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Espiões, Espionagem e Operações
Secretas - Da Grécia Antiga à Guerra Fria
Michael Rank
Traduzido por Shana Marcele Oliveira e Silva 
“Espiões, Espionagem e Operações Secretas - Da Grécia Antiga à Guerra
Fria”
Escrito por Michael Rank
Copyright © 2015 Michael Rank
Todos os direitos reservados
Distribuído por Babelcube, Inc.
www.babelcube.com
Traduzido por Shana Marcele Oliveira e Silva
“Babelcube Books” e “Babelcube” são marcas comerciais da Babelcube
Inc.
Índice Analítico
Página do Título
Página dos Direitos Autorais
Espiões, Espionagem e Operações Secretas - Da Grécia Antiga
à Guerra Fria
Introdução
Capítulo 1 | Os 12 Espias de Israel (1280 a.C.): | Infiltrados de
Deus
1. Enéas, o Tático (Século IV a.C.): | 2. O Pai da Estratégia
Militar
A Frumentarii (Séculos II e III D.C.) | A Mão Esquerda do Poder
Romano
Capítulo 4 | Gilbert Gifford (1560-1590) | Agente Duplo para a
Inglaterra e a Escócia
Capítulo 5 | Sir Francis Walsingham (1532-1590) | A Serviço
Secreto de Sua Majestade Elizabeth
Nathan Hale (1755-1776): | O Espião Mártir da Revolução
Americana
Mata Hari (1876-1917) | A Mais Doce Armadilha Da Primeira
Guerra Mundial
Capítulo 8 | Richard Sorge (1895-1944) | O Mestre Espião
Soviético
Capítulo 9 | Nancy Wake (1912-2011): | A “Rata Branca” da
Resistência Francesa
Capítulo 10 | George Koval (1913-2006):
Conclusão | Espionagem no Século XXI––––––––
Índice
Bonus Gratuito – 'A História de Alexandre, o Grande' e 'Histórias
da Mitologia' 2-Book Boxed Set
Introdução: Por Que a Espionagem é a Segunda Profissão Mais
Antiga do Mundo
1. Os 12 espias de Israel (1280s a.C.): Infiltrados de Deus
2. Eneas, o Tático (Século IV a.C.): O Pai da Estratégia Militar
3. A Frumentarii (Séculos II e III d.C): A Mão Esquerda do Poder
Romano
4. Gilbert Gifford (1560-1590): O Agente Duplo de Inglaterra e
Escócia
5. Sir Francis Walsingham (1532-1590): A Serviço Secreto de
Sua Majestade Elizabeth
6. Nathan Hale (1755-1776): O Espião Mártir da Revolução
Americana
7. Mata Hari (1876-1917): A Mais Doce Armadilha da Primeira
Guerra Mundial
8. Richard Sorge (1895-1944): O Mestre Espião Soviético
9. Nancy Wake: A 'Rata Branca' da Resistência Francesa
10. George Koval (1913-2006): O Espião Nuclear Soviético de
Sioux City, Iowa
Conclusão: Espionagem no Século 21
Bibliografia
Conecte-se com Michael
Sobre o Autor
Introdução
Por que a Espionagem é a Segunda Profissão
Mais Antiga do Mundo
O Ministério da Defesa da China, financiado com o equivalente a
centenas de bilhões de doláres ao ano, surpreendeu seus generais
quando um oficial da inteligência emitiu relatório chamando atenção
para que a emergente força militar não se estendesse mais que o
necessário. Apesar de suas vantagens massivas em número de
soldados e armas, ele recomendou que o exército diminuísse sua
força. O relatório contrariava o ethos militar chinês, que amava exibir
seu recém-descoberto poder militar para o resto do mundo. O oficial
alertou, no entanto, que exibições de força tais quais a marcha de
cem mil homens para a guerra era, na verdade, um sinal de
fraqueza. Se o exército queria realmente projetar poder no Sudeste
Asiático e chocalhar sabres contra seus inimigos, havia meios muito
mais fáceis à disposição - ou seja, espionagem. Gastar alguns
milhões financiando um espião ou subornando um agente duplo era
muito mais eficiente que uma marcha dispendiosa.
"[Enviar 100.000 soldados] poderia levar à comoção, em casa ou
no exterior, e pelo menos 700.000 famílias serão impedidas de
trabalhar", disse o oficial. "Exércitos hostis podem se enfrentar
durante anos, lutando pela vitória que é decidida em um único dia.
Assim sendo, permanecer na ignorância sobre o estado do inimigo
porque eles relutam em pagar alguns milhões [yuan] por inteligência
é o cúmulo da desumanidade."
Embora o oficial da inteligência já tenha falecido, as conclusões
em seu relatório têm se sustentado notavelmente bem nos últimos
anos. Elas foram comprovadas repetidas vezes na luta da China
contra as ameaças militares internas e externas. O relatório é
considerado um conselho tão sábio que tornou-se leitura obrigatória
entre os oficiais e até mesmo os cadetes. Um grande feito para um
conselho militar escrito no século VI a.C.
O texto acima, com algumas modificações – yuan, era
originalmente 100 onças de prata - é retirado do tratado militar do
general chinês Sun Tzu, A Arte da Guerra, escrito há 2.600 anos.
Sun Tzu foi um general na decadente Dinastia Zhou (1046-256 aC).
Forças centrífugas no perímetro do reino ameaçavam despedaçá-lo,
juntamente com um grupo de oficiais rebeldes que colocaram a
China em uma guerra civil. A fim de acabar com os senhores
feudais da região que competiam com o Imperador, oficiais Zhou
nomearam seus próprios familiares para cargos de liderança dentro
das cidades-estados rebeldes.
Sun Tzu se preocupava com o fato de que tal sistema de
controle de populações rebeldes era inerentemente instável.
Moradores locais expulsariam os governantes estrangeiros na
primeira oportunidade. Tal sistema de autoridade só poderia ser
mantido com um exército forte, excelente estratégia militar,
mantendo o prestígio do Imperador, e uma abundância de
informações terrestres. E se nenhum desses itens pudesse ser
alcançado, era necessário, no mínimo, ludibriar o inimigo para que
ele acreditasse que a força, o poder e o conhecimento estavam
firmemente no lugar.
Foi aí que entraram os espiões.
Sun Tzu escreveu no capítulo final de sua magistral obra sobre o
uso de espiões. Ele acreditava na importância crítica da presciência,
que vinha de informantes que possuíam laços estreitos com o
inimigo. Ele descreve cinco tipos diferentes de espiões e seus usos:
espiões locais ou nativos, espiões internos, espiões duplos, espiões
condenados e espiões sobreviventes. Espiões locais vinham de
dentro da população inimiga, espiões infiltrados dos oficiais do
inimigo, e espiões duplos dos espiões do inimigo; espiões
condenados eram agentes aos quais os agentes superiores
intencionalmente passavam informação errada para enganar o
inimigo em sua captura e execução, enquanto espiões
sobreviventes eram agentes que traziam notícias de acampamentos
do inimigo. Cada espécie de espião foi crucial para a vitória militar.
Ninguém está mais perto do exército do que os espiões e nenhuma
recompensa é mais generosa do que a oferecida àqueles que
podem manter o maior sigilo.
Sun Tzu era metódico no uso da espionagem. Para ele, era uma
simples reação em cadeia que levava à vitória. Qualquer
comandante que desejasse atacar um exército ou cercar uma
cidade sitiada ou assassinar indivíduos teria que saber as
identidades dos generais, assistentes, associados, guardas e
oficiais. Um comandante precisa buscar espiões inimigos e
subornar, instruir ou contê-los. Com esses agentes duplos à sua
disposição, ele pode obter mais espiões, locais e internos, cujo
conhecimento, por sua vez, pode preparar espiões condenados para
serem enviados para espalhar informação errada para o inimigo,
enquanto espiões sobreviventes podem ser resgatados como
planejado. Quando essa máquina de espionagem é acionada,
grandes conquistas são garantidas.
Mas Sun Tzu entendia que o processo era mais complicado que
sua simples descrição, e que não era suficiente apenas soltar esses
elementos em terreno inimigo. Os espiões são uma força poderosa,
mas difícil de conter. Se o inimigo oferecesse um pagamento
melhor, então todos, à exceção dos mais leais espiões, trairiam ou
enganariam seu soberano. E o inimigos certamente ofereceriam um
pagamento melhor se detivessem uma gota de capacidade
estratégica. Por isso, segredos de estado cruciais, tais como
formações de batalhas, movimentos de tropas ou pontos fracos em
uma fortaleza estavam constantemente sujeitos a cair no
conhecimento do inimigo. Um agente comprometido poderia trazer
abaixo todo um império.
O uso de espiões requeria sagacidade e conhecimento,
juntamente com humanidade e justiça. Apenas os mais corretos e
benevolentes generais podem utilizar espiõese apenas a pessoa
mais alerta e observadora pode conseguir a verdade utilizando-se
de espiões. Sun Tzu estava, com efeito, pedindo por moderação
Taoista e um sistema de freios e contrapesos para uma arma tão
poderosa. Mas ele não tinha medo de tomar medidas duras contra
aqueles que saíam da linha. Se as atividades de um espião vazam
antes do começo da missão, então tanto o espião quanto aqueles
que tinham conhecimento da missão devem morrer. 
Os espiões têm sido uma característica de segurança de estado
e inteligência militar desde os primórdios da guerra. Como nós
veremos no Capítulo Um, no século XIII a.C., a narrativa no Velho
Testamento do Êxodo Judeu é amplamente formada por espiões
coletando informações de terras estrangeiras. Nas crônicas militares
Gregas e Romanas, os espiões são referenciados tanto quanto os
comandantes de cavalaria, falanges ou arqueiros. Mesmo o
chamariz, uma marca da ficção espião dos dias atuais, aparece pelo
do mundo antigo.
Graças às franquias de James Bond e Jason Bourne, todo
mundo tem, ao menos, alguma ideia dos serviços de inteligência e
espionagem, não importa o quão exageradas sejam essas fontes.
Infelizmente, a maioria dos elementos das versões fictícias de
espionagem são falsas, para a decepção de muitos dos recrutas da
CIA. Informações, tipicamente, não são coletadas usando fraques,
bebendo martinis em cassinos caros e levando para cama mulheres
europeias com nomes improvavelmente provocantes. Além disso, o
objetivo das missões não envolve infiltração em um componente
subterrâneo sob um vulcão ou prevenir um bilionário excêntrico de
atacar a costa leste com uma toxina.
Mas a importância da espionagem para a segurança nacional
não é ficção. Guerras inteiras foram vencidas ou perdidas de acordo
com essas atividades secretas. A primeira unidade de elite
clandestina dos Estados Unidos - os Knowlton's Rangers -
empreenderam missões para George Washington que teriam
orgulhado Sun Tzu. Eles induziram generais britânicos a avançarem
para Concord em 1775, plantando relatórios com informações falsas
de que o Exército Continental guardava suas munições ali. Em
1781, eles "vazaram" informação que um ataque franco-americano
em Nova Iorque era iminente. O exército britânico fortaleceu sua
posição para um ataque que nunca se materializou, removendo
tropas preciosas e linhas de abastecimento de importantes locais de
batalha. Esta é uma das principais razões pelas quais Lord
Cornwallis foi derrotado na subdefendida Yorktown na Virgínia.
Isso não quer dizer que as características de espionagem são
imutáveis. A uma, porque o tipo de governo a que um espião serve
determina a natureza de seu trabalho. Espiões no mundo antigo que
serviam aos reis ou caciques não tinham que viajar muito para obter
segredos de um reino rival, aprender novas línguas exóticas, imitar
costumes estranhos ou se envolver em quaisquer espionagens
complicadas ou na quebra de códigos. Em um mundo sem
documentos de identidade ou impressões digitais, assumir uma
identidade falsa era tão simples como permanecer calmo sob
pressão. Mas espiões para grandes impérios ou confederações de
comércio, como Veneza, tinham que ser versáteis. Eles tiveram que
viajar longas distâncias, imitar o vestuário e a linguagem de
diferentes culturas e expor-se a perigo considerável em tentativas
de acesso a locais restritos.
A Tecnologia tem afetado grandemente a espionagem.
Aeronaves e vigilância por satélite permitem formas altamente
detalhadas de coleta de informações. Espiões na era moderna
também têm muitas maneiras de obter informações, além de
interrogatório ou de roubar segredos de Estado. A maioria das
informações de valor para uma operação militar pode ser obtida a
partir de "materiais de fontes abertas": boatos, fofocas, ou jornais.
Além disso, desde a década de 1900, os governos têm preenchido
suas organizações de inteligência com grandes burocracias que
empregam oficiais de carreira e analistas bem treinados.
Este livro contempla os mais importantes espiões e redes de
espionagem na história. Embora não possamos saber a extensão
exata de sua influência, devido à natureza secreta de seu trabalho,
muitas de suas operações mudaram o curso da política nacional e
mundial. A operação de coleta de informações de Richard Sorge no
Japão impediu a tentativa da Alemanha nazista de invadir e tomar
Moscou. Francis Walsingham descobriu a Conspiração de
Babington e impediu o assassinato de Elizabeth I, que, se
executado, provavelmente teria aleijado a Grã-Bretanha, na véspera
do ataque da Armada Espanhola. Eric Erickson era um empresário
americano que assumiu uma identidade de nazista sueco e cortou o
fluxo de óleo para o maquinário militar de Hitler, paralisando a
estrutura energética alemã na Europa.
Os espiões deste livro foram escolhidos com base em três
critérios. O primeiro é o seu nível de sucesso. George Koval
conseguiu vazar segredos nucleares americanos para a União
Soviética, acelerando o programa nuclear da Rússia em anos e
tornando possível a corrida armamentista da Guerra Fria. Nancy
Wake salvou centenas, se não milhares, de vidas de pilotos aliados
abatidos em França de Vichy transportando-os até a fronteira
espanhola. O segundo critério é a sua contribuição para a arte da
espionagem. Enéas, o Tático, essencialmente criou a ciência militar
ocidental; a rede de espionagem de Francis Walsingham do século
XVI criou o modelo para a coleta de informações no início do
colonialismo europeu. O terceiro critério é o seu legado histórico. Os
Doze Espiões de Israel, que muitos historiadores e estudiosos da
Bíblia nem mesmo acreditam que existiram, inspiraram especialistas
em inteligência a tal ponto que a CIA emitiu um relatório sobre os
seus métodos. Nathan Hale, o espião da Guerra da Independência
Americana, teve uma carreira muito curta, mas se tornou o primeiro
mártir dos Estados Unidos da América e um estimado símbolo
nacional.
Muitos espiões têm origens tão complicadas que nós ainda não
sabemos de suas verdadeiras lealdades, se eles tiveram alguma.
Gilbert Gifford era um agente duplo para a Rainha Elizabeth e Maria,
Rainha dos Escoceses, que jogou nos dois lados das disputas entre
católicos e protestantes na Inglaterra, chegando ao ponto de ser
ordenado padre. Embora tenha salvado a rainha Elizabeth do
assassinato, ele também fugiu da Inglaterra imediatamente após a
trama ter sido desvendada, fazendo com que muitos questionassem
suas alianças. Ele acabou sendo capturado e preso em um bordel
na França, onde foi encontrado na cama com uma mulher e um
empregado do sexo masculino - um tipo de captura apropriado para
um espião internacional.
Certos períodos da história têm sido mais propícios para a
espionagem do que outros. Estes são tipicamente momentos em
que grandes nações ou impérios lutam entre si. Muitas vezes,
quando dois estados com enormes exércitos e burocracias estão
lutando pela supremacia, fundos maciços são alocados para a
espionagem e há muito trabalho disponível. Tais momentos da
história incluem os séculos XVII e XVIII, quando a Inglaterra, França
e Espanha disputavam pelo domínio do continente europeu e do
Novo Mundo. Muitos colonos americanos eram espiões ou agentes
duplos, sabotando o esforço bélico britânico. Neste sentido, os
Estados Unidos devem sua existência à espionagem.
Talvez a era de ouro da espionagem tenha sido a Guerra Fria.
Em nenhum outro momento da história duas nações dominaram o
mundo com sua influência como fizeram os Estados Unidos e a
União Soviética. E em nenhum momento os segredos militares
foram tão valiosos. A tecnologia nuclear era vital para ambos os
lados, se eles não quisessem ficar atrás do outro. Tecnologia de
submarinos nucleares também era vital para lançar mísseis de
qualquer lugar do globo. Em 1961, duas mulheres e três homens
foram presos por conspirar para entregar aos russos os segredos
sobre o primeiro submarino nuclear da Grã-Bretanha. Um deles foi
George Black, um agente duplo na Grã-Bretanha por nove anos. Ele
foi condenado a uma pena de 42 anos,mas escapou da prisão em
1966.
Ambos os lados empregaram centenas ou milhares de espiões
de todos os tipos de conhecimento. Seus agentes poderiam
perfeitamente misturar-se a uma cultura estrangeira. A Rússia
empregaria homens da Grã-Bretanha para espionar a Grã-Bretanha,
quer fossem acadêmicos com simpatias comunistas ou alguém com
problemas financeiros à procura de um patrocinador estrangeiro. Os
mais famosos entre eles eram os "Cambridge Five" - graduados da
universidade servindo em posições governamentais de alto nível e
com acesso a importantes segredos de Estado. Os Estados Unidos
e o Ocidente atraíram muitos agentes soviéticos a desertar com
promessas de um estilo de vida melhor em troca de decisivas
informações militares e científicas.
Espionagem é um elemento essencial de qualquer Estado, tão
importante quanto militares, escolas, navios ou estradas. É
essencial para a saúde de qualquer Estado e pode aleijá-lo
imediatamente se não for adequadamente mantida. Os espiões são,
para usar um conceito de Adam Smith, a mão invisível do poder na
política internacional. Embora eles sejam, por natureza, ilegais, e
colidam com a soberania de outras nações, eles realizam serviços
indispensáveis para a sociedade. Enquanto alguns líderes políticos
têm procurado criar ordens políticas com base na transparência total
- notadamente Gandhi, que disse que "A Verdade (satya) implica
amor, e a Firmeza (agraha) gera força e, por isso, lhe serve de
sinônimo." - eles têm sido, infelizmente, a exceção na história.
Apelamos aos nossos governos para operar com total
transparência, mas reconhecemos que manter a segurança de uma
nação é impossível sem uma ação secreta ocasional. Isso é
verdade, quer seja para Israel da Idade do Bronze ou para
atividades do século XXI da CIA no Irã.
Com esses fatores de espionagem e coleta de informações em
mente, vamos dar uma olhada nos espiões e nas redes de
espionagem mais importantes da história. Vamos ver como a mão
invisível do poder dirigiu o curso da história.
Capítulo 1
Os 12 Espias de Israel (1280 a.C.):
Infiltrados de Deus
A CIA sempre lutou para equilibrar ética e a descoberta de
informações por qualquer meio necessário. Mas na década de 70,
os abusos de autoridade da CIA tinha chegado a níveis críticos. O
Congresso usou a organização para afirmar a sua autoridade sobre
o presidente e o ramo executivo do governo pela vigilância. Suas
tentativas bem e mal sucedidas de derrubar governos estrangeiros
vieram à tona - incluindo a derrubada do governo democraticamente
eleito do Irã em 1953, tentativas de assassinato de Fidel Castro, a
invasão da Baía dos Porcos e as tentativas de derrubar Salvador
Allende da presidência do Chile em 1970. em 1973, o diretor James
R. Schlesinger encomendou relatórios sobre atividades ilegais por
parte da Agência, o que veio a ser conhecido como "Joias de
Família". O jornalista Seymour Hersh divulgou a história sobre as
"Joias de Família" na primeira página do New York Times em 1974.
O comportamento mais escandaloso incluía vigilância de 7.000
cidadãos norte-americanos envolvidos em movimentos antiguerra e
de experimentos em Americanos e Canadenses sem o seu
conhecimento, nos quais foi-lhes dado LSD secretamente. A sua
verdadeira queda veio na esteira do escândalo de Watergate. Ex-
agentes da CIA arrombaram a sede do Partido Democrata e
tentaram impedir a investigação do FBI. Quando o escândalo veio à
tona, muitos outros segredos sujos da organização foram expostos.
O escândalo de Watergate desvendou a presidência de Nixon, mas
também causou danos irreparáveis à percepção pública da CIA.
Os diretores começaram uma discussão robusta sobre reforma
ética. Não era uma questão simples. Como poderia a CIA operar
dentro de limites morais, quando foi incumbida, em sua criação em
1947, de adquirir informação por métodos secretos ou não e, ao
mesmo tempo, realizar operações subversivas no exterior? Ela é a
única agência independente de inteligência dos EUA e recebeu,
especificamente, amplos poderes para combater a ameaça de
espionagem soviética. No final, tentativas de limpar a organização
vieram de uma fonte mais improvável.
Em 1978, John M. Cardwell escreveu um artigo para o diário
confidencial da agência, Estudos em Inteligência. Divulgado em
2005, o artigo sugere maneiras não convencionais para a CIA
restaurar sua imagem. Para isso, ela tinha que olhar para o
passado. Houve exemplos na história em que os líderes
conseguiram realizar atividades de espionagem inerentemente
insidiosas que também conformavam com as normas tradicionais de
conduta ética e moral. Essas figuras não eram da República de
Weimar ou da Inglaterra Vitoriana. Nem mesmo tão recente quanto
o Império Espanhol ou a Itália Renascentista. Em vez disso, eram
Moisés, Josué, e mais de uma dezena de espiões judeus que
viveram mais de 3.000 anos atrás e abriram o caminho para os
judeus entrarem na Terra Prometida.
Dois incidentes de espionagem são encontrados no Antigo
Testamento. O primeiro ocorreu sob a liderança de Moisés, depois
que ele conduziu os israelitas para fora do Egito, comandando um
exército de centenas de milhares de ex-escravos, libertando-os com
as pragas de rãs do Egito, fome, mosquitos, escuridão e Javé
dividindo o Mar Vermelho. Eles acamparam no deserto de Parã,
perto da fronteira da Terra Prometida, o que corresponde,
grosseiramente, às fronteiras da atual Israel. Moisés enviou uma
equipe de reconhecimento para coletar informações sobre a força
inimiga, o terreno, os alvos, condições de rota e qualquer outra
informação útil para a sua marcha. O segundo incidente de
espionagem ocorreu 40 anos mais tarde, depois que Moisés tinha
morrido e os israelenses tinham passado o tempo vagando em
círculos pelo deserto de Sinai. O sucessor de Moisés, Josué, enviou
doze espiões para Israel, pelas mesmas razões.
Que lições essas histórias trouxeram para a CIA do século XX?
A antiga Israel era uma teocracia espontaneamente organizada da
Idade do Bronze com a mais primitiva tecnologia. Eles não
possuíam quaisquer satélites de reconhecimento, aeronaves ou
inteligência hidrográfica naval, utilizados pelas redes de inteligência
modernas. Além disso, os céticos religiosos duvidam de que essas
histórias tenham realmente acontecido e, se aconteceram,
acreditam que elas foram escritas apenas no século II A.C. e só
vagamente ligadas à versão da história descrita na Bíblia. Críticos
da Bíblia desde o Iluminismo têm considerado a história do Êxodo
como sendo mais propaganda política ou mito nacional do que fato
histórico. Mesmo que estes incidentes tenham acontecido como
ditam as Escrituras, as nações modernas não têm garantias de Javé
de que sua missão será bem sucedida.
De acordo com John Cardwell, no entanto, havia muito para uma
agência de inteligência moderna aprender com esses relatos
bíblicos. Deixando de lado a questão sobre ser o Êxodo um mito
histórico ou um fato (como faremos pelo resto deste capítulo), ele
descobriu que, ao comparar as histórias de utilização dos doze
espiões de Moisés e dos dois de Josué quarenta anos mais tarde,
surgem diferenças significativas. Moisés usou proeminentes líderes
comunitários que se infiltraram na Terra Prometida disfarçados de
turistas. Os doze espias só foram capazes de coletar informações
básicas sobre as características físicas da terra. Mas os espiões de
Josué eram anônimos e capazes de descobrir informações muito
mais detalhadas sobre Jericó, reunindo inteligência inimiga da
prostituta Raabe.
O relato bíblico dos doze espias, conforme registrado no Livro
dos Números, é o seguinte: Moisés e cerca de dois milhões de
judeus haviam fugido do Egito depois de quatro séculos de
escravidão. Eles marcharam até alcançarem as fronteiras da terra
de Canaã. Deus havia prometido dar essa terra aos judeus em uma
aliança feita com Abraão vários séculos antes, e a nação exilada
estava voltando para cobrar a promessa. Mas a reivindicação da
terra não deveria ser feita precipitadamente ou sem as devidas
preparações, mesmo que o Criador Onisciente,Onipotente do
universo estivesse do seu lado. Deus dirigiu Israel para substituir
Canaã como uma nação conquistadora. Antes de seu ataque, Ele
ordenou a Moisés que enviasse doze judeus como olheiros para que
informassem sobre os desafios militares, o terreno, a topografia, a
agricultura, a riqueza relativa e quaisquer obstáculos que pudesse
impedir sua tomada.
A nação de Israel foi, neste momento, dividida em doze tribos,
que representam os doze filhos do patriarca Jacó, que viveu 400
anos antes, no início do povoamento judeu do Egito. Cada tribo
tinha sua própria liderança e hierarquia. De acordo com Cardwell, a
sociedade era patriarcal por natureza e o líder de cada tribo era um
governador. Portanto, a palavra "nação" não se aplica muito bem à
antiga Israel – era mais uma confederação com um líder/profeta de
facto do que um estado-nação fortemente organizado. Cada líder
tribal era responsável por fornecer orientação jurídica,
administrativa, social, econômica e religiosa para o seu povo.
Moisés era o líder geral, mas somente poderia exercer autoridade
final após o consenso do povo e dos líderes das doze tribos. Ele foi
o primeiro entre iguais, mais um irmão mais velho que um pai.
No entanto, esses governantes não devem ser considerados
como caçadores-coletores primitivos simplesmente porque eram
chamados líderes de uma "tribo". Segundo a tradição judaica, o
Êxodo do Egito ocorreu durante o século XIII A.C., dificilmente
considerado uma época primitiva na história. O mundo civilizado do
final da Idade do Bronze estava cheio de reinos brilhantes como os
babilônios, hititas, egípcios, minoicos, troianos e gregos. Os heróis
da Guerra de Tróia viveram durante essa época, em qualquer
semelhança que realmente tenham com as figuras de Ulisses,
Aquiles, Heitor e Agamenon. Um sistema maciço de intercâmbio
comercial e cultural se estendia da Grécia ao Egito à Mesopotâmia.
Os sistemas de escrita, tecnologia e arquitetura monumental criaram
um mundo multicultural vibrante. A versão padrão da Epopeia de
Gilgamesh foi escrita em acadiano e os navios comercializavam
produtos por todo o mundo mediterrâneo. Este mundo era, de fato,
muito mais avançado do que seria nos séculos vindouros, quando
uma série de catástrofes acionou o colapso da economia da Idade
do Bronze.
Assim, não devemos imaginar esses espiões como selvagens
seminômades em uma existência de subsistência, vestidos em
trapos e comendo carne animal crua. Sim, o livro de Josué descreve
Israel como vagando no deserto por quatro décadas, consumindo
nada mais que pão e carne que caíam do céu. Mas eles eram parte
de uma vibrante cultura do Oriente Próximo, com cidades
cosmopolitas e próspera cultura urbana. O fato de os espiões de
Israel esgueirarem-se em tais cidades e não serem imediatamente
descobertos devido ao atraso social sugere um nível de sofisticação
não reconhecido entre os israelenses.
Moisés ordenou a primeira missão de espionagem para testar a
aliança que Javé havia feito com Abraão séculos antes: que seus
descendentes contariam as estrelas do céu e viveriam em uma terra
“manando leite e mel". Para descobrir prova empírica dessa aliança,
Moisés ordenou que os espiões retornassem com amostras de
frutos. No Antigo Testamento - como em outras formas de literatura
clássica como A Odisséia e A Ilíada - ninguém passou anônimo,
nem sua família e linhagem. O Livro dos Números registra os doze
espiões da seguinte forma: Samua, filho de Zakkur, da tribo de
Rúben; Safate, filho de Hori, da tribo de Simeão; Calebe, filho de
Jefoné, da tribo de Judá; Igal, filho de José, da tribo de Issacar;
Oséias (Josué), filho de Nun, da tribo de Efraim; Palti filho de Rafu,
da tribo de Benjamim; Gadiel, filho de Sodi, da tribo de Zebulom;
Gadi, filho de Susi, da tribo de Manassés; Amiel filho de Gemali, da
tribo de Dã; Setur filho de Michael, da tribo de Aser; Nabi, filho de
Vofsi, da tribo de Naftali; e Geuel filho de Maki, da tribo de Gad.
Moisés enviou os doze espias para Canaã para reconhecimento
civil e territorial. Isso consistia em aprender a composição
geográfica do terreno, bem como centros populacionais, o número
de cidades ou campos fortificados, e força militar. Eles coletaram
informações sobre a interação diária entre civis e forças militares,
uma imagem de como o inimigo ocupava a região, e suas
localizações, pontos fortes e pontos fracos. Ele também solicitou
informações sobre a vegetação e produção agrícola.
Os doze espiões embarcaram para a terra de Canaã. Eles
começaram no deserto de Negev e viajaram para o Vale do Escol,
que recebeu este nome em razão das uvas que cresciam na área.
As primeiras descobertas de informações revelaram que a
promessa de Deus aos descendentes de Abraão com uma terra que
manava leite e mel não era exagero. Os cachos de uva eram tão
grandes que só poderiam ser transportados em uma estaca
carregada por dois dos espiões. Eles também trouxeram romãs e
figos.
O que os espiões descobriram a seguir não foi tão promissor. A
terra era habitada por amalequitas, um povo que vinha atacando os
israelitas por gerações. No Pentateuco, eles são nômades que
atacaram Hebreus em Refidim no deserto do Sinai, durante o êxodo
do Egito, “ferindo na retaguarda, todos os fracos que iam atrás." Nos
anos durante e após a conquista de Canaã, eles continuariam a
atacar os hebreus sem provocação. Eles eram a personificação da
crueldade e da tirania, ainda piores do que o faraó ou os filisteus, o
arqui-inimigo dos israelitas.
Segundo os historiadores árabes antigos, os amalequitas eram
considerados gigantes que emigraram do sul da Arábia e migraram
para o norte. A palavra "gigante" em árabe é Imliq, que historiadores
como Ibn Khaldun usaram como prova desta associação. Eles foram
descritos como anormalmente altos e possuidores de força sobre-
humana, com alguns cronistas traçando as origens da Golias, que,
acredita-se, tinha entre 6 e 9 metros de altura, a esta tribo. É
desnecessário dizer que uma nação de gigantes bem armados que
tinham matado israelitas, com sucesso, durante gerações, não era
uma terra propícia para a conquista. Após 40 dias em Canaã, os
espiões retornaram a Moisés para dar a má notícia.
Toda a comunidade israelita se reuniu para ouvir o seu relato. Os
espiões relataram que a terra era rica e abundante. Eles revelaram
o pesado cacho de uva para o público. Os espiões então
descreveram os desafios militares de Canaã. Os habitantes eram
terríveis em seu poder e achatariam seu frágil exército. Grandes
cidades com grandes fortificações pontilhavam a paisagem, cheias
de descendentes de Enac que, além dos amalequitas, incluía os
hititas, jebuseus, amorreus e cananeus. Alguns dos habitantes de
Canaã eram mesmo gigantes, tão grandes que os espias pareciam
gafanhotos por comparação.
As pessoas ficaram aterrorizadas com essa revelação. Em seu
choque, clamaram sobre sua situação injusta. Lá estavam eles, uma
nação sem-teto que havia escapado de 400 anos de escravidão,
mas Deus esperava que eles lutassem contra o rolo compressor
militar do Oriente Próximo. Eles não tinham armadura, nem bigas,
nem cavalos e muito poucas armas. Qualquer tentativa de um
ataque militar sobre os filhos de Anak e suas cidades fortificadas
significaria massacre. Eles sabiam como os cananeus tratavam
seus prisioneiros capturados e imaginavam as cabeças decepadas
de seus corpos e colocados em piques, congelados em um grito
eterno. Suas mulheres e filhos seriam deixados indefesos,
destinados a uma vida de escravidão ou prostituição. Alguns
israelitas lamentaram ter deixado o Egito. Talvez eles pudessem
voltar e retomar suas vidas como escravos, construindo templos e
casas no terrível calor. Era uma existência miserável, mas melhor do
que a derrota, captura, tortura e morte.
Um dos espiões, Calebe, tentou reunir as pessoas com uma
oração inflamada. Ele tentava convencê-los que eles conquistariam
Canaã com a assistência do Todo-Poderoso. Os outros dez espias
dispensaram sua ingenuidade juvenil. Eles, que cresceram
acorrentados e conheciam o ardor doschicotes egípcios em suas
costas, também sabiam as consequências de enfurecer um império
poderoso. Antes que o motim irrompesse, um segundo espião,
Josué, se uniu a Calebe na mobilização em Israel para lançar o
primeiro golpe sobre Canaã. Ele lembrou da Aliança de Deus com
Abraão, que prometia vitória militar a despeito das dificuldades
encontradas. A multidão se voltou contra os dois agitadores. Suas
discordâncias eram visíveis pelas discussões em voz alta sobre o
apedrejamento dos dois jovens. 
De acordo com o relato bíblico, Deus então apareceu aos
israelitas. Ele veio com grande fúria em razão da recusa deles em
acreditar em sua habilidade de derrotar uma nação inimiga. Toda a
nação foi castigada por sua descrença. Para evitar que a geração
atual entrasse na Terra Santa, Deus sentenciou os israelitas a
perambular pelo deserto por quarenta anos (um ano para cada dia
que os espiões passaram em Canaã). Todos aqueles que
contassem mais de 20 anos de idade seriam impedidos de entrar na
Terra Prometida, e todos os que deixaram o Egito foram destinados
a morrer no deserto. Apenas seus filhos entrariam na terra de
Canaã. Até mesmo Moisés foi impedido de entrar.
Javé concedeu duas exceções - Calebe e Josué. Durante o
testemunho dos doze espias sobre sua missão, apenas estes dois
consideraram a onipotência de Deus como parte das capacidades
militares de Israel frente aos cananeus. De certo modo, Ele os
recompensou por sua superioridade em decifrar informações
enquanto os demais espiões ignoraram sua mais poderosa arma
ofensiva. E eles foram recompensados - enquanto os outros dez
receberam pragas por sua falta de fé e imediatamente morreram
sob a vista da assembleia nacional.
Alguns israelitas ignoraram o comando de vagar pelo deserto
durante quatro décadas. Eles tentaram um ataque militar em 
Canaã. Moisés os advertiu que a mão de Javé não estava sobre
eles e eles falhariam. Rapidamente foi provado que ele estava certo
- uma vez que a força do ataque trapaceiro atingiu Canaã, o bando
foi rapidamente massacrado pelos amalaquitas. Assim, a primeira
operação de espionagem discutida na Bíblia, e um dos mais antigos
relatos registrados da história, terminou em um fracasso desastroso.
 
Quando as quatro décadas se passaram, todos os adultos da
geração anterior haviam morrido, inclusive Moisés e Aarão, o sumo
sacerdote. Como a profecia ditava, as únicas exceções foram Josué
e Calebe, que passaram sua juventude e vida adulta passando
tempo no deserto, esperando pelo dia que eles sabiam que não
chegaria até que eles fossem homens velhos. Mas o dia finalmente
chegou. O Josué de meia-idade foi apontado como sucessor de
Moisés. Ele se preparou mais uma vez para entrar em Canaã e
conquistar a fortaleza de Jericó, que estava localizada diretamente
no caminho para o coração de Canaã e tinha que ser conquistada
ou subjugada para que os israelistas avançassem.
Neste ponto, o Livro de Josué registra a segunda instância
bíblica de uma missão de reconhecimento. Esses espiões fora
empregados com muito mais efeito que seus predecessores. Josué
enviou olheiros anônimos na frente de suas forças principais para
obterem informações sobre a cidade, determinar eventuais pontos
fracos e recrutar agentes duplos. Eles alistaram a prostituta Raabe,
que oferecia informação civil e dados relacionados à estrutura
sociocultural, capacidade, organização e povo. Raabe disse aos
espias que os habitantes de Jericó temiam uma invasão israelense.
Sua travessia bem sucedida do Mar Vermelho, a destruição dos
exércitos do Faraó e sua recente vitória sobre inimigos mais
poderosos fizeram Jericó temer o que estava por vir. Raabe
consentiu em ajudar os espiões a escaparem da cidade e manter
sua missão em segredo se eles poupassem a ela e sua família
durante o ataque. Os espiões concordaram e retornaram ao
acampamento de Israel. Eles deram seus relatos apenas para
Josué, diferentemente dos doze espias que falaram perante toda a
assembleia de Israel.
É notável que Jericó tivesse medo de uma conquista israelense,
considerando sua força. Arqueólogos bíblicos do início do século XX
escavaram as ruínas de Jericó e descobriram sobre seu tamanho
impressionante e seu legado histórico. A cidade antiga de Jericó
ficava a seis milhas do Rio Jordão e oito milhas a noroeste do Mar
Morto, oferecendo uma excelente provisão de água e um local de
comércio desejável. Ela havia sido ocupada desde o início do
período Neolítico; as ruínas mais antigas datam de 8.000 A.C.,
fazendo dela uma das primeiras cidades habitadas do mundo. Mas
sentar na encruzilhada da civilização significava que Jericó tinha
que ser bem protegida. A qualquer momento, egípcios poderiam
precipitar-se do sul ou hititas do norte. Para se defender, Jericó tinha
um muro fortificado por dentro e por fora, com vários metros de
espessura, se estendendo por um perímetro que cercava nove
acres. Escavações arqueológicas mostram que a cidade era rica,
com grandes mercados de grãos e valiosas cerâmicas.
