Shutterstock. 16 Para um animal se alimentar de plantas são necessárias algumas especializações, porque este material é fibroso e desgasta os dentes. Além disso, por conter celulose (longo polímero da parede celular vegetal) é de difícil digestão. Nosso corpo e de outros animais não degrada a celulose e esta é eliminada quase toda nas fezes. Os mamíferos herbívoros possuem o crânio com um músculo temporal menor e apresentam uma maxila longa (Figura 10) com uma parte sem dentes chamada de diastema, o focinho longo permite que o animal capture seu alimento sem encostar seus olhos na vegetação. Na parte caudal dessa maxila contém um músculo masseter bem desenvolvido para mastigar os vegetais duros e fibrosos, além da posição articular mandibular estar localizada acima do crânio e assim mastigam movendo a mandíbula de um lado para o outro. Enquanto que os carnívoros possuem o músculo temporal bem desenvolvido, posição articular mandibular alinhado aos dentes e movimentos amplos de abre e fecha. Os herbívoros também têm diferenças no sistema digestório, possuem microrganismos simbiontes que degradam celulose e lignina localizados em diferentes órgãos. Os cavalos e perissodátilos abrigam esses organismos no intestino monogástrico, as vacas e outros artiodátilos ruminantes abrigam no estômago (ruminante), e nos coelhos e roedores ocorre no ceco (porção final), então perdem muito nutrientes e por isso praticam coprofagia. 4.2 Locomoção Os mamíferos podem galopar, correr, saltar ou escalar, e isso dependerá do seu tamanho corporal, além do habitat. Assim, para animais de grande porte como os carnívoros e os cavalos, para ser mais eficiente essa locomoção cursorial possui algumas características como: número de dígitos pode ser reduzido (reparem nos canídeos e ungulatos), escápula grande e alinhada aos membros, alguns ossos diminuem de tamanho (fêmur, úmero e falanges) e outros se alongam (metatarso) para maiores passadas, a articulação do pulso e tornozelo faz movimento apenas para frente e para trás (articulação crurotarsal). Além disso, nessas regiões quase não se tem músculo, assim, depende de energia elástica armazenada e liberada dos tendões. Ao contrário disso, animais fossoriais (toupeiras) precisam de membros fortes ao invés de velozes para cavar. Estes animais mantêm os cinco dígitos, porém com fortes garras, os braços são curtos, o acrômio e o 17 olecrano são bem desenvolvidos para maior fixação de músculos nos ombros e cotovelo. Alguns roedores usam os dentes para cavar. 4.3 Vida aquática Há mamíferos aquáticos e semiaquáticos, ambos possuem especializações para a natação. O primeiro grupo tem corpo hidrodinâmico e com gordura subcutânea ao invés de pelos, membros curtos com formato de remo para frear ou guiar, assim eles nadam por meio da flexão vertical da coluna vertebral. São exemplos deste grupo as baleias, golfinhos, botos e peixe-boi. Enquanto o segundo grupo frequenta o ambiente terrestre para reproduzir e gerar descendentes, utiliza os membros para natação ao invés do corpo e possuem uma camada de pelo mais densa para se aquecer. Os mamíferos semiaquáticos são os pinípedes, castores, lontras, doninhas, ursos- polares e hipopótamos. TEMA 5 – HOMINÍDEOS E A ESPÉCIE HUMANA Há mais de 60 milhões de anos, a Era Cenozoica teve um grupo bem- sucedido da Ordem Primates (Figura 11), no entanto, hoje em dia a maioria se localiza nos trópicos, exceto os humanos, que estão no mundo todo. As características gerais desta ordem são: presença de dedo polegar opositor nos membros, visão binocular, redução do focinho e aumento do volume cerebral. Neste tópico, focaremos em aspectos morfológicos e evolutivos dos antropoides do grupo Hominoidea (símios e humanos), mais especificamente os humanos (Hominidae). Este último é diferenciado dos primatas porque somos bípedes, nos comunicamos com fala e outras formas de linguagens e temos cérebro grande. 18 Figura 11 – Diferenças no esqueleto de macacos e humanos Créditos: Morphart/ Adobe Stock. 5.1 Primeiros hominídeos O hominídeo mais primitivo é datado do período Plioceno e Pelistoceno Inferior no sul da África, conhecido como australopitecíneos (Australopithecine). Deste grupo, a espécie mais conhecida é a famosa Lucy (Australopithecus afarensis) (Figura 12), um dos fósseis maiscompletos encontrado e datado há 3,2 milhões de anos, ela possuía 1 metro e pesava 30 quilogramas. Os australopitecíneos tinham dentes caninos pequenos, fina camada de esmalte, bípedes com dimorfismo sexual (machos maiores), eram onívoros (frutas e talvez carne) e provavelmente com hábito arborícola. Na última década vários outros fósseis deste grupo foram encontrados na Etiópia e África, inclusive um novo gênero, o Kenyanthropus. O último sobrevivente foi o Australopithecus africanus (2,3 a 3 milhões de anos), possuía o osso do braço mais desenvolvido possivelmente devido a hábito mais arborícola, porém o crânio era muito similar ao Homo. 19 Figura 12 – Representação da Lucy (Australopithecus afarensis), o hominídeo mais conhecido Créditos: Procy/ Shutterstock. 