Josué foi capaz de usar as informações fornecidas pelos dois
espiões para planejar um ataque bem sucedido a Jericó. Ele
apresentou seu plano para os líderes das doze tribos. O plano foi
aprovado, a invasão preparada, e o ataque e captura da cidade
prosseguiram com precisão mecânica. O evento mais memorável no
relato bíblico da conquista ocorre quando o exército de Israel
marchou até as muralhas de Jericó. Eles seguiram marchando ao
redor da cidade uma vez por dia, durante seis dias, com sete
sacerdotes carregando trombetas de chifres de carneiros na frente
da Arca da Aliança. No sétimo dia, eles marcharam em torno da
cidade sete vezes. Então os sacerdotes tocaram as cornetas, o
povo soltou um grito poderoso e as paredes desabaram. Os
israelitas invadiram a cidade e destruíram-na completamente,
juntamente com seus habitantes. A história tem resistido na
consciência do cristianismo e inspirado dezenas de exércitos
medievais. Durante a Primeira Cruzada de 1095-1099 dC, os
cruzados europeus recordaram esta história quando colocaram os
olhos em Jerusalém, após anos de luta contra exércitos
muçulmanos do Oriente Médio. Cheios de zelo, eles marcharam ao
redor de Jerusalém, sete vezes, na esperança de um efeito similar.
As paredes não desabaram, mas a marcha impulsionou a sua moral
e confirmou a eles a piedade de sua missão.
Relatos arqueológicos divergem sobre o tempo e o modo em que
Jericó foi destruída, mas a maioria dos estudiosos concorda que ela
foi violentamente destruída por um ataque militar. As muralhas
desabadas, os mercados de grãos e uma camada de cinzas indicam
uma ruptura feroz no padrão de assentamento da cidade. Apesar de
alguns ocupantes terem se mudado de volta para a cidade depois
de sua destruição e reconstruído sobre os escombros, eles
abandonaram-na mais tarde. Alguns arqueólogos, como Kathleen
Kenyon, argumentam que Jericó teria sido abandonada antes da
data de chegada dos israelitas, ou seja, não havia cidade para eles
tomarem no momento da conquista. Outros arqueólogos como John
Garstang e Bryant Wood apoiam a teoria do "colapso súbito".
O relato dos doze espiões é um dos primeiros registros do uso
de espiões. Embora esta história não nos forneça informações
detalhadas, ela oferece lições úteis sobre a espionagem. John
Cardwell escreve que a primeira lição é usar espiões que também
não possuam poder político. Os doze espias de Moisés relataram
seus resultados publicamente. Eles eram líderes das doze tribos e
eram parte do processo de tomada de decisões em torno da
possível invasão de Canaã. Estes doze espiões interpretaram suas
descobertas pelas lentes de um político e à luz mais negativa
possível, o que afetou a interpretação do resto da comunidade. Os
espiões de Josué, por outro lado, não eram políticos ou líderes
comunitários; eles eram apenas responsáveis pela coleta de
informações. Eles não tentaram interpretar o material, mas apenas
relatá-lo em termos neutros.
Ao olhar para os doze espiões de Moisés e os dois de Josué, a
CIA concluiu que os agentes devem conduzirsuas atividades em
segredo e somente submeter informações às autoridades
competentes, não para a comunidade em geral. Uma comunidade
ignorante não é capaz de interpretar os dados brutos da mesma
maneira que os militares e oficiais de espionagem. Eles não têm o
mesmo acesso à informação confidencial ou altas autoridades
políticas; no caso de Moisés, era o acesso ao próprio Deus. Além
disso, os espiões não devem ser envolvidos em qualquer debate
sobre o curso de ação como resultado da informação reunida. Seu
trabalho é reunir informações, não avaliá-las.
Além disso, Moisés usou doze espiões amadores, cada um com
responsabilidades políticas e militares para com sua própria tribo.
Cada um deles era uma pessoa proeminente que se preocupava
mais em lisonjear seu eleitorado do que fornecer informações úteis.
Ademais, eles apenas reportaram sobre a agricultura de Canaã e
deram uma descrição física crua de seus soldados, enquanto os
dois espiões anônimos de Josué informou sobre as atitudes das
pessoas e as capacidades militares do inimigo. Moisés permitiu,
essencialmente, que a cauda abanasse o cão. Seus espiões eram
adversários políticos que enfraqueceram sua autoridade, levaram a
uma perda de confiança do público, e resultaram em um longo
período de punição nacional severa. Já a operação de Josué,
liderada por profissionais particulares, levou à primeira de uma série
de vitórias militares e o estabelecimento do reino de Israel.
A CIA afirma que muitas lições podem ser aprendidas a partir
desses exemplos. Os espiões de Josué eram frios, profissionais
desapaixonados. Eles só informaram a Josué o que lhes foi dito e
não torceram a informação para fins políticos. Eles não fizeram
qualquer julgamento moral sobre sua fonte, uma prostituta, nem
acreditaram que sua informação era inválida devido a seu passado.
Eles não forçaram Raabe a qualquer tipo de conversão religiosa
para seu recrutamento para a rede de espionagem, mas meramente
pediram por seu silêncio cúmplice. Josué não repreendeu os
espiões por recrutarem uma prostituta e até mesmo honrou o acordo
firmado entre ela e os espiões, resgatando-a e sua família da
invasão israelense. Nenhuma menção é feita ao que aconteceu com
ela depois que se uniu aos israelenses, e se ela retomou ou não sua
antiga profissão, embora a narrativa bíblica sugira que ela se tornou
uma judia observadora, como é mencionado no Evangelho de
Mateus, como um dos antepassados de Jesus.
De acordo com Cardwell, a lição é que a espionagem deve ser
realizada por profissionais sem outras obrigações militares ou
políticas que possam comprometer a sua missão. Eles devem se
reportar em segredo às autoridades superiores, sem debate. Temas
sensíveis não devem ser deixados abertos à discussão por partes
sem a devida formação em decifrar inteligência. Espiões também
não devem participar do processo de elaboração de políticas e nem
devem levar seus casos ao público. Se isso acontecer, o público, se
não atirar pedras no sentido literal, atirará pedras figurativas nas
pessoas erradas pelas razões erradas.
A operação de Moisés sofreu com suas próprias considerações
políticas também. Ele pode ter sido pressionado para selecionar um
líder de cada uma das doze tribos devido ao nepotismo,
independentemente da sua real capacidade. As instruções
específicas que ele deu foram criadas para obter a aprovação das
doze tribos, não para obter as informações necessárias. Todos os
israelitas sabiam que a operação estava para acontecer, quem ia e
o que eles pretendiam realizar. Embora os espiões tenham
completado todos os objetivos da missão, o seu esforço falhou
durante o "relatório da missão", durante as discussões públicas.
Assim, o relatório negativo dos espiões e a perda de controle da
situação ocorreu em razão da fiscalização excessiva e dos
procedimentos administrativos rigidamente controlados. Como o
relatório da CIA descreveu, a operação foi um sucesso, mas o
paciente morreu.
Josué, ao contrário, não teve problemas de supervisão. Ele não
precisou se preocupar com a definição de um cenário politicamente
aceitável para a missão. Seus espiões foram enviados secretamente
e receberam instruções mínimas, apenas para "ir, ver a terra,
especialmente Jericó" e apresentarem um relatório apenas para
Josué. Ele lidava sozinho com todas as questões administrativas,
forneceu apoio flexível para seus espiões mantendo sua barganha
com Raabe e fez os julgamentos necessários para conduzir com
êxito os israelitas a vitória. Deve ter sido um pesadelo administrativo
para Josué, mas a operação ainda prosperou.
Na sequência da publicação do relatório do Cardwell em 1978, a
CIA não pareceu acatar todas estas advertências. Missões secretas
e tentativas de mudança de regime estrangeiro continuaram durante
toda a década de 1980, como a tentativa de derrubar o governo
Sandinista da Nicarágua, o armamento dos Contras em Honduras
pela CIA e sua ajuda aos rebeldes no Camboja para lutar contra a
ocupação vietnamita. Embora nenhuma dessas atividades fosse
mais amoral do que qualquer outra típica da CIA, a agência não
conseguiu manter suas atividades secretas, e informantes vazaram
a notícia do financiamento ilegal dos Contras para a imprensa. O
caso Irã-Contras foi, sem dúvida, o pior escândalo político da
administração Reagan.
Se há alguma lição importante sobre os doze espias de Israel
que ainda é relevante para agências de espionagem atuais é que a
moralidade das ações é menos importante do que a forma como
elas são mantidas em segredo.
Capítulo 2
1. Enéas, o Tático (Século IV a.C.):
2. O Pai da Estratégia Militar
Quando os homens partem de seu próprio país para enfrentar
conflitos e perigos em terras estrangeiras e algum desastre lhes
acontece por terra ou por mar, os sobreviventes ainda deixaram a
sua terra natal, sua cidade, e sua pátria, de modo que eles não são
completamente destruídos. Mas para aqueles que estão a incorrer
em perigo na defesa daquilo que mais estimam, santuários e país,
pais e filhos, e tudo o mais, a luta não é a mesma, nem mesmo
similar.
E assim começa o tratado de Aeneas Tacticus, ou Enéas, o
Tático, sobre a melhor forma de defender sua pátria e os bens que
alguém possui de mais queridos. Se um soldado está defendendo
sua comunidade, não é suficiente afastar um inimigo. Uma exibição
pobre diante do perigo incentivará o inimigo a atacar no futuro. Mas
uma defesa robusta vai intimidá-lo e impedi-lo de invadir novamente.
Assim, um soldado deve fazer tudo em seu poder para subjugar
completamente um inimigo. Para a maioria dos gregos antigos, a
vitória vinha pela bravura, pela valentia, pela técnica e pelos
sacrifícios adequados aos deuses. Para Enéas, vinha do
reconhecimento, das comunicações robustas e da utilização de uma
nova ciência chamada de criptografia.
Enéias foi um escritor da Grécia antiga - um Arcadiano, para ser
específico - que foi o primeiro conselheiro militar ocidental a
escrever sobre a estratégia e os métodos de criptografia. Sua obra
mais famosa é a Poliorketika, ou "Comentário Tático sobre como
devem Defender-se dos Cercos", escrito em 357 aC, um livro que
ilumina as preocupações psicológicas e estratégicas de uma cidade-
estado grega menos típica, em um tempo em que Atenas e Esparta
dominavam a península. Muito pouco se sabe sobre sua vida. Nós
não conhecemos suas datas de nascimento ou morte, sabemos
apenas que ele viveu durante o século IV aC. Até mesmo seu nome
verdadeiro é desconhecido. "Tacticus" foi um sobrenome honorário
dado para distingui-lo dos muitos outros Aenei da Grécia antiga,
embora haja algumas evidências de que ele pode ter sido um
general da Confederação Arcadiana com nome de Enéas de
Stymphalos. Seu livro é cheio de ilustrações extraídas da
experiência em primeira mão.
Se Enéas, o Tático, era verdadeiramente Enéas de Stymphalos,
então ele provavelmente trabalhou como um mercenário antes de
comandar sua própria força, considerando que os Arcadianos estão
entre os primeiros povos gregos a desenvolver uma classe de
soldados profissionais pagos. Mercenáriosarcadianos eram muito
procurados e podem ter sido os primeiros instrutores dos aspetos
práticos da guerra. A carreira de Enéas como um soldado de fortuna
e então comandante das mesmas forças provavelmente deram a ele
muita experiência em primeira mão em espionagem e fraude, se não
foi ele mesmo quem os criou. Considerando que ele era de uma
polis que teve um papel pequeno na história de sua era, ele tinha
que estar mais familiarizado com a sobrevivência a um ataque do
que promover um ataque ele mesmo. Ele também tinha que
conhecer meios de despistar um inimigo com seu ofício e acumular
informações quando em menor numero de soldados e armamentos.
Ele é, assim, um patrono santo para as nações menores, que
compensam em espionagem o que lhes falta em poder militar.
O livro de Enéas é escrito no dialeto comum helenístico, feito
para o uso popular e prático. E é um livro muito prático.
Diferentemente de Sun Tzu, Enéas não está interessado em guerra
para promoção de governos ou ideologias religiosas, muito menos
harmonia ou crescimento espiritual. Ele não faz grandes discursos
sobre doutrinas religiosas ou filosóficas. Ele está interessado
somente em táticas militares, quer elas obtenham êxito ou falhem no
campo de batalha. Por exemplo, Enéas aconselha defensores de
uma cidade atacada sobre os melhores meios de fortalecer suas
edificações, apagar um incêndio, e defender-se de discussões
internas; em cada caso ele usa exemplos históricos de campanhas
recentes ou histórias conhecidas do historiador Heródoto. Ele
menciona o uso de sinais de fogo, o que evidencia a comunicação à
longa distância na Grécia Antiga. Usos similares podem ser
encontrados na literatura grega, como o início do Agamemnon de
Ésquilo, no qual o olheiro fica de pé no telhado esperando um sinal
do retorno do desaparecido Rei de Micenas. Para ele, a razão para
a guerra era salvar a cidade, e não para agradar ao Imperador ou a
Deus, ou embarcar em uma jornada de autoconhecimento.
Enéas traz detalhes intrincados sobre a segurança da
comunicação militar. Ele mesmo não desenvolveu o conceito de
criptografia e códigos, estes datam do início da inteligência militar. A
prática de contrabando de mercadorias preciosas é ainda mais
antiga - o Livro de Genesis registra Ruth, a esposa do patriarca
Jacó, subtraindo ídolos preciosos colocando-os na parte traseira de
sua sela e evitando a inspeção ao argumento de que ela não podia
se levantar do camelo por estar menstruada. Mas Enéas elevou o
campo a uma ciência. Ele foi o primeiro autos a fornecer um guia
completo de criptografia e compilou numerosos métodos de feitura
de um código inquebrável, não importando a habilidade do inimigo
em decifrar.
Embora revolucionário para o tempo em que foi escrito, seu
tratado não sobreviveu à passagem do tempo. Numerosas técnicas
desenvolvidas ou escritas por Enéas parecem ingênuas ou fáceis
de quebrar. Mas para a sociedade grega do século IV A.C. anterior
às conquistas alexandrinas na Ásia, essas técnicas eram das mais
modernas. Ele recebeu grandes elogios por sua seção em
esteganografia, a arte ou prática de ocultar mensagens em outras
mensagens. A vantagem desta criptografia é que a mensagem
secreta não atrai atenção para si. A mensagem obviamente
criptografada sempre causará interesse e pode ser incriminadora.
Às vezes, ocultar o fato de que uma mensagem secreta está sendo
enviada é mais valioso do que ocultar o conteúdo da mensagem.
Um exemplo era ocultar a comunicação sob a cera de quadros
de mensagens. No tempo de Enéas, mensagens eram escritas em
cera ou tábuas de madeira. Para adicionar uma camada de
segurança, Enéas escrevia sua mensagem no quadro e então
cobria com cera, escrevendo alguma mensagem inócua sobre a
camada, com uma palavra código para que olhassem por baixo.
Esta técnica era descrita nos escritos de Heródoto e usada para
avisar sobre um ataque iminente à Grécia e escreveu diretamente
na parte de trás de uma tábua de cera antes de aplicar a cera de
abelha à superfície.
Uma técnica similar era escrever a mensagem em uma tábua
com tinta preta. Quando a mensagem secava, o escritor cobriria o
material com um agente branqueador (possivelmente uma cobertura
branca que era um material usado para fazer cerâmica). Quando a
mensagem chegava às mãos do destinatário desejado, ele
mergulhava a tábua em água para dissolver o agente branqueador e
revelar a verdadeira mensagem. A tábua podia ser escondida às
vistas de todos de várias maneiras. Enéas recomenda colocá-la em
um altar, disfarçada de oferenda para os deuses. Ele recomendava
uma placa de madeira com um cavaleiro usando uma capa e
carregando uma rocha, um motivo comum na época. Uma vez
entregue, a tábua seria recuperada e mergulhada em óleo, o que
revelaria as comunicações.
Um método igualmente efetivo, porém menos apetitoso, requeria
competência em dissecação - armazenar a mensagem dentro da
bexiga de um animal. Qualquer bexiga animal poderia ser usada,
desde que fosse grande o suficiente para guardar a comunicação.
Primeiro, ela seria enchida como um balão e depois colocada para
secar. Uma vez seca, a mensagem poderia ser escrita na bexiga
usando uma mistura de tinta e cola. Após, o ar era retirado da
bexiga, que era colocada em uma jarra cheia de óleo. A jarra era
então entregue ao destinatário desejado, que tirava a bexiga da
jarra, inflava e lia a mensagem. A mensagem original podia então
ser apagada e a resposta podia ser escrita na mesma bexiga.
Outros métodos de esteganografia incluíam escrever em tiras de
papiro e escondê-las no corpo de uma pessoa ou de um cavalo. A
tira podia ser escondida na armadura ou túnica de um soldado ou
sob a rédea de um cavalo. Métodos mas criativos incluíam uma
mensagem colocada nas folhas usadas para amarrar a perna ferida
de um soldado. A maioria dos inspetores não seria tão minucioso
em sua investigação a ponto de verificar uma ferida infeccionada ou
tirar camadas de atadura ensanguentada. Enéas também relata
uma história de Herodoto, de uma mensagem tatuada na cabeça
raspada de um escravo, escondida pelo cabelo que posteriormente
cresceu e foi exposta raspando-o novamente. Um escravo de
Histieu transportou um aviso para a Grécia sobre planos de uma
invasão persa por este método. A mensagem era obviamente curta,
já que pouca informação caberia no crânio de uma pessoa.
Artigos de vestuário eram excelentes meios de ocultar
inteligência militar. Mensagens eram frequentemente escritas em
uma lata, particularmente se a mensagem precisava ser protegida
da temperatura, e então colocada na sandália de alguém. O
transportador podia simplesmente caminhar pelos soldados
inimigos, embora o corte em seu pé persistiria durante muito mais
tempo. Mensagens também podiam ser escritas no interior de
sapatos. Outros métodos de ocultação incluíam mensagens inscritas
em brincos de metal usados por mulheres ou inscrições em placas
de chumbo, que eram então acopladas aos braços dos soldados.
Animais eram ainda melhores transportadores de informações.
Ao contrário dos humanos, eles não sucumbiam à pressão, não
entregavam acidentalmente ou confessavam sob tortura. Um
método de enviar mensagens descrito por Enéas envolvia o uso de
cães. Um cachorro seria tirado de seu proprietário, uma mensagem
seria colocada em sua coleira e ele seria solto durante a noite. Em
território familiar, o cão retornaria para a casa de seu dono, sem que
as forças inimigas notassem. Enéas argumentava que cães
poderiam transitar no escuro com muito mais facilidade que
mensageiros humanos.
Mas às vezes os métodos mais simples eram os mais efetivos.
Um método preferencial era escrever mensagens entre os dedos de
alguém. Enéas afirma que seu método foi utilizado por Glus para
manter mensagens com sucesso ao rei da Pérsia. Alguns
historiadores duvidaram da efetividade de sua estratégia, já que seu
emprego seria impossível na corte real persa em razão da
alfândega. Todos os visitantes do palácio real tinham que manter as
mãos dentro das mangas, para evitar que eles tentassem
arremessaruma espada ou adaga em um alto oficial ou no próprio
imperador. Enéas gosta deste método, mas não explica seu
emprego diante dessa limitação.
Mas sua maior contribuição à arte da espionagem, e a razão
pela qual ele seria celebrado nos séculos vindouros, foram as
inovações em criptografia. Seu simples, mas efetivo livro de códigos
teve impacto significativo na inteligência militar durante séculos após
a sua morte. O grego do século II Políbio resistiu à dominação
romana através de seus esforços em criar uma federação entre as
cidades gregas do Peloponeso, localizadas no sul da Grécia. Ele foi
capturado pelos romanos e escreveu livros em estratégia militar
para a poderosa família Scipio, provavelmente ajudando-os a
destruir seus maiores inimigos: Corinto e Cartago.
Políbio registra o uso de um sistema de telegrafia que foi
inventado e descrito por Enéas, o que ele agora consideraria com
um livro de códigos. Ele tinha uma lista de possíveis mensagens -
"se envolver", "parar", "avançar" e assim por diante - em que cada
ação era contada. As duas partes que se comunicavam só tinham
que enviar e receber estes números. Seu livro de códigos só
enumera alguns itens, em comparação com milhares de itens
listados em livros de códigos do século XX. Políbio expandiu esse
conceito com a criação do "Quadrado de Políbio", onde as letras do
alfabeto eram arranjadas da esquerda para a direita, de cima para
baixo, em um quadrado de 5x5. Cinco números eram então
alinhados no topo do lado de fora do quadrado e cinco números no
lado esquerdo do quadrado verticalmente. As letras poderiam ser
deduzidas por referência cruzada destes números. Mensagens
seriam enviadas por longas distâncias usando dez tochas. O
remetente tinha cinco tochas à esquerda e outras cinco à direita,
dispostas de modo a que o receptor seria capaz de contá-las
facilmente.
O método mais simples de criptografia descrito por Enéas era
marcar letras em um texto. Era simples ao ponto de ser um método
de codificação usado em uma casa na árvore. Podia-se pegar
qualquer livro e marcar as letras necessárias com um ponto. O
destinatário, então, simplesmente verificaria o livro, anotando cada
letra que havia sido marcada, e leria a mensagem decodificada.
Outro método simples idealizado por Enéas envolvia a remoção
das vogais, substituindo-as por pontos. Por exemplo, um ponto seria
utilizado para A, dois pontos para E, etc. Usando este sistema, a
palavra C::M: seria decodificada para ler COME.
Um método mais complicado de codificar uma mensagem usava
um disco redondo com furos. Cada buraco representava uma letra
do alfabeto e um pedaço de fio seria passado através dos orifícios
para soletrar uma mensagem. Se uma letra precisava ser repetida, o
fio tinha que passar através de um buraco no centro do disco antes
de voltar para a letra repetida. Para ler a mensagem, a pessoa
simplesmente desfazia o fio, anotando cada letra na ordem em que
o fio foi passado pelos vários buracos. A mensagem seria escrita de
trás para frente, mas o decodificador simplesmente teria que invertê-
la para ler.
Um método semelhante envolvia o uso de um osso de tornozelo
de ovelha (chamado um astrágalo) em vez de um disco. Os ossos
do tornozelo tinham quatro lados planos e eram comumente usados
como dados, tornando-os acessórios comuns. O astrágalo
codificado seria marcado com pontos para representar as letras do
alfabeto. Cada lado do osso teria seis letras. Tal como acontece com
o disco, um pedaço de fio seria enfiado pelas várias letras com uma
agulha e, quando a mensagem estivesse terminada, o osso do
tornozelo simplesmente parecia um astrágalo com algum fio
enrolado a sua volta. Esta técnica foi idealizada por Enéas e não
parece vir de outras fontes, ao contrário de outras técnicas
registradas em seu livro.
Enéas não estava apenas preocupado com o envio de
mensagens, mas também com o inimigo passando mensagens.
Uma forma de prevenir exilados estrangeiros em sua cidade de
receber comunicações inimigas era que todas as cartas fossem
primeiro examinadas por censores. Tal leitura de correspondência é
uma prática comum nas prisões em todo o mundo e é cada vez
mais comum entre as agências de inteligência sombrias como a
NSA.
O mais importante para Enéas, no entanto, era a maneira de
enviar mensagens. Pierre Berloquin escreve em Hidden Codes &
Grand Designs que, embora Enéas não tenha sido o primeiro a usar
sinais óticos, ele inventou o primeiro telégrafo ótico. Antes do século
II a.C, os babilônios e outras sociedades antigas usavam sinais de
fumaça ou espelhos. Estas mensagens eram limitadas a um
conteúdo básico, tal como "nós ganhamos" ou "nós perdemos".
Mensageiros a cavalo ou a pé eram necessários para qualquer
coisa mais complexa. Enéas mudou esses sinais "e/ou" para uma
lista definida. Sua invenção pode ser considerada um telégrafo,
embora de nenhum modo como a invenção do século XIX que fez a
comunicação de longa distância simples e confiável.
O telégrafo de Enéas trabalhava sincronizando o emissor e o
receptor. Isso tinha que ser feito com o único dispositivo disponível
para ele: um relógio de água ou clepsidra. Cada grupo tinha um
vaso de barro opaco idêntico com uma torneira localizada na parte
inferior. Um livro de código era escrito em ambos os vasos, com
uma palavra ou frase que correspondia a cada nível de água. A
técnica para a leitura da mensagem iniciava com ambos os vasos
cheios. As duas partes abriam as torneiras juntos, deixavam fluir a
água para fora dos vasos na mesma velocidade e fechavam as
torneiras ao mesmo tempo. Quando a água estava no nível da
mensagem pretendida nos dois vasos, o receptor lia a comunicação
correta.
A sincronização do início e do fim da atividade entre as duas
partes não era fácil. Ela tinha que ser feita por sinalização com
tochas, por isso não era um verdadeiro telégrafo. Além disso, a
tocha e sistema de água só podia transmitir uma dúzia de
mensagens diferentes. Mas ainda era uma grande vantagem tática
sobre os exércitos que contavam com meios de comunicação mais
primitivos. Grande parte da Grécia é montanhosa o suficiente para
fazer tal sistema prático, mas ele tornou-se mais desafiador no mau
tempo ou entre longas distâncias. Para compensar, eles usaram
uma versão inicial do telescópio, simples tubos ocos, para se
concentrarem na imagem. Não era um método rápido de
comunicação. Na década de 1980 os alunos da RWTH Aachen
University na Alemanha testaram a tecnologia, usando tochas para
enviar sinais entre duas colinas. Sua "velocidade de download" mais
alta era uma média de oito letras por minuto, o equivalente a 64 bits
por minuto, ou cerca de 50.000 vezes mais lento do que baixar a
partir de um modem de Internet pré-DSL.
É claro que a principal preocupação de Enéas, como sabemos
pelo nome de seu livro, é sobreviver a um cerco, mas mesmo esta
seção aprofunda-se na coleta de informações e subterfúgio. No
mundo antigo, a principal arma para capturar uma cidade bem
fortificada era matar de fome os seus habitantes antes que o
exército invasor ficasse sem suprimentos e sucumbisse ele mesmo
à fome. Nesse meio tempo, o comandante de uma cidade sitiada
também tinha que defender muros e portões e neutralizar ataques
incendiários. A maior parte do seu tratado sobre a sobrevivência ao
cerco está em se proteger contra a traição. Este era o ponto mais
vulnerável de uma cidade sitiada; o exército espartano explorou
brilhantemente este fato em 399 aC, quando capturaram uma
sucessão de cidades da Ásia Menor através do engano e da força.
Se um agressor não tivesse um homem dentro de dentro da
cidade, então escalar os muros era a forma mais comum de ataque.
Enéas recomenda manter escadas de assalto longe das paredes
usando varas bifurcadas. Duncan Campbell observa em Ancient
Siege Warfare que Enéas enfatiza fortemente a utilização do fogo
como um poderoso aliado tanto para o assediador quanto para os
sitiados. Poder-se-ia criar uma cortina de fumaça, e defensores
deveriam usar o fogo "se galpões fossem construídos",
acrescentando breu e enxofrepara garantir o fogo. Sua breve seção
sobre a construção de túneis levou à sugestão de que os cercos do
período envolviam o enfraquecimento das muralhas da cidade a
partir de baixo. No entanto, muitos contemporâneos provavelmente
teriam menosprezado tal atividade, já que era vista como trabalho
escravo. O conselho sempre útil de Enéas ainda seria inútil para um
general com soldados elitistas.
O impacto da Poliorketika de Enéas varreu o mundo antigo. Seus
escritos criaram o gênero da ciência militar. Conceitos como a
obtenção de suprimentos, rotação de guarda, distribuição tática e o
uso de catapultas e torres de cerco transformados de manobras ad
hoc para um processo científico. Escritores da Idade helenística
posteriormente expandiram esse gênero. Escribas copiaram
coleções de aconselhamento militar e autores bizantinos adaptaram-
nas para manuais militares do século IX ao XI, quando a ciência
militar experimentava o Renascimento. Em seu manual militar
Tactica, o general bizantino Nicéforo Ourans, que lutou contra os
búlgaros durante o reinado do imperador Basílio II (976-1025 r.),
indiretamente pega emprestado o texto clássico de Enéas e
intercala com passagens de suas próprias opiniões.
Enéas foi um brilhante estrategista que reconheceu que a
comunicação segura era um aspecto crucial da guerra. Numa época
em que a sobrevivência de uma cidade-estado dependia da coleta
de informações, criptografia adequada e esteganografia eram uma
questão de vida ou morte para milhares de pessoas. "Comentário
Tático sobre como devem Defender-se dos Cercos" é o bisavô de
codificação digital high-end de hoje. Embora seus métodos de
codificação e entrega de mensagens sejam encantadoramente
pitorescos para os padrões de hoje, ele desenvolveu os
fundamentos científicos de um campo que hoje protege os segredos
mais importantes do mundo. Raspar a cabeça dos escravos e tatuar
mensagens em seus crânios saiu de moda nos séculos que se
seguiram, mas, como veremos no próximo capítulo, o crescimento
do Império Romano elevou seus métodos de um tópico de boutique
para um componente crucial de segurança imperial.
Capítulo 3
A Frumentarii (Séculos II e III D.C.)
A Mão Esquerda do Poder Romano
O Imperador Adriano se desesperou com o tamanho de seu império.
Ele era um imperador ativo que queria comandar pessoalmente
seus políticos e comandantes de campo, mas isso exigia um
itinerário de viagem assustador. Assim, ele viajou para quase todas
as províncias romanas para inspecionar e corrigir as legiões em
campo, da Grã-Bretanha a Palestina. Adriano deixava a Itália
durante meses de cada vez e juntava-se às campanhas que
marchavam até os confins de seus domínios, incluindo retiradas
militares na Armênia e Mesopotâmia até conquistas em Dacia (atual
Ucrânia). Através de esforços peripatéticos do imperador, ele
garantiu a paz em todo o império.
Neste caso, por que ele se desesperou?
Porque manter a ordem era quase impossível em um domínio
tão imenso. Roma, em sua extensão máxima, tinha uma população
de sessenta milhões e uma área de três milhões de quilômetros
quadrados, quase tão grande quanto a Austrália. Mesmo com linhas
seguras de transporte marítimo e um sistema viário ordenado, viajar
de uma província para outra levava semanas, até meses quando
havia mau tempo ou durante desastres naturais. Além disso,
viagens fora de Roma eram perigosas para o imperador.
Pretendentes ao trono poderiam derrubá-lo se conquistassem os
favores dos generais do exército, enquanto ele estava longe da
capital. Poucos imperadores romanos morreram de causas naturais
no período imperial, a maioria por assassinato.
Apesar destes perigos, Adriano deixou claro ao Senado que as
viagens seriam uma característica básica de sua administração. Ele
tinha firmes defensores dentro dos escalões superiores da
sociedade romana para proteger o trono enquanto ele estava fora,
particularmente o veterano militar Marcius Turbo. Mas as dúvidas
ainda permaneciam em sua mente. Abutres rodeavam seu trono,
enciumados, desejosos de usar a trabea, a toga púrpura usada
somente pelo imperador. De repente, enquanto conversava com um
coletor de trigo, ele teve uma ideia. Adriano notou que o homem
viajava frequentemente, entre pontos distantes de Roma, e
confraternizava com homens de todo espectro social. Adriano
sugeriu uma ideia ao coletor de trigo e pediu-lhe para passá-la aos
seus colegas.
Este encontro - que pode ou não ter acontecido como descrito,
mas é plausível, dada a propensão dos imperadores romanos à
paranoia conspiratória – foi o início da rede de espionagem do
Império Romano. Ela tornou-se uma força essencial no aparato de
segurança do império. É verdade, a Roma antiga foi construída
sobre as costas de suas legiões. O exército romano era mais forte e
mais móvel do que qualquer outra força em seu tempo. Mas,
embora a importância de legiões não possa ser subestimada, elas
nunca teriam alcançado tantas grandes vitórias sem a frumentarii, a
sofisticada rede de inteligência de Roma.
Antes da inovação de Adriano, o Império Romano tinha apenas
um aparato rudimentar de espionagem. Legiões militares
normalmente confiavam em olheiros ou em seus aliados para reunir
as informações de que precisavam para a vitória ou para informá-los
de possíveis ataques. Durante as guerras etruscas de 300 a.C., o
cônsul Q. Fabius Maximus enviou seu irmão, disfarçado de
camponês etrusco, para aliciar úmbrios para a causa local. Ele era
fluente em etrusco, um mestre do disfarce, e capaz de unir as tribos
da Úmbria em uma aliança. Mas o poderio militar romano era
geralmente suficiente. Roma foi capaz de conquistar vitórias
fantásticas sobre os seus inimigos ao longo dos séculos devido ao
seu poderio militar e brilhantes comandantes militares. Scipio
Africanus (Cipião Africano) conteve Aníbal de Cartago durante uma
longa guerra de atrito no século III aC e Júlio César conquistou a
Gália no primeiro século antes de Cristo por meio do uso de
estratégias similares.
Espiões não eram uma característica regular dos militares neste
ponto, mas outros segmentos da sociedade romana estavam mais
que satisfeitos em fazer uso de suas habilidades. Aristocratas
construíram redes privadas de espionagem para reunir informações
sobre os seus inimigos, saber sobre progressos recentes nas
câmaras do Senado, e mantê-los a par de quaisquer ameaças
sociais ou militares a suas enormes fortunas ou sua segurança
pessoal. Suas fortunas eram consideráveis e valiam a proteção. Tito
Lívio nos conta que os anéis retirados de aristocratas romanos
mortos após a Batalha de Canas no século II aC encheu três sacas.
Mesmo os arquitetos romanos construíam mansões com a
segurança em mente. O arquiteto de Lívio Druso perguntou-lhe se
ele gostaria que sua casa fosse construída "de tal maneira que ele
estaria livre do olhar público, a salvo de toda espionagem e que
ninguém pudesse olhar para baixo [sobre]”.
Não foi até o século II dC que uma instituição formal de
espionagem, a frumentarii, foi desenvolvida. O conflito interno no
Estado começou a piorar no período posterior à Dinastia Nerva-
Antonina dos Cinco Bons Imperadores, de 96 dC a 192 dC. No ano
193, o Ano dos Cinco Imperadores, intriga e assassinato engoliram
Roma. A liderança imperial precisava saber de quaisquer planos ou
intrigas contra o Estado e detê-los antes que fossem executados.
O desenvolvimento da frumentarii teve suas raízes em reformas
anteriores feitas por Augusto César em 31 aC, pouco depois de
derrotar Marco Antônio e adquirir controle sobre a República
Romana. Uma de suas primeiras reformas foi desenvolver um
serviço de cartografia. Para os exércitos romanos, a mais importante
unidade de inteligência militar era a localização geográfica do
inimigo. Não era tarefa simples reunir informações sobre as
extensões topográficas do Império Romano, que se estendiam da
Inglaterra ao deserto do Saara, das costas ibéricas às Montanhas
Taurus em Anatólia. Isto incluía terreno mapeado e rotas de
comunicação, tamanho da legião inimiga, marcos e objetivos
estratégicos,como celeiros ou fazendas, cruciais para a
alimentação de tropas em marcha. Até este momento, as legiões
romanas dependiam de moradores locais para obterem informações
topográficas ou rotas de marcha, uma proposta perigosa, se
queriam evitar incursão romana alimentando-lhes com más
informações. Depois de desenvolver os serviços de cartografia,
Augusto, em seguida, organizou um sistema de comunicação com
alcance por todo o estado, a primeira rede de seu tipo a cobrir o
império.
Reconhecendo que ele tinha que se proteger de tentativas de
assassinato, Augusto também desenvolveu uma rede de espiões
domésticos que poderia informá-lo de planos contra sua vida. Esses
espiões privados, chamados de delatores, eram recompensados
financeiramente por descobrir conspirações. O sistema funcionou
bem no início, mas o esquema de incentivos em breve corrompeu
os espiões. Delatores entregavam inocentes para coletar a
recompensa, ou um ao outro para eliminar os concorrentes. Os
delatores também foram explorados pelos detentores de poder para
acusar seus inimigos, falsamente, de conspiração - uma manobra
simples, considerando que os delatores ficavam felizes em aceitar
em troca de recompensas. Os espiões lucravam com a formulação
ambígua de leis relativas à traição. As leis eram tão vagas que as
acusações podiam ser feitas por razões aparentemente triviais, tais
como levar uma moeda com o rosto de Augusto para o banheiro,
insultando, assim, a pessoa do imperador.
Augusto desenvolveu dois outros ramos da inteligência nas
forças armadas romanas, os speculatores e os exploratores. Os
speculatores eram usados como mensageiros e espiões secretos
enquanto os exploratores eram utilizados como batedores. Estas
posições já existiam na estrutura militar romana, mas eram apenas
obrigações dadas caso a caso aos soldados, não a profissionais
treinados em espionagem. De acordo com Augusto, a espionagem e
a coleta de inteligência se tornaram profissionalizadas e
formalmente integradas na administração militar.
Apesar de todos esses avanços, a coleta de inteligência pela
força militar romana ainda não estava sendo usada em todo o seu
potencial. Isto resultou em uma série de derrotas evitáveis. Seus
maiores fracassos ocorreram durante a Batalha da Floresta de
Teutoburg em 9 dC, em que uma aliança de tribos germânicas
lideradas por Armínio de Cherusci emboscaram os romanos,
liderados por Públio Quintílio Varo. Em razão do mau uso dos
batedores e espiões da legião, os comandantes romanos foram
atraídos para uma emboscada, o que resultou na destruição de três
legiões - cerca de trinta mil soldados - bem como de seus auxiliares
civis. Esta derrota interrompeu o avanço romano para o norte.
Até o segundo século, era necessário um novo serviço secreto,
uma organização que pudesse fornecer serviços de inteligência em
todo o império. Esta não era uma proposta simples. Nem mesmo o
poderoso Império Romano com sua sofisticada rede de estradas - a
melhor do mundo antigo - conseguia criar uma rede de vigilância
para espionar indivíduos nos domínios distantes de Roma. A
solução foi finalmente encontrada nos séculos II e III. A rede
organizada de espiões, conhecida como a frumentarii, surgiu
durante este período, em que Roma estava repleta de conspirações
intermináveis e conluios políticos. Os estudiosos divergem quanto
ao quando a frumentarii começou a espionar diretamente para o
imperador romano, mas foi provavelmente com o imperador
Domiciano em 100 dC. Seus deveres incluíam o de coleta de
informação e de agir como mensageiros, bem como o cometimento
de assassinatos.
A frumentarii veio do setor de abastecimento do exército romano.