5.2 Hominídeos derivados A filogenia atual mostra que somos mais filogeneticamente próximos aos chimpanzés (gênero Pan), assim um ancestral em comum entre esses dois grupos divergiu cerca de 7,5 milhões de anos atrás (Figura 13). Os hominídeos mais derivados praticamente tiveram alterações morfológicas relacionadas ao tamanho do crânio e volume do cérebro, postura ereta, perda de pelos e o uso de ferramentas associado ao hábito alimentar. Há cerca de 2,4 milhões de anos surgiu a primeira espécie de Homo, o Homo habilis, com capacidade craniana pequena, de 500 a 750 cm³ (comparado aos recentes), e são semelhantes aos primitivos Australopithecus, por isso alguns pesquisadores colocam neste último grupo. O H. habilis foi encontrado junto a fósseis de animais cortados, provavelmente já eram caçadores com habilidade de utilizar ferramentas (Pough, 2008). O próximo registro fóssil foi de 2 milhões de anos 20 atrás e se originou no leste da África, o H. erectus, mas foi encontrado na Ásia, este já é semelhante ao humano moderno, seu corpo é maior (185 cm), crânio maior (775 a 1100 cm³), sem características arborícolas, testa plana, presença de nariz com narinas para baixo e maxilar e dentição pequenos. Depois deste, tem o H. ergaster (africano), pouco conhecido, e desapareceu há 1,3 milhões de anos. Figura 13 – Relações filogenéticas da família Hominidae Fonte: Kumar et al., 2017. Atualmente, Homo sapiens é o nome dado aos humanos atuais, porém, antes, este grupo envolvia algumas formas antigas e os neandertais. Os neandertais eram pequenos e fortes homens da caverna, o fóssil Homo neanderthalensis data de 150.000 anos e foi encontrado na Alemanha. Esta espécie tinha testa curta, nariz comprido e largo, e apesar de ter cérebro do tamanho similar aos H. sapiens, o crânio tinha uma área occipital maior (Figura 14). Além disso, eram caçadores de grandes mamíferos e produziam ferramentas com pedra cada vez mais aprimoradas, também se organizavam em sociedade com linguagem complexa e até faziam rituais. Por fim, os H. sapiens modernos originaram entre 10.000 e 30.000 anos atrás com uma única origem africana e chegaram na Europa e Ásia há 40.000 anos. Estudos indicam que nesta espécie surgiram novos comportamentos como a arte e a música, além de formas de linguagem e comunicação por símbolos. 21 Figura 14 – Evolução no crânio humano Créditos: Stockdevil/ Adobe Stock. 5.3 Impacto dos Homo sapiens nos outros animais Há muito debate sobre o desaparecimento de outras espécies de humanos e sobre grandes extinções de outros animais vertebrados na terra. O H. sapiens acabou sendo uma espécie dominante sobre as demais e atualmente compreende quase 8 bilhões de pessoas distribuídas em todo o globo. A extinção é um processo natural, que pode ocorrer devido a mudanças climáticas extremas ou meteoros, no entanto, no final do Pleistoceno o grande causador da extinção foram os humanos, porque não há registro de nenhuma mudança climática extrema antes e pós esse período. Assim, a extinção das espécies da megafauna (mastodontes, mamutes e preguiças gigantes) foi devido a caçadas humanas em grupo, prova disso são os muitos registros fósseis de animais encontrados junto a marcas de ferramentas de corte e pontas de flecha. Também, o uso do fogo no ambiente (incêndios) e transmissão de doenças circulando no ambiente contribuíram para o desaparecimento das espécies. Os humanos modernos aprimoraram a capacidade de inteligência e raciocínio, criaram modos de locomoção terrestre, aquática e aérea e assim puderam explorar todo o mundo. Explorar no sentido de usufruir dos recursos finitos e infinitos da natureza, desmatar, queimar, poluir e assim contribuir para extinguir milhares de espécies. Assim, finalizamos o capítulo com uma sugestão de leitura do artigo: “A sexta extinção em massa: fato, ficção ou especulação?” 22 Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/brv.12816>. Acesso em: 23 maio 2022. NA PRÁTICA Crédito: Gilmar Barbosa. O quadrinho apresentado faz uma crítica aos humanos. Descreva qual seria essa crítica e relacione com a origem e diversificação dos hominídeos vistos no conteúdo. 23 FINALIZANDO Nesta etapa abordamos sobre os Synapsidas mamíferos e não mamíferos, assim vimos que este grupo, apesar de ser estudado por último, ele tem origem com os pelicossauros e terapsídeos no Permiano, há mais de 200 milhões de anos. No Mesozoico, houve uma rápida diversificação dos térios e este é considerado um grupo de sucesso por colonizar os mais variados macro-habitats, além de ser o grupo que possui os maiores vertebrados da Terra. Também, diferenciamos as características e as diversidades ecomorfológicas dos mamíferos atuais: os monotremados, os marsupiais e os placentários (ao qual fazemos parte, também). Por fim, abordamos as diferentes espécies de humanos que viveram na Terra e o Homo sapiens, que é a espécie que dominou e expandiu o mundo todo. 24 REFERÊNCIAS ABREU, E. F. et al. Lista de mamíferos do Brasil. Comitê de taxonomia da Sociedade Brasileira de Mastozoologia (CT-SBMz), v. 1, 2021. Disponível em: <https://www. sbmz.org/mamiferos-do-brasil/>. Acesso em: 21 fev. 2022. KARDONG, K. V. Vertebrados: anatomia comparada, função e evolução. 5. ed. São Paulo: Roca, 2010. KUMAR, S. et al. TimeTree: a resource for timelines, timetrees, and divergence times. Molecular biology and evolution, v. 34, n. 7, p. 1812-1819, 2017. PATRICIO-COSTA, P. Zoologia. 1. ed. Curitiba: InterSaberes, 2021. POUGH, F. H. A vida dos vertebrados. 4. ed. São Paulo: Atheneu, 2008.