Eles eram oficiais e centuriões milicianos responsáveis pela compra
de grãos para as legiões individuais. Eles eram, essencialmente,
coletores de trigo; o nome frumentarii vem da palavra latina
frumentum, que significa grão, e freumentarius, ou coletor de trigo.
Esse trabalho os fazia ideais para a coleta de informações.
Abastecer o exército com grãos obrigava-os a viajar constantemente
ao longo de Roma e suas províncias. Eles estavam em contato
frequente com os oficiais do exército e eram privilegiados com
informações internas. Eles também mantinham contato regular com
os fornecedores militares, oficiais de logística, autoridades locais,
comerciantes, agricultores e notáveis. Essas relações abarcavam o
espectro social, dando-lhes inteligência significativa de qualquer
território do império. O imperador percebeu que tinha uma rede de
espionagem pronta, à sua disposição. Diferente da maioria das
polícias secretas, a frumentarii era aberta sobre a sua existência.
Eles usavam uniformes distintos e o imperador usava essa
visibilidade como um meio de exercer controle sobre a população,
deixando que eles soubessem que estavam sendo observados. O
Império Romano era baseado em um sistema de patronato, não
ideologia, e o imperador preferia manter suas ferramentas de poder
visíveis ao público.
Mas eles nem sempre permaneciam vestidos com seus
uniformes. Os agentes vestiam-se à paisana se a investigação
justificasse, ou se tivessem que entregar inteligência confidencial.
Ao longo do tempo, a frumentarii provou ser tão útil para os
imperadores que começaram a suplantar as speculatores e logo se
tornou o principal serviço secreto no Império Romano. Havia uma
estimativa de duzentos frumentários em serviço a qualquer
momento e eles entregavam relatórios de inteligência regularmente
para o centro imperial de Roma, descrevendo as ameaças militares
e políticas. Do ponto de vista do imperador, seus domínios
transformaram-se de uma expansão caótica em um todo
compreensível.
O recrutamento para a frumentarii mostrou que alguns aspectos
da vida romana mantinham uma meritocracia. Pesquisadores
modernos acreditam que eles eram recrutados de guarnições locais.
Todas as legiões enviavam frumentários a Roma e eles podiam vir
de qualquer lugar, interior ou fronteiras. Vantagens advieram de uma
força espiã multicultural. Infiltrar-se com sucesso nas aldeias do
império requeria uma ampla amostragem de seus povos; uma força
italiana ou gaulesa não se sairia bem na África do Norte ou Judéia.
Infelizmente, não conhecemos a estratégia exata de recrutamento,
embora não tenha sido tão formal como o alistamento para os Navy
Seals ou a CIA.
A frumentarii operava por todo o Império Romano, mas estava
concentrada em Roma e trabalhou em conjunto com a força policial
da cidade. A unidade tinha uma base na Castra Peregrina no Monte
Célio, em Roma, localizado em frente a uma estação dos vigiles.
Eles estavam sob o comando do princeps peregrinorum, um
centurião sênior, que se reportava diretamente ao imperador. A
frumentarii em Roma foi originalmente encarregada de investigar e
prender suspeitos, mas suas funções expandiram além das de
aplicação da lei da polícia local e tomou elementos de investigação
em todo o império e coleta de inteligência. Eles trabalhavam em
todos os níveis de policiamento militar. Desse modo, sua gama de
poderes aumentou, e eles foram autorizados a torturar e assassinar.
Adriano, que governou entre 117-138 dC, e que foi amplamente
considerado por seus contemporâneos como um humanista, foi o
primeiro imperador a usar os frumentários como investigadores.
Primeiro, fez com que eles espionassem membros do Senado
imperial e outros aristocratas. Como qualquer burocracia de
governo, os poderes desta agência aumentaram ao longo das
décadas, juntamente com a sua jurisdição. Do segundo ao terceiro
século, a frumentarii começou a realizar a vigilância interna e
espionar quase todos os cidadãos Romanos suspeitos de traição ou
de atividades ilegais, independentemente de sua posição social.
Eles observavam atentamente senadores, generais dissidentes
cristãos e qualquer outra pessoa que fosse considerada um perigo
para o Estado. Logo ninguém estava imune à frumentarii. Eles se
tornaram uma ferramenta de vigilância estatal, em vez de uma
unidade investigativa.
Um relato da utilização das froças de segurança por Adriano
ilustra opapel da frumentarii na sociedade romana e o quanto o
imperador sabia sobre a vida privada de cidadãos proeminentes. A
vigilância de Adriano não se limitava à sua própria família, mas se
estendia às de seus amigos. Ele se intrometia na vida privada de
todos e o fazia com tanta habilidade que eles nunca tinham
conhecimento, até que ele mesmo revelasse. Em um desses
incidentes, a esposa de um homem escreveu a seu marido,
reclamando que ele estava tão preocupado com prazeres e banhos
que ele não voltava para casa com ela. Adriano descobriu isso por
meio de seus agentes. Quando o marido pediu uma licença, Adriano
repreendeu-lhe por seu gosto por banhos e prazeres. O homem
exclamou: "Minha esposa escreveu para você o mesmo que ela
escreveu para mim?"
Os imperadores Cómodo e Dídio Juliano, dois governantes do
final do século II cuja liderança fraca desencadeou um enorme
tumulto dentro do império, ordenou que a frumentarii realizasse
numerosos assassinatos, assim como seus conselheiros. Durante o
reinado de Cómodo, o prefeito pretoriano Paternus ordenou que a
frumentarii matasse Saoterus, um grego da Bitínia que serviu como
camareiro do palácio do imperador e, segundo acreditava-se, foi um
dos amantes de Cómodo. Em 193, Dídio Juliano provavelmente
enviou um centurião da frumentarii para assassinar Septímio Severo
durante o turbulento Ano dos Cinco Imperadores. O plano falhou,
Septímio Severo se revoltou e tornou-se o próximo imperador. Na
guerra civil de 238, os frumentários foram usados como
mensageiros imperiais especiais, quando Pupieno Maximo cercou-
os em todas as províncias para proclamar que qualquer um que
ajudasse o seu adversário Maximino Trácio seria considerado um
inimigo do Estado. Claramente não faltava trabalho para a polícia
secreta no século II, quando senadores e imperadores
constantemente requisitavam assassinatos políticos.
Sua ordem prosperou em meio à instabilidade. Como resultado,
eles eram propensos ao abuso de poder. Suspeita-se até mesmo
que alguns deles semeavam a discórdia política a fim de lucrar com
o caos. Segundo o historiador do século IV Aurelio Vitor: "Estes
frumentarii, embora parecessem ter sido instituídos para pesquisar e
relatar sobre quaisquer distúrbios que fossem surgindo nas
províncias, perversamente inventavam falsas acusações e incutiam
medo em todos os lugares (especialmente em áreas remotas), eles
vergonhosamente saquearam tudo."
Espionagem, tortura e assassinato eram suas funções mais
notórios, mas não as únicas. Como servidores públicos, eles
frequentemente exerciam funções burocráticas rotineiras de
operações encobertas. Estas incluíam a supervisão de prisões,
minas públicas e pedreiras. Eles também supervisionavam campos
de trabalho e projetos de construção. Outros frumentários
trabalhavam como coletores de impostos não-oficiais, supervisores
e mensageiros. Apesar de executarem tarefas braçais
ocasionalmente, eles tinham orgulho de seu status. Os frumentários
colocavam suas insígnias e posição hierárquica em suas lápides.
Diversas inscrições homenageiam o gênio da Castra Peregrina, o
que sugere que os frumentários tinham postos e posições sociais
elevados.
Além de assassinatos políticos e tortura, a frumentarii também
perseguia os cristãos. Quando São Paulo estava aguardando seu
julgamento, em Roma, na década de 60 dC, um membro da ordem
manteve guarda. Outras histórias da tradição primitiva da Igreja
relembram a frumentarii à procura de cristãos para prendê-los,
seguindo-se de tortura e execução. Eusébio, um historiador Igreja
primitiva, descreve um incidente em que a frumentarii procurava por
um homem chamado Dionísio. Ele foi capaz de esconder-se em sua
casa, antes de fugir de Roma com a ajuda de seus irmãos. Outras
fontes do primeiro século reportam soldados à paisana prendendo
cristãos. Depois que um incêndio queimou a maior parte de Roma
em 64 dC, eles forneceram falsas evidências para Nero usadas para
implicar os cristãos como a causa. Segundo Tácito, os cristãos
foram torturados pela frumentarii até confessarem que deram início
à conflagração.
O papel encoberto da frumentarii tornou-se conhecido na
sociedade. Como resultado, a população odiava a organização por
seus propósitos, vigilância, prisões arbitrárias e tortura de grupos
marginalizados. Até o final do terceiro século, eles eram vistos como
uma praga dentro do império, ameaçando destruir o hospedeiro.
Sua reputação afundou ainda mais quando eles assumiram o cargo
mais desprezado, porém mais lucrativo do governo - a cobrança de
impostos. Como na maioria das cobranças de impostos romanos,
eles provavelmente extorquiram o seu caminho até uma riqueza
significativa. Os gregos os apelidaram de kollectiones. O número de
frumentários continuava a subir, tornando-os um alvo fácil para o
escárnio. Indivíduos e cidadãos romanos tinham medo de expressar
suas opiniões quando a frumentarii, arbitrariamente, começou a
realizar biscas nas casas e a chacoalhar a população local em
busca de suborno.
Sua reputação se deteriorou. Logo, qualquer associação pública
com a ordem poderia ferir a posição social do indivíduo ou produzir
graves repercussões. Em 217, o imperador Macrinus nomeou
Marcus Oclantinius Adventus, o ex-chefe da frumentarii e prefeito da
Guarda Pretoriana, para o Senado. Esta decisão foi amplamente
ridicularizada pela fundação romana e resultou na ruína de
Macrinus.
A frumentarii se tornou tão odiada nas décadas que se seguiram
que o imperador Diocleciano, que governou entre 284-305, decidiu
dissolver a força por medo de que pudesse sofrer uma reação
pública ao associar-se com eles. Este ato foi realizado
exclusivamente para um espetáculo público, já que ele
simplesmente substituiu-os por um novo serviço secreto chamado
de agentes in rebus (agentes gerais). Eles tinham históricos civis e
eram muito mais numerosos do que a frumentarii, totalizando 1.200.
Mas os abusos de poder continuaram entre este grupo, que
continuou a funcionar até os anos 700 na capital bizantina de
Constantinopla.
A frumentarii estava entre as primeiras agências de serviços
secretos totalmente desenvolvida de qualquer governo. Ela exerceu
um poder considerável dentro do Império Romano, mas se tornou
tão corrupta que o imperador não teve escolha senão dissolver a
organização, mesmo que apenas para salvar as aparências. No
entanto, a memória de uma extensa rede de polícia secreta
assombrou os domínios de Roma durante séculos após o colapso
do império. O historiador bizantino Procópio escreveu uma história
controversa no século VI, mas nunca publicou por medo que a
polícia secreta reivindicasse sua vida. O relato era cheio de
escândalos sexuais e intrigas durante os reinados do Imperador
Justiniano e da Imperatriz Theodora, em descrições particularmente
gráficas da juventude de Theodora como um artista de circo e
prostituta. Ele só publicou seu relato postumamente por medo de
espiões do imperador. Ele escreveu:
“Você vê, não foi possível, durante a vida de certas
pessoas, escrever a verdade sobre o que eles fizeram,
como um historiador deveria. Se eu fizesse, suas hordas
de espiões teriam descoberto e teriam me submetido à
morte mais horrível.”
Se a finalidade da frumentarii era manter o controle social, ela foi
um programa de grande sucesso. Estudiosos e autoridades públicas
em todo o mundo romano antigo ainda praticavam a autocensura
séculos depois que a organização foi dissolvida. Eles foram um
símbolo do poder sombrio da elite romana. Eles destruíram qualquer
discordância ou intriga política. Nenhuma província estava livre de
seu longo alcance. Eles podiam estrangular qualquer ameaça ao
poder imperial.
Um feito e tanto para algumas centenas de fazendeiros de trigo.
Capítulo 4
Gilbert Gifford (1560-1590)
Agente Duplo para a Inglaterra e a Escócia
Quando Henrique VIII rompeu com a Igreja Católica, em 1534, ele
sabia que a transição seria difícil. Mesmo no século XVI, o papado
não se acanhava com o uso de excomunhão e execução contra
apóstatas. Mas ele nunca poderia ter imaginado a onda de violência,o facciosismo e os assassinatos que envolveram a Inglaterra pelas
próximas décadas. Logo depois que ele se declarou o chefe
supremo da Igreja da Inglaterra, centenas de milhares de católicos
protestaram. Eles lançaram uma revolta generalizada chamada de
Peregrinação da Graça depois que ele determinou o fechamento de
mosteiros à força. Henrique esmagou-o com um punho enluvado,
executando o líder Robert Aske e acorrentando seu corpo às
muralhas do Castelo York como um aviso para os outros. A violência
entre anglicanos e protestantes foi temporariamente reprimida, mas
ameaçava reacender-se a qualquer momento. Sua filha, a rainha
Elizabeth, aprendeu isso da maneira mais difícil, esquivando-se de
tentativas de assassinato durante todo o seu reinado de quarenta e
cinco anos.
No meio deste mundo caótico de conspirações, intrigas políticas
e espionagem, estava Gilbert Gifford, que foi, segundo a maioria dos
relatos, o mais famoso agente duplo da Inglaterra do século XVI.
Este filho de uma dissidente família aristocrática em Staffordshire,
este agente provocador, construiu uma carreira sobre tensões
religiosas que ameaçavam engolir a Grã-Bretanha, na sequência da
Reforma Protestante. Ele também impediu uma tentativa de
assassinato da Rainha Elizabeth que, se bem sucedida, teria
alterado completamente o destino da Inglaterra, ainda no auge do
poder mundial e do domínio naval global.
Oponentes católicos de Elizabeth planejaram, durante a maior
parte do início de seu reinado, sua derrubada e substituição por
Maria da Escócia, que restauraria a herança católica da Inglaterra.
Mas uma rainha de valores tão fortes como Elizabeth nunca
renunciaria. A única maneira seria removê-la permanentemente.
Elizabeth já havia ordenado a prisão de Maria da Escócia em 1568,
em um esforço para afastar qualquer possibilidade de conspiração.
Seu mestre espião, Sir Francis Walsingham, ordenou que Maria
fosse mantida incomunicável. Isso não impediu que seus partidários
católicos planejassem um golpe, de qualquer maneira.
Para dissipar as preocupações de Elizabeth sobre os motivos de
sua prima Maria, a Rainha da Escócia concordou em assinar um
termo de ligação - uma declaração férrea de boa-fé. O termo
declarava que se alguém tentasse uma conspiração contra o trono
em nome de outro pretendente ao trono, o requerente já não seria
elegível para a ascensão ao trono. Para selar o assunto, eles
também seriam executados. A pena de morte seria aplicável mesmo
que o requerente não tivesse qualquer conhecimento direto da
conspiração contra o trono; a trama simplesmente precisava ser
realizada em nome do requerente. Em outras palavras, se qualquer
um dos simpatizantes de Maria tentasse assassinar Elizabeth,
mesmo sem o conhecimento de Maria, Rainha da Escócia, seria
decapitado. Pouco depois da assinatura de Elizabeth, o Parlamento
formalizou o documento, tornando-o uma lei apelidada de Act of
Association.
Apesar do novo risco de ter a cabeça decepada, facções pro-
Maria começaram a eclosão de uma conspiração para depor
Elizabeth. Gifford foi fundamental para o fracasso dessa trama,
tendo se infiltrado na conspiração como agente duplo. O jovem
caprichoso se tornou amigo íntimo dos conspiradores católicos e até
foi ordenado sacerdote. Ele foi tão bem sucedido em imitar um
simpatizante papal que os assessores de Elizabeth pensaram que
ele era um agente triplo. Quaisquer que fossem os verdadeiros
motivos de Gifford, seu sucesso em desvendar a trama de
assassinato levou à execução de muitos conspiradores, incluindo
Maria.
Gilbert Gifford nasceu em 1560 filho de John Gifford, um membro
do Parlamento e com uma família extensa devota ao catolicismo.
John Gifford recusou-se a participar dos cultos anglicanos e foi
preso por seu apoio ao catolicismo, que pelo reinado de Elizabeth
passou a ser considerado quase uma traição. William Gifford, um
primo de Gilbert, era doutor em lei canônica e aderiu ao hábito da
Ordem dos Beneditinos em 1608 e foi nomeado bispo de Reims, em
1622.
Gilbert era um estudante irascível. Ele desafiava os professores,
líderes religiosos, seus pais e qualquer outra figura de autoridade.
Diz-se até que teria desafiado um colega para um duelo em razão
de uma discussão acalorada. Para suavizar a insubordinação e
indisciplina de seu filho, John enviou o garoto de 17 anos para
Douai, França, para ingressar no Colégio Inglês do Cardeal William
Allen, que foi criada em 1568 como um seminário para abastecer a
Inglaterra de sacerdotes enquanto o país mantinha-se separado do
Papa e da Sé de Roma.
O Cardeal Allen foi uma das mais poderosas figuras de oposição
religiosa do início da Reforma Inglesa. Ele aconselhou e
recomendou ao Papa Pio V que depusesse Elizabeth I. Ele também
ajudou no planejamento de invasão da Inglaterra pela Armada
espanhola. Se tivessem conseguido, ele provavelmente teria sido
instalado como arcebispo de Canterbury e Lord Chancellor. O mau
tempo impediu o sucesso da invasão, mas a manobra de Allen
convenceu Elizabeth de que ela não podia confiar em seus súditos
católicos. Após sua excomunhão pelo Papa em 1570, quando ele a
declarou ilegítima e liberou seus súditos católicos da obediência a
ela, Elizabeth acabou com as políticas de tolerância religiosa que
definiram o início de seu reinado e começou a perseguir opositores
religiosos católicos.
A chegada de Gifford na França foi o início de uma temporada
de vida nômade. Ele entrou na faculdade em 1577, na esperança de
se tornar um padre missionário, mas foi transferido para o Colégio
Inglês em Roma depois de dois anos. Apesar de ser considerado
inteligente pelos seus superiores no Colégio Inglês, ele era um
estudante pobre. Eles reclamavam de sua dissimulação e caráter
enganoso, qualidades que provavelmente o fizeram se destacar
como um candidato a espião. Ele foi expulso em 1582, mas o
Cardeal Allen permitido seu retorno a Rheims para ensinar teologia
depois que ele se desculpou por sua má conduta. Aparentemente, o
pedido de desculpas não foi sincero, como Allen escreveu em 29 de
março de 1583, opondo-se que ele ficasse no seminário de Douai
ou em Roma. Ele visitou Roma novamente em 1583, foi ordenado
subdiácono em março de 1584, e então diácono em abril 1585 pelo
cardeal de Guise em Rheims.
Enquanto estavam no Colégio Inglês Cardeal Allen, Gifford e seu
colega Edward Gratley conheceram Solomon Aldred, um espião
católico romano para Sir Francis Walsingham. Aldred recebia fundos
do serviço secreto Inglês e estava à procura de recrutas para a
organização. O serviço secreto de Elizabeth ampliou-se em função
da ordem de excomunhão do papa, que deu sanção formal aos
católicos para matá-la. Neste momento Gifford recebia propostas
para entrar para o serviço secreto Inglês em um momento
indeterminado no futuro.
Sua biografia manchada levou a um debate considerável sobre
se o jovem estudante era um agente ou um agente duplo. Alguns
estudiosos acreditam que Gifford estava empenhado em colocar
Maria no trono no início da trama, enquanto outros argumentam que
ele estava trabalhando para o serviço secreto da rainha Elizabeth
desde o início. Todos concordam que, no seu regresso a Rheims em
1583, Gifford fez amizade com John Savage, um dos conspiradores
anti-Elizabeth tramando para matar a rainha. Em 1585, Gifford
reuniu-se com dois outros conspiradores, Thomas Morgan e Charles
Paget, em Paris. Morgan era um representante de Maria, Rainha
dos Escoceses, que estava preso no Castelo Chartley em
Staffordshire. Durante a reunião, Morgan deu a Gifford uma carta de
apresentação, a qual ele poderia usar para conhecer Maria e ganhar
sua confiança. A carta informava a ela que Gifford era confiável para
passar as cartas pessoais entre ela e Guillaume de l'Aubespine,
Barão de Châteauneuf-sur-Cher, o embaixador francês na Inglaterra
e seu principal agente em Londres.
Há algumas evidências de que Gifford concordou em trabalhar
com o serviço secreto inglês enquanto estava em Roma, mas as
fontes são tão escassas que é plausível que ele não se tenha
oposto à conspiração, atéque foi capturado a caminho da Inglaterra.
Sir Francis Walsingham, ou o prendeu como espião católico ou
deteve-o como um manipulador. Outro relato diz que ele foi recebido
sem despertar suspeitas na embaixada francesa em Londres. Ele
confraternizou com nobres católicos e jovens da aristocracia
católica, mas nem eles nem a sua família suspeitavam de sua
intenção traidora. Em seguida, apresentou-se a Thomas Phelippes,
o chefe dos espiões de Walsingham, para receber suas ordens de
missão.
De qualquer maneira, Gifford concordou em tornar todas e
quaisquer cartas escritas pelos conspiradores disponíveis para o
serviço secreto Inglês antes de serem entregues ao seu
destinatário. Depois que foi liberado, Gifford chegou ao Castelo
Chartley em janeiro para ver Maria. O jovem encantador
rapidamente ganhou a confiança dela. Maria concordou em entrar
em contato com os conspiradores, com Gifford como intermediário,
e aceitou a oferta dele de conduzir sua correspondência secreta
para Londres. Seu carcereiro, Sir Amias Paulet, sabia que Gifford
era um espião e o influenciou consideravelmente para que ele
visitasse a pretensa usurpadora.
Diversas cartas foram passadas entre Maria e os conspiradores,
tendo todas elas sido entregues primeiramente ao serviço secreto
inglês para serem decodificadas, lidas e então enviadas para o seu
destinatário. Phelippes solucionava as cartas codificadas quase tão
rapidamente quanto as recebia. Gifford acordou com Walsingham e
Phelippes que disponibilizaria para eles toda a correspondência da
Rainha Maria, mas ele tinha que entregá-la de forma que não
levantasse suspeitas. O primeiro passo era ter todos os apetrechos
e história pregressa plausível de um espião. Ele disse a Maria, aos
seus amigos e ao embaixador francês que havia feito contato com
um fabricante de cerveja simpatizante que contrabandeava as
cartas em barris de cerveja. O fabricante de cervejas embarcava os
barris para um outro cavalheiro católico, que os encaminhava à
embaixada francesa em Londres. Gifford fingiu que as cartas eram
enviadas de Londres, da mesma forma. Sua artimanha funcionou,
mas Walsingham tinha pouca confiança no agente duplo. Sem o
conhecimento de Gifford, seu espião enviava as cartas novamente
para Paulet para garantir que nada tinha sido adicionado às cartas
antes de inseri-las nos barris para a entrega.
O estratagema era complicado, mas convenceu a rede
conspiratória católica. Gifford, naturalmente, nunca enviou cartas
por este elenco de personagens de ficção. Na verdade, ele copiava
as cartas de Maria e enviava os originais para Phelippes em
Londres. O espião então encaminhava as cópias para o embaixador
francês por um intermediário a fim de não despertar suspeitas.
Ninguém suspeitava do tempo de viagem de um mês entre Maria e
seu contato em Londres, apesar da distância relativamente curta
entre os dois locais. O contato Francês confiava totalmente em
Gifford. Ele ficou impressionado com seu esquema de transporte de
correspondência utilizando um barril de cerveja. Foi tão eficaz que o
embaixador francês deu-lhe toda a correspondência que havia
acumulado para Mary nos últimos dois anos, que ele tinha sido
incapaz de enviar até então. Ele entregou estes todas para
Phelippes antes que fossem enviadas para Maria. Ela e seu capataz
Paulet ignoravam o laço que Gifford lentamente amarrava ao redor
de seus pescoços.
O conteúdo destas cartas deu a Walsingham informações
suficientes para prender os conspiradores, mas ele não tinha
qualquer evidência de cumplicidade de Maria na trama. Gifford
continuou a visitar Londres e Paris para provocar seus contatos
católicos. Ele encorajou os conspiradores primários, Anthony
Babington e John Ballard, para prosseguir com sua trama, o tempo
todo informando Walsingham de cada etapa. Mas não foi até a sua
visita a Paris em 1586 que ele obteve os verdadeiros planos do
inimigo. Através de Bernardino de Mendoza, o embaixador espanhol
expulso de Paris, ele tomou conhecimento que planos detalhados
para o assassinato de Elizabeth já estavam em ação. Para Gifford,
ele prometeu apoio espanhol no esquema.
Os conspiradores tinham motivações pessoais para continuar a
trama. Babington, nascido em 1561, foi secretamente criado como
católico romano em meio a agitação religiosa na Inglaterra. Desde
tenra idade, ele era um pajem de Maria, Rainha da Escócia, e
admirava sua devoção religiosa e seus talentos. Ele tornou-se um
partidário anti-Elizabetano em 1580, quando ele se mudou para
Londres e se juntou a uma sociedade secreta que apoiava
missionários jesuítas. Babington era capaz de fornecer mais
assistência quando chegou a Paris e se juntou aos seus partidários,
entregando correspondências para a rainha escocesa. Ele e John
Ballard começaram a elaborar um plano para assassinar Elizabeth e
seus ministros. Eles organizariam um levante católico na Inglaterra,
libertariam Maria, instalando-a no trono, e se vingariam de seus
perseguidores protestantes.
Enquanto alguns historiadores - particularmente aqueles com
simpatias católicas - acreditam que Gifford sugeriu o plano para
Mendoza, seja como agente católico adormecido ou como uma
armadilha, o ponto de vista padrão é que Ballard criou o plano. Ele
pensava que nenhuma invasão estrangeira à Inglaterra teria
sucesso enquanto Elizabeth estivesse no trono; Ballard achava que
os planos de John Savage resolveriam este problema.
Independentemente de quem elaborou o esquema, Gifford
continuou a trabalhar como um intermediário entre Babington e
Maria.
O acúmulo de cartas de dois anos que o embaixador francês
confiou a Gifford e o rápido e massivo aumento de novas
correspondências gerado pelos novos canais de comunicação
abertos pela agente duplo deram ao serviço secreto Inglês uma
orgia de evidências. A conspiração atingiu seu apogeu em julho
1586, nos estágios finais da preparação para o assassinato de
Elizabeth. Algumas vezes, Phelippes lia duas ou mais cartas por dia.
Babington informou Maria sobre os planos estrangeiros para a
invasão e a insurreição planejada por católicos ingleses. Um partido
forte iria desembarcar em cada porto Inglês e livrar a rainha da
Escócia. Ele prometeu resgatá-la de Chartley com uma centena de
seguidores. Seis nobres católicos se comprometeriam com a
execução de Elizabeth.
Durante este tempo, Walsingham não fez prisões, mas deixou a
trama desenvolver e o volume de cartas se acumular na esperança
de que Maria incriminasse a si mesma. Ele conseguiu o que queria
no início de julho, quando Babington especificou os detalhes do
plano em uma carta para a rainha da Escócia, descrevendo a
invasão espanhola, seu próprio resgate e "o despacho da
concorrente usurpadora." Ela enviou a sua resposta para Babington
em 17 de julho, reconhecendo "esse empreendimento" e
aconselhou-o sobre maneiras de obter sucesso. Ela apresentou os
elementos de um resgate bem sucedido e a necessidade de
assassinar Elizabeth para que o resgate tivesse qualquer chance de
êxito. Ela também enfatizou a necessidade de ajuda externa e do
apoio de príncipes católicos se a tentativa fosse prevalecer. Quando
Phelippes decifrou este código, ele subscreveu-a com a marca de
forca.
Agora que Walsingham tinha sua prova, ele prosseguiu para
prender os conspiradores. John Ballard foi preso em 4 de agosto.
Sob tortura, ele confessou e implicou Babington. O restante incluíu
Chidiock Tichborne, Sir Thomas Salusbury, Robert Barnewell, John
Savage, e Henry Donn. Eles e um grupo de outros sete homens
foram presos em 15 de agosto, e julgados e condenados pouco
depois. Os dois secretários de Maria, Claude Nau de la Boisseliere e
Gilbert Curle, também foram levados sob custódia e interrogados.
Os conspiradores foram condenados à morte por traição; o primeiro
grupo foi enforcado, arrastado e esquartejado em 20 de setembro
de 1586. O clamor contra a execução brutal foi tamanho, que
Elizabeth mudou a ordem para o segundo grupo, para que fossem
enforcados até a morte e então estripados. Maria foi decapitada em
08 de fevereiro, 1587. A ameaça católica à Inglaterrafoi extinta. A
Reforma Protestante era agora irreversível. A Inglaterra ascendente
liderou o caminho.
Os detalhes da Conspiração de Babington nunca foram
completamente trazidos à luz. A comunidade de inteligência da
Inglaterra do século XVI não produziu toneladas de memorandos
como fazem as agências de espionagem modernas. Assim, os
historiadores não têm o benefício de uma extensa trilha de papel.
Como resultado, as verdadeiras lealdades dos envolvidos na trama
Babington permanecem um mistério, principalmente Gifford. Alguns
estudiosos afirmam que as cartas que ele entregou a Walsingham
foram parcialmente ou completamente forjadas. Outros afirmam que
Gifford foi o mentor da trama, mas acusou seus co-conspiradores
quando falhou, reduzindo suas perdas. Mas as evidências para esta
alegação são fracas ou circunstanciais. Ele teria que ser um
mentiroso excepcionalmente talentoso para improvisar um álibi que
fosse verificado em todos os níveis da comunidade de inteligência
da Inglaterra.
Mas com todas as encruzilhadas e traições em torno do caso,
Gifford se preocupava que os oficiais ingleses pudessem ter
pensado que sim. À medida que sua participação na Conspiração
de Babington continuou, ele lutou para apoiar sua boa-fé inglesa e
protestante e eliminar qualquer suspeita sobre suas verdadeiras
lealdades. Em 08 de julho de 1586, ele apresentou um livro para
Walsingham denunciando Parsons e os jesuítas, que ele e Gratley
haviam escrito anteriormente. O livro - escrito também para manter
sua credibilidade com os católicos na França, que não gostavam
dos Jesuítas - aparentemente agradou Walsingham, que distribuiu
cópias impressas. Enquanto ainda está envolvido na trama, ele
organizou simultaneamente para ganhar um passaporte para ir para
o estrangeiro, sob o pretexto de espionar refugiados ingleses
católicos.
Até o final daquele mês, Gifford sabia que a trama para
assassinar a Rainha Elizabeth acabaria em fracasso. Todos os
detalhes foram resolvidos pelos conspiradores e encaminhados para
o escritório de Walsingham. Gifford, talvez preocupado que pudesse
ser erroneamente preso ou alvo de católicos pelo seu envolvimento,
deixou a Inglaterra para a França sem informar ao seu supervisor.
Gifford escreveu a Phelippes e Walsingham após a prisão,
expressando seu desejo de que sua partida repentina não fosse
julgada como um movimento sinistro. Ele mesmo ofereceu seus
serviços continuados em 3 de setembro.
Naturalmente, a sua partida teve o efeito oposto. O serviço
secreto Inglês suspeitando da culpa de Gifford, lembrando de seu
passado manchado e das simpatias católicas de sua família. Não
ajudou o fato dele estender a mão para o embaixador espanhol
Mendoza, que havia sido expulso da Inglaterra em 1584 por
envolvimento na Conspiração de Throckmorton - outra trama de
assassinato contra Elizabeth - e ao mesmo tempo manter em
contato com Phelippes para assegurar o pagamento da pensão
anual de £100 prometida por Walsingham. Elizabeth, além disso,
estava abalada pela tentativa de assassinato e queria enviar uma
mensagem para todos os outros candidatos a assassinos, fazendo
alguém de exemplo. Sua administração não estava com espírito
para negociação.
Ele agora era um homem marcado em ambos os lados do Canal
Inglês. Autoridades francesas e espanholas suspeitavam que ele
fosse o traidor que vazou cartas da Rainha Maria para a inteligência
Inglês. Eles não sabiam o seu papel exato ou a extensão de sua
traição, mas eles suspeitavam que Gifford houvesse cooperado com
a Coroa Inglesa em algum nível. Ele agora tinha que viajar pela
Europa sob uma identidade falsa.
Na primavera de 1587, usando o pseudônimo de Jacques
Colerdin, Gifford viajou para Reims, onde foi ordenado sacerdote.
Ele expressou interesse em seguir carreira de professor e chegou a
Paris no ano seguinte. Neste ponto, o espião Inglês tinha adquirido
um guarda-roupa diversificado de trajes clericais, a fim de assumir
múltiplas identidades e permanecer incógnito: Gifford entrou na
cidade disfarçado de sacerdote anglicano. No entanto, o seu
passado o alcançou. Uma vez em Paris, Gifford discutiu com um
exilado católico inglês, Sir Charles Arundel, que acusou Gifford de
escrever contra os jesuítas. Oficiais estavam cientes de sua
presença na cidade e ordenaram uma busca.
Em dezembro daquele ano, Gifford foi preso em um bordel. Ele
foi encontrado na cama com uma mulher e um servo do conde de
Wessex. A polícia levou-o para o bispo de Paris, que não estava
satisfeito com o estilo de vida deste chamado sacerdote, e nem
aprovava a humilhação do embaixador francês em Londres. Ele foi
enviado para uma prisão eclesiástica.
No entanto, ele ainda tinha defensores. Apesar da natureza
desonrosa de sua prisão e sua fuga do país, simpatizantes ingleses
que achavam que ele tinha sido crucial para frustrar a Conspiração
Babington procuraram assegurar a sua libertação. Sir Edward
Stafford, o embaixador inglês, fez esforços para que as acusações
fossem retiradas. Gifford, provando ser seu pior inimigo, fez
acusações contra Stafford, a fim de ganhar a simpatia de seus
captores católicos franceses e convencê-los de que ele era um
companheiro de conspiração.
Não funcionou. Ele foi mantido na prisão e interrogado.
Transcrições de seu interrogatório mostram que ele fez uma última
tentativa para servir os seus próprios fins e culpar os outros para
provar sua inocência, ou pelo menos ganhar a simpatia dos seus
carcereiros. Ele alegou que Morgan e Paget eram agentes duplos
para a Inglaterra, mas, a esta altura, poucos acreditavam em uma
palavra que ele dissesse. Gifford foi finalmente levado a julgamento
em agosto de 1589 e condenado por agir contra os interesses da
Igreja Católica. Ele foi condenado a 20 anos de prisão. Durante este
tempo, Paris estava sob ataque do rei francês que tentava retomar
Paris da Liga Católica, uma confederação religiosa formada para
erradicar os Huguenotes. Henrique de Navarra obteve uma vitória
decisiva contra a Liga Católica e deixou Paris sitiada. O cerco de
Paris durou seis meses, provocando escassez de alimentos e fome.
Estima-se que 40 a 50 mil pessoas tenham morrido durante o cerco,
a maioria de fome. O cerco finalmente terminou em agosto 1590,
com Henry recuperando o controle. Gifford permaneceu na prisão
por todo esse tempo. Ele morreu poucos meses depois do fim do
cerco devido a problemas de saúde.
Embora existam algumas questões quanto a Gilbert Gifford: se
ele estava agindo como um espião para Walsingham ou se traiu os
conspiradores quando foi capturado, não há dúvida de que ele
desvendou a Conspiração Babington. Sem Gifford, Walsingham
poderia não ter sido capaz de obter as provas que condenaram
Maria ao machado do carrasco. Assim, a Inglaterra tem uma dívida
de gratidão com Gifford. Ele não era um homem admirável, nem
mostrava muita habilidade além de sua experiência em mentir
durante a sua carreira como um agente duplo - ou triplo ou
quádruplo. Ele parecia não ter lealdade maior do que com sua
própria segurança. Sir Edward Stafford, o embaixador inglês em
Paris que revisou a documentação depois de sua prisão em 1587, o
chamou de "o mais notável vilão duplo triplo que já viveu." Mas foi
devido aos seus esforços que a maior monarca da Inglaterra
sobreviveu e preparou sua nação para o domínio global nos séculos
vindouros.
Capítulo 5
Sir Francis Walsingham (1532-1590)
A Serviço Secreto de Sua Majestade Elizabeth
Como vimos no capítulo anterior, qualquer conspirador ou suposto
assassino contra Elizabeth teve um fim mortal. Seu reinado longo e
bem sucedido provou que a rainha poderia ser uma monarca tão
poderosa e estável quanto qualquer rei. Mas sua proteção só foi
possível devido a uma exigente estrutura de apoio. A Inglaterra
estava em desvantagem numérica em relação aos seus rivais mais
poderosos do continente europeu. Era uma ilha protestante em um
mar de catolicismo e mantinha relações mornas-a-hostis com a
França, os Países Baixos, a Espanha e ao papado - que
essencialmente colocar um alvo sobre ela em razão de sua
“apostasia”.Elizabeth estava em perigo constante e era mantida em
segurança por uma rede de espionagem supervisionada pelo
brilhante, astuto e implacável espião Francis Walsingham. Elizabeth
tina tanta confiança no ministro que ele era o responsável não
apenas pela vida dela, mas ele mesmo conduziu as negociações de
casamento em seu nome com outros monarcas europeus solteiros.
Ao longo de sua extensa carreira, ele desmascarou várias
conspirações contra a Coroa. Como Secretário do Conselho
Privado, desenvolveu modelos influentes para as funções de
secretário e espião supervisionando embaixadores, informantes,
correios, e decifradores de códigos. Ele criou uma rede de
inteligência internacional, com contatos de agentes nas
comunidades mercantis europeias e tribunais no exterior. O
equivalente moderno de sua posição era Secretário de Assuntos
Externos e chefe do MI5 e MI6, fazendo dele o “M” elisabetano. Um
de seus lemas era "conhecimento nunca é muito caro", o que ele
praticava. Walsingham pegava informações onde quer que pudesse
encontrá-las, se de um marinheiro que ouviu as últimas fofocas do
bordel em Marselha, ou um político francês com simpatias
protestantes. Walsingham conseguiu informações até mesmo dos
embaixadores da Espanha e reuniu informações detalhadas sobre o
ataque planejado pela Armada espanhola. O testemunho de seu
sucesso é o fato de que Elizabeth governou por quase cinco
décadas e morreu de velhice, não por assassinato.
Walsingham nasceu em 1532, filho de William e Joyce
Walsingham. Seu pai era um advogado rico e bem relacionado que
morreu alguns anos depois de seu nascimento. Joyce então se
casou com Sir John Carey, que favoreceu a incursão de
Walsingham na sociedade elitista. Suas irmãs também se casaram
bem, dando-lhe laços adicionais à aristocracia inglesa. Walsingham
frequentou o King’s College, em Cambridge, de 1548 a 1550. Em
seguida, ele viajou pela Europa entre 1550 e 1552, estudando na
França e na Itália. Depois de voltar para a Inglaterra, ele se
inscreveu no Gray’s Inn, um corpo de qualificação inglês para
advogados. Ele voltou para a Europa mais uma vez para continuar
estudando até 1560. A familiaridade com o continente e as
amizades conquistadas se mostraram de grande valia para a sua
profissão nas próximas décadas.
Ele era um devoto protestante e esta escolha de fé deu-lhe uma
juventude turbulenta. Quando a católica Mary Tudor ascendeu ao
trono da Inglaterra, Walsingham e outros protestantes ricos
deixaram a Inglaterra em um exílio auto imposto. Assim, ele
continuou seus estudos em universidades de Direito em Basel na
Suíça e Pádua na Itália. Ali, ele teve contato com inúmeras figuras
protestantes de peso. Devido à sua combinação de fé e educação,
ele emergiu como a combinação estranha e poderosa de um
homem Puritano e Renascentista. Ele também foi um dos primeiros
exemplos da mentalidade política que colocou a devoção nacional
acima do sentimento religioso em um período histórico em que a
religião era inseparável das políticas interna e externa.
Walsingham se preocupava que as disputas católico-
protestantes internas empurrariam a nação de Elizabeth para uma
guerra civil. Era uma ameaça real e algo que ela agiu para resolver
logo no início do seu reinado. Entre seus primeiros atos principais
estava o impedimento da violência religiosa na Inglaterra, apoiando
o protestantismo, mas descriminalizando o catolicismo. Em sua
primeira sessão parlamentar de 1559, ela chamou atenção para a
passagem do Ato de Supremacia, que restabeleceu a Igreja da
Inglaterra seguindo a supressão de sua meia-irmã Mary durante o
seu reinado, e o Ato de Uniformidade, que consolidou a Igreja
Anglicana . Em 1563, ela supervisionou a aprovação dos 39 Artigos
da Religião, um compromisso entre as duas denominações, mas
deu preferência ao protestantismo como religião do Estado. Era uma
via média, ou "caminho do meio", entre as crenças da Igreja
Católica e os puritanos ingleses. Isso foi adequado para Elizabeth,
como tinha sido para seu pai, que não queria deixar para o papado
católico romano o poder de sancionar casamentos reais,
especialmente num momento em que a Santa Sé estava
intimamente ligada à Coroa Espanhola. No entanto, ela era muito
mais diplomática com os católicos da Inglaterra do que seu pai, que
fechou mosteiros e matou milhares de dissidentes. O Papa Pio V
não devolveu o favor e excomungou-a em 1570.
Quando Mary Tudor morreu e Elizabeth subiu ao trono,
Walsingham voltou para a Inglaterra, que era agora segura para os
protestantes. Ele entrou a serviço do governo e logo foi eleito para o
primeiro Parlamento de Elizabeth. Ele se tornou um membro da
Câmara dos Comuns de Banbury em 1559, em seguida, um
membro de Lyme Regis em 1562, com a idade de 30 anos. Seu
futuro político parecia brilhante, mas alguns colegas perceberam
que o jovem tinha potencial para muito mais do que uma vida de
disputas parlamentares. Em 1568, Sir William Cecil o recrutou para
o serviço de espionagem do país. Cecil era um dos mais poderosos
não membros da realeza na Inglaterra e no País de Gales e detinha
todos os principais cargos políticos no país.
Ele reconheceu o talento linguístico de Walsingham, sua
educação e múltiplos contatos no exterior. Cecil queria que ele
usasse esse conhecimento para espionar os estrangeiros que
viviam em Londres, que eram considerados possíveis ameaças a
Elizabeth. Foi nessa época que Walsingham começou a desenvolver
sua rede de espiões em toda a Inglaterra e em várias cidades da
Europa, utilizando-se da rede que ele desenvolveu durante seus
estudos.
A primeira operação bem-sucedida de Walsingham foi frustrar
uma conspiração contra a rainha Elizabeth por Roberto di Ridolfi. O
esquema do nobre florentino envolvia o casamento de Maria
Rainha dos Escoceses com o católico Thomas Howard, quarto
duque de Norfolk, e uma invasão pelo Duque espanhol de Alba com
10.000 soldados da Holanda. Elizabeth seria destronada, substituída
por Maria, e a Inglaterra retornaria ao redil papal. Walsingham
descobriu a trama e interrogou di Ridolfi em sua própria casa. Não
havia provas suficientes para incriminar di Ridolfi até seu
mensageiro ser preso em Dover em 1571, com cartas que falavam
da conspiração. O italiano estava na Europa à época e nunca mais
voltou para a Inglaterra. Walsingham prendeu e executou o Duque
de Norfolk em 1572. Ele colocou Maria sob estreita vigilância.
Elizabeth nomeou Walsingham como embaixador Inglês na
França em 1570, cargo que ele ocupou até 1573. A extensão da
espionagem que ele realizou durante seu serviço diplomático é
desconhecida, mas Walsingham manteve estreita vigilância sobre a
França, a arquirrival que se tornou aliada devido à ascendência da
Espanha. Como embaixador, Walsingham negociou o Tratado de
Blois entre Inglaterra e França, em 1572, o que resultou em uma
aliança contra a Espanha. Entre suas principais funções estava
negociar um casamento político entre Henry, Duque de Anjou, irmão
mais novo de Charles IX, e a Rainha Elizabeth. As negociações
sobre uma união foram interrompidas devido ao Massacre do Dia de
São Bartolomeu, em 1572, em que as tensões entre católicos e
protestantes chegaram a um estado de febre quando os católicos
assassinaram Huguenotes proeminentes, seguidos pela violência da
multidão que matou milhares de pessoas. Durante o massacre,
Walsingham abriu sua casa para refugiados protestantes, mas
facções católicas na França ganharam muito poder e Walsingham
foi forçado a voltar para a Inglaterra.
O massacre do dia de São Bartolomeu foi um divisor de águas
na vida do jovem político, tendo grande influência sobre ele como
espião da Inglaterra nas décadas que se seguiram. Ele observava
de sua casa como homens e mulheres franceses eram mortos por
nenhuma outra razão além de suas crenças religiosas, com as quais
ele compartilhava. Como um diplomata, ele era forçado a "saber
tudo, mas mostrar nada", uma posição que ele aprendeu com seu
mentor, Sir William Cecil. Ele permaneceu como embaixador na
França durante algum tempo após o massacre etrabalhou com a
corte real de Charles IX, que foi a responsável pela chacina. As
ordens da Rainha Elizabeth que declararam a posição oficial da
Inglaterra sobre o massacre foram atrasadas, agravando ainda mais
a impotência de Walsingham. Pelo resto de sua carreira, ele
derrubou quaisquer redes que ameaçassem a rainha, especialmente
por facções que lhe lembrassem daqueles dias impotentes na
França, que criaram nele um ódio feroz dos regimes católicos
estrangeiros.
Walsingham impressionou tanto Elizabeth quanto Cecil com suas
habilidades diplomáticas e executivas. Ele foi nomeado Secretário
de Estado em 1573 e tornou-se o espião chefe de Elizabeth. Junto
com seu trabalho de inteligência, ele estava envolvido em
negociações diplomáticas, desenvolveu a política externa da
Inglaterra e promoveu as relações com a Espanha enquanto tentava
formar alianças contra ela. Ele reforçou os laços com os
Huguenotes e outros Protestantes europeus interessados em apoiar
uma revolta contra os espanhóis na Holanda. Walsingham também
desenvolveu o comércio internacional da Inglaterra e entrelaçou
uma rede de espiões através deste grupo mercantil para reunir
informações sobre governos estrangeiros. Mensagens vinham
regularmente dessa rede de comércio e foi a partir delas que ele
soube da iminente invasão da Inglaterra pela Armada Espanhola.
Ele aprimorou a comunidade de inteligência da Inglaterra para
um novo grau de capacidade e eficiência. A extensão total de seu
alcance é desconhecida, mas é sabido que em determinado
momento ele tinha 53 agentes em tribunais estrangeiros em sua seu
quadro, juntamente com outras 18 figuras ainda mais obscuras. Eles
estavam nos tribunais da França, Espanha, Holanda, Alemanha e
até mesmo o Império Otomano. Alguns eram agentes duplos, como
Gifford, cujas reais intenções ainda são um mistério. Outros eram
agentes duplos enviados da França ou da Espanha, a quem
Walsingham foi mais eficaz para recrutar do que seus antagonistas
para descobrir seus espiões protestantes. A maior parte de suas
informações vinha de católicos que traíram sua terra natal.
E ainda assim, Walsingham não foi o inventor da espionagem
estrangeira. Ela tornou-se uma chave da diplomacia internacional no
século XVI, que remonta a quando as primeiras embaixadas foram
estabelecidas em cidades-estado italianas. Agora uma nação
inimiga estava literalmente no quintal de seu oponente. A arte da
espionagem tornou-se uma corrida armamentista entre as nações
europeias e mediterrânicas no início do período moderno. Grandes
impérios cresceram e rivalidades se formaram, criando, assim, uma
maior necessidade de inteligência especializada. Espiões da
França, da Espanha, do Império Otomano, de Veneza, do Império
Habsburgo e dos Estados Pontifícios dominaram os códigos dessas
culturas. Eles cruzaram as fronteiras invisíveis entre essas
civilizações. Os espiões abasteciam os impérios com informações
consistentes sobre os desenvolvimentos militares e políticos e
atuavam como corretores de informação, desempenhando um papel
diplomático ativo entre estas capitais. Alguns, como os Habsburgos,
tentaram centralizar seus serviços secretos, o que não obteve
sucesso no Levante. Outros, como o Império Otomano e a
Inglaterra, mantiveram a sua abordagem descentralizada e
deixaram que ministros inferiores estabelecessem as suas próprias
redes de inteligência. Assim, um espião pode servir aos interesses
do seu superior em vez do próprio Estado. E tal espião era mais
suscetível a trair seu país, uma situação que Walsingham explorava
com maestria.
Métodos simples de espionagem se desenvolveram. O método
preferido era aquele no qual criptoanalistas abriam selos de cera de
mensagens codificadas interceptadas com facas quentes antes de
decifrá-las. Em seu escritório em Londres, ele também tinha homens
treinados para decifrar códigos e criptogramas, fingindo caligrafia.
Incluído na sua rede estava Thomas Phelippe, um especialista em
falsificação e criptógrafo, e Arthur Gregory, um especialista em
quebra e fixação de selos de cartas. Gregory podia reparar os lacres
de modo que o destinatário não suspeitasse.
Walsingham também reuniu grandes arquivos sobre figuras
públicas. Ele sabia informações detalhadas sobre todas as pessoas
importantes na Inglaterra – até juízes de paz em nível municipal - e
muitas figuras no exterior. Essa informação era usada para rastrear
quaisquer movimentos suspeitos e determinar o início de uma
conspiração. Se uma figura era considerada uma ameaça de alto
nível, ele usava meios mais primitivos para extrair informações.
Walsingham frequentemente empregava tortura e se destacou no
ofício. Ele desvendou conspirações e tramas desmembrando
prisioneiros. Mas apesar de sua proficiência ele não preferia o uso
da tortura. Era um motivo de orgulho para a Inglaterra na época -
diferente dos espanhóis ou dos Habsburgos - que a tortura não era
a lei da terra, mas requeria um mandado do Conselho de
autorização. Métodos como a cremalheira eram reservados para
questões de segurança do Estado. Durante todo o reinado de
Elizabeth, foram expedidos mandados apenas 53 vezes, e mesmo
estes ocorreram com a controvérsia.
Alguns dos colegas de Walsingham eram menos contidos. Como
aponta Budiansky, no que se referia à tortura de sacerdotes, um dos
mestres da cremalheira, Richard Topcliffe, era um pesadelo. Ele
implorava a Elizabeth mais oportunidades para praticar seu ofício.
Ele era um sádico requintado que, quando se apresentava às
vítimas, dizia: “Você já ouviu falar de mim”. Além da cremalheira, ele
gostava de suspender os prisioneiros por algemas com os pés mal
tocando o chão. Ele também gostava de assistir a enforcamentos de
sacerdotes condenados e garantia que eles fossem cortados da
corda de uma vez. Caso contrário, eles não estariam mais vivos
quando fossem estripados e esquartejados pelo executor.
Walsingham reprovava essa tortura apenas pela tortura, assim como
seus companheiros. Seu secretário Robert Beale publicou um
panfleto que denunciava tortura de qualquer forma sob qualquer
circunstância como selvagem e contrária às leis inglesas. O próprio
Walsingham achava um erro executar sacerdotes, exceto uns
poucos para darem o exemplo – particularmente aqueles que
tentavam instigar violência similar àquela testemunhada no Dia de
São Bartolomeu – já que podia criar simpatia equivocada pelo
condenado.
O escritório de Walsingham era cheio de personagens oblíquos.
A espionagem não era uma profissão respeitável no Século XVI,
não importava quão importante fosse o trabalho, e nem atraía
homens e mulheres honestos. Virtude e moral não eram mais
esperadas de contra conspiradores do que dos próprios
conspiradores. Nenhum prêmio público ou título de cavalheiro era
dado pela espionagem – a Inglaterra do século XVI ainda premiava
virtudes tradicionais e valores cavalheirescos, ainda que houvesse
deixado para trás a idade média e estivessem as margens do início
da era moderna.
O mundo de um espião nessa época não era cheio de glamour
ou intriga, como as histórias de ficção de espionagem nos levaram a
crer que são hoje em dia. É fácil imaginar um agente da era Tudor
seduzindo uma socialite da classe alta comprando-a um chope em
uma cervejaria perto do Teatro Globe, ganhando, então, acesso a
sua anágua, corpete, chemise de linho e um galpão de segredos.
Infelizmente, espiões dessa época não eram o equivalente de um
afável agente da MI6. Eles eram estudantes ambiciosos mas imorais
recrutados em Oxford ou Cambridge, que achavam que a profissão
seria uma rota fácil para a fama e a fortuna. O trabalho em si, era
muito diferente. Entregar informações em uma era de estradas
devastadas e sem nenhum meio de transporte de longas distancias
confiável, significava longas jornadas que envolviam estalagens
asquerosas, tempo ruim, e comida ainda pior. O trabalho era
mundano e ingrato a não ser que resultasse em um sucesso de
grande repercussão, o que era raro. Buscar informações requeria
viajar ao exterior e sentar-se em tabernas ou cafeterias por
semanas eouvir as fofocas recentes, algumas vezes sem nenhum
resultado.
É também fácil de imaginar um mundo de bugigangas em estilo
steampunk a disposição dos espiões de Elisabeth. Se James Bond
tinha seu ‘Q’, então presume-se que Walsingham tinha seu próprio
inventor que comandava uma divisão secreta de ciências aplicadas.
Afinal, em uma Inglaterra já cem anos após Leonardo da Vinci, por
que não haveria uma seleção de invenções retro futuristas
secretamente desenvolvidas por Leonardo da Vinci, coisas como
arpéis primitivos, hang-gliders, arcos automáticos operados a gás, 
ou aeronaves à disposição de um espião? Tais conjecturas são
fantasia e não realidade – a agência de espionagem da Inglaterra
Elizabetana não continha quaisquer aparatos high-tech ou
tecnologias indisponíveis ao restante da sociedade. Elas eram
meramente utilizadas com mais criatividade.
Isso não significa dizer que cientistas e engenheiros não
tentavam inventar peças fantásticas de tecnologia militar. Um
manual de 1530 sobre artilharia e cerco de guerra, recentemente
digitalizado pela Universidade da Pensilvânia, inclui ilustrações de
jet packs amarrados às costas de gatos e pombos. Ele foi escrito
pelo mestre em artilharia Franz Helm de Cologne, que lutou contra
os turcos no sul da Europa Central no despontar do uso da pólvora
na guerra. O texto sob a ilustração adverte comandantes militares a
usá-los para “atear fogo a um castelo ou cidade aonde você não
possa entrar de outra maneira”.
Em todos os negócios de Walsingham em espionagem, enganos,
tortura e trair confianças, ele era um piedoso Puritano e zeloso
Protestante. Para ele, sua vida dupla de espião e cristão devoto era
parte de um programa comum de preservação da religião na
Inglaterra e proteção da rainha. Embora não saibamos se ele tinha
quaisquer escrúpulos religiosos contra a espionagem, ele usava sua
posição de poder para lutar contra o Catolicismo e evitar que a
Inglaterra abandonasse a Reforma. Walsingham foi gravemente
afetado pela violência durante o massacre do Dia de São
Bartolomeu e ele temia violência popular semelhante na Inglaterra.
Para ele, os meios dúbios de sua profissão justificavam os fins.
Por vezes, Walsingham deixou seu zelo tirar o melhor de si. Com
Elizabeth como protetora da Igreja Anglicana, a linha entre católico e
traidor era incrivelmente turva. O espião com frequência não se
importava com nuances. Ele determinou a prisão dos sacerdotes
católicos que posteriormente foram descobertos clérigos inocentes,
não conspiradores. Edmund Champion, um padre jesuíta, entrou
sorrateiramente na Inglaterra disfarçado de mercador de joias e
começou a conduzir um ministério secreto ilegal em 1580. Ele foi
rapidamente preso pelas autoridades e torturado. Champion foi
eventualmente condenado por traição e sentenciado à morte por
enforcamento, e então retirado e esquartejado em Tyburn. Ele foi
canonizado em 1970 pelo Papa Paulo VI como um dos Quatro
Mártires da Inglaterra e Gales.
Como vimos no capítulo anterior, Walsingham famosamente
infiltrou-se na Conspiração de Babington interceptando cartas do
embaixador espanhol na Inglaterra que pedia a colocação de Maria,
Rainha dos Escoceses, no trono. Walsingham desemaranhou a
trama com a ajuda de agentes como Gifford, mas o agente duplo foi
apenas um dos muitos espiões como Giordano Bruno, que foi
colocado na embaixada francesa, ele impediu as Conspirações de
Babington e Throckmorton. Quanto a esta última, Bruno relatou que
um homem chamado Francis Throckmorton havia visitado o
embaixador francês Michel de Castelnau em circunstâncias
suspeitas. Embora Throckmorton fosse sobrinho de Nicholas
Throckmorton, amigo próximo de Walsingham, e primo da primeira
dama de companhia de Elizabeth, o espião ainda deixou Francis
sob vigilância. Seis meses depois, Throckmorton foi preso e
torturado. Ele confessou e implicou o embaixador espanhol
Bernardino de Mendoza na Conspiração de Babington. Foi
ordenado que Mendoza saísse da Inglaterra e Throckmorton foi
executado.
Este episódio é um exemplo da habilidade de Walsingham em
explorar as fraquezas de seus alvos. Ele entendia de psicologia
humana, sabendo que pessoas tem a necessidade de confiar em
alguém enquanto engajados em operações secretas. Elas querem
se gabar sobre suas habilidades e não conseguem manter segredo.
Talvez não seja suficiente que estejam atuando por seu país ou sua
religião, elas querem ter dinheiro e prestígio também. Walsingham
fez o máximo uso destes impulsos. Ele atacava as confianças e
fraquezas de potenciais inimigos, suas esperanças, desejos e
inseguranças.
É claro que Walsingham teria sido ninguém sem espiões
capazes a seu serviço. Enquanto alguns eram estudantes amorais,
outros possuíam excelentes habilidades em espionagem. Ele
contratou aristocratas, vagabundos, viajantes e outras figuras com
um gosto por aventura e perigo. Algumas eram personagens
lendárias, tão ultrajantes que pareciam ser fictícias. Em um dos
casos, quase foi: John Bond foi um espião do século XVI tornou-se
lenda na Ilha de Purbeck, em Dorset. Um jovem Ian Flemming
frequentou a escola preparatória ali e ouviu histórias sobre suas
proezas, inspirando seus romances. Naquele tempo essas histórias
eram apenas passadas verbalmente, e algumas foram
ridicularizadas como mitos ou exageros.
Em 2008, surgiu um diário detalhando as proezas de John bond,
um agent cujo lema familiar era, ironicamente, Non Sufficit Orbis –
“O Mundo Não É Suficiente”. Ele era um espião da rainha e auxiliou
Sir Francis Drake em diversas missões, inclusive o ataque de 1586
nos Açores, que a Espanha havia comprado de Portugal. Em 1573,
ele escapou do massacre do dia de São Bartolomeu tomando uma
mulher e uma criança como reféns, ameaçando matá-las a menos
que ele fosse liberado. Ele viajou a lugares distantes no interesse de
seu país, embora não se saiba qual era sua bebida preferida, ou se
ele a preferia agitada ou batida. Também não se sabe por que razão
ele adotou o lema familiar. Seus descendentes acreditavam ele o
tenha visto pela primeira vez – ele pertencia ao Rei Phillipe II da
Espanha – durante sua missão nos Açores e adotou o lema como
uma piada às custas do monarca.
A despeito da presença de James Bonds da vida real no serviço
de espionagem da rainha, depois que a Conspiração de
Throckmoton foi frustrada, a segurança de Elizabeth foi considerada
em perigo mortal. Em março de 2585, o Parlamento passou o Act for
the Surety of the Queen's Person. Ele permitia um processo para
julgar legalmente qualquer reclamante ao trono ligado às
conspirações anteriores contra Elizabeth. Neste quadro,
Walsingham instruiu os guardiões de Maria, Rainha dos Escoceses,
que bloqueassem qualquer rota de correspondência clandestina. Foi
também nesta situação que Babington e seus associados foram
presos e executados. Quando Walsingham descobriu a Conspiração
de Babington, Maria culpou Walsingham diretamente por sua ruína:
“Tudo isso é trabalho do Cavalheiro Walsingham para a minha
destruição”.
Apesar da culpa de Maria, a Rainha Elizabeth não queria
ordenar sua execução. Walsingham protestou qualquer pedido de
clemência. Ele tentou que o carcereiro de Maria, Sir Amias Paulet, a
matasse, mas ele se recusou. Elizabeth eventualmente assinou a
ordem de execução e entregou-a ao mais novo Secretário de
Estado, William Davison. Ele imediatamente passou-a para William
Cecil, que convocou uma reunião do Conselho Privado sem que
Elizabeth soubesse. Eles ordenaram sua decapitação em 1587, que
ocorreu uma semana depois no Castelo Fotheringay,sem o
conhecimento de Elizabeth. A rainha ficou furiosa. Ela determinou a
prisão de William Davison, que eventualmente foi liberado por
ordens de Cecil e Walsingham. Após esses acontecimentos,
Elizabeth afirmou não ter ordenado a execução de Maria; muitos
relatos contam que ela disse a Davison, que levou o mandado para
que ela assinasse, que não despachasse a ordem, apesar de conter
sua assinatura.
A façanha que coroou a carreira de Walsingham foi a descoberta
dos planos da invasão espanhola.Na fase de preparação para o
lançamento da Armada de Phillip II em 1588, Walsingham recebeu
relatórios de seus agentes europeus que os espanhóis estavam se
preparando para um ataque naval maciço à Inglaterra. Um de seus
informantes era Antony Standen, um refugiado católico romano que
fugira da Inglaterra trinta anos antes. Ele se estabeleceu na Toscana
no início dos anos 1580 e fez amizade com o embaixador da
Toscana em Madrid, que tinha acesso a inteligência militar
altamente confidencial. De 1587 em diante, Standen iniciou uma
correspondência regular com Walsingham e recebia da rainha a
quantia de 100 libras por ano por seus serviços. Walsingham se
preparou para esta guerra potencial, especialmente supervisionando
a grande reconstrução do Porto de Dover e incentivando uma
estratégia mais agressiva. William Harborne, o embaixador Inglês no
Império Otomano, seguiu suas sugestões e tentou persuadir o
sultão a atacar Espanha no Mediterrâneo, mas sem efeito.
A Inglaterra acabou sendo salva da Armada Espanhola por bons
ventos, uma força naval poderosa, condições meteorológicas
terríveis para os espanhóis, e estratégia superior - uma combinação
vencedora de habilidade e pura sorte. Na Batalha de Gravelines, a
frota principal foi severamente danificada e forçada a abandonar o
seu encontro com a segunda frota espanhola que foi bloqueada
pelos holandeses. A Armada se reagrupou e tentou voltar para a
Espanha, mas foi interrompida por fortes tempestades que
destruíram dezenas de navios nas costas da Escócia e Irlanda. A
invasão nunca se materializou. A diligência e as preparações de
Walsingham salvaram a Inglaterra mais uma vez. Lord Henry
Seymour reconheceu que ele tinha feito para a Inglaterra e a dívida
para com ele. Ele disse: "Você lutou mais com sua caneta do que
muitos aqui em nossa marinha Inglês com os inimigos".
Walsingham sofreu de diversas doenças, possivelmente câncer
ou diabetes, de 1571 em diante. Apesar de seu alto posto
governamental, ele também lutou para evitar a falência. A partir de
1579, Walsingham viveu em sua propriedade em Barn Elms,
Barnes, e recebeu doações de terras da rainha. Mas o seu salário
não era suficiente para cobrir suas despesas, já que ele tinha
assumido as dívidas de seu genro, Sir Philip Sidney. Ele,
pessoalmente, financiou espionagem a serviço da Inglaterra.
Contabilidade fraca também o deixou mais endividado do que ele
merecia. Enquanto muitos de seus colegas recebiam gratificações
que Elizabeth derramava sobre os seus favoritos, a forma direta de
comunicação e a natureza sombria de Walsingham irritavam a
rainha. Embora tivesse sua confiança, ele jamais ganhou o seu
afeto. Ela o chamava de seu “Pântano Escuro”, sem brincadeiras.
Elizabeth era impossível de agradar e Walsingham, incapaz de se
levantar contra ela, recorreu a organizar as coisas em suas costas.
Mas ele ganhou o respeito dos inimigos da Inglaterra. Quando
ele morreu, em 06 de abril de 1590, a notícia veio a Philip II por uma
carta através de seus agentes na Inglaterra. O agente escreveu: "O
Secretário Walsingham acaba de falecer, pelo que há muito
sofrimento". Philip ficou muito feliz ao saber que o homem que
frustrou sua conquista da Inglaterra estava morto. Ele comentou na
margem da carta: "Lá, sim. Mas é uma boa notícia aqui."
Nos quatro séculos desde a morte de Walsingham, a
espionagem evoluiu consideravelmente. Foram-se os dias de facas
de corte de cera e espiões despenteados destruindo cervejarias
próximas a embaixadas para arrancar informações de embaixadores
bêbados. Eles foram substituídos por supercomputadores
decifradores de código, satélites espiões e agentes super secretos
com experiência significativa de seus países hospedeiros. No
entanto, a maior diferença entre essas épocas não é tecnológica. É
a abordagem que os países têm no ofício da espionagem. Desde o
século XX, a inteligência tornou-se uma burocracia. A agência de
inteligência de Walsingham era uma confusa colcha de retalhos de
relações pessoais, alianças e rivalidades. Ele era o patriarca de uma
família grande, disfuncional, em grande parte livre de burocracia,
protocolo, grossos manuais sobre as melhores práticas ou tribunais
criminais. Ele era uma figura de transição para a era moderna de
espionagem. Na era moderna, a inteligência é uma asa de muitos
bilhões de dólares do governo de uma nação, com muito mais
digitadores, administradores e especialistas em tecnologia do que
espiões.
Vamos agora nos virar para essa era e ver o que a coleta de
informações significava no mundo das colônias internacionais,
ferrovias, telégrafos, correios e comunicações em evolução. Mas
enquanto dispositivos e tecnologia mudaram, grande parte da
profissão continua a mesma - assim como os elementos essenciais
da natureza humana.
Capítulo 6
Nathan Hale (1755-1776):
O Espião Mártir da Revolução Americana
O tirano morre e seu governo termina, o mártir morre e seu governo
começa.
– Søren Kierkegaard
De todas as pessoas mais reverenciadas em uma batalha
nacional, poucos são mais valorizados do que um mártir. Ele prova o
mérito da causa, recusando-se a renunciá-la, a ponto de morrer em
nome dela. Ele mostra coragem imperturbável provinda do
comprometimento, e prova a coragem de seu povo. Ele é uma figura
relacionável com a qual os outros podem identificar-se e em quem
eles podem projetar-se, fazendo de seu sacrifício o sacrifício deles.
Ele tem o caráter moral para ser visto como um santo. Ele prova a
covardia da oposição, que, incapaz de quebrá-lo ou convertê-lo para
a sua causa, deve recorrer a matá-lo. Acima de tudo, ele une uma
nação, dando-lhe um ídolo em comum em torno do qual eles podem
se reunir.
Considerando esses fatores, o espião da era revolucionária
Nathan Hale tornou-se um símbolo para a recém-formada nação
americana, quando ela procurava encontrar sua identidade. Ele foi o
primeiro cidadão americano a ser morto por espionagem, e o fez na
tentativa de frustrar os planos britânicos de invadir Nova York. Ele
deu à nação o mesmo que os primeiros mártires da Igreja deram ao
cristianismo - ele confirmou a sua vontade contra o abuso da
oposição e afirmou a integridade de sua causa. Não é uma
coincidência que a morte de Hale assumiu conotações religiosas
nas décadas por vir. Em 1899, Charles Brown publicou "Nathan
Hale: O Espião Mártir". Na época do lançamento do livro, o local da
execução de Hale tinha sido por muito tempo um local de
peregrinação para os americanos orgulhosos. Outros autores não
eram menos sutis no louvor de seu serviço à nação, escrevendo em
um estilo parecido com o da Igreja Católica Romana para santos
putativos. No entanto, eles não tiveram que embelezar sua biografia
para acrescentar tons de devoção à sua vida. Hale fez isso ele
mesmo quando ele proferiu suas últimas palavras na forca, que
eram pouco diferentes das de Policarpo ou outros mártires da igreja
primitiva: "Eu só lamento ter apenas uma vida para perder pelo meu
país."
Por esta razão, é difícil estabelecer os fatos de sua vida, já que
muitos contos assumiram a forma de uma hagiografia, com a prosa
adocicada e com uma luz de cor âmbar brilhando sobre ele,
obscurecendo as arestas afiadas e texturas de sua vida que
poderiam ter-lhe dado mais cor. Também é difícil de entender o seu
apelo duradouro como um espião, considerando que ele falhou em
sua primeira e única missão. Mas a popularidade duradoura de Hale
demonstra que a utilidade de um espião se estende para além da
recolha de informações ou sabotagem. Ele se tornou um símbolo
precioso na consciência da América, particularmente no período
pós-Guerra Civil, quando o discurso patriótico preencheu livros de
história como parte de um projeto nacional de consolidação
ideológica. Edward Everett Hale, sobrinho-neto de Nathan Hale,
falou com este espírito quando disse que: "Porque aquele garoto
disse essas palavras [na sua execução], e porque ele morreu,
milhares de outros jovens deram suas vidas por este país."
Nathan Hale nasceu em 6 de junho de 1755, em Coventry,
Connecticut. Ele foi o sexto filhode Richard Hale e Elizabeth Strong.
Eles eram produtos da cultura de Nova Inglaterra puritana, que
acreditavam em uma forte ética de trabalho, educação e devoção
religiosa com igual fervor. Richard Hale era um fazendeiro, diácono
da igreja, e membro respeitado da comunidade. Ele conduzia sua
família em um estilo de vida que consistia de ações consagradas de
devoção. Trabalho em vez de lazer tinha sanção doutrinária,
levando a uma mentalidade adversa a recreação. Jovem Nathan,
portanto, pode não ter sido um companheiro ideal, mas ele recebeu
uma excelente educação e lia desde muito jovem devido a estudos
bíblicos freqüentes e as coleções de literatura religiosa de sua
comunidade. Ele estava preparado para o púlpito, um costume
prevalente entre as grandes e prósperas famílias de Nova Inglaterra.
Hale exibia talento acadêmico e, aos 14 anos, ele e seu irmão mais
velho Enoch foram enviados para a Universidade de Yale.
A Universidade de Yale no período colonial era, em maior parte,
um seminário, ensinando teologia e os clássicos. Ao contrário de
universidades de pesquisa de hoje e escolas profissionalizantes, o
currículo das universidades do século XVIII era pouco ligado a
eventual profissão do aluno. Apenas 1 ou 2 por cento da população
atendia universidades, e elas eram um marcador de status social,
assim como um lugar onde se aprendiam as nuances de literatura
grega e latina. É claro que isso não quer dizer que a educação era
frouxa. As declamações de estudantes calouros eram obrigadas a
estarem em latim, grego ou hebraico, " Inglês não sendo permitido a
não ser com permissão especial." O costume na época das
cerimônias de formatura de estudantes de mestrado era muito mais
rigoroso do que as festas de gala de chapéu e beca de hoje em dia.
Cada aluno tinha de apresentar ao público e defender sua
dissertação em latim.
As universidades eram um lugar importante para construir
futuras conexões sociais, para qualquer um que quisesse
eventualmente entrar no mundo dos negócios ou no mundo político.
Por esse motivo Nathan e Enoch se juntaram a sociedade secreta,
Linonia, fundada em 1753 "para promover, além do curso regular de
estudos acadêmicos, um melhor estímulo literário e retórico para os
alunos de graduação." Esta fraternidade se reunia semanalmente
para discutir temas científicos e políticos, tais como a astronomia, a
moralidade da escravidão, e literatura.
Aos 18 Hale se formou em Yale com honras em de uma classe
de 60 alunos, como o aluno mais jovem e mais célebre. Ele
começou a ensinar em East Haddam. O jovem enérgico não gostou
do assentamento bucólico, encontrando sua profissão
desestimulante e solitária. Sentindo falta da vida universitária, ele
assumiu um cargo de professor em Nova Londres, uma cidade
portuária em crescimento, em Connecticut. Hale tornou-se um
instrutor popular com os seus alunos e os moradores. Em 1774, foi-
lhe oferecido um cargo permanente como Mestre na Escola União, o
que ele aceitou. No mesmo ano, Hale também se juntou a milícia
local. Ele logo foi eleito primeiro-sargento, o posto mais alto que
poderia ser dado a um novo recruta.
A guerra revolucionária ainda não havia começado, mas
inevitabilidade pairava sobre as colônias. Preparativos estavam em
andamento há meses em toda a Nova Inglaterra. Armas e pistolas
antigas foram limpas e testadas; facas, espadas e baionetas eram
afiadas. A prática da Caça foi desencorajada em favor do
treinamento de alvo. Hale promoveu essa mentalidade militar entre
os seus alunos. Na sua escola secundária, ele formou os meninos
em um pelotão, que ele treinava e instruía durante os intervalos de
classe e aos sábados. Ele usou uma cópia escrita do "Manual de
armas" que ele obteve de seu pai, que tinha copiado de um manual
britânico de propriedade de um parente em Massachusetts. O
espírito de guerra atingiu proporções epidêmicas em toda a
sociedade, de homens velhos até alunos do ensino primário.
No final de abril, um mensageiro solitário, a caminho de Boston
para Nova York, parou em Nova Londres para contar sobre a
cavalgada de Paul Revere e as lutas em Lexington e Concord. A
guerra revolucionária tinha começado. Todas as forças militares
estavam sendo chamadas pelos generais do recém formado
Exército Continental para se preparar para a mobilização. A milícia
de Hale ofereceu seus serviços e marcharam até Massachusetts. Lá
eles lutaram no cerco de Boston e em Bunker Hill. Mas Hale não se
juntou a eles. Seja por conflitos internos sobre a guerra ou
problemas com seu contrato de ensino, ele manteve-se em Nova
Londres e não optou por marchar com sua milícia.
Por que o futuro mártir-espião se recusou a servir nos primeiros
dias da guerra? As razões não são claras, mas elas desafiam a
imagem de uma jovem América em que o esforço de guerra foi
amplamente aprovado. Ao contrário do que acreditam as noções
românticas modernas da guerra revolucionária, na qual acredita-se
que cada comerciante, advogado, e fazendeiro assumiu a causa
contra os ingleses, dando livremente as suas vidas pela liberdade,
mesmo que não tivessem nenhuma experiência militar e lutaram
com uniformes improvisados e com suas espingardas de caça, o
esforço de guerra não era universalmente popular. Isso é difícil de
acreditar quando consideramos os Grandiosos Pais Fundadores dos
Estados Unidos, martelando no atril através das colônias e
trovejando seu apoio à liberdade. Samuel Adam melhor exemplifica
esse espírito, quando ele disse isto para aquelas almas infelizes que
temiam a guerra e seus efeitos destrutivos:
Se vocês amam a riqueza mais que a liberdade, a
tranquilidade da servidão mais do que o a acalorada peleja
pela liberdade, vão para casa e para longe de nós em paz.
Nós não pedimos seus conselhos ou braços. Agachem-se
e lambam as mãos que os alimentam. Que suas correntes
não lhe pesem demais, e que a posteridade esqueça que
vocês eram nossos compatriotas.
Muitos não concordavam. Pacifistas nas colônias, principalmente
Quakers, recusaram-se a lutar por qualquer razão em nome de suas
convicções religiosas. Eles rejeitaram chamadas para se juntar as
milícias ou dar qualquer dinheiro ou serviço para o esforço de
guerra. De fato, durante a Guerra Revolucionária, apenas 3 por
cento da população colonial realmente lutou contra a Grã-Bretanha.
Apenas 10 por cento dos cidadãos providenciaram comida,
provisões ou serviço para apoiar a máquina de guerra, e apenas 20
por cento da população considerava-se do lado da Revolução, mas
sem participar ativamente. Aproximadamente 30 por cento apoiaram
os britânicos, e o resto das colônias não estava de lado algum,
considerando a guerra uma questão puramente política. Enquanto
esses percentuais variavam ao longo do tempo e mudavam com a
continuação da guerra, esta indiferença irritava o General
Washington. Ele lamentava que muitos homens preferiam ficar em
casa em vez de lutar, na segurança do que ele descreveu como seu
"Cantinho na Chaminé". Ciente de que os voluntários tinham
apressado para alistar-se quando as hostilidades começaram,
Washington previu que "após as primeiras emoções passarem,"
aqueles que estavam dispostos a servir a partir de uma crença na
"bondade da causa" equivaleria a pouco mais do que "uma gota no
oceano."
Hale foi igualmente ambivalente sobre o esforço de guerra. Ele
não foi influenciado até que um conhecido convenceu-o. Enquanto
esperava em Nova Londres, chegou uma carta a ele de seu amigo
Benjamin Tallmadge em julho. Tallmadge também havia questionado
o esforço de guerra e viajou para Cambridge para testemunhar tudo
pessoalmente. Ao retornar, ele estava convencido de sua
necessidade como uma guerra justa contra a tirania. Ele escreveu
para Hale, encorajando-o a juntar-se à luta, apelando para a sua
devoção religiosa: "Estivesse eu em sua condição, eu acho que o
serviço mais abrangente seria a minha escolha. Nossa santa
religião, a honra do nosso Deus, um país glorioso e uma
constituição feliz é o que temos que defender." Hale renunciou ao
seu cargo de professor no dia seguinte e se juntou ao Sétimoregimento de Connecticut do coronel Charles Webb. Ele foi
contratado como primeiro-tenente e juntou-se a uma marcha em
direção a Cambridge para apoiar o resto da milícia.
O regimento de Hale chegou ao cerco de Boston no final de
setembro de 1775. Os britânicos tentaram capturá-la, devido à sua
importância estratégica: a cidade portuária tinha proximidade com a
sua colônia, Canadá, juntamente com outros postos avançados
britânicos; e por causa da sua posição relativamente isolada do
centro da população americana costeira. Depois de uma longa luta,
que durou do início do outono até a primavera seguinte, os
britânicos acabaram sendo expulsos de Boston. Não foi sem
dificuldade que Hale permaneceu na cidade ou convenceu aqueles
sob seu comando para também fazê-lo. Em dezembro, um certo
número de homens em sua companhia, cujos termos de serviço
tinha expirado, partiu para voltar para casa. Para impedi-los de
partir, ele apelou para o seu patriotismo e lealdade para com os
seus companheiros, cujos termos de alistamento não estavam nem
na metade. Hale até prometeu dividir cada dólar que possuía,
incluindo seu próximo contracheque, se eles permanecessem até a
primavera.
Em 1 de Janeiro de 1776, o exército sofreu uma reorganização e
Hale foi encomendado capitão no recém-formado décimo nono
regimento de Connecticut por bravura exibida durante o cerco. Ele
recebeu honrarias por evitar que os homens desertassem, um
problema em larga escala entre o Exército Continental que muito
incomodava o General Washington durante a guerra. Se houvessem
deixado a cidade, teria havido uma deserção tão grande que os
britânicos provavelmente teriam mantido o cerco até que os reforços
chegassem e quebrado as fileiras americanas. Hale causou uma
impressão tão adequada como sargento em seu comando anterior
que vários soldados solicitaram participar especificamente de seu
regimento.
No início do verão de 1776, os britânicos evacuaram Boston,
deixando-a e Nova Inglaterra para os colonos. Eles estavam
reorganizando suas forças e se preparando para um ataque a um
ponto de estrangulamento de suprimentos e civis no nordeste
americano. Washington suspeitava que o próximo ataque seria em
Nova York. A cidade só tinha uma população de 22.000 - um pouco
menor do que Boston e apenas metade do tamanho da Filadélfia,
que era a maior cidade da América até 1820 - mas ocupava uma
posição importante no tabuleiro de xadrez da Guerra
Revolucionária. O porto aberto da cidade e seu grande comércio de
grãos fez de Nova York um alvo primoroso para o comando militar
britânico. Ele também tinha a maior concentração de simpatizantes
britânicos, aumentando as chances de que a cidadania ajudaria a
causa. A cidade também era de enorme importância estratégica
militar. A frota britânica poderia abrigar-se em seu porto. Se
capturada, as tropas britânicas poderiam marchar para o norte a
partir do rio Hudson e se unir a uma força que movia para o sul do
Canadá. Nova Inglaterra seria cortada do resto das colônias. Os
militares americanos seriam gravemente enfraquecidos e
empurrados para a beira da derrota.
Todas as dúvidas foram removidas quando uma força naval
britânica apareceu na costa de Staten Island, em junho. Eles
desembarcaram na Ilha Estado sem oposição no final de junho. No
final de agosto, uma força de navios britânicos e Hessianos cruzou a
baía mais baixa de Nova York e continuou em direção a Long Island.
Os colonos retiraram-se para a ilha de Manhattan. No início de
setembro, Washington recuou novamente para atravessar o rio
Harlem. Nova York estava agora totalmente nas mãos dos
britânicos.
Isso não quer dizer que o Exército Continental não fez nada para
evitar a captura de Nova York. O regimento de Hale foi enviado para
Manhattan para ajudar com as defesas da cidade, em preparação
para um ataque britânico esperado. Ao longo de um período de seis
meses, ele construiu fortificações e cuidou do bem-estar de seus
soldados. Ele os visitava frequentemente. Condizente com sua
educação teológica, rezou com eles sempre que estavam doentes
ou perdendo a esperança de lutarem em condições físicas tão
deploráveis. Os britânicos invadiram Long Island em 27 de agosto
de 1776, mas a posição de Hale nunca foi atacada. Ele estava no
exército a um ano e ainda não havia visto real combate. Suas
funções consistiam em manter registros, supervisionar o serviço de
guarda, e obter suprimentos. No prazo de cinco dias após o ataque
britânico em Long Island, eles haviam ganhado controle da parte
oeste de Long Island.
George Washington fez uma tentativa ousada para combater a
ameaça das tropas britânicas e formou um grupo de elite de
soldados comandados pelo tenente-coronel Thomas Knowlton, que
ofereceu o comando de uma das quatro unidades recém-formadas
para Hale. A unidade era de reconhecimento com ordens para
patrulhar a costa em torno de Westchester e Manhattan, bem como
outras áreas ao redor do "Portão do Inferno". O governo norte-
americano recém-formado não tinha uma divisão de inteligência
separada, mas contratava homens para espionagem, quando surgia
a necessidade. Hale, sem que ele soubesse, estava sendo
preparado para tais atividades pelo comando militar. Ele chamou a
atenção do Comando do Exército Continental Americano quando ele
realizou uma façanha ousada ao atingir Nova York, em 1776. De
acordo com o relato de Charles Brown, uma Alvarenga britânica,
carregada com provisões, uma pequena quantidade de munições e
cerca de trinta estandes de armas , estava ancorada no Rio Leste
sob a proteção dos canhões do Galeão britânico, Asia. A Hale foi
dada permissão para capturar o navio de abastecimento. Ele pegou
alguns marinheiros experientes e prosseguiu em uma baleeira
silenciosamente à meia-noite para o lado da alvarenga. Hale e os
homens saltaram a bordo, derrubaram o sentinela, confinaram a
tripulação no convés, levantaram a âncora da embarcação, e
levaram-na para Coenties Slip na madrugada de 20 de Abril de
1776. Hale conduzia o leme do barco para o cais em meio aos gritos
de "huzzah" de seus colegas soldados. As provisões foram
distribuídas entre os norte-americanos mal supridos, e os
prisioneiros britânicos foram trocados por um número equivalente de
homens capturados no ataque a Boston.
Hale imediatamente se tornou uma celebridade, e sua
empreitada foi elogiada pelo próprio Washington. O general não
tinha soldados suficientes ou suprimentos para defender Manhattan,
mas precisava saber onde os britânicos iriam atacar. Ele decidiu
enviar um espião em território britânico para saber de seus planos
de invasão e imediatamente pensou no célebre Hale. Mas ele sabia
que o jovem oficial poderia recusar a atribuição. Na época, a
espionagem era vista como imprópria para um cavalheiro, um ato
degradante e indecente, desonroso - uma "prática clandestina e um
ardil na guerra". No final do século XVIII, a altura do Iluminismo,
quando as noções de civilização eram praticamente um fetiche e
estratégia militar chamava os soldados a marchar em linhas abertas,
como se fosse uma maneira cavalheiresca para atacar mesmo que
isso significasse que fileiras fossem ceifadas com facilidade, decair
ao uso de truques ou subterfúgio era impensável entre uma
determinada espécie de elite. Era considerado uma fraude indigna
de se cometer contra um inimigo respeitável, pouco redimida por
qualquer fosse o motivo ou exigência de perigo. Era um descaso
aos sentimentos de honra e fazia da guerra algo ainda mais negro.
Mas Knowlton foi capaz de convencer Hale a ir atrás das linhas
inimigas e informá-los sobre o exército britânico. Ele ressaltou a
necessidade premente de inteligência; "Não só as vidas e fortunas
de todo o exército estão em jogo, mas as de nossas mães, nossas
esposas e nossos filhos em casa que seriam presa para as criaturas
desesperadas que principalmente compõem o exército britânico na
América." Um dos amigos de Hale, William Hull, tentou dissuadi-lo
de se tornar um espião, como ele era considerado um homem
correto por todos os seus companheiros e não deveria envolver-seem tal negócio traiçoeiro. Foi em vão. O jovem soldado idealista
respondeu que qualquer coisa feita para o bem público era uma
atividade honrosa, e que o soldado nunca deve consultar seus
medos quando o dever chama. E ao se voluntariar para infiltrar as
linhas britânicas, ele surpreendeu seus colegas soldados ainda
mais.
Hale cruzou o território inimigo disfarçado como um professor de
escola. Vestia-se a parte, com calças curtas de veludo, uma gola de
renda e punhos, e um chapéu de abas largas de feltro. Hale afirmou
procurar emprego como um legalista desgostoso com a causa
rebelde. Ele pensou que ele poderia mover-se entre os vários
campos britânicos abertamente e sem suspeitas sobre a suas
verdadeiras intenções. Na manhã de 17 de setembro, ele passou
por uma taverna chamada The Cedars - um boteco favorito para
oficiais britânicos -, mas não entrou por medo de não estar
totalmente resolvido em sua nova identidade. Ele, então, foi para a
fazenda de William Johnson uma milha mais longe, comeu o café da
manhã lá, e lhe foi dada uma cama, na qual ele dormiu até duas
horas após o nascer do sol. Ele questionou Johnson quanto às suas
chances de garantir uma posição em sua escola no distrito ou
alguma outra na vizinhança imediata. Ele, então, mudou-se
despreocupado para perguntas sobre as linhas britânicas, pedindo
tão calmamente como se estivesse pedindo uma xícara de chá.
Hale recebeu inteligência básica a partir de Johnson e depois
passou para o campo britânico quatro milhas ao sul. Ele se misturou
livremente com os soldados, mas aprendeu pouco dos movimentos
devido à natureza instável dos planos de Howe. Os movimentos de
Hale ao longo dos próximos três dias são desconhecidos já que
nenhum documento sobreviveu, mas é provável que ele navegou
entre os acampamentos dos soldados, The Cedars, e Brooklyn,
tentando garantir a informação desejada por Washington.
Durante seus dias nos campos britânicos ele esboçou
fortificações do inimigo, e escreveu memorandos com os números
de tropas britânicas e suas posições. Para ocultar esses esboços,
ele tomou a precaução de usar palmilhas em seus sapatos, por
baixo das quais colocou todos os desenhos. Ele usou Latin e figuras
algébricas para dimensões e descrições das fortificações, escritas
em papel muito fino.
Na manhã de 21 de Setembro de 1776, depois de passar uma
noite na companhia de oficiais bêbados no The Cedars, esperando
que seus lábios soltos revelassem informações vitais, ele deixou a
taberna uma hora antes do amanhecer. Hale recebeu informações
valiosas, juntamente com a letra de uma série de canções de
consumo vulgares nunca antes ouvidas pelo estudante de teologia.
Ele descobriu que as ordens tinham sido dadas para levantar
acampamento e partir para Nova York no dia seguinte. Hale partiu
pouco depois do amanhecer e caminhou a passos largos para o
ponto de encontro com o grupo de resgate americano.
Ele chegou à costa do Som e esperava ver Stephen Hempstead,
um membro de sua própria companhia a quem ele havia instruído
cinco dias antes de enviar um barco para ele naquela manhã. Mas
quando ele se aproximou da beira-mar, ele ficou chocado ao ver
uma barcaça com pelo menos vinte fuzileiros britânicos. Hale virou-
se para fugir, mas uma voz gritou: "Entregue-se ou morra!" Ele se
virou para ver uma dúzia de barris de mosquetes. Hale lentamente
levantou as mãos e submeteu-se à captura, sabendo que seu
destino estava selado. Era uma unidade de Rangers da Rainha, sob
o comando do tenente-coronel Robert Rogers.
As tropas o levaram para a sede do comando militar britânico em
Mount Pleasant, localizado na mansão do ferrenho cidadão de
Whig, James Beekman na Rua 51, perto da Primeira Avenida. Seus
captores removeram os sapatos de Hale, rasgaram as solas, e
viram os esboços e notas de posições de tropas caírem no chão.
Rogers trouxe Hale ao general William Howe, comandante das
forças britânicas em Nova York, para interrogatório. O jovem espião
imediatamente declarou seu nome, patente no exército americano, e
seu objetivo na penetração das linhas britânicas. Hale aceitou a
acusação de espionagem, mas negou as acusações de traição,
como ele nunca tinha reconhecido George III como seu soberano.
Hale foi condenado a enforcamento no dia seguinte, sem a
pretensão de um julgamento. Na manhã seguinte, ele foi marchado
para o Parque de Artilharia, cerca de seis quilômetros fora da
cidade. Tropas colocaram-no sob a custódia de John Montresor, um
engenheiro britânico, de quem se dizia estar endurecido ao
sofrimento humano e todo sentimento de brandura do coração. Seu
carcereiro recusou-lhe o pedido de um clérigo para atendê-lo, ou
uma Bíblia. Enquanto esperava, Hale escreveu duas cartas: uma
para seu irmão, Enoch, e outra para o seu comandante militar. Estas
cartas foram posteriormente destruídas, possivelmente por William
Cunningham, o marechal reitor.
Do lado de fora do acampamento tranquilo, o caos reinava.
Enquanto Hale aguardava a sua execução, Nova York estava
envolvida em chamas, que alguns historiadores acreditam terem
sido iniciadas por soldados americanos em uma tentativa de negar
aos britânicos suas disposições ou despojos, tornando a cidade
inadequada como campo de preparação para a invasão de Nova
Inglaterra. Outros acreditam que foi um desastre natural, tendo
iniciado em uma taberna baixa no cais, agora ocupada pela balsa de
Staten Island. Seja qual for a causa, quinhentas casas foram
destruídas, e um terço da cidade - principalmente Tories e os
soldados britânicos - ficaram sem abrigo ou comida suficiente. O
inverno de 1776-1777 foi muito frio, o que complicou ainda mais o
esforço de guerra da Grã-Bretanha.
Os detalhes dos momentos finais de Hale são narrados por John
Montresor, que testemunhou tanto seu discurso na forca e seu
enforcamento. Ele descreveu-os a Alexander Hamilton ao entregar
uma mensagem do general Howe a George Washington. Na manhã
do dia da execução, Hale foi convocado para a árvore em que uma
forca estava amarrada. Ele portou-se com gentil dignidade, na
consciência de retidão e altivas intenções. O método utilizado em
execuções militares era colocar uma escada contra uma árvore,
obrigar o prisioneiro a subir, colocar a corda ao redor do pescoço,
retirar a escada, e deixar a vítima suspensa. Outro método seria
sentá-lo em uma carroça, colocar a corda em seu pescoço, mover a
carroça, e deixá-lo estrangular.
Algumas pessoas estavam ao seu redor, enquanto a corda era
amarrada em volta de seu pescoço, suspensa a partir do ramo de
árvore. Ele então falou suas famosas últimas palavras, citando Cato
de Joseph Addison:
“Como é bela a morte, quando merecida em virtude!
Quem não gostaria de ser este jovem? Que pena é
Que nós podemos morrer apenas uma vez em serviço ao nosso
país!”
O banco em que ele estava foi chutado para longe de seus pés.
Ele caiu até a folga na corda terminar. Seu pescoço ou foi quebrado
em um instante ou ele foi lentamente estrangulado até a morte. A
vida logo correu para fora de seu corpo. Uma vez confirmada a
morte, Hale foi desatado. Seu corpo foi rapidamente sepultado a
poucos metros de distância em uma cova sem marcação. A notícia
da execução foi trazida para a sede da General Washington logo
após por um oficial britânico carregando uma bandeira de trégua.
Eles provavelmente reservaram um minuto de silêncio para o
capitão de 21 anos de idade.
O local de sua execução tornou-se um local de peregrinação
uma vez que os colonos foram autorizados a voltar para Nova York.
Na década de 1860, o capitão Daniel Thurston contou suas
experiências como um menino, visitando o local da execução. Em
26 de novembro de 1783, ele desceu para Nova York com seu pai,
no dia seguinte à evacuação da cidade pelos britânicos e sete anos
após a execução de Hale. O pai de Thurston o levou para o pomar
do coronel Rutger, que ele encontrou lotado com os americanos que
desejavam prestar suas homenagens à memória de Hale. Nos
últimos sete anos, ninguém podia entrar na cidade durante a
ocupação britânica sem os documentos necessários ou soba
bandeira de trégua. Mas, no primeiro dia de re-admissão, milhares
se reuniram em Nova York para ver as mudanças que ocorreram
desde que a cidade foi destruída pelo fogo na noite anterior a
execução de Hale. Três quartos daqueles que vieram para Nova
York viram a árvore em que Hale foi enforcado.
Thurston recordou o local com a reverência de um peregrino
para o Santo Sepulcro em Jerusalém: "Eu tinha treze anos de idade
na época; conseqüentemente eu tenho uma lembrança vívida do
pomar, a árvore, o galho, e na minha mente eu posso imaginar o
local exato onde o corpo de Nathan Hale agora descansa. Foi-me
dado duas maçãs por um dos escravos do Coronel Rutger, que
segundo ele tinha crescido na árvore em que o Capitão Hale foi
pendurado. O velho [escravo] era uma testemunha da execução, e
com uma bengala que ele carregava, tocou o galho no qual ele
disse que a corda foi suspensa ".
Como mostra a história de Thurston, a vida de Hale assumiu
dimensões religiosas menos de uma década depois de sua morte.
Sua carreira de espião foi curta devido à sua morte precoce, mas
sua morte foi imortalizada na consciência nacional americana. A
guerra revolucionária terminou logo depois, e o reinado de George
III na América tinha acabado. Hale morreu e seu reinado começou.
Capítulo 7
Mata Hari (1876-1917)
A Mais Doce Armadilha Da Primeira Guerra
Mundial
Mata Hari foi uma das espiãs mais famosas da Primeira Guerra
Mundial. Acredita-se que ela foi responsável pela morte de dezenas
de milhares de soldados franceses até sua captura, condenação e
execução por um pelotão de fuzilamento. Sua carreira como uma
dançarina exótica e cortesã de funcionários de alto nível para a
França e a Alemanha durante a Grande Guerra faz da sua história
uma fascinante combinação de sexo, espionagem e perigo. Após
sua morte, seu nome artístico, "Mata Hari", tornou-se sinônimo de
espionagem, intriga e sexualidade.
No entanto, muitos historiadores consideram que, apesar de sua
fama póstuma, ela era uma espiã incompetente que não conseguiu
produzir inteligência de qualquer valor significativo. Embora ela
adorasse brincar com os ricos e poderosos e apesar de seus vários
casos com homens de destaque nos anos finais da Belle Epoque
Europa, a comunidade de inteligência de seu tempo acreditava que
ela operava em uma conjuntura longe de seu entendimento e não
compreendia os efeitos de suas atividades dúplices. Ela podia ter
sido capaz de encantar o seu caminho para o topo da profissão de
dançarinas exóticas, e para as câmaras e camas de funcionários
proeminentes, mas essas habilidades não contribuíam tanto para a
espionagem. Nos anos após a sua morte, o governo alemão disse
que suas contribuições para o esforço de guerra foram
insignificantes.
No entanto, o nome dela mais tarde se tornou um sinônimo para
o "pote de mel" ou "armadilha de mel" que extrai segredos de seus
amantes. Ela foi a modelo para armadilhas de mel, que se tornaram
um esteio na Guerra Fria, quando raposas americanas e russas
arrancaram segredos nucleares e de inteligência militar dos
cientistas solitários e oficiais do exército. O New York Times
escreveu sobre sua execução, descrevendo-a como "uma mulher de
grande atratividade e com uma história romântica." Muitos filmes e
biografias foram gerados na esteira de sua morte, o mais famoso
dos quais foi o filme de 1931 Mata Hari, estrelado por Greta Garbo
como a figura de mesmo nome e Ramon Novarro como tenente
Alexis Rosanoff.
Mata Hari nasceu como Margaretha Geertruida Zelle (apelidada
de M'greet) em 7 de agosto de 1876, filha de Adam Zelle e Antje van
der Meulen. Eles eram membros de minorias Frisian da Holanda, e
ela era a mais velha de quatro filhos. Seu pai era um fabricante de
chapéu que fez uma série de investimentos prudentes na indústria
do petróleo, levando a riqueza significativa. Adam mimava
livremente sua "princesinha"; em seu sexto aniversário, ele
presenteou Margaretha com uma carruagem em miniatura puxada
por dois bodes. Ela tornou-se mimada e vã, o que alguns biógrafos,
entregando-se a um pouco de análise freudiana, disseram ter criado
um desejo de atenção masculina. Quando ela tinha 13 anos seu pai
declarou falência devido à recessão no mercado de ações. A família
vendeu a maior parte de seus móveis e se mudou para a parcela
mais pobre da cidade. Em um esforço para melhorar as suas
fortunas, Adam se mudou para Amsterdã, deixando para trás seus
quatro filhos.
A mãe de Zelle ficou deprimida e fisicamente doente. Aos 15
anos sua mãe morreu. Seu pai voltou para o funeral, mas não veio
para ficar com seus filhos. Ao contrário, ele espalhou-os entre os
parentes dispostos a abrigá-los. Zelle acabou com seu padrinho,
Heer Visser. Ele era um tradicionalista que morava na cidade de
Sneek e incentivou Zelle para se tornar uma professora de escola. A
jovem concordou, mas ela era uma disciplinadora fraca e
desconfortável com a punição corporal que era onipresente na
educação do início do século XX. Ela também teve problemas
quando com 16 anos ela dormiu com o diretor. O romance se tornou
público, causando um escândalo e forçando-a de volta pra casa em
vergonha.
Ela, então, foi morar com seu tio, Heer Taconis. Taconis morava
em Haia, e fez sua sobrinha fazer tarefas domésticas e recados.
Pouco depois Zelle conheceu o Capitão Rudolph MacLeod, um
oficial 22 anos mais velho que ela, através de um anúncio de
"Corações solitários" no jornal. Ele foi colocado lá por seu amigo,
que esperava que o matrimônio ajudaria a domar seu amigo
beberrão e rude. O oficial estava atualmente em licença de ferozes
guerras coloniais da Holanda nas Índias Orientais. Ele
frequentemente ficava fora bebendo e farreando até tarde, e como
resultado, sofria com uma série de problemas de saúde.
MacLeod achou a amorosa Zelle charmosa, com sua complexão
escura e 1 metro e 80 de estatura. Ele propôs casamento no prazo
de seis dias. Seu pai concordou, e os dois se casaram três meses
depois. Infelizmente, o matrimônio não fez nada para domesticar
seu novo marido. Ele retomou o seu estilo de vida, voltou aos seus
antigos redutos de consumo, e assumiu uma série de novas
amantes, torrando dinheiro e caindo profundamente em dívida.
MacLeod tinha um temperamento mercurial e começou a abusar
fisicamente de Zelle. Sua nova esposa retornou o favor e voltou seu
olhar em direção a outros oficiais de seu marido. "Eu não estava
contente em casa", disse ela. "Eu queria viver como uma borboleta
colorida."
MacLeod foi ordenado a ir para a Indonésia para tomar um posto
na colônia holandesa. Ele levou tanto sua esposa e seu filho. Zelle
esperava que a mudança de cenário seria seguida por uma
mudança no comportamento do marido. O clima tropical não teve
nenhum efeito. MacLeod continuou a beber e maltratar tanto ela
quanto os seus servos. Ele até mesmo tomou uma das servas como
sua concubina e disse à esposa que era uma prática habitual na
cultura da ilha da Indonésia. No curso de sua promiscuidade,
MacLeod contraiu sífilis, mas não fez questão de informar a Zelle.
Sua pele escura e figura de ampulheta atraiu a atenção de seus
colegas oficiais. Eles achavam-na sedutora; suas esposas
arrogantemente pensavam que ela fosse de classe baixa e
possuísse sangue nativo. Pat Shipman escreve em sua biografia de
Mata Hari que "seu lânguido, estilo gracioso de movimento, seus
olhos escuros e cabelo de luxo, telegrafava sua sexualidade para
qualquer homem em sua presença. Ela chamou a admiração lasciva
de cada homem e a inveja de cada mulher. Ela era vista como
moralmente perigosa, egoísta e fútil." Zelle deu razão a esta
reputação por se exibir com vestidos escandalosos em festas,
sendo até mesmo pega com um segundo tenente.
MacLeod finalmente voltou para a Europa, levando Zelle e sua
filha Non com ele. Ele disse à família que ela era "escória do pior
tipo... uma mulher sem coração, que não se importa com coisa
alguma." Ela respondeu na mesma moeda, dizendo a seu pai que
preferia morrer antes de ele tocá-la de novo, e que seus filhos
provavelmente contraíram sífilis congênitadele. Enquanto ele e Non
estavam longe, Zelle entrou com um pedido de divórcio, que foi
concedido. MacLeod devolveu a filha, mas se recusou a pagar
qualquer tipo de pensão, colocando até mesmo um anúncio em
jornais locais, afirmando que sua ex-esposa era uma mentirosa e
farsante, e que as lojas não deveriam fornecê-lhe crédito, porque ele
tinha desistido de se responsabilizar por ela. Sem dinheiro, Zelle foi
forçada a retornar a filha para MacLeod e procurar emprego onde
quer que pudesse encontrá-lo.
Ela chegou sem dinheiro em Paris em 1903, onde logo
encontrou trabalho para fazer a única coisa que sabia - agradar aos
homens. Ela primeiro ofereceu seus serviços como uma prostituta,
mas depois decidiu usar seu conhecimento de culturas estrangeiras
para sua vantagem. Zelle refez-se como uma dançarina exótica e
mudou seu nome para Mata Hari, que era malaio para "sol"
(literalmente "olho do dia"). Ela realizava as chamadas danças
sagradas que eram levemente mergulhadas em mitologia oriental,
mas centradas em sua remoção da roupa. Ela fez sua primeira
apresentação particular em 1904. Nessa época, ela conheceu Emile
Guimet, um colecionador de arte e orientalista amador que
transformou sua casa em um museu de antiguidades. Ele
aconselhou Zelle e ajudou-a a melhorar seu ato, embelezando-a
com mais recursos "autênticos" do Oriente e fornecendo trajes
asiáticos caros de sua coleção.
A dançarina exótica estreou no Musée Guimet em 13 de março
de 1905, diante de uma plateia de trezentas pessoas, incluindo
embaixadores japoneses e alemães. Ela é descrita na biografia de
Russell Warren como "nenhum outro ato que tenha vindo antes
dela". O público entrou no teatro, recebidos por artefatos orientais
extravagantes. No palco se encontravam os seguintes apetrechos
exóticos:
uma escultura feita com metade do tamanho natural de
Siva, com quatro braços. . . colocado no palco improvisado,
com uma bacia de petróleo em chamas perante seus pés.
Mata Hari foi vestida com a coleção do museu, assim como
quatro dançarinas de apoio que, no curso do ritual,
disputam as atenções de Siva, mas se retiram em
humildade quando o deus dirigi seu convite apenas para
Margaretha Zelle. Pulseiras da coleção embelezavam seus
pulsos, bíceps e panturrilhas. Um cinto da Índia, incrustado
com pedras preciosas, mantinha um sarong indiano
translúcido no lugar. Ela tentou maximizar o que a natureza
lhe dera um mínimo de enchendo com algodão o sutiã de
metal incrustado que ela ostentava para a ocasião.
Mata Hari foi um sucesso imediato. Seu ato extrapolou os limites
do desempenho exótico, fazendo os shows burlescos no Moulin
Rouge parecerem bonitinhos em comparação. Ela obteve
faturamento superior em Paris, se apresentando no Trocadero, o
Cercle Royale, e o famoso Folies Bergere. Ela passou os próximos
anos como dançarina exótica, viajando por toda a Europa e se
apresentando nos clubes, teatros e residências mais exclusivas dos
ricos. Ao combinar a sua própria versão de "danças sagradas"
orientais, que combinavam dança com "adoração", ela alcançou
maior respeitabilidade do que uma dançarina de bordel. Ela elevou o
striptease a uma forma de arte e gerou inúmeros imitadores de seu
estilo oriental de dança em seu rastro. Mata Hari criou uma nova
história de vida para si mesma, dizendo às pessoas que ela nasceu
uma princesa javanesa, que sua mãe era uma dançarina do templo,
que morreu no parto, e que ela tinha sido levantada por sacerdotes
em um templo dedicado a Shiva. Este mito foi embelezado por seu
uso de jóias, perfumes estrangeiros, e por falar, ocasionalmente, em
malaio.
Para aprimorar a sua aura mística, ela descreveu seu
desempenho da maneira mais Oriental possível: "A minha dança é
um poema sagrado em que cada movimento é uma palavra e no
qual cada palavra é sublinhada pela música. O templo em que eu
danço pode ser vago ou reproduzido fielmente, como hoje aqui.
Porque eu sou o templo. Todas as verdadeiras danças do templo
são de natureza religiosa e todas explicam, em gestos e poses, as
regras dos textos sagrados.”
No entanto, para seus amigos, ela era muito mais honesta sobre
a natureza de seu sucesso. Certa vez, ela confessou: "Eu nunca
poderia dançar bem. As pessoas vieram me ver, porque eu fui a
primeira que se atreveu a se mostrar nua para o público ".
A maioria dos europeus nesta época tinha pouco conhecimento
sobre o Sudeste da Ásia ou religiões orientais. Sua formação fictícia
foi amplamente aceita como um fato. Ela levou o seu ato para a
Espanha, Monte Carlo, na Alemanha, e todo o resto. Em seu pico,
ela poderia ganhar taxas de 10.000 francos para uma performance.
Seu nome também foi usado em marcas de cigarros, charutos e
outros produtos. Mata Hari também assumiu os amantes de cada
um desses países, muitas vezes, os políticos e militares, muitos dos
quais estavam se preparando para a guerra uns contra os outros na
fase de preparação para a Primeira Guerra Mundial. Eles
forneceram apoio financeiro em troca de sua companhia.
Sua volta como uma cortesã era em parte por necessidade. Ela
gastava mais do que jamais poderia ganhar, tomando e deixando
amantes cada vez mais rápido. Entre seus clientes estavam Baron
Henri de Rothschild, magnata Gaston Menier, compositor Jules
Massenet, ministro francês da guerra Adolphe-Pierre Messimy e
embaixador francês Henri de Marguerie. Isto financiava seu estilo de
vida luxuoso, cheio de peles caras, vestidos ornamentados, cavalos
e residência de longa duração nos melhores hotéis parisienses. Seu
visual patenteado incluía pilhas de joias ornamentadas, inspiradas
por seus vestidos de palco com grandes brincos, colares, pulseiras
e braceletes. Ela viajava com dez peças de bagagem e era
necessária a ajuda de um exército de carregadores sempre que ela
se hospedava em um hotel.
Mata Hari baseava sua carreira em exposição física, mas seu ato
começou a sofrer de excesso de exposição. Em 1908 todos na
Europa provavelmente já a haviam visto dançar, pelo menos uma
vez, e teatros menores foram preenchidos com imitadores. Acima de
tudo, ela estava começando a mostrar sua idade. O ciclo de vida de
uma carreira de bailarina é curta, e Mata Hari não começou até ter
30 anos. Seu metabolismo começou a desacelerar, uma vez que
seu corpo começou a perder o seu tom, e ela não podia competir
com jovens artistas, mais bonitas. Seu apogeu durou de 1905-1912,
e após este período, ela virou-se para o afeto de seus fãs ricos. Isto
incluiu um corretor da bolsa que lhe proporcionou uma casa no
Sena e outra na região do Loire, até que ele foi à falência.
Mas ela tentou manter um pé no mundo do entretenimento. Em
maio de 1914, ela assinou um contrato para dançar no Metropol, em
Berlim, durante seis meses. Em 23 de maio de 1914, ela fez um
show público na Alemanha. Alguns acharam seu ato - em que
muitas vezes ela tirava tudo menos o sutiã de metal e suas roupas
mais frágeis - indecente, embora seja desconcertante como alguém
poderia não saber da natureza burlesca de sua performance nesta
fase de sua carreira. Um número de espectadores alegou que o
show foi indecente e contatou a polícia. A acusação foi investigada
por um policial chamado Griebel, que se apaixonou imediatamente.
Depois de ver o desempenho de Mata Hari, ele perguntou se ela
estaria interessada em realizar a investigação em um nível mais
íntimo.
É neste ponto que a história de Mata Hari se torna nebulosa.
Alguns biógrafos afirmam que ele não era Griebel, mas seu superior,
Traugott Von Jagow, que se envolveu com Mata Hari. Estes mesmos
biógrafos afirmam também que Traugott Von Jagow, tomando
conhecimento de suas frequentes viagens através das fronteiras
internacionais e suas companhias de alto nível, convenceu Mata
Hari a espionar a França para a Alemanha. Ela falava francês,
inglês, italiano, holandês e alemão, tinha uma boa educação e era
bem viajada, o que fazia dela uma espiã ideal. Verdade ou não, a
guerra eclodiu em agosto e ela estava presa na capital alemã, sem
dinheiro ou trabalho. De acordo com um relato, em seu desespero,
ela se comprometeucom um treinamento de espionagem e passou
15 semanas aprendendo com funcionários da inteligência alemã.
Ela recebeu o nome de código H21 e recebeu instruções sobre
códigos e cifras.
Shipman oferece uma história diferente. Segundo ele, Mata Hari
conseguiu escapar da Alemanha cativando um empresário holandês
para pagar a passagem de trem para Amsterdã. Uma vez de volta
em casa, ela voltou para uma antiga paixão, um cavalheiro
aristocrático e rico. Neste meio tempo o cônsul alemão Karl Kroemer
visitou-a e ofereceu-lhe 20.000 francos para participar de sua rede
de espionagem. Mata Hari aceitou seu dinheiro, mas rejeitou a
proposta, dizendo que o dinheiro era uma compensação pelas
dificuldades que ela sofreu ao ficar presa na Alemanha. "Como ela
nunca teve a menor intenção de espionar para a Alemanha, ela não
sentiu nenhuma culpa ou obrigação de fazer qualquer coisa pelo
dinheiro que ela tinha aceitado. Ela sempre tinha tomado dinheiro de
homens, porque precisava dele e eles o tinham. Ela sempre sentiu
que merecia", escreveu Shipman.
Estivessem ou não os alemães preparando Mata Hari para se
tornar uma "armadilha de mel", está claro que essa tática foi
amplamente utilizada como uma estratégia de espionagem. E ela
não começou com a Primeira Guerra Mundial. A "armadilha de mel"
é uma tática de espionagem tão antiga quanto a espionagem e
sexualidade - essencialmente tão antiga quanto a profissão mais
antiga do mundo. O mais antigo caso registrado de uma "armadilha
de mel" vem do Antigo Testamento, com os "potes de mel" Judith e
Dalila dominando os homens que se opuseram a elas. Judith era
uma viúva judia que enganou o assaltante assírio Holofernes com
uma exibição de sua beleza e depois o decapitou, garantindo a
vitória militar para os judeus. Dalila era uma agente filisteia que
extraiu de Sansão o segredo de sua força e, em seguida, cortou sua
fonte - o cabelo - o que levou à sua captura e morte.
Como veremos nos próximos capítulos, o uso de "armadilhas de
mel" foi desenvolvido como uma ciência na Guerra Fria,
particularmente pelos russos e os Stasi, o serviço de segurança da
Alemanha Oriental. Não foi assim tão formalizado no início do
século XX, mas as mudanças sociais e tecnológicas tornaram-no
um dispositivo de espionagem mais útil, especialmente no caso de
Mata Hari. A expansão das redes ferroviárias e de viagem
transcontinental significava que oficiais militares e do governo
poderiam estar longe de suas famílias e mais dispostos a se
envolver em casos temporários com mulheres locais. Em segundo
lugar, os governos europeus desenvolveram serviços de inteligência
incipientes nesta época e ansiavam por informações. A Primeira
Guerra Mundial viu a profissionalização do trabalho de inteligência.
A Agência da Grã-Bretanha MO5 (o precursor do MI5) surgiu neste
momento. Terceiro, as companhias de teatro eram enormemente
populares e atravessavam o continente com frequência. Um artista
nunca para de viajar e pode mover-se entre nações inimigas sem
levantar qualquer suspeita. Mata Hari era uma dessas performers,
embora no final mais ousado do espectro, fazendo-a adequada para
o trabalho.
Em 1914, poucos dias após a Primeira Guerra Mundial estourar,
ela voltou para a França e retomou a sua vida glamourosa. Lá ela foi
recebida com desconfiança. A França monitorava de perto as suas
fronteiras e ela era suspeita de espionagem devido ao seu grande
número de clientes alemães de alto nível. Ela foi mantida sob
vigilância pelas autoridades francesas enquanto morou no Grand
Hotel, na companhia de muitos homens de uniforme. A Inteligência
britânica e polícia secreta francesa começaram a segui-la e a
questionar seus porteiros, cabeleireiros e garçonetes.
Enquanto no hotel, Mata Hari conheceu um Vadim Maslov, um
capitão russo arrojado. Eles imediatamente se apaixonaram, mesmo
a performer veterana sendo 18 anos mais velha. Maslov foi
posteriormente enviado para o fronte e gravemente ferido, perdendo
um olho e em perigo de perder o segundo. Ele foi tratado num
hospital de Vittel, localizado no meio de uma zona de guerra. Mata
Hari pediu permissão para viajar para lá, o que imediatamente
levantou suspeitas das autoridades. O chefe da inteligência
francesa, o capitão Georges Ladoux, negou seu pedido. Mas o
diretor gordo de rosto quadrado e cabelos oleosos de
contraespionagem conseguiu convencer Mata Hari para alistar-se
como uma espiã para os franceses. Em troca, ela seria bem
recompensada, permitindo-lhe pagar suas grandes dívidas e ser
autorizada a visitar Maslov. Ela também se agarrou ao sonho
improvável de que sua carreira remuneratória como uma espiã
poderia levar a "um grande golpe", permitindo-lhe cobrar uma
fortuna e então se casar com Maslov, deixando para trás sua antiga
vida.
Após um interlúdio em Vittel com seu amante, Mata Hari foi
mandada por Ladoux para visitar a Bélgica ocupada pelos alemães
e entrar em contato com um conhecido dela chamado Wurfbein,
cuja empresa fornecia comida para o exército alemão. Ele seria
capaz de apresentá-la ao general Moritz Ferdinand von Bissing, um
general alemão que comandava as forças na Bélgica. O plano de
Ladoux era para Mata Hari seduzir o general e reunir inteligência
militar durante a "conversa de travesseiro". Mata Hari também
planejava usar Von Bissing como um trampolim para renovar seu
romance com o príncipe herdeiro da Alemanha.
A fim de chegar a Bélgica, que era inacessível devido a
Alemanha fechando a fronteira, Mata Hari precisava viajar através
da Espanha, Grã-Bretanha e Holanda. Infelizmente, ela tinha uma
semelhança com a espiã alemã Clara Benedix e foi detida pela
polícia inglesa no momento de sua chegada à Grã-Bretanha. Ao
perceber o erro, as autoridades britânicas ainda a detiveram; eles
vinham seguindo seus movimentos há meses, suspeitos de seu
envolvimento com a inteligência alemã. Após entrar em contato com
o mestre espião francês Ladoux, as autoridades inglesas a soltaram.
Ela voltou para a Espanha.
Alguns documentos, que argumentam que Mata Hari era uma
agente dupla alemã, dizem que ela conheceu seu contato, Wilhelm
Canaris, na Espanha, mas todos concordam que ela se envolveu
com o Major alemão Arnold Von Kalle durante este tempo. Ela
encantou o oficial de inteligência e soube de manobras militares no
norte da África, o que ela orgulhosamente repassou para Ladoux.
No entanto, suas abordagens foram tão incomuns e desajeitadas
que ele imediatamente começou a suspeitar. Ela também enviou
relatórios para os franceses através do correio normal, que os
alemães imediatamente interceptaram e leram.
Mata Hari voltou a Paris e tentou se reunir com Ladoux, que
estava relutante. Ele disse que sua informação sobre as manobras
alemãs já era bem conhecido, recusando-se a pagar-lhe. Ela exigiu
compensação, acreditando que havia sucedido na sua missão. Em
vez disso, seus treinadores pensavam que ela tinha caído em um
ardil. Nenhuma outra incumbência veio a ela, e os franceses viraram
seus encontros com Kalle contra ela. Ao mesmo tempo, as
autoridades francesas interceptaram mensagens codificadas da
Alemanha relativas às informações repassadas por um espião com
o codinome H21 e a informação inútil que Mata Hari tinha dado a
Kalle. As autoridades francesas ficaram preocupadas que Mata Hari
tinha um nome-código reconhecível para os alemães, levando-os a
suspeitar que ela era um agente duplo e que ela tinha trabalhado
para eles antes de trabalhar para os franceses.
Esta transmissão era provavelmente um resultado de os dois
lados tentando blefar um ao outro. Os alemães usaram
intencionalmente um código que já tinha sido quebrado pelos
franceses para alimentar inteligência falsa. Alguns historiadores
afirmam que os alemães liberaram esta mensagem para os
franceses para instigá-los a executar seus próprios espiões. Eles
provavelmente mantinham um rancor contra Mata Hari por tirar
dinheiro de Kroemer sem fazer quase nada em troca. Ou isso, ou
eles realmente pensaram que Mata Hari era uma agente dupla,
ainda que uma muito ruim.
Seja qual for o caso, Mata Hari foipresa em 13 de fevereiro de
1917, sobre as acusações de espionagem. Os agentes da polícia
bateram na porta de seu quarto de hotel, o que ela respondeu em
um roupão rendado enquanto comia um café da manhã. O juiz de
instrução, Pierre Bouchardon, pensou-a culpada. Mais tarde, ele
escreveu que ele teve a intuição imediata que Mata Hari era uma
pessoa vendida para seus inimigos: "Eu tinha um só pensamento -
desmascará-la."
Ela foi levada a julgamento em 24 de julho e uma enorme
multidão se reuniu para assistir o processo e ver a outrora famosa
atriz e celebridade da mídia julgada como um espiã. O promotor-
chefe, Andre Mornet, solicitou que o julgamento se realizasse em
segredo para proteger a segurança nacional francesa. O juiz
concordou e a multidão foi retirada da sala do tribunal. Mornet
alegou que Mata Hari foi uma espiã desde maio de 1916,
mencionando seu envolvimento com uma série de oficiais militares
de alto escalão e ao fato de os alemães terem se referido a ela
como agente H21. Outras testemunhas foram chamadas para
confirmar esses detalhes. De acordo com as regras militares, o
advogado de Mata Hari não foi autorizado a questionar estas
testemunhas, e ele não podia sequer questionar seu cliente. Ela se
defendeu durante o julgamento, alegando que ela era apenas a
amante do adido. "Eu sou inocente", ela implorou. "Alguém está
brincando comigo - contra-espionagem francesa, uma vez que estou
a seu serviço, e eu tenho agido apenas sob suas instruções." Esses
argumentos não convenceram os juízes. Ela foi declarada culpada e
condenada à execução por um pelotão de fuzilamento.
A sentença foi executada em 15 de outubro de 1917. Ela foi
levada para um campo encharcado nos arredores de Paris, onde
suas ankle boots foram plantadas em barro batido pela cavalaria
francesa que treinava por lá. A ex-dançarina estava vestindo suas
melhores meias, uma blusa decotada e um traje de duas peças
cinza-claro. Sua cabeça estava adornada com um chapéu de feltro
de três pontas com uma fita de seda preta e arco, cobrindo seus
cabelos grisalhos. Ela atirou um longo manto de veludo preto, com
arestas em torno do fundo com a pele, sobre os ombros.
"Estou pronta", disse ela.
Mata Hari enfrentou sua morte com coragem, recusando-se a ser
vendada ou amarrada a uma estaca. Ela acenou para as duas
freiras que a tinham mantido em conforto na prisão. Elas e o padre
se afastaram dela. Como ato final, ela mandou um beijo para os
doze soldados, o sacerdote que ofereceu a extrema unção, e seu
advogado, que também era um ex-amante. O oficial em comando,
que estava observando seus soldados com cuidado para garantir
que nenhum deles analisaria seu rifle para ver se estavam
disparando com cartuchos falsos ou munição real, sinalizou a eles
para prepararem suas armas. Os doze soldados levantaram suas
armas. Em seguida, ele deixou cair sua espada e eles dispararam.
Os disparos soaram e fumaça cinza cuspiu de cada rifle. A atriz caiu
em silêncio, sem a menor mudança de expressão em seu rosto. Um
último golpe de misericórdia foi entregue por um oficial não
comissionado que disparou um revólver em sua têmpora esquerda
para garantir que ela estava morta.
Após a conclusão da guerra, a inteligência francesa admitiu que
não tinha provas contra ela, tampouco havia ela proferido qualquer
inteligência significativa para os alemães. Shipman vai um passo
além e argumenta que ela pode não ter sido culpado de nada. A
França, dominada pelo fervor anti-alemão, pode ter querido fazer
um exemplo de Mata Hari para desencorajar quaisquer outros
pretensos "potes de mel" de dormirem com alguma autoridade
francesa de alto nível e vender segredos de Estado. Se ela já era
uma espiã alemão, como Ladoux acreditava, então era tolice
recrutá-la para espionar para a França, já que ela não tinha nem a
experiência nem a perspicácia para jogar como uma agente dupla.
Ela também era famosa em toda a Europa e se sairia mal no
trabalho a paisana, com seus movimentos relatados por colunistas
sociais. Ninguém tinha a menor sombra de evidência provando que
ela era uma espiã, ninguém poderia ao menos apontar para um
documento, segredo, ou plano que ela havia passado para os
alemães. Talvez a lição seja que é tão perigoso se assemelhar a um
"pote de mel", quanto realmente ser um.
Apesar de a Alemanha ter-lhe dado aos franceses e
essencialmente assinado a sua execução, eles usaram isso como
uma poderosa ferramenta de propaganda. Eles conseguiram muito
pela execução francesa de uma mulher inocente da Holanda, um
país neutro. Autoridades francesas viram o julgamento como um
exemplo de excesso de procuradoria. Mesmo seu ex-marido,
Rudolph MacLeod, que havia se divorciado oficialmente dela anos
antes, quando sua carreira de dança decolou, ficou chocado com a
sua execução.
Sua criação de um tropo cultural da feminilidade e sigilo, a
imagem de uma espiã sexy que encarna o misticismo feminino, é
uma lenda duradoura. Um oficial da inteligência britânica chamado
Colson escreveu sua primeira biografia oficial logo após sua morte.
Foi baseado em alegações e histórias sensacionais, com pequenos
salpicos da verdade espalhados no meio. Sua lenda como uma
espiã feminina arquetípica resistiu por quase cinquenta anos. As
autoridades francesas, que tinham acesso a documentos que
falavam de suas habilidades de espionagem reais, propagavam este
mito. Eles estavam envergonhados por sua execução e tentavam
justificá-la. Estas histórias podem ser encontradas em documentos
confiáveis de histórias de espionagem e inteligência do século XX.
Apesar de sua história ter sofrido uma séria revisão, ainda não
explica o trabalho típico que a maioria das mulheres do serviço
secreto fez durante a Primeira Guerra Mundial. Uma figura como
Mata Hari apóia a idéia de supostas habilidades naturais das
mulheres para a duplicidade, mas a realidade do trabalho de uma
espiã do sexo feminino era geralmente algo mais mundano, como
tediosos rastreamentos de espiões nos escritórios do Serviço
Secreto em Londres ou noites inteiras observando o movimento de
trens na França ocupada e na Bélgica. Isso sem falar das centenas
de mulheres empregadas nas agências de espionagem, como as
600 mulheres que trabalhavam 60 horas por semana na vasta
Secretaria do MI5, um arquivo enorme de suspeitos. Eles
mantiveram e gravaram montanhas de informações pessoais
detalhadas, criando oceanos de cópias de carbono e cartões de
arquivo. Nesse trabalho não havia glamour, nenhuma cama à vista.
Mata Hari é uma das espiãs mais famosas da história, o nome
dela agora é sinônimo de espionagem, embora ela tenha sido
amplamente ineficaz em sua carreira. Alguns pensam nela como
alguém que jogou com Alemanha e França como uma mestra,
tecendo uma intrincada teia na qual ela, no fim, emaranhou a si
mesma. O mais provável é que ela tenha se tornado um peão para
ambos os lados. Mistérios permanecem quanto a sua verdadeira
lealdade, mas a combinação de sexo, espionagem, e perigo fez sua
história irresistível.
Capítulo 8
Richard Sorge (1895-1944)
O Mestre Espião Soviético
O repórter alemão chegou a Tóquio com comissões de jornais
respeitáveis para informar sobre a evolução do pré-guerra, mas isso
não o impediu de saltar para um estilo de vida devasso. Ele bebeu
em escala industrial e manteve dezenas de namoradas. Suas
façanhas logo se tornaram lendárias entre os expatriados do Japão.
O repórter viveu com Hanako Miyake, uma garçonete vestida de
dirndl de seu refúgio favorito, Das Rheingold. Aqui empresários
alemães e germanófilos japoneses se reuniam para beber cerveja e
executar a dança Schuhplattler para uma banda de bronze. Ele era
uma figura rotineira nas noites de Das Rheingold, onde ele cantava
suas canções favoritas e nunca saía sóbrio. Ele sempre partiu em
sua motocicleta e dirigia pelas ruas em altíssimas velocidades.
Milagrosamente, ele não caía.
Mas em 13 de maio de 1938, ele errou sua rua e dirigiu sua
motocicleta diretamente na parede grossa da Embaixada
Americana. Horas depois, ele acordou no Hospital São Lucas. Seus
dentes dafrente estavam faltando e seu rosto jazia ensanguentado.
Em um estado de semi-delírio, ele convocou um amigo chamado
Klausen. O repórter ferido deixou perplexas as enfermeiras quando
ele deslizou os envelopes de seus amigos e um rolo conspícuo de
notas de dólar. O repórter, em seguida, desmaiou.
Richard Sorge era um jornalista beberrão e membro do partido
nazista, amplamente respeitado pela embaixada alemã por sua
intuição quanto a política japonesa. Ele consumia álcool em parte
como um meio de lidar com o stress da sua carreira no período de
preparação para a Segunda Guerra Mundial. Mas havia uma razão
maior para a sua necessidade de desvio. Sorge foi realmente o mais
importante espião da Rússia e um oficial do serviço de inteligência
militar externa soviética. Ele levava uma vida dupla, cativando
embaixadores alemães em Tóquio e ganhando sua confiança ao
ponto de ter acesso a informações diplomáticas confidenciais, o
tempo todo enviando relatórios para seus assessores soviéticos. Os
relatórios de Sorge de planos militares alemães-japoneses eram tão
valioso para a Rússia que ele provavelmente impediu o colapso da
União Soviética durante a guerra. Enquanto a maioria dos espiões
fez pouco mais do que coletar inteligência inconseqüente e avisar
seus superiores de pequenos ataques, os esforços de Sorge
impactaram diretamente as decisões do comando militar da Rússia.
Suas contribuições são melhor descritas pelo autor inglês Frederick
Forsyth: "Os espiões na história que podem dizer de seus túmulos,
'as informações que forneci aos meus mestres, para melhor ou pior,
alterou o curso da história do nosso planeta', podem-se contar com
os dedos de uma mão. Richard Sorge está neste grupo".
Sua carreira atravessou os anos imediatamente anteriores à
Guerra Fria. Os Estados Unidos e Rússia começaram sua corrida
armamentista em ciências, arsenais e espionagem. A CIA e KGB
foram formados principalmente como uma conseqüência da
espionagem nuclear durante a Segunda Guerra Mundial. Eles
reuniam informações através de informantes pagos, agentes duplos,
intercepções de comunicações, e outros meios de vigilância. Este
tipo de espionagem tinha pouca semelhança com os romances de
Ian Fleming, que popularizou o conceito da profissão. Superar um
adversário em uma mesa de roleta, beber um martini, levar para a
cama mulheres exóticas, e em seguida lutar contra dezenas de
capangas era muito menos comuns do que reuniões em locais
confidenciais e noites sem dormir por medo de ser visitado as três
horas da madrugada pela polícia secreta. Eles eram "secretos" com
muito menos frequencia - o sucesso de sua missão dependia deles
parecerem e agirem como membros normais da sociedade.
Richard Sorge viveu esta vida contraditória sem esforço. Ela
vinha naturalmente para ele, já que sua vida já era um paradoxo.
Durante a Primeira Guerra Mundial, ele era um soldado comum que
lutou para o exército alemão e foi ferido três vezes. Depois da
guerra, ele se tornou um comunista declarado e procurou derrubar a
força militar da Alemanha, mas seus ferimentos ganharam a
confiança de oficiais alemães com quem confraternizava em Tóquio.
Ele viveu a vida imprudente, indiscreta de um alcoólatra e seduziu a
esposa de um embaixador, mas esta imprudência de alguma forma
imunizou-o de suspeita - certamente um indivíduo tão descuidado
não poderia executar uma operação secreta? A embaixada Alemã
tinha tanta confiança nele, sobre a qual ele e sua rede de
espionagem estavam bem informados, que se apoiavam em sua
perícia e até mesmo lhe permitiam usar os livros de códigos da
embaixada. Ele advertiu a Rússia de ataques alemães iminentes
diariamente, coisa que Stalin tomou apenas como uma provocação
e, para seu grande pesar, ignorou. Embora ele tenha sido o maior
espião da Rússia, Sorge foi completamente abandonado quando
capturado, com o fim de encobrir erros da União Soviética.
Mesmo que sua vida tivesse pouca semelhança com a de James
Bond, o seu sucesso como um espião foi, pelo menos, reconhecido
pelo criador do 007. Ian Fleming, também um oficial de inteligência
da Segunda Guerra Mundial, o considerava o espião mais
formidável da história. O sentimento foi compartilhado por Douglas
MacArthur, que lhe considerava um exemplo devastador de sucesso
brilhante em espionagem. Se nada mais, ele tinha a capacidade de
James Bond para beber e atrair mulheres.
Sorge nasceu em 4 de outubro de 1895, em Baku, uma cidade
portuária do Mar Cáspio, filho de um engenheiro de minas alemão
Wilhelm Richard Sorge e sua esposa russa, Nina Semionovna
Kobieleva. Ele era o caçula de nove filhos. O pai de Sorge foi um
firme defensor do Kaiser e trabalhava para uma companhia de
petróleo. Seu contrato lucrativo expirou, alguns anos depois, e eles
saíram do Cáucaso para voltar para a Alemanha em 1898.
Richard foi criado em uma família cosmopolita que tinha todas as
características da sociedade alemã respeitável. Ele se beneficiou de
uma educação privilegiada e estudou em um ginásio no subúrbio de
Berlim. Quando a Primeira Guerra Mundial estourou, o jovem Sorge,
ainda estava no colegial, alistou-se no exército alemão e se juntou a
um batalhão de estudantes, lutando na frente ocidental em um
regimento de artilharia antes de se transferir para a Frente Leste no
ano seguinte. Ele era um soldado valente, que investia contra fogo
pesado e foi ferido em três ocasiões. Estas lesões deram-lhe um
ligeiro coxear para o resto de sua vida. Em março de 1916, à
terceira ocasião, ele perdeu três dedos e quebrou as duas pernas
devido a estilhaços. Ele recebeu alta médica após ter sido
concedido uma promoção e a Cruz de Ferro, segunda classe.
Enquanto convalescia, Sorge começou a ler Karl Marx, com
quem seu tio-avô tinha trabalhado, ao mesmo tempo servindo como
Secretário-Geral da First International, quando ela chegou a Nova
York na década de 1870. Richard também foi influenciado pelo pai
marxista de uma enfermeira que ele havia seduzido. A mensagem
ressoou fortemente com o jovem soldado, que estava desiludido
com o fervor nacionalista que varreu ferozmente pela Alemanha e
com uma guerra travada entre dois impérios capitalistas que abateu
dois milhões de seus compatriotas. Vinte e cinco anos mais tarde,
ele disse a seus captores japoneses: "Mesmo se eu nunca tivesse
sido motivado por outras considerações, a Guerra Mundial por si só
teria sido o suficiente para fazer de mim um comunista." Não
estando em condições de retornar à linha de frente, Sorge
conseguiu permissão para estudar na Universidade de Berlim e,
mais tarde, a Universidade de Kiev. Ele se tornou um comunista e
decidiu "não só estudar, mas também participar no movimento
revolucionário organizado."
Sorge obteve um Ph.D. em ciência política em 1919 pela
Universidade de Hamburgo e ingressou na agência local do Partido
Comunista Alemão (KDP) no mesmo ano. Ele tinha todo o zelo de
um novo convertido e ensinou seus princípios aos seus alunos,
juntamente com os mineiros de carvão alemães com quem ele tinha
tomado um trabalho a fim de organizar as células comunistas
clandestinas. Suas opiniões políticas levaram-no a ser demitido de
seu cargo de professor, como o comunismo era visto como uma
ideologia competindo com o fascismo, que reinou na Alemanha de
Weimar. Ele desenvolveu contatos soviéticos em 1924, quando um
delegado em uma reunião secreta em Frankfurt KDP convidou-o
para Moscou. A polícia nacional rotulou-o como um espião.
Temendo a prisão, ele fugiu para a União Soviética. Lá ele conheceu
Dmitri Manuilsky, chefe da inteligência para o Comintern, uma
organização com o objetivo de difundir o comunismo em todo o
mundo. Ele começou a treinar Sorge como um espião, incentivando-
o a aprender Francês, Inglês e Russo.
Sorge desenvolveu uma identidade como jornalista, o que lhe
permitia viajar sem suspeita para muitos países europeus. Sua
missão era determinar o potencial de revoluções comunistas em
outros países, como o que ocorreu na Rússia. Após o treinamento
em espionagem, ele voltou para a Alemanha, onde se encontrou
com ChristianeGerlach, uma ex-bibliotecária da Universidade de
Frankfurt. Quando eles se conheceram, ela era a mulher do ex-
instrutor de economia de Sorge. Ela deixou o marido para viver com
Sorge em Solingen, o que era considerado um comportamento
escandaloso na Alemanha na época. Ele casou-se com Gerlach em
1922 - com relutância, já que os dois não gostavam de "casamentos
burgueses, uma forma de opressão de classe" - embora sua esposa
não estivesse ciente de seu trabalho de espionagem.
Ela foi cativada pelo homem jovem, bonito e carismático, assim
como muitas outras mulheres. Sorge teve numerosos casos, muitas
vezes com as esposas de seus antigos professores ou colegas de
trabalho. Gerlach escreveu anos depois de sua primeira visão dele:
"Foi como se um relâmpago percorresse meu corpo. Neste um
segundo algo despertou em mim, que estava hibernando até então,
algo perigoso, escuro, inescapável. . . . "Ele era alto e magnético,
com olhos azuis penetrantes.
Esta imagem de Sorge como um playboy que freqüentava festas
da moda foi mantida por cineastas na sua representação do famoso
espião. Durante seus anos em Tóquio, ele frequentava o bairro da
luz vermelha e dirigia sua motocicleta a uma velocidade vertiginosa
em suas rodovias, estando sóbrio ou bêbado. De acordo com os
relatórios de vigilância japoneses e nazistas emitidos após sua
morte, ele "manteve contatos estáveis" com 52 mulheres no Japão.
O relacionamento mais longo que ele teve foi com Hanako Ishii, uma
garçonete de 26 anos de idade. Este estilo de vida trabalhou a seu
favor como um espião. Um jornalista e companheiro de bebida
americano disse que ele "criou a impressão de ser um playboy,
quase um perdulário, a própria antítese de um espião astuto e
perigoso."
Sorge e Gerlach mudaram-se para Frankfurt em 1922, onde ele
espionou intelectuais locais e funcionários públicos enquanto
tentava recrutá-los para o Partido Comunista. Em 1924, eles se
mudaram para Moscou devido aos seus problemas com a polícia.
Ele se tornou um membro do Departamento de Ligação
Internacional do Comintern, funcionando como um elo de ligação
com partidos comunistas estrangeiros. Sorge mergulhou de cabeça
em seu trabalho, negligenciando sua nova esposa. A adequada
Christiane achou a cultura proletária russa terrível. Mais tarde, ela
emigrou para a América e se divorciou dele. Isso quase não afetou
Sorge, que rapidamente mudou-se para o apartamento de Ekaterina
(Katya) Maximova, uma estudante de teatro que tinha a tarefa de
ensinar-lhe russo. Eles mais tarde se casaram, embora os dois
terem visto pouco um ao outro ao longo de suas vidas.
Em 1929, Sorge tornou-se um oficial da inteligência militar e
ingressou no Quarto Departamento do Exército Vermelho, que
eventualmente se tornou a GRU, o ramo de inteligência externa
soviética responsável por enviar espiões para países estrangeiros.
Ele foi mandado para a Inglaterra para investigar o movimento
operário, o estatuto do Partido Comunista da Grã-Bretanha, e suas
condições políticas e econômicas. Os contatos de Sorge na
inteligência soviética instruíram-no a permanecer em segredo
durante sua missão de inquérito. Ele preferiu desenvolver seus
próprios contatos e evitou partidos comunistas locais, que eram
mais rigidamente doutrinados. Ele chegou a um acordo com seus
superiores soviéticos para transmitir informações diretamente para
Moscou e evitar esquerdistas locais. Sorge havia se transformado
de um agente comunista para um espião soviético.
Sorge continuou seu trabalho secreto na Alemanha, onde se
tornou um membro do Partido Nazista no final de 1929. A fim de se
estabelecer, ele assumiu a identidade de um correspondente chinês
do jornal agrícola Getreide Zeitung (Grain News). A identidade
providenciava uma pretensão para suas viagens frequentes e uma
desculpa para formar contatos com militares e funcionários do
governo de alto nível. Embora ele não tivesse nenhuma experiência
em agricultura, não era incomum para os jornalistas cobrirem uma
matéria em que eles tinham pouca experiência. Em 1930, Sorge foi
então ordenado a ir para Shanghai para apoiar uma revolução
comunista. Em seu novo cargo, ele reuniu informações sobre o líder
chinês Chiang Kai-shek e seus associados, se passando por um
especialista em agricultura chinesa. Ele viajou por todo o país e se
reuniu com organizações comunistas. Sorge logo fez amizade com
outro alemão assessor do Premier, Coronel Hermann von Kriebel,
uma tarefa fácil para o herói de guerra aposentado.
Ele também fez contato com uma série de outros espiões
comunistas e simpatizantes, como Max Klausen e Agnes Smedley,
uma correspondente americana para o Frankfurter Zeitung que
conheceu em uma livraria de esquerda em Shanghai. Smedley, que
se tornou sua amante, introduziu Sorge para Teikichi Kawai e
Hotsumi Ozaki, que era um jornalista de um jornal japonês Asahi
Shimbun, e o mais bem informado analista sobre a China do Japão.
Ambos os japoneses passaram a fazer parte da crescente rede de
espionagem do Sorge. Eles passaram a Sorge informações sobre
os preparativos militares chineses contra um ataque japonês. Após
a conquista Japonesa de Manchuria em 1931-1932, a Rússia temia
um ataque japonês no Extremo Leste soviético. Sorge foi incumbido
de observar movimentações militares para sinalizar uma possível
invasão.
Por volta de 1932, a inteligência chinesa suspeitava que o
especialista em agricultura de ser um espião. Sorge focou-se
exclusivamente nos seus relatórios para o jornal para dissipar as
suspeitas. Ironicamente, os membros do círculo militar de Chang
Kai-shek gostavam das reportagens de Sorge e reuniam-se com ele
em várias ocasiões, fornecendo-lhe informações valiosas que ele
passou para seus contatos comunistas. Sorge voltou para a Rússia
no final de 1932 e recebeu elogios significativos pelo seu trabalho.
Ele foi enviado para o Japão em setembro de 1933 para criar
uma rede de espionagem e descobrir os preparativos militares do
Japão para uma invasão da China. Não era uma missão pequena. O
Japão era visto pela comunidade internacional de inteligência como
uma concha impenetrável da qual nada vazava. Deram-lhe a tarefa
mais difícil do serviço de inteligência: penetrar no interior da
liderança japonesa e aprender sobre seu plano mestre para o Leste
Asiático.
Ele precisava desenvolver uma identidade mais convincente. Já
que ele nunca poderia passar como um cidadão japonês, Sorge
resgatou a boa fé que ele tinha com vários na Alemanha para apelar
aos sentimentos nacionais em torno da aliança militar Japão-alemã.
Sendo um correspondente de um jornal de grãos também não
ajudaria. Enquanto na Alemanha, ele parou em Berlim, para obter
um passaporte alemão e uma comissão de dois jornais nazistas
para informar sobre eventos no Japão. Do Professor Karl Haushofer,
considerado o avô da geopolítica, ele recebeu uma carta de
apresentação para um oficial do exército alemão, Col. Eugen Ott, o
novo adido militar em Tóquio e outro veterano da Primeira Guerra
Mundial. "Você pode confiar em Sorge em todos os aspectos,
politicamente e pessoalmente", escreveu Haushofer.
Sorge chegou ao Japão em 6 de setembro a bordo de um navio
da Canadian Pacific. Sua célula espiã inicialmente era composta
pelo agente Comintern e comunista iugoslavo Branko Vukelic, um
jornalista que trabalhava para uma revista francesa, Vu, que tratava
de trabalhos de microfilme para Sorge; Yotoku Miyagi, um jornalista
japonês para o jornal de língua Inglêsa Japão Publicitário e
respeitado especialista sobre a China; operador de rádio Bernhardt;
e jornalista Hotsumi Ozaki. Vukelic iria fotografar documentos e
Yotoku iria reunir informações de contatos antigos de Sorge.
Bernhardt não durou muito tempo como operador de rádio devido ao
seu consumo excessivo de álcool e negligência no trabalho. Mais
tarde ele foi chamado de volta para a União Soviética.
O grupo mandava mensagens a Moscou usando um código
numérico e um pad de uso único. Era um sistema praticamente
inquebrável que contava com uma chave secreta, aleatória. Seu
novo operador foiMax Klausen, que trabalhou sob o pseudônimo de
um produtor de plantas. O técnico hábil construiu seu próprio
transmissor a partir de peças que ele comprou nas lojas de Tóquio,
e ele transmitia mensagens para seus controladores em
Vladivostok. Mesmo quando as autoridades japonesas descobriram
as transmissões de rádio não autorizadas, não foi possível localizar
a sua origem ou decifrar o código. Os oficiais sabiam que havia um
espião entre eles, mas eles não sabiam quem ou onde.
Sorge construiu um canal de informações com as autoridades
japonesas, agentes consulares alemães, e empresários em uma
extremidade, e oficiais da inteligência soviética, na outra. Em 1932,
a informação começou a vazar, mas jorrou com a adição do
correspondente do jornal Shanghai Weekly, Teikichi Kawai, para o
grupo. Kawai passou informações que obteve do pessoal do
exército japonês, que Sorge entregou nas mãos da Rússia antes de
encontrar um operador de rádio de confiança em Klausen. Em 1935,
Sorge se reuniu com o Comando do Quarto Escritório e mostrou-
lhes gráficos detalhados dos oficiais militares japoneses e os pontos
de vista de cada um sobre a União Soviética.
Apesar do crescente vazamento de informações, o governo
alemão ainda via Sorge como um patriota leal e membro do partido
nazista. Ele desenvolveu relações estreitas com funcionários da
embaixada importantes, incluindo Eugen Ott e o Embaixador
Herbert von Dirksen. Em outubro de 1934, Ott convidou-o para uma
excursão da Manchúria. Sorge escreveu um relatório, que Ott
encaminhou para Berlim, onde ele ganhou elogios entre o alto
comando. Em fevereiro de 1936, a embaixada alemã pediu-lhe para
fornecer informações sobre o clima político e militar do Japão. A
embaixada alemã deu a Sorge acesso a inteligência confidencial e
até mesmo disse a ele sobre a aliança planejada entre Alemanha e
Japão.
Mas Sorge normalmente obtinha a sua inteligência, por
intermédio de seus agentes japoneses, particularmente Ozaki. O
jornalista de esquerda era amigo de Fumimaro Konoye, o secretário-
chefe do gabinete do primeiro-ministro, que mais tarde o contratou
como consultor do gabinete. Ele também correu um think-tank na
China para a Companhia South Manchurian Railway, dando-lhe
acesso ao gabinete japonês. Isso deu a Ozaki acesso a documentos
classificados e relatórios de política externa, que ele passou para
Sorge. Ele, por sua vez utilizou a informação em seus relatórios
para a embaixada alemã, o que convenceu-os ainda mais de sua
experiência.
Para montar uma identidade convincente como um jornalista de
mente aberta, Sorge não fingia ser um defensor inabalável do
Partido Nazista, permitindo que alguns de seus sentimentos anti-
nacionalistas fervorosos à superfície. Isto ironicamente aumentou
sua credibilidade. Quando ele expressou desprezo para os
excessos do partido nazista e de certos membros do partido, os
seus companheiros alemães pensaram que ele estava expressando
uma crítica construtiva ao invés de raiva veemente. Para eles, ele
era um estudioso e patriota cujas velhas feridas de guerra o faziam
desconfiar de qualquer conflito armado. Eles estavam tão encantado
com ele que quando Sorge foi descoberto na cama com Helma Ott,
a esposa do coronel, o marido traído escolheu relevar o
acontecimento, acreditando que em breve acabaria. Ott dava muito
pouco valor para seu casamento para deixar o assunto irritá-lo, e ele
dava muito valor as sugestões do "repórter" para deixar o assunto
arruinar sua amizade.
Ele pode ter sido um amigo divertido demais para perder. Uma
vida com tardes no parque do Hotel Imperial de Tokyo e as noites no
Rheingold fizeram de Sorge um companheiro ideal. Mas também
fazia dele uma bomba-relógio. Por que ele se envolvia em tais
comportamentos de risco e alcoolismo grave quando um lapso de
língua em um momento bêbado poderia levar a sua morte? Robert
Whymant argumenta que Stalin estava no meio de expurgar
dezenas de milhares de oficiais e membros do partido comunista de
alto nível. Os multilíngues foram especificamente visados pelo semi-
instruído Stalin. Com a assinatura do pacto germano-soviético em
1939, Sorge pode ter temido que as duas nações compartilhassem
listas de espiões. Talvez bebida era uma forma de compensar suas
tensões internas efervescentes.
Em 1936, Ott foi promovido a major-general e tornou-se o
embaixador da Alemanha para o Japão. Goldman observa que isto
reforçou ainda mais a posição de Sorge dentro da embaixada
alemã. Ele viu rascunhos de relatórios de Ott, pedindo a sua opinião
antes de transmiti-los para Berlim. Qualquer acontecimento
importante passava por Sorge antes da embaixada desenvolver
uma política oficial. De acordo com a Gestapo o Coronel Joseph
Meisinger, adido policial da embaixada, a relação entre Ott e Sorge
"era agora tão próxima que todos os relatórios normais de adidos
para Berlim tornaram-se meros apêndices do relatório global escrito
por Sorge e assinado pelo embaixador." Ele ajudou a codificar e
decodificar telegramas secretos para Berlim, que neste momento
atraiu Japão para uma aliança.
Outros segredos de Estado que Sorge transmitia incluíam
gráficos de oficiais militares japoneses, informações sobre o Pacto
Anti-Comintern, em 1936 - essencialmente um tratado anti-soviético
- o Pacto germano-japones em 1940, e até mesmo os planos
japoneses para atacar Pearl Harbor. Esses tratados todos
apontavam para um ataque alemão-japones em duas frentes contra
a Rússia. Ele manteve seus superiores informados sobre cada
passo feito pelo Japão e parou vazamentos de inteligência de
ameaçarem o esforço de guerra soviético. Um desses eventos foi
quando o General Genrikh Lyushkov atravessou a fronteira para a
Manchúria em junho de 1936 para evitar o expurgo da liderança
militar por Stalin. Sorge obteve a cópia deste relatório confidencial
da embaixada e descobriu que Lyushkov disse a seus captores que
se o Japão atacasse a Rússia, ela poderia entrar em colapso em um
dia. Ele ofereceu ao Japão informações sobre implantações
militares e códigos soviéticos. Sorge informou Moscou, que
prontamente mudou-os. A ameaça de alianças anti-soviéticas
Alemã-Japonesas instigou Stalin a combater esta ameaça, aliando-
se com Hitler em 1939 e assinando o pacto Germano-Soviético de
não agressão. Após a assinatura, a Segunda Guerra Mundial
estourou na semana seguinte.
Sorge começou a ouvir sussurros sobre um ataque alemão
planejado contra a União Soviética. Ele viu os relatórios até o final
de 1940 de uma empreitada militar em grande escala nas
proximidade das fronteiras soviéticas. Em 6 de maio de 1941, Sorge
enviou esta advertência: "Possibilidade de eclosão de uma guerra a
qualquer momento é muito alto. . . . Generais alemães estimam
capacidade de combate do Exército Vermelho é tão baixo. . . . [ela]
será destruída no curso de algumas semanas " Ele enviou outra
advertência em 1 de Junho de que Hitler estava planejando uma
invasão com 170-190 unidades concentrando-se na fronteira
soviética:" Início previsto da guerra germano-soviética em torno de
15 junho é baseado em informações que tenente-coronel Scholl
trouxe com ele de Berlim. . . para Ambassador Ott. "
Seus superiores soviéticos não acreditaram neste relatório. Eles
escreveram, "Suspeito. Para ser listada com os telegramas
destinados como provocações." Joseph Stalin também não
acreditou. O pensamento da Alemanha atacando naquela época era
inconcebível, devido à sua fé na Rússia e ao pacto de amizade
eterna da Alemanha. Sorge tentou mais uma vez em 20 de junho,
com o aviso de que "Ott me disse que a guerra entre a Alemanha e
a URSS é inevitável. . . . [Ozaki] me disse que Oficias japonês em
geral já estão a discutir que posição tomar em caso de guerra."
Stalin novamente ignorou o aviso, ou talvez fingiu ignorar, uma vez
que agora já não havia nada que pudesse fazer. Ele preferiu confiar
em seus instintos, em vez de segredos de Estado que vazaram, um
erro do qual ele provavelmente se arrependeu, mas nunca
reconheceu publicamente.
Quando Sorge ouviu o relatório, em 22 de junho de1941, que a
Alemanha invadiu a União Soviética na Operação Barbarossa, ele
caiu em um humor negro. O que era para ser o maior triunfo de sua
carreira se transformou em uma besteira colossal. Ele passou o dia
dirigindo pelo campo com o seu mais recente caso, a pianista alemã
Eta Harich-Schneider. Ao ouvir gritos de jornaleiros na rua sobre a
invasão da Alemanha, ele sabia que Stalin havia ignorado os seus
relatórios. Stuart Goldman relata em seu livro que, durante o conflito
soviético-japonês em 1930, Sorge tentou beber sua miséria para
longe. No bar do Hotel Imperial, ele rapidamente se tornou bêbado e
gritou palavrões contra a Alemanha, em Inglês.
"Hitler é um criminoso filho da——. Um assassino”, ele gritou.
"Mas Stalin vai ensinar ao bastardo uma lição. Você só espere para
ver! " Os espectadores olharam para ele em confusão. Nem seu
companheiro de bebida nem o barman puderam acalmá-lo. Ele
então chamou a embaixada da Alemanha a partir de um telefone
público no saguão. "A guerra está perdida!", ele gritou para Eugen
Ott.
Os próximos cinco meses foram desastrosos para a Rússia. O
exército nazista penetrou longe no país, ameaçando conquistar
Moscou. Da Operação Barbarossa em diante, a inteligência
soviética já não ignorava mais as advertências avançadas do
espião. Eles mandaram uma urgente mensagem para ele após a
invasão pedindo que ele descobrisse se o Japão estava planejando
um ataque ao Extremo Leste russo. Se tal ataque ocorresse, eles
poderiam derrubar toda a estrutura militar russa. Os soldados,
armas, comida e outros recursos estavam atualmente esticados ao
ponto de ruptura. Eles só podiam ser implantados quando
absolutamente necessário. Uma guerra de duas frentes era
atualmente impossível. A tapeçaria militar da União Soviética era
irregular e tinha muitas pontas soltas; puxar qualquer uma delas
poderia destruí-la.
Felizmente para a Rússia, o Japão também tinha poucas opções
militares. Eles estavam investidos fortemente em seu esforço de
guerra contra a China e tinha meios muito limitados para lutar em
outro fronte. Uma opção era atacar o Extremo Leste soviético, que
eles sabiam que era fraco. Outra opção era invadir as colônias
européias no sudeste da Ásia, onde os estados administrados pelos
franceses, britânicos e holandeses estavam preenchidos com
petróleo e matérias-primas vitais para o esforço de guerra. Eles
escolheram atacar o sul, começando pela Indochina francesa, que
eles ocuparam em julho, mas também uniram forças no norte do
Japão para atacar o norte se o exército soviético fosse derrotado. O
Japão acumulou centenas de milhares de tropas na fronteira da
Manchúria, mas o alto comando decidiu não atacar em 1941. Sorge
passou essa informação a seus superiores. Ele também não viu mal
nenhum em compartilhá-lo com Ott, que o deu a inteligência alemã.
Esta foi a maior realização do espião, e sua aquisição desses
planos, sem dúvida, salvou a Rússia da aniquilação militar completa.
Ele forneceu essas informações para Moscou apenas uma semana
depois do ataque alemão, mas desta vez o conselho de Sorge
recebeu grande atenção, com o próprio Stalin lendo o relatório
completo. Em setembro, Sorge advertiu pelo rádio de Moscou que
um ataque japonês contra a URSS estava agora fora de questão, e
as forças da Rússia do Extremo Leste estaria completamente livre
após 15 de setembro. A recusa do Japão a atacar a União Soviética
na guerra permitiu à Rússia mover divisões do exército da borda da
Manchúria, liberando-os para ajudar a Rússia durante a Batalha de
Moscou. Stalin mandou 1.700 tanques, três divisões de cavalaria,
quinze divisões de infantaria, e 1.500 aeronaves das divisões da
Sibéria para o front europeu, parando a Blitzkrieg alemã às portas
da capital soviética. A realocação de recursos reforçando a Frente
Oeste, apresentava um grande obstáculo para o avanço alemão. Foi
a primeira grande derrota tática para os alemães na Segunda
Guerra Mundial.
Mas rachaduras na rede de espionagem de Sorge tinham
começado a se formar, mesmo antes do início da guerra. Em janeiro
de 1936, Teikichi Kawai foi preso por espionagem. Apesar de ter
sido torturado por mais de seis meses, ele se recusou a dar a polícia
secreta japonesa qualquer informação. Kawai foi eventualmente
solto. Em outubro de 1941, Miyagi foi preso e interrogado por vários
dias depois que uma costureira, a quem ele tinha recrutado, o
delatou. Ele resistiu a tortura no começo, mas, eventualmente,
tentou o suicídio, a fim de salvar seus colegas, pulando de uma
janela do segundo andar. Miyagi finalmente admitiu que ele era
parte de uma rede de espionagem soviética e deu a polícia secreta
japonesa os nomes de seus contatos. Funcionários em seguida,
prenderam Hotsumi, torturando uma confissão dele. Em 18 de
outubro de 1941, Sorge, Klausen, e Vukelic foram todos presos em
uma varredura pela polícia secreta. Durante as detenções eles
encontraram mensagens que Klausen estava se preparando para
enviar a Moscou.
Sorge resistiu a tortura durante seis dias, mas acabou
confessando a suas atividades clandestinas. Ele foi mantido por três
anos na prisão de Sugamo, Tóquio, antes de ser condenado por
espionagem e tentativa de derrubar o imperador. Ele esperava ser
trocado por um prisioneiro japonês capturado pela União Soviética,
e até mesmo escreveu uma confissão de quatro volumes para
elevar seu próprio valor de troca. Mas as autoridades russas se
recusaram a reconhecer Sorge. Oficiais japoneses fizeram três
tentativas de troca, mas todas as vezes a embaixada soviética em
Tóquio deu a mesma resposta - "O homem chamado Richard Sorge
é desconhecido para nós." Sorge era uma persona non grata. Foi-
lhe dada uma sentença de morte, em 1943.
Sorge foi enforcado em 07 de novembro de 1944, junto com
Ozaki. Sua existência foi negada na época, porque lembrava Stalin
de sua recusa embaraçosa de dar atenção às suas advertências de
um ataque alemão. A esposa de Sorge, Katya Maximova, manteve-
se na Rússia, mas foi presa em 1942, acusada falsamente de ser
uma espiã alemã. Ela foi executada, provavelmente como uma
forma de "limpar" o caso Sorge.
Sorge foi um vexame para a liderança soviética nos dias finais
da guerra, mas ele começou a receber o reconhecimento póstumo
após a morte de Joseph Stalin em 1953. Em 1954, o cineasta
alemão ocidental e ex-propagandista nazista Veit Harlan escreveu e
dirigiu Betrayal of Germany sobre as atividades de espionagem de
Sorge no Japão. Em 1961, o filme Who Are You, Mr. Sorge? foi
produzido na França, em colaboração com o Japão, Itália e
Alemanha Ocidental. Nikita Khrushchev, ao ver o filme, perguntou a
seus funcionários, se a história era verdadeira. Quando eles
responderam que era, ele nomeou Sorge um herói do Estado
soviético, em 1964, o vigésimo aniversário da sua morte. Um selo
postal comemorativo foi lançado em 1965 e se espalhou por todo o
Império Soviético. Sua viúva, Hanako Ishii, recebeu uma pensão
Soviética até sua morte, em julho de 2000. Uma rua em Moscou foi
nomeada em homenagem a ele. Os historiadores de hoje o
reconhecem universalmente como um dos espiões mais importantes
do século XX.
Como observado por Whymant, a vida de Sorge foi cheia de
contradições. Sua informação tornou seguro para os soviéticos a
transferência de tropas do fronte japonês para o fronte alemão,
finalmente detendo a maré de vitórias do Eixo quando bateram
contra o muro de resistência russa. No entanto, embora ele tenha
ajudado a parar Hitler, o maior benfeitor de sua espionagem pode
ter sido o Ocidente. Por todos os seus esforços, ele foi repudiado e
executado. Acima de tudo, ele foi um espião que penetrou a casca
dura da sociedade japonesa, e descobriu-a macia por dentro.
Capítulo 9
Nancy Wake (1912-2011):
A “Rata Branca” da Resistência Francesa
Oficiais da Força Aérea Real britânica sabiam que a melhor
esperança para o enfraquecimento das linhas alemãs, em
antecipação do Dia D era fortalecer a Resistência Francesa. Um
ataque duplo contra o exército nazista seria o primeiro passo para
apertar os alemães até a submissão.Mas, para determinar os
melhores pontos de entrega para armas e provisões, eles
precisavam de informações de um líder da resistência. Eles
consultaram o MI6 para obter informações sobre um contato
confiável. O pedido foi reconhecido, e uma pasta de arquivos foi
enviada para os oficiais. Quando eles olharam para a fotografia em
tons de sépia na primeira página, eles ficaram chocados. Olhando
de volta para eles estava um avião de morena com uma mandíbula
firme e olhos escuros. Ela parecia uma estrela de Hollywood, direto
do elenco central para contracenar com Cary Grant em uma
comédia maluca. Eles ficaram ainda mais surpresos ao saberem
que esta nascida da Nova Zelândia, anfitriã da alta sociedade, que
virou condecorada, que virou heroína da resistência francesa, havia
liderado um exército guerrilheiro de sete mil homens, explodido
depósitos de suprimentos alemães, andado de bicicleta sem parar
sobre montanhas para entregar inteligência crítica, e até mesmo
matado um homem com as mãos nuas.
Mas, para a líder da resistência Nancy Wake, matar um inimigo
não era algo tão espantoso.
"Eu não vejo por que nós mulheres devemos apenas acenar um
adeus orgulhoso para nossos homens e, em seguida, tricotar
balaclavas para eles... Em minha opinião, o único alemão bom era
um alemão morto, e quanto mais morto, melhor. Eu matei muitos
alemães e só lamento não ter matado mais".
Nancy Wake era uma espiã e sabotadora da II Guerra Mundial
que operou por trás das linhas inimigas para organizar a resistência
francesa, ajudando soldados e prisioneiros fugitivos a escapar do
país. A Inteligência alemã apelidou-lhe a "Rata Branca" por sua
capacidade de evitar a captura. Entre 1940 e 1943, ela salvou
centenas de soldados aliados e companheiros feridos, trazendo-os
através da França ocupada e até a Espanha. Ela também
estabeleceu as linhas de comunicação entre a Resistência Francesa
e as forças armadas britânicas, consideradas críticas para o
enfraquecimento Alemão antes da invasão da Normandia. Ela se
tornou uma sabotadora, organizadora, e lutadora da Resistência,
que liderou uma série de ataques e foi reconhecida por sua bravura
por ambos os governos aliados e os homens com quem ela lutou.
Wake tornou-se a mulher mais condecorada na guerra.
Sua aparência de estrela de filme desmentia uma capacidade
intensa, e a descontinuidade entre os dois ajudaram Wake a blefar
seu caminho através de muitos encontros perigosos com guardas
alemães. Ela também teve dificuldade em convencer os aliados de
seu potencial mortal, como história de abertura deste capítulo - um
relato ligeiramente ficcional de sua beleza fazendo com que muitos
a subestimassem seriamente - ilustra. O combatente da resistência
Henri Tardivat disse que ela era "a mulher mais feminina que eu
conheço, até a luta começar. Ai, ela é como cinco homens.”
Os nazistas ficaram enfurecidos com seus ataques e
sabotagens. Eles ofereceram uma recompensa de cinco milhões de
francos pela sua captura, empurrando-a para o topo da lista dos
mais procurados da Gestapo. Ela era tão adepta em fazer
malabarismos com identidades falsas que a força total da vigilância
nazista não conseguia incriminá-la. Por sua bravura na Resistência,
ela recebeu inúmeras medalhas, incluindo a Medalha George da
Grã-Bretanha; segunda maior honraria civil dos Estados Unidos, a
Medalha da Liberdade; e da França, a Médaille de la Résistance, a
Croix de Guerre, e sua maior honra, a Legion d'Honneur.
Nancy Wake nasceu em 30 de agosto de 1912, em Wellington,
Nova Zelândia, filha de Charles, um jornalista/editor, e Ella Wake.
Ela era a caçula de seis filhos. Sentimentos do Império Britânico
corriam fortemente através de sua infância, o que lhe dava uma
sensação de lutar pela democracia e honra do "Rei e do País" nos
anos seguintes. Em 1914, a família de Wake mudou-se para
Sydney, Austrália. Charles logo voltou para a Nova Zelândia para
produzir um filme sobre os aborígenes da ilha quando Nancy tinha
quatro anos, abandonando a família. Foi um evento seu biógrafo
disse que desencadeou um temperamento terrível e natureza
rebelde.
Enquanto crescia, Wake não se adaptou bem à sociedade gentil
de Sydney. Ela continuamente cruzava espadas com sua mãe
religiosa quando adolescente. Wake fugiu de casa aos 16 anos para
trabalhar como enfermeira. Quando a tia na Nova Zelândia deu-lhe
uma herança £ 200, ela deixou seu emprego aos 20 anos. Wake
viajou para Londres, Nova York, e Vancouver, vivendo pelo
jornalismo freelance e envio de relatórios aos órgãos de imprensa
americanos. A menina de boa aparência com uma ponta rebelde
finalmente se estabeleceu em Paris. Com sua visão cosmopolita, ela
fez uma série de amizades com jovens independentes e
despreocupados, desfrutando a vida noturna parisiense ao máximo.
Sua vida foi um turbilhão de alta sociedade e jantares no bistrôs
chiques. Ela raramente era encontrada à noite sem uma gin e tónica
dupla na mão, bebida preferida de Wake durante toda a sua vida.
Como Peter FitzSimons descreve: "Se Nova York parecia uma
cidade muito masculina para ela, e Londres a viúva particularmente
refinada, então Paris para ela era toda mulher, e uma jovem e
bonita. Nancy se sentia em casa lá, viva, livre para ser quixotesca,
temperamental, exuberante - assim como a própria cidade - e sentir
o caloroso abraço de Paris em torno dela."
Wake testemunhou a ascensão de Hitler ao poder, enquanto em
Viena, trabalhando para o grupo de jornais Hearst. Ela veio para a
capital austríaca para entrevistar o Führer, o que ela fez em 1933, e
informar sobre a brutalidade nazista descrita por refugiados
alemães. Wake pode ter pensado que esses relatórios eram
exagerados, mas ela ficou horrorizada ao ver gangues nazistas
batendo aleatoriamente em homens e mulheres judaicos nas ruas.
Alguns atos de brutalidade que se aproximavam de atos medievais
de humilhação pública, com os judeus chicoteados por tropas de
assalto nazistas em uma praça da cidade. De acordo com sua
autobiografia de 1985, A Rata Branca, ela passou por uma
metamorfose de uma socialite que nada mais amava do que uma
boa bebida e homens bonitos - "especialmente os homens
franceses" - para a lutadora que ela iria se tornar. Wake prometeu a
si mesma que se a oportunidade surgisse, ela faria tudo em seu
poder para impedir os nazistas, ou pelo menos atrapalhar seus
planos.
Em 1936, ela conheceu Henri Fiocca enquanto em Juan-les-
Pins. Ele era um rico industrial francês de Marselha com um amor
pela dança do tango e uma reputação de playboy. Os dois se
casaram em 1939 e viveram uma breve vida de luxo nos últimos
dias de pré-guerra na França, cheia de caviar e champanhe. Com
seu batom vermelho e cabelo penteado, o casal era o epítome do
glamour. Wake, criada em pobreza extrema, desfrutou de uma vida
deslumbrante de festas e álcool. Eles residiam em um apartamento
de luxo em uma colina em Marselha com vista para a cidade e seu
porto. Seis meses depois de se casarem, a Alemanha invadiu a
França.
A França rapidamente se rendeu. A parte sul do país tornou-se
um satélite nazista nominalmente independente com soldados
nazistas inundando a cidade, Wake começou sua participação ativa
no movimento de resistência. Ela poderia ter usado seu status de
elite e de riqueza para isolar-se das agruras da guerra, como muitos
de seus conhecidos fizeram, mas ao invés ela usou isso para evitar
a detecção nos estágios iniciais de seu envolvimento com o
movimento guerrilheiro. Wake começou a levar uma vida dupla. Ela
manteve sua aparência como uma socialite agora perfeitamente
fluente em francês. Ao mesmo tempo, ela montou uma rede um
tanto mal feita de contrabando de no subsolo. A rede floresceu
quando ela conheceu um oficial britânico que havia sido preso na
França, quando ela caiu. Ela convidou ele e seus dois soldados para
seu apartamento para o jantar. Wake em seguida, deu-lhes um rádio
para ouvir a transmissão do BBC. Nas próximas semanas, esse ato
de hospedagem transformou-se em proporcionar-lhes um fluxo de
provisões e suprimentos, além de 200 de seus companheiros.Estes esforços levaram ao seu trabalho como mensageira para o
capitão Ian Garrow, um escocês que criou uma rota de fuga para os
pilotos e oficiais da Força Aérea Real da França de Vichy através
dos Pirinéus até a Espanha. Wake contrabandeou comida e
mensagens entre várias facções de grupos clandestinos. Ela
também ajudou militares Aliados e judeus refugiados a escaparem
do exército alemão que avançava, transportando-os em uma
ambulância que ela comprou para este fim.
Contrabando tornou-se mais difícil quando os nazistas ocuparam
o sul da França, em 1942. Antes desta data Wake e Fiocca
operavam contra pouca vigilância. Mas, para permanecer na França
de Vichy, ela teve que obter documentos falsos. Ela fez frequentes
viagens de trem para a fronteira espanhola para desaparecer com
soldados para fora das linhas inimigas, dando-lhes documentos
falsos, cartões de identificação, roupas novas, e identidades falsas,
jogando fora qualquer suspeita dos alemães quanto às razões de
sua viagem. Para passar por pontos de controle alemães, a esbelta
mulher de cabelos escuros descaradamente flertava com soldados
nazistas. Ela usou a moradia da família do marido em Nevache nos
Alpes como uma casa segura. Ela também usava toda sua
inteligência para salvar aqueles que acabavam capturados. Quando
seu contato escocês foi preso no campo de concentração Meauzae,
ela subornou um guarda para garantir a sua fuga.
Estes esforços continuaram por dois anos. Mas ela sentiu a
corda apertando ao redor dela. Seu trabalho tornou-se cada vez
mais perigoso, pois a Gestapo suspeitava de seu envolvimento com
a Resistência. Eles grampearam seu telefone e abriram sua
correspondência, mas não conseguiram incriminá-la devido ao seu
excelente malabarismo de múltiplas identidades e nunca abrigar
provas com as quais ela poderia ser incriminada. Conversas
aumentaram na Gestapo sobre La Souris Blanche - A Rata Branca -
embutido na sociedade francesa, escondendo-se à vista de todos,
que acompanhavam militares Aliados para fora da nação. Ela
sempre dissipava as suspeitas com sua destreza e astúcia. "Era
muito mais fácil para nós, você sabe, viajar por toda a França",
disse ela a um entrevistador de televisão australiana. "Uma mulher
pode sair de um monte de problemas que um homem não podia."
Em 1943 ela foi número 1 na lista dos mais procurados da
Gestapo. Eles ofereceram o prêmio de cinco milhões de francos por
sua cabeça. Mestres espiões britânicos interceptaram a ordem de
prisão e perceberam que a captura era iminente. Com a armadilha
sendo criada, a resistência francesa disse a Wake que era muito
perigoso para ela ficar na França. Eles aconselharam-na a procurar
asilo na Grã-Bretanha antes da Gestapo chutar sua porta ao chão
no meio da noite. O marido concordou. Quando chegaram notícias
de que oficiais nazistas estavam vindo para prendê-la, ela beijou
Henri pela última vez, dizendo-lhe que ela tinha que fazer algumas
compras e que ela estaria de volta em breve. Eles nunca mais se
viram.
Ela tentou atravessar os Pirineus até a Espanha. Foi a primeira
de seis tais esforços. Em uma tentativa, ela foi capturada em
Toulouse, enquanto aguardava o circuito de fuga para libertá-la da
Milice, uma milícia dirigida pela Franca de Vichy e aliada dos
alemães. Wake foi interrogada durante quatro dias, mas manteve
sua inocência e se recusou a divulgar qualquer informação, até
mesmo o próprio nome. Ela acabou sendo liberada após Patrick
O'Leary, cujo nome verdadeiro era Albert Guérisse - um membro da
Resistência belga, que também organizava rotas de fuga para os
pilotos aliados derrubados e que substituiu Garrow no papel -
convenceu seus captores que Wake era uma amiga do premier
Vichy e amante de O'Leary. Ele disse a Milice que seu falso
testemunho era apenas um truque para enganar o marido. Ela foi
libertada.
Em sua sexta e última tentativa de escapar da França, ela foi
forçada a saltar de um trem em movimento através da janela
enquanto alemães dispararam contra ela na escuridão. Wake correu
através de um vinhedo para se ocultar. Ela finalmente chegou à
Espanha quando dois americanos e um neozelandês enterraram-na
na parte de trás de um caminhão de carvão, o que seguiu
lentamente pelas estradas da montanha dos Pirinéus. Wake chegou
à Inglaterra pouco depois em um navio de Gibraltar. Ela não tinha
notícias de seu marido. Pensando nele preso atrás das linhas
inimigas ou profundamente envolvido na resistência, ela se coçava
de anseio para retornar à França. Desconhecido para ela até que a
guerra terminou, ele havia sido capturado, torturado e morto pelos
alemães, recusando-se a entregar a localização de sua esposa.
Uma vez que, na Inglaterra, a inteligência britânica decidiu que
com seu francês perfeito, colocação dentro da Resistência, ligações
a movimentos guerrilheiros subterrâneos, e espírito incansável, ela
tinha muito potencial para permanecer uma simples mensageira.
Eles escolheram por treinar Wake para missões mais perigosas e
comando de guerrilha. A rata branca mensageira foi transformada
em uma líder da resistência dos Maquis (rurais combatentes da
Resistência Francesa). Sob o comando do coronel Buckmaster, ela
se tornou um membro da seção francesa do Executivo de
Operações Especiais britânica (SOE), formada em 1940 por
Winston Churchill e criado para coordenar esforços com grupos de
resistência anti-alemães. Aqueles na organização conheciam a SOE
como "Os Irregulares de Baker Street", e a organização da tampa
para sua divisão feminina foi a Yeomanry Enfermagem e Primeiros
Socorros.
Ela treinou como uma espiã no Ministério de Defesa britânico.
Durante semanas, ela foi treinada por instrutores que dirigiam as
mulheres com seus próprios ritmos. Desafios incluíam cursos de
obstáculo e cenários de sobrevivência e fuga que testaram a sua
criatividade e inteligência. Wake conquistou todos eles. Ela foi então
enviada para a Escócia para aprender Espionagem avançada. Aqui
ela foi treinada em paraquedismo noturno, operação de rádio,
criptografia, identificação de inimigos, táticas de guerrilha, e outras
formas de instrução de segurança. Ela também aprendeu o uso de
explosivos plásticos, armas Sten, granadas, pistolas e rifles,
detonadores e explosivos de plataforma, e a capacidade de
construir explosivos utilizando ingredientes de farmácias e lojas de
ferragens, e para matar silenciosamente. A Wake foi dado uma
identidade e um nome-código, Hélène, e lhe foi dito para criar um
código de identificação pessoal. Ela escolheu um poema obsceno.
Uma vez que sua formação estava completa, Wake e Major John
Farmer, um outro espião da SOE, foram de paraquedas para a
França central em 29 de abril de 1944, para fazer contato com as
bandas de resistência. A mulher de 31 anos estava entre os 430
homens e 39 mulheres enviados para a região de Auvergne para
ajudar com os preparativos para o Dia-D. Ela saltou de um
bombardeiro B-24 portando nada, a não ser uma pistola, um rádio e
dinheiro. Seu paraquedas se emaranhou em uma árvore quando ela
desceu. Henri Tardivat, o lutador da resistência, cumprimentou-a
com um bon mot, um elogio: "Espero que todas as árvores da
França carreguem frutas bonitas assim este ano."
Ela se agrupou a um pequeno grupo, Maquis D'Auvergne, e
assumiu o comando. Sua missão era ajudar a Resistência a
enfraquecer a capacidade do exército alemão para responder a um
ataque aliado. Para fazer isso, Wake e Farmer necessitavam
organizar entregas de pára-quedas de armas e caixas de munição,
bem como estabelecer a comunicação a rádio com a Força Aérea
Real. Ela coletou entregas noturnas de munição para bazucas,
granadas de mão e armas Sten, quatro vezes por semana,
escondendo-os em cachês de armazenamento para os soldados
que avançavam reabastecerem sua munição e armas. Ela
configurou a comunicação sem fio com a Inglaterra, garantindo que
os operários de rádio tivessem contato com o SOE, e preparou
ataques contra os alemães para desviar sua atenção.
A princípio, o comando de Wake foi rejeitado por um líder Maquis
chamado Gaspard. Ele ignorouas ordens de Londres e se recusou
a empregar as táticas de guerrilha para a situação, reunindo
perigosamente todos os seus homens em um único local, em vez de
difundir os mesmos. Ela assumiu o cargo depois de um ataque
alemão que matou 150 dos homens de Gaspard, espalhando o resto
ao longo do sul da França. Wake disse ao restante dos Maquis que
eles seriam alimentados e armados apenas se eles seguissem suas
instruções. Só ela sabia dos planos para o Dia-D e o calendário de
lançamentos de suprimentos. Eles tinham pouca escolha. Em
poucos meses, ela era um oficial Maquis de alto nível.
Wake os liderou em ataques contra comboios alemães, tropas e
instalações. Ela estava constantemente em movimento,
escondendo-se das patrulhas na floresta e encontrando-se com
combatentes da Resistência. Ela os treinou e motivou, planejando
assaltos a fábricas e comunicações alemãs. Acima de tudo, ela
inspirou os soldados como um ex-socialite, que aceitou que a guerra
havia transformado sua vida no caos e incerteza, atirando-se
obstinada em frente, sem medo em face da morte. Para ela, a luta
contra a Alemanha era uma cruzada justa, não um atoleiro sem
esperança em que ela caiu e desejava escapar. Wake disse ao
Sydney Morning Herald, em 1968, que "A liberdade é a única coisa
pela qual vale a pena viver. Enquanto eu estava fazendo esse
trabalho eu costumava pensar que não importava se eu morresse,
porque sem liberdade não havia sentido em viver."
Seu risco de captura era perigoso a ponto de ser suicida. Wake
operava em uma área repleta com 22.000 tropas alemãs. Os
combatentes da Resistência francesa tinham apenas de 3.000 a
4.000 homens. Enquanto ela fazia os preparativos para o Dia D,
Wake começou vigorosos esforços de recrutamento, juntamente
com Gaspard. O número de combatentes da resistência logo
aumentou para mais de 7.000.
Além de organizar suprimentos, Wake estava pessoalmente
envolvida em combate. As armas que caíam para os Maquis
tornaram-se mais sofisticadas, e dois instrutores de armas
americanos foram enviados com uma entrega de alimentos. Eles
ajudaram os rebeldes a lançarem ataques mais mortais. Wake
liderou um número desses ataques a posições alemãs, incluindo um
ataque ao quartel-general da Gestapo em Montçon, deixando 38
alemães mortos. Era "a incumbência mais emocionante que eu já
fiz. Entrei no edifício pela porta de trás, corri até as escadas, abri a
primeira porta ao longo do caminho de passagem, joguei as minhas
granadas, e corri pela minha vida". Em um desses ataques, Wake
matou uma sentinela de uma fábrica de armas com um único golpe
com a lateral da mão contra o pescoço para impedi-lo de alertar os
outros guardas. Em outra ocasião, seu grupo de Resistência
capturou uma espiã alemã que eles não estavam dispostos a matar.
Wake não tinha tempo para tal sentimentalismo. Ela executou a
espiã ela mesma, mas deixou outras duas meninas inocentes
partirem.
Os alemães estavam determinados a parar os ataques. Para
espremer informações fora de colaboradores ou simpatizantes, eles
fizeram reféns, executando cidadãos franceses, e incendiando
edifícios. Com a invasão aliada iminente, o exército nazista tentou
exterminá-los de uma vez por todas. A fortaleza da resistência de
Wake estava centrada em um patamar acima da cidade de
Chaudes-Aigues. As tropas alemãs cercaram o planalto com
morteiros, artilharia, canhões móveis, e aeronaves. Mais de 22 mil
tropas Alemãs atacaram os 7.000 Maquis em junho de 1944. Eles
não podiam superar os combatentes da Resistência francesa,
devido à sua posição superior, melhor conhecimento do terreno, e
táticas superiores. Mil e quatrocentos soldados alemães morreram
em troca de 100 combatentes da Resistência.
Uma famosa história relata que Wake andou de bicicleta mais de
250 quilômetros para substituir códigos que tinham de ser
eliminados quando um alemão contra-atacou a ofensiva. O rádio de
Wake foi destruído quando o caminhão que ela dirigia foi explodido
por um bombardeiro Nazista. Isso não os deteve, mas o operador
sem fio de Wake, Denis Rake, queimou os livros de códigos quando
a captura parecia iminente. Os novos códigos eram necessários
para organizar entregas de pára-quedas de suprimentos frescos,
algo crítico antes do Dia D. Para obter um novo rádio transmissor
para re-estabelecer contato com Londres, ela roubou uma bicicleta e
atravessou a distância por quase 71 horas sem parar, passando por
uma série de pontos de verificação alemães. Foi uma façanha de
atletismo para além da capacidade de todos menos os ciclistas
profissionais.
Este passeio de bicicleta esgotante para substituir os códigos
vitais, ela refletiu mais tarde, foi a sua mais importante contribuição
para o esforço de guerra: "Quando desci aquela maldita bicicleta eu
senti como se eu tivesse um incêndio entre as minhas pernas. Eu
não conseguia ficar de pé. Eu não podia sentar, eu não podia andar.
Quando me perguntam do que eu estou mais orgulhosa de fazer
durante a guerra, eu digo: 'O passeio de bicicleta.' "
Com a destemida e atraente Wake ao comando de tantos
soldados do sexo masculino, os produtores de cinema e televisão
têm especulado que ela se envolveu em muitos casos de amor. A
teoria é plausível - ela teria desafiado os homens sob seu comando
para concursos de bebida para ganhar seu respeito, muitas vezes
mantendo-se forte enquanto eles eram levados ao chão. Mas Wake
insistiu em anos posteriores que ela não tinha um único caso
durante toda a guerra. Ela compartilhou um pacto de amor platônico
com seus companheiros soldados semelhante a Joana d'Arc que
nasceu por pura camaradagem e respeito como para com um irmão
- ou irmã - de batalha. Foi uma decisão que, em sua velhice, ela
lamentou. No entanto, ele evitou complicações que podiam ameaçar
o esforço da resistência. Ela estava ocupada demais exterminando
nazistas para assumir amantes, e achava que o marido ainda estava
vivo.
"Mas veja, se eu tivesse acomodado um homem, a notícia teria
se espalhado e eu teria de acomodar todo o resto!"
Os Aliados começaram a liberação da Europa no Dia D, 6 de
junho de 1944. Eles atacaram a partir das praias da Normandia, e
os Maquis atacaram a partir do outro lado das linhas inimigas,
cortando linhas telefônicas e destruindo fábricas. Pelo restante da
guerra, ela emboscou comboios alemães e bombardeou linhas
ferroviárias e pontes. Ela continuou o esforço de resistência com
tenacidade inabalável, apesar de a liberação francesa parecer no
horizonte. Quando dez homens em seu acampamento recusaram-se
a desempenhar funções de transporte de água, ela esvaziou um
balde em cada uma das suas cabeças.
Em 25 de agosto de 1944, os Aliados libertaram Paris. Wake e
seus combatentes da Resistência se juntaram à marcha em Vichy
para celebrar a vitória. Seus camaradas Maquis desfilaram em sua
honra em seu chateau/base de operações. Mas foi uma vitória
agridoce. Ela soube que seu marido, a quem ela frequentemente
descreveu como o amor de sua vida, havia sido preso, torturado e
morto. Notícias de camaradas que tombaram na batalha chegou em
Vichy. Entre os outros agentes do SOE, 12 das 39 mulheres foram
mortas, juntamente com 94 dos homens. Até o final da guerra,
600.000 franceses haviam sido mortos, com mais de 200 mil presos
em campos de concentração.
Depois da vitória dos Aliados, Wake - agora uma viúva sem
meios - começou a trabalhar para o Departamento do Ministério de
Inteligência Aéreo Britânico em Paris. No início, ela serviu com
afinco em suas atribuições, transferindo seu ódio por nazistas para
ódio dos comunistas. A ex-líder tática de batalha, espiã, e ex-oficial
da milícia rapidamente tornou-se entediada com a atribuição de
mesa. Sendo outra secretária em um escritório e servir café para os
viajantes ricos foi um ajuste brusco para a heroína condecorada. A
guerra acabou, o mundo tinha mudado, e Wake também tinha. Ela
não acreditava que eles tinham mudado em harmonia. Wake não
poderia voltar a sua vida pré-guerra na França, portanto ela voltou
para a Austrália e tentou entrar na política. Ela correu como acandidata Liberal em Barton em 1949 e 1951, mas falhou em ambas
as vezes.
"É terrível, porque você estava tão ocupada, e então tudo para
de repente", disse ela a um jornal australiano, em 1983.
Ela, então, mudou-se para Londres e passou cinco anos como
uma oficial de inteligência no departamento do Chefe Adjunto da
Aeronáutica, no Ministério da Aeronáutica em Whitewall. Ela
conheceu John Forward, que tinha sido um piloto de bombardeiro da
RAF durante a guerra. Ela renunciou ao seu cargo, e eles se
casaram em 1957 e se mudaram de volta para a Austrália em 1960,
para se estabelecer em Port Macquarie, na costa norte de New
South Wales. Em 1985, ela se tornou uma celebridade com a
publicação de sua autobiografia, A Rata Branca.
Forward morreu em 1997 e quatro anos mais tarde Wake voltou
para Londres. Ela morava no Hotel Stafford em St James 'Place -
um clube de forças britânicas e americanas durante a Segunda
Guerra Mundial. Quase todas as manhãs ela sentava-se a um
banco de couro no bar do hotel e pedia seu primeiro de cinco ou
seis gim-tônicas do dia. Para Wake, o hotel era um memorial de
guerra da Europa, tanto quanto uma residência. Ela tinha vindo pela
primeira vez em 1946, atraída pelo gerente geral, Louis Burdet, que
também trabalhou para a Resistência em torno de Marselha. A
pensionista idosa acumulou uma dívida significativa a partir de sua
residência, graças à dieta de gim-e-tônicas, mas de acordo com
alguns relatos benfeitores de prestígio, como o príncipe Charles,
ajudaram a pagar suas contas. Depois de um ataque cardíaco em
2003, ela se mudou para a Casa Star e Garter, uma casa de
repouso para os homens e mulheres que serviram na guerra.
Seus anos restantes foram gastos na Grã-Bretanha ou na
França, onde seus amigos sobreviventes viviam, e onde ela disse
que se sentia "apreciada" - talvez com uma nota de indignação que
ela nunca recebeu o devido reconhecimento de sua Austrália natal.
Ela recusou as condecorações do governo australiano, dizendo-lhes
que eles poderiam "enfiar suas medalhas onde o macaco enfia as
nozes." Ela finalmente cedeu em 2004 e foi homenageada pela sua
terra natal com o Companion of the Order of Australia, mas desta
vez não teve sentido. Wake já tinha vendido um número de suas
medalhas, dizendo que não havia nenhum ponto em mantê-las, uma
vez que seriam meramente derretidas depois de sua morte. Se não,
"Eu provavelmente vou para o inferno e elas derreterão lá de
qualquer maneira."
Wake morreu em 7 de agosto de 2011, com a idade de 98, em
razão de uma infecção respiratória. Ela foi cremada e suas cinzas
foram espalhadas nas colinas perto de Montluçon, onde ela liderou
o ataque ao quartel-general da Gestapo. Ela era uma mulher
espirituosa que vivia à beira de uma raiva incontrolável, mas
canalizou essa paixão em uma vida sem medo que sem dúvida
empurrou a máquina de guerra dos Aliados para a vitória. Ela era
uma força da natureza que fazia da vida pós-guerra muito inquieta,
mas que era perfeita para a luta pela liberdade.
Quando entrevistada com a idade de 89, ela era tão firme como
sempre. "Alguém uma vez me perguntou: 'Você já esteve com
medo?' Hah! Eu nunca tive medo na minha vida. "
Capítulo 10
George Koval (1913-2006):
O Espião Nuclear Soviético de Sioux City,
Iowa
Vladimir Putin, um ex-oficial da KGB que passou a década de 1980
na Alemanha Oriental recrutando estrangeiros e enviando-os à
paisana para os Estados Unidos, tinha uma queda em seu coração
por agentes infiltrados. Não foi uma grande surpresa que no dia 2 de
novembro de 2007, ele honrou um, recentemente falecido, agente
infiltrado da Guerra Fria com uma estrela dourada, designando-o um
herói da Federação Russa, a maior honraria civil da nação. A
cerimônia introduziu George Koval para o mundo.
Mas foi uma grande surpresa para seus amigos e familiares.
Conhecidos russos conheciam Koval como um professor de física,
cuja carreira foi longa e respeitável, mas nada notável. Americanos
o conheciam como um nativo de Iowa - sua terra natal real -
educado em Manhattan e um veterano da Segunda Guerra Mundial
que amava beisebol. Ele era afável, atlético, e um gênio em estudos
técnicos. Uma vez que Vladimir Putin revelou sua identidade -
escondida por décadas em velhos arquivos da KGB e só
recentemente recuperadas pelos historiadores - ambos os russos e
os americanos aprenderam sua verdadeira identidade como um
homem no topo do panteão de espiões soviéticos. Seus esforços de
reconhecimento foram tão abrangentes que eles envolviam décadas
da narrativa de espionagem da Guerra Fria.
George Koval trabalhou em laboratórios do Projeto Manhattan
em Oak Ridge, Tennessee, e Dayton, Ohio. Ele era o único agente
soviético a ter acesso ao projeto ultra-secreto. Putin deu a ele o
crédito por garantir a informação confidencial de aspecto mais
crucial da bomba atômica, o dispositivo que inicia a reação nuclear.
Os segredos nucleares que ele roubou reduziram em anos o tempo
que levou para a Rússia desenvolver armas nucleares, garantindo
assim a preservação da sua paridade estratégica com os Estados
Unidos, que alcançou em 1949. Se não fosse por ele, as quatro
décadas de corrida armamentista entre os EUA e a União Soviética
nunca teria acontecido.
Koval levou esses segredos para o túmulo, mas pedaços de seu
legado foram revelados pela primeira vez em um livro de 2002 pelo
historiador russo Vladimir Lota, intitulado A GRU e a bomba
atômica. Ele relata as atividades de um espião soviético
denominado Delmar que, apenas com a exceção do cientista
britânico Klaus Fuchs, fez mais do que qualquer outra pessoa no
desenvolvimento do programa de armas atômicas Soviética. Suas
atividades foram tão bem escondidas que imagina-se que Putin só
soube delas em 2006, quando ele viu o retrato de Koval em um
museu da GRU e perguntou sobre a identidade do homem. A
resposta chocou o premier russo.
George Abramovich Koval nasceu em Sioux City, Iowa, no dia de
Natal em 1913. Ele foi o segundo dos três filhos de uma família de
imigrantes judeus da Bielorrússia, que na época fazia parte do
Império Russo. A cidade tinha uma grande população judaica e pelo
menos uma meia dúzia de sinagogas. Na virada do século, parecia
prestes a se tornar outra Chicago, um centro cultural e comercial do
Centro-Oeste, que atraia imigrantes de todo o mundo. Seus pais
vieram para Sioux City, como parte de uma onda maciça de
imigrantes russos e do Leste Europeu para os Estados Unidos no
fim do século XIX e início do XX, principalmente os seus cidadãos
judeus, que sofreram sob os pogroms da Rússia. Muitos vieram
para Iowa para suas fazendas, frigoríficos e minas de carvão. A
família Koval falava bielorrusso em casa, uma linguagem
intimamente relacionada com a Rússia, mas Koval manteve um tom
americano em sua fluência em russo para o resto de sua vida.
Seu pai, Abraão, um carpinteiro, e sua mãe, Ethel, a filha de um
rabino e ex-membro de um grupo socialista revolucionário russo
subterrâneo, eram comunistas ardentes e apoiavam a Revolução
Bolchevique. Eles acreditavam que um novo regime corrigiria os
erros da Rússia anti-semita czarista e mantiveram-se em contacto
com os membros da família na União Soviética recém-formada.
Abraham participou de organizações comunistas locais, que
floresceram na América pré-Segunda Guerra Mundial. No início de
1914, os esquerdistas Trabalhadores Industriais do Mundo
organizaram uma "luta de livre expressão" em Sioux City para
adicionar trabalhadores industriais e agrícolas para sua união. Eles
descobriram simpatia entre os imigrantes recém-chegados, como os
Kovals, que eram propensos a exploração por parte dos
empregadores. Em 1924, Abraão tornou-se o secretário de uma filial
da ICOR (derivado do nome iídiche, "Idishe Kolizatzie em Sovetn
Farband")em Sioux City, uma organização que procurava
estabelecer uma colônia agrícola judaica na União Soviética. O
objetivo da ICOR era construir a região autónoma na província
soviética de Birobidzhan, no Extremo Leste. O plano foi um sucesso,
e em 1934 tornou-se a capital da República AutônomaJudaica.
A infância ocidental de George Koval fez dele um "infiltrado"
ideal. Ao que tudo indicava ele era um americano típico. Koval
jogava beisebol e falava Inglês americano fluentemente, totalmente
confortável nos costumes sociais conservadores da Iowa rural no
início do século XX. No entanto, seu bilinguismo e biculturalismo fez
dele um espião no molde clássico de Kurt Steiner de Jack Higgins
em The Eagle Has Landed, um romance sobre um espião alemão-
Inglês que tentava sequestrar Winston Churchill durante a Segunda
Guerra Mundial. Na história, como relata Grosjean, o pai de Steiner
é um grande general do exército alemão e sua mãe uma americana.
A criança bicultural se torna o líder de uma unidade de comando
alemão. Tendo sido educado na Inglaterra e na Alemanha, ele é o
candidato perfeito para raptar o primeiro-ministro.
Koval não realizou tais façanhas ousadas em sua carreira de
espião, mas ele possuía um histórico similar. O jovem era americano
de criação e russo pela família e pela doutrinação comunista em
seus primeiros anos. Ele se envolveu na causa comunista, juntando-
se a um grupo local da Liga Comunista, que nos anos anteriores à
Guerra Fria ainda não tinha recebido status de pária. Colegas de
classe lembravam-se de Koval como sendo vocal sobre suas
crenças comunistas. Ele era um monitor para a Liga da Juventude
no Partido Comunista em uma Convenção do grupo comunista de
Iowa em 1930, quando ele ainda tinha dezesseis anos. Em 1931,
ele foi preso por ocupar um escritório municipal e exigir abrigo para
duas mulheres despejadas de suas casas.
Koval era também excepcionalmente brilhante. Ele se formou na
Escola Central aos quinze anos como membro da Sociedade
Honrada. Ele se matriculou na Universidade de Iowa para estudar
engenharia elétrica por dois anos e meio.
De acordo com seu arquivo do FBI, ele comentou com seus
colegas de escola que sua família planejava voltar para a Rússia em
1932. ICOR facilitou sua mudança para Birobidzhan no meio da
Grande Depressão para trabalhar em uma fazenda coletiva, uma
"utopia" que a Rússia estava construindo para os judeus. A região
era uma província isolada no extremo leste da Rússia, perto da
fronteira com a China. Stalin a estabeleceu em 1920 para integrar
os judeus na sociedade soviética e protegê-los contra o
antissemitismo da população russa e ao mesmo tempo criar um
tampão contra a expansão chinesa e japonesa. Para os Kovals, foi
um novo começo para a Rússia, livre de seu passado czarista e
pogroms judeus. Enquanto na fazenda, Koval melhorou seu russo o
suficiente para estudar engenharia química em Moscou, no Instituto
de Tecnologia Química Mendeleev. Ele conheceu Lyudmila Ivanova
enquanto no Instituto, com quem se casou pouco depois. Graduou-
se em 1939 com honras e se tornou um cidadão soviético.
Não se sabe quando Koval começou a trabalhar para o serviço
secreto soviético (GRU), mas ele foi convocado para o exército logo
após sua formatura. A GRU estava provavelmente analisando
candidatos nas universidades em toda a União Soviética, à procura
de estudantes inteligentes, com potencial para uma carreira na
espionagem. Vários anos de expurgos de Stalin esgotaram as
fileiras da comunidade de inteligência, e havia muitas posições em
aberto. Koval era perfeito para este papel. Ele foi criado como um
americano e poderia passar como um com pouca dificuldade. Ele
possuía um conhecimento de ciência - um atributo muito valorizado
no momento em que a Rússia queria desenvolver as suas
capacidades militares contra a crescente agressão nazista - que
tornou possível para ele se infiltrar em laboratórios nos Estados
Unidos. E ainda assim, ele era um comunista doutrinário, um
verdadeiro crente da causa, e provavelmente não iria desertar para
o Ocidente se incorporado lá, um problema perene para a União
Soviética durante a Guerra Fria, quando os espiões abandonavam
seus postos para os pastos mais verdes da Europa ou América.
Koval foi “convocado” para o exército soviético em 1939 para
encobrir o seu desaparecimento de Moscou. Exatamente como ele
foi recrutado não é claro, mas Koval escreveu que ele não aceitou a
oferta de treinamento militar. Ele nunca usava uniforme nem foi
empossado nas forças armadas. Em vez disso, ele foi treinado pelo
GRU para realizar espionagem nos Estados Unidos por um período
de oito anos, 1940-1948.
Koval achou fácil esgueirar-se de volta para a América ainda que
seus pais tivessem abandonado seus passaportes norte-
americanos. Em outubro de 1940, ele embarcou em um navio-
tanque a caminho dos EUA. Após a chegada em São Francisco, ele
simplesmente atravessou o controle de fronteira com o capitão do
navio, sua esposa, e filha pequena, que navegavam junto com ele.
Ele foi imediatamente para Nova York. Lá, ele assumiu o comando
da estação da GRU.
A Companhia Elétrica Raven, que abastecia um número de
empresas norte-americanas, como a General Electric, serviu de
cobertura para a estação. Ele criou uma identidade tão sem graça
que iria sufocar o interesse de qualquer ouvinte: Ele era um órfão
solteiro criado por sua tia, e ele nunca viajou. Koval manteve suas
opiniões políticas para si mesmo, nunca disse uma palavra sobre a
União Soviética, e jamais estabeleceu contato com nenhum
comunista fora seus controladores. Isto funcionou: Depois de
apenas alguns meses nos EUA, Koval se registrou para o projeto.
Raven garantiu para ele um adiamento de trabalho por um ano,
porque seus assessores soviéticos acreditavam que sua habilidade
para roubar informações sobre armas químicas seria comprometida
se ele fosse aceito. Eles não poderiam estar mais errados.
Ele ingressou no exército em 4 de fevereiro de 1943. Koval
recebeu seu treinamento básico em Fort Dix, antes de ser enviado
para Citadel, em Charleston, Carolina do Sul, para participar da
Unidade Especializada e de Transferência 3410. Em 11 de agosto,
ele tornou-se membro do Programa de Formação Especializada do
Exército (FAE). Este programa dava aos homens talentosos
alistados formação técnica em faculdades e universidades. Koval foi
inscrito na City College of New York (CCNY) para desenvolver ainda
mais o seu conhecimento de engenharia elétrica. Esta era
considerada uma Harvard para os pobres e era famosa por alunos
brilhantes. Ele destacou-se lá.
"Ele era muito simpático, compassivo e muito inteligente. Ele
nunca fez seu dever de casa ", disse Arnold Kramish, um físico
aposentado que estudou com Koval no City College e mais tarde
trabalhou com ele no Projeto Manhattan, em uma entrevista ao The
New York Times após a morte de Koval. "Claro, isso foi porque ele
já era um graduado da faculdade de volta em Moscou, embora nós
não soubéssemos naquela época."
Os colegas de Koval achavam estranho que ele fosse dez anos
mais velho do que eles. Embora ele se encaixasse bem com o
grupo de alunos-soldados, e ele era uma espécie de figura paterna,
muitos aspectos dele se destacaram. Ele fumava os cigarros até
quase queimar os dedos, que Kramish mais tarde descobriu ser um
distinto hábito do Leste Europeu. Ele era um homem popular com as
mulheres, apesar de seus colegas de classe não saberem que ele
tinha uma esposa na União Soviética. Ele tinha modos casuais,
medindo dois metros de altura e com um olhar penetrante.
O Programa de Formação Especializada do Exército terminou
pouco depois de Koval se inscrever, devido à necessidade Aliada
para mais tropas de combate. A maioria dos participantes do
programa foi transferida para a infantaria. Koval, no entanto,
recebeu a chance de uma vida para um espião. O Projeto
Manhattan sofreu escassez de mão de obra e solicitou recrutas
tecnicamente adeptos do Exército. Um colega seu, Duane Weise,
acredita que as pontuações altas de Koval no teste de inteligência
do Exército e sua formação especializada na manipulação de
materiais radioativos foi o que chamou a atenção. Koval foi enviado
para o mundanamente- nomeado Destacamento de Engenharia
Especial, que era, na verdade, um ramo do projeto nuclear.
O Projeto Manhattan foi a concepção militar maissecreta da
América. A fim de produzir materiais físseis, ele cresceu durante a
guerra para empregar mais de 130 mil e custar US$ 2 bilhões (US $
26 bilhões em 2014). Los Alamos inventou a bomba, mas Koval foi
enviado aos laboratórios de Oak Ridge, um centro de pesquisa
crítico onde as peças da bomba e seu combustível eram
desenvolvidos. Esta era considerada a parte mais difícil do projeto
atômico.
Seu trabalho em Oak Ridge não poderia ter sido melhor para a
sua missão de espionagem se seus oficiais soviéticos tivessem
desejado por um milagre. Ele era um sargento do exército dada a
posição de "agente de saúde física", exigindo-lhe que controlasse os
níveis de radiação em todo o complexo. A Koval foi dada
autorização de alta segurança e acesso a toda a academia. Ele
dirigia de prédio em prédio, certificando-se que radiação dispersa
não prejudicaria os trabalhadores. A União Soviética tinha agora um
agente treinado dentro de um centro secreto produzindo a
tecnologia militar mais bem guardada da América. Ele foi ainda dado
o seu próprio jipe, que muito poucos oficiais tinham.
"Ele não tinha um sotaque russo. Falava fluentemente Inglês,
Inglês Americano. Suas credenciais eram perfeitas", disse Steward
Bloom, físico sênior no Laboratório Nacional Lawrence Livermore,
na Califórnia, que estudou com Koval e chamou-o um cara normal,
que " jogava beisebol e jogava bem", geralmente na posição de
shortstop.
"Eu o via com o olhar perdido na distância, pensando em outras
coisas. Agora eu acho que sei o que era."
A Carreira de espionagem de Koval durou a Segunda Guerra
Mundial e a Guerra Fria, período que inaugurou a marca d'água de
espionagem global. Todos os poderes da Guerra Fria
desenvolveram pelo menos uma agência governamental dedicada à
busca de informações. A CIA foi formada em 1947, e os seus
objetivos foram moldados no início por desafios da política externa
dos Estados Unidos. Foi autorizada a realizar "operações secretas
contra os Estados estrangeiros ou grupos hostis ou em apoio de
Estados estrangeiros ou grupos amigáveis ". Em resposta, a Rússia
formou a KGB em 1954, que atuou como a segurança interna,
inteligência e polícia secreta. Dentro das fronteiras dos EUA, o FBI
processava espiões, o que fazia com fervoroso zelo entre 1935 e
1972 - os anos do diretor J. Edgar Hoover, um anti-comunista
fanático. A agência começou a investigar a espionagem soviética
em 1943 e dobrou de tamanho para 13.000 agentes em dois anos.
A agência teve muitas vitórias iniciais contra espiões soviéticos,
especialmente quando recebeu informações de Elizabeth Bentley,
que antes de sua captura repassava inteligência para a Rússia. Ela
deu-lhes uma confissão de 112 páginas, nomeando 80 pessoas
como espiões ou informantes pagos.
Koval estava ciente da crescente paranoia de infiltração
soviética. Ele tomou muitas precauções, e enviou as informações ao
seu manipulador de GRU através do uso de correios e da mala
diplomática da Embaixada Soviética. Ele provavelmente utilizava
outros meios que ainda permanecem desconhecidos, devido ao
número limitado de fontes existentes que descrevem sua maneira
de espionagem.
Cientistas do Projeto Manhattan desenvolveram dois tipos de
bombas atômicas, uma baseada em uma tecnologia relativamente
simples que requeria uma forma enriquecida de urânio, o outra com
base em plutônio, que não tinha sido isolado até 1941. Cientistas da
Oak Ridge descobriram que, a fim de construir uma ogiva de
plutônio funcional, eles precisariam de urânio enriquecido e o
elemento raro polônio para inicializar a reação em cadeia. Ambos os
materiais produziam níveis letais de radiação. Protocolos de
segurança rígidos eram necessários e Koval monitorava
continuamente os níveis de radiação em todo o complexo. Ele
também manteve inventário das substâncias experimentais que
foram testadas quanto à sua eficácia como combustíveis para
bombas.
Em seus relatos para Moscou, ele descreveu o complexo de Oak
Ridge e suas funções, a produção de polônio e urânio, e o volume
mensal de polônio. Ele lhes notificou que o polônio estava sendo
enviado para Los Alamos. Os soviéticos já tinham um espião lá,
Klaus Fuchs, que deu aos soviéticos informações detalhadas sobre
as bombas. As informações fornecidas por Fuchs e Koval sobre a
importância do polônio permitiu aos soviéticos integrar os segredos
científicos que vazaram dos dois laboratórios.
Koval não era o único agente que espionava o Projeto
Manhattan para os soviéticos. Nos últimos anos, como arquivos
russos abriram para os historiadores e arquivos classificados do FBI
de décadas atrás foram desclassificados, estudiosos e agentes
federais identificaram pelo menos uma meia dúzia de espiões
soviéticos envolvidos no projeto. Eles estão concentrados em Los
Alamos. Mas todos estes foram "walk-ins", ou espiões que eram
simpatizantes ideológicos, mas que lhes faltava um treinamento
rigoroso. Koval, ao contrário, era um oficial de inteligência que tinha
sido preparado para sua missão na União Soviética durante anos e
tinha um acesso mais amplo aos planos atômicos da América do
que qualquer outro infiltrado.
Em 27 de junho de 1945, Koval foi transferido para outro
laboratório secreto em Dayton, Ohio, onde o iniciador de polônio
estava sendo construído e o próprio polônio, refinado. As fábricas
refinavam polônio 210, um material altamente radioativo. Era crucial,
já que o plutônio era considerado demasiado instável para iniciar
uma reação atômica bem sucedida. Mais uma vez, o status de Koval
como oficial de saúde física deu-lhe carta branca ao longo da
instalação. Ele estava lá para testemunhar avanços científicos e o
triunfo final de uma explosão nuclear controlada. O iniciador foi um
sucesso e a primeira bomba atômica foi detonada em Trinity, no
Novo México, em 16 de julho (o experimento no qual o diretor de
Los Alamos Robert Oppenheimer, observando o contorno terrível da
nuvem em forma de cogumelo, citou o Bhagavad-Gita: "Agora eu
me tornei morte, o destruidor de mundos".) Três semanas mais
tarde, em agosto de 1945, duas bombas, uma à base de urânio e
outra à base de plutônio, foram detonadas sobre Hiroshima e
Nagasaki, forçando o imperador japonês Hirohito a se render.
Após a detonação das duas bombas, a União Soviética acelerou
seu programa nuclear. As informações fornecidas por Koval e outros
espiões empurraram seu programa para frente por anos. Eles
rapidamente desenvolveram o iniciador de polônio para a bomba de
plutônio. Este iniciador foi baseado nas informações fornecidas pelo
agente soviético Delma- o nome-código para George Koval. Em
1946, a CIA acreditava que os soviéticos não seriam capazes de
conseguir construir uma bomba atômica até 1950 sendo o mais
cedo, ou 1953, o mais tardar. Suas estimativas inclinavam para
1953. Eles ficaram chocados quando os relatórios de inteligência
revelaram que os soviéticos haviam testado a bomba atômica à
base de plutônio em 29 de agosto de 1949, em seu local de teste de
Semipalatinsk, no Cazaquistão.
Na corrida para o triunfo nuclear soviética, Koval foi oferecido
contínuos trabalhos confidenciais em Dayton, mas começou a
temer que sua identidade fosse descoberta. Outro oficial da GRU,
Igor Gouzenko, havia desertado para o Canadá e revelado a
extensão da infiltração soviética nos Estados Unidos, mesmo no
âmbito do Projecto Manhattan. Outro cientista, Alan Nunn May, foi
preso na Grã-Bretanha como resultado da confissão de Gouzenko.
Em nenhum momento a identidade de Koval esteve em perigo; seu
álibi era hermético. Mas preocupações permaneciam. Michael Sulick
argumenta que ele fugiu devido ao perigo, porque a União Soviética
não o teria retirado devido ao seu excelente posicionamento. Os
soviéticos mantinham seus espiões com tenacidade; no caso do
espião atômico David Greenglass, seus assessores lhe
redirecionaram para a Universidade de Chicago para observar os
cientistas que trabalham em pesquisas militares classificadas
mesmo depois de ele ter sido dispensado do exército dos Estados
Unidos e perdido o acesso. Portanto, Koval nãoteria deixado os
Estados Unidos, a menos que a captura fosse iminente.
Andrey Shitov, um cronista russo de Koval, escreve que um
desertor soviético disse ao FBI que um chefe da GRU desconhecido
foi baseado em Nova York e comercializava produtos eletrônicos.
Agentes de contra-inteligência americanos encontraram literatura
soviética antiga que saudava a família Koval como imigrantes felizes
dos Estados Unidos. Um panfleto lia que o Kovals vieram para a
União Soviética e "tinham trocado a incerteza da vida como
pequenos lojistas em Sioux City para uma existência livre de
preocupações para si e seus filhos." Cabos de inteligência soviética
interceptados tinham começado a implicar espiões da KGB tais
como Harry Dexter White, um alto funcionário do Departamento do
Tesouro no governo Roosevelt, que morreu de um ataque cardíaco
antes de ser intimado em 1948. Antigos colegas de Koval em Oak
Ridge e Dayton confirmaram que tinham sido entrevistados pelo FBI
em 1949 e 1950. Foram-lhes feitas perguntas especificamente sobre
Koval, que eles descobriram naquele momento não ser um órfão,
mas um natural de Iowa cujos pais eram comunistas. O FBI
finalmente entendeu toda a extensão de seu fracasso, mas fizeram
seus colegas cientistas jurarem segredo. O Governo dos EUA se
recusou a admitir essa falha, uma vez que teria sido muito
embaraçoso tê-la divulgada.
Mas já era tarde demais para controlar o dano. Koval já havia
deixado a América, e sua partida havia sido planejada há anos.
Após o fim da II Guerra Mundial, Koval recebeu sua dispensa
honrosa do exército, com referência ao seu trabalho "brilhante". Ele
ganhou duas medalhas, uma "pela vitória na Segunda Guerra
Mundial." Koval voltou para Nova York, onde retomou seus estudos
novamente no City College. Ele completou seu diploma de bacharel
em 1 de Fevereiro de 1948, graduando-se "cum laude". Ele, então,
disse aos seus associados que ele recebeu uma oferta de trabalho
para planejar a construção de uma usina de energia na Europa.
Koval obteve um novo passaporte norte-americano para o curso de
seis meses e usando uma empresa comercial, Atlas Trading, como
cobertura para seus planos de viagem. Ele embarcou no
transatlântico SS America para Le Havre, em outubro de 1948,
deixando o território americano. Koval nunca mais voltou.
Enquanto isso, a corrida armamentista entre os EUA ea União
Soviética que Koval lançou começou com seriedade. Como Michael
Walsh relata em O Smithsonian, quando os relatórios atingiram
Harry Truman em 1949, que os soviéticos haviam detonado uma
arma nuclear, ele informou o público norte-americano de seu teste
em 24 de Setembro: "Temos provas de que dentro das últimas
semanas uma explosão atômica ocorreu na URSS. Desde que a
energia atômica foi lançada pela primeira vez pelo homem, o
eventual desenvolvimento desta nova força por outras nações era
de se esperar. Esta probabilidade sempre foi tida em conta por nós."
Mas por trás dessas palavras resolutas, os políticos, funcionários
públicos, e os cientistas debatiam se deveriam enfatizar o controle
internacional de armas ou produzir a próxima geração de armas
nucleares. Truman tomou a decisão quando ele autorizou o
desenvolvimento da bomba de hidrogênio em 1950. O medo de
aniquilação nuclear entre as superpotências mundiais era mais real
do que nunca.
Koval entregou informações aos soviéticos que avançaram a sua
tecnologia militar em anos, até o ponto em que eles estavam
mordendo os calcanhares dos Estados Unidos na corrida
armamentista da Guerra Fria que já durava décadas. Apesar de
suas realizações, Koval não foi particularmente bem recebido em
sua pátria adotiva. Seja devido ao constrangimento Soviético que
eles tinham por roubar segredos militares para desenvolver o seu
programa nuclear, em vez de confiar em seu próprio requinte
científico, ou preocupações que Koval poderia ser um agente duplo
americano ou um espião, o estabelecimento de inteligência o
manteve a distancia. Ele não recebeu qualquer prêmio grandioso
quando chegou e seu passado como um espião na América afetou
negativamente sua vida.
Quando ele foi dispensado do exército soviético em 1949, foi-lhe
dado o posto de cabo e ele foi descrito como um atirador sem
treinamento, apesar de nove anos de serviço nas forças armadas.
Esse fraco desempenho aparente no exército, bem como formação
acadêmica e externa de Koval prejudicou sua capacidade de
encontrar um emprego. Ele procurou uma posição como professor
ou pesquisador, mas as suspeitas sobre ele continuavam. De
acordo com seu currículo, ele passou 10 anos, 1939-1949, como um
soldado alistado, mas não recebeu nenhuma promoção, apesar de
sua década de serviço e do ensino superior. Koval acabou tendo
que implorar a GRU para ajudá-lo a encontrar um emprego.
Ele só foi capaz de garantir uma posição como assistente de
laboratório no Instituto Mendeleev após a morte de Stalin em 1953,
quando seus antigos superiores intervieram junto do Ministério do
Ensino Superior. Ele obteve seu doutorado lá e tornou-se professor
e cientista prolífico, publicando mais de 100 trabalhos científicos nas
próximas quatro décadas. Seus alunos achavam-no prosaico, mas,
por vezes, riam quando ele pronunciava as palavras russas para
termos técnicos como "termopar" com sotaque americano. Koval
trabalhou como instrutor pelos próximos 40 anos. Rossiiskaia
Gazeta disse que ele era um fanático por futebol, mesmo quando as
pessoas idosas no estádio que sabiam de seu passado secreto
como espião apontavam discretamente.
De volta aos Estados Unidos, a segurança apertava e o "susto
vermelho"(red scare) inflamou-se. As acusações de espionagem
soviética de ex-espiões comunistas tinham sido tornados públicos.
Estes testemunhos incluídos por Elizabeth Bentley e Whittaker
Chambers, um ex-membro do Partido Comunista dos EUA e espião
da União Soviética que mais tarde renunciou o comunismo e
ferozmente criticou-o. Ele testemunhou perante o Comitê de
Atividades Antiamericanas (HUAC) no julgamento de perjúrio e
espionagem de Alger Hiss, um funcionário do governo americano
acusado de ser um espião soviético em 1948 e condenado por
perjúrio em relação a essa acusação em 1950. Oficiais da
inteligência americana decifraram mensagens codificadas que
desenterraram um número crescente de espiões soviéticos. O FBI e
a CIA e seus aliados destruíram vários grupos de espiões soviéticos
nos anos seguintes, mais notavelmente o Cambridge Five. Este
grupo consistia de comunistas britânicos recrutados durante a sua
formação na Universidade de Cambridge em 1930. Eles passaram
informações para os soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial
até meados de 1950 até fugirem para a Grã-Bretanha. A extensão
da infiltração no estabelecimento estava só agora se tornando
aparente.
Koval viveu durante décadas na obscuridade, desconhecido nos
Estados Unidos ou por seus compatriotas. Só em 2000 a GRU
reconheceu suas realizações quando arranjaram uma cerimônia
fechada em sua sede. Ele foi premiado com uma medalha por seu
serviço à inteligência militar. A história de suas façanhas começou a
vazar para a mídia russa, mas ele ainda era conhecido apenas pelo
seu nome-código. Koval preferia que permanecesse desta forma.
Quando Vladimir Lota o entrevistou para seu livro, The GRU and the
Atom Bomb, Lota quis identificar Delmar por seu verdadeiro nome,
mas o espião aposentado recusou. Ele ainda mantinha sua
verdadeira identidade em segredo de sua família. Eles tinham um
conhecimento vago de que ele trabalhou para a GRU e que esteve
de alguma forma relacionado com a bomba nuclear, mas para ele
era um assunto proibido. Talvez ele temesse ser visto como uma
deficiência para os soviéticos e enviado para a prisão. "Talvez eu
não deva reclamar (e eu não estou reclamando - apenas
descrevendo como as coisas eram na União Soviética na época).
Mas ser grato por não estar em um Gulag, como bem poderia ter
acontecido" Koval eventualmente mudou de ideia , mas ele morreu
um mês depois, em 31 de janeiro de 2006, em Moscou, com 92
anos.
Na década antes de sua morte, o velhoamigo americano de
Koval, do exército, Arnold Kramish, tentou restabelecer contato com
ele, mesmo depois de saber, a partir de uma entrevista do FBI, que
ele tinha sido um espião. Como notou Walsh, Kramish se deparou
com algumas referências a Koval e o Instituto Químico de
Mendeleev em 2000, enquanto no Arquivo Nacional. Kramish
contatou o Instituto de Moscou e ficou surpreso ao ouvir seu velho
amigo responder do outro lado da linha. "Foi um momento emotivo
para nós dois", disse ele. Kramish e Koval começaram a se
corresponder, eventualmente através de e-mails. Koval não entrava
em grandes detalhes sobre sua vida, mas lamentou que a União
Soviética não lhe oferecesse prêmios elevados em seu retorno,
especialmente em meio à "terrível campanha antissemita instigada e
cometida pelo governo, que estava em seu auge no início dos anos
cinquenta."
Apreciação do público só veio a título póstumo, e mesmo isso
veio com um asterisco. Em primeiro lugar, o reconhecimento de
Putin, em 2007, das contribuições de Koval, tinha menos a ver com
honrá-lo e muito mais a ver com política. A cerimônia de premiação
veio um mês antes das eleições parlamentares russas e coincidiu
com a promessa de Putin para restaurar o poderio militar da Rússia.
Em segundo lugar, as nações raramente chamavam a atenção do
público aos seus espiões, mesmo muito tempo depois de sua morte,
e em particular, no paranóico, mundo secreto de espionagem russo.
Isto teve provavelmente a ver com o que Sulick descreve em
Espionagem nos Estados Unidos com Putin divulgando as últimas
conquistas dos serviços de inteligência como parte de sua agenda
nacionalista. Como o ex-líder do Serviço de Segurança Federal
(Federal-naya Sluzhba Bezopasnosti), ele tem aumentado
significativamente a autoridade, orçamento e moral dos serviços de
inteligência da Rússia e enxertou-os em seu aparelho de poder
pessoal, chantageando e espionando seus adversários políticos.
Poucos espiões fizeram tanto por sua terra natal, mas receberam
tão pouco reconhecimento. Mas, em uma reviravolta estranha, o
legado discreto de Koval dá ainda mais crédito a sua habilidade
como um espião. O comunista nascido norte-americano nunca
procurou uma carreira em espionagem, ele só a viu como o melhor
meio para apoiar a causa comunista. Ele nunca teve qualquer
arrependimento e realmente acreditava no sistema. Esta é talvez a
maior qualidade para um espião: se contentar com um trabalho bem
feito, mesmo que o público nunca saiba de suas realizações - como
os espiões de Josué descobriram mais de 3.000 anos atrás. Afinal,
se o seu trabalho for feito corretamente, eles nunca saberão.
Conclusão
Espionagem no Século XXI–––––––– 
Fãs de James Bond sempre iam aos cinemas prontos para
suspender a descrença. Um agente da MI6 que nunca assume uma
identidade, mas consegue derrubar redes de espiões internacionais
com sapatos de sapateado cuspindo balas, a marca registrada de
Q, e dorme com mulheres aos montes sempre faltou
verossimilhança. Mas em Um novo dia para morrer, de 2002, até
mesmo os fãs mais ardorosos pensaram que a franquia tinha
perdido a cabeça. O filme vê Pierce Brosnan, James Bond, dirigindo
um carro invisível através de um palácio de gelo na Islândia. Ele,
então, segue um general norte-coreano que alterou sua aparência
através de uma reestruturação de DNA para parecer com um
bilionário britânico. O vilão planeja usar um espelho satélite orbital
para fritar a Zona Desmilitarizada da Coréia com o poder do sol.
E ele só fica pior: Bond surfa sobre um bloco de gelo para longe
de um tsunami causado por uma geleira caindo, usando apenas um
pára-quedas e partes de um carro foguete caído. Ele destrói uma
mansão em uma competição de esgrima e ilude um capanga com
diamantes em seu rosto. No final, ele mata um adversário, atraindo-
o sob um lustre de gelo em colapso e voa através de um raio de sol
concentrado, tudo isso enquanto seu parceiro luta um duelo de
espadas a bordo de um avião que está se desintegrando. Além
disso, houve a participação especial de Madonna.
Durante décadas, os amantes do cinema toleraram a visão
glamorosa de James Bond sobre a espionagem, mas tornou-se um
anacronismo no mundo pós 11 de setembro. Os americanos
perceberam que seus inimigos eram agora células terroristas com
base em Kandahar, no Afeganistão, e não primorosos comerciantes
de armas que jogavam cartas em Monte Carlo. Eles também tinham
uma relação mais complicada com o seu próprio governo do que
durante os tempos mais simples da Guerra Fria. Imediatamente
após 11 de setembro a maioria da população apoiou os esforços
militares para esmagar suas fortalezas e aplaudiram as invasões do
Afeganistão e Iraque. No entanto, a enorme expansão dos poderes
do governo e do aumento da fiscalização os deixou inquietos. O
Patriot Act permitiu que oficiais do governo espionassem registros
da biblioteca e mantivessem os cidadãos numa detenção infinita.
Ataques com drones foram amplamente expandidos sob a
Administração de Obama. Eles mataram as células terroristas, mas
também tiraram vidas de inocentes convidados de casamento
paquistaneses e agricultores como dano colateral. A NSA foi pega
espionando milhões de cidadãos, jornalistas e até mesmo chefes de
Estado estrangeiros.
Em um mundo em conflito, em que os cidadãos exigem ação
muscular dos seus governos contra as ameaças terroristas, mas
recuam perante o abuso desses poderes, não é de admirar que
Jason Bourne se tornou o rosto da espionagem no século XXI. A
Identidade Bourne foi lançada em 2002, poucos meses antes de Um
novo dia para morrer. Ele imediatamente tornou a série de Bond
pitoresca, com seu realismo corajoso e estilo naturalista. Ele foi
seguido por A Supremacia Bourne em 2004 e O Ultimato Bourne em
2007. Ao longo da série o personagem superespião de Matt
Damon, Jason Bourne, batalha a agência do governo corrupto que
originalmente o treinou. Bourne descobre que a agência
assassinava não apenas os terroristas, mas qualquer pessoa que
pudesse descobrir seus abusos de poder. Enquanto desvendava a
conspiração, ele também combate os danos psicológicos de ser um
assassino profissional. Quando seu interesse amoroso morre no
segundo filme, ele não se aproxima de nenhuma outra mulher
durante todo o restante da série, um movimento muito anti-Bond.
A influência da série Bourne foi tão significativa que ele deu uma
volta completa e afetou seu material original. A série de James Bond
foi reiniciada em 2006, com Daniel Craig no papel titular. O novo
Bond é muito mais grave, violento e realista do que seus
antecessores. Ele não tem dispositivos exóticos. Este Bond é mais
impulsivo, propenso a erros, e recebe sangue em suas mãos
quando ele mata alguém. Quando o vilão de Casino Royale o
capturou, ele trocou os tanques de tubarões ou lasers que se
movem lentamente por uma corda forte para chicotear os testículos
de Bond - não muito diferente da tortura sofrida por detentos em
Abu Ghraib.
Espectadores de cinema trocaram seus espiões de playboy da
Guerra Fria para agentes mais corajosos, mas eles podem não se
sentir bem com a troca. Bares na cobertura, femme fatales russas, e
o vazamento de segredos nucleares deram lugar a afogamento
simulado, ataques de drones, e o derrubamento de portas de
apartamentos paquistaneses. As metralhadoras de Q ligadas a
Aston Martins ou jet packs foram trocados por nerds de computador
debruçados sobre um terminal, tentando invadir um mainframe
inimigo.
Mas, quer queiramos ou não, essa é a natureza da espionagem
no século XXI. A obtenção de inteligência inimiga é feita
principalmente por analistas de sistemas e especialistas em
computação, não um infiltrado alcoólatra que vira camarada de um
funcionário do consulado e descobre sobre relatórios classificados.
Em 2013, Bloomberg Business informou sobre hackers chineses
lançando uma campanha de espionagem digital direcionada a
praticamente qualquer grande organização americana com
propriedade intelectual para proteger. Ele foi seguida até um edifício
militar chinês em Xangai. Investigações em empresascomerciais de
segurança suspeitam que a maioria desses hackers são militares ou
recebem as suas ordens de muitas organizações de vigilância ou de
inteligência da China. Eles têm como alvo uma ampla gama de
setores ao longo dos últimos cinco anos, incluindo energia, finanças,
tecnologia da informação, e aeroespaço. Especialistas dizem que
uma longo - até mesmo impossível - batalha está por vir para os
Estados Unidos para alcançar a paridade de cyber-espionagem.
Com tantos segredos comerciais em risco, o presidente Barack
Obama assinou uma ordem executiva em 2013 para o governo e
setor privado para colaborarem contra as ameaças de segurança
cibernética. Ele disse em seu Discurso do Estado da União de
2013, "Nós sabemos que os países estrangeiros e empresas
roubam nossos segredos corporativos. Agora nossos inimigos
também estão buscando a capacidade de sabotar nossa rede
elétrica, as nossas instituições financeiras, e os nossos sistemas de
controle de tráfego aéreo. Não podemos olhar para trás daqui a
alguns anos e nos perguntar por que não fizemos nada em face de
ameaças reais à nossa segurança e nossa economia. "Para
fortalecer os pontos fracos, por esta ordem, o Congresso aprovou a
Lei de Proteção de compartilhamento e de Cyber Inteligência.
Alguns temem que seja tarde demais. Bloomberg relata que os
hacks são uma invasão contínua e a América está em completa
desvantagem numérica. Há uma estimativa de dez equipes chinesas
implantando 300 grupos de malware, sugerindo apoio estatal maciço
por trás desses ataques cibernéticos. Eles têm acessado projetos
para mais de duas dezenas de sistemas de armas norte-americanos
e roubado planos para a nova sede de espionagem da Austrália,
que ainda nem sequer abriu. Eles comprometeram projetos para
navios e aviões de combate e defesas de mísseis para a Europa,
Ásia e do Golfo. Entre as armas estão o sistemas da Marinha de
defesa de mísseis balísticos, Aegis, o jato de combate F / A-18, o V-
22 Osprey, eo F-35 Joint Strike Fighter. As empresas americanas e
agências governamentais estão superadas por um inimigo com
vastos recursos e uma enorme vantagem inicial.
Mas a América tem vantagens em outras áreas. O maior deles é
a tecnologia drone, que mudou completamente a natureza dos
ataques aéreos e guerra da aviação. Se a infiltração de
computadores realmente representa uma ameaça de segurança
para os Estados Unidos, uma ataque de drone em um edifício
inimigo poderia facilmente acabar com seus sistemas de
computador. Eles também são usados rotineiramente para a
vigilância no exterior e nos Estados Unidos.
Outros usos de drones incluem situações com reféns e
barricadas. Drones operam de forma mais silenciosa e são menos
visíveis do que as aeronaves tradicionais, como helicópteros. Eles
podem permitir que as agências de espionagem e agentes da lei
consigam informações críticas sem a introdução de risco grave para
o seu pessoal. Há veículos submarinos autônomos (AUVs) que
espreitam os oceanos do mundo por mais de uma década. Os
militares dos EUA ainda trabalham no desenvolvimento de um
avião-robô espião inseto. Parece um mosquito, mas pode pousar
em um suspeito, usar sua agulha para tirar uma amostra de DNA, e
até mesmo injetar um micro dispositivo de rastreamento RFID sob
sua pele. Ele pode ser controlado a partir de uma grande distância e
é equipado com uma câmera e microfone. É o fim dos gravadores
em maletas da década de 1950, os transmissores escondidos nos
saltos de sapatos da década de 1960, ou microfones enfiados em
penas da década de 1980.
O maior sucesso dos ataques de drones são os milhares de
terroristas que eles mataram na última década, embora não sem
levar também as vidas de incontáveis inocentes. Desde 2004 a
Divisão de Atividades Especiais da CIA atacou várias centenas de
alvos no noroeste do Paquistão, principalmente ao longo da fronteira
com o Afeganistão. Em outubro de 2013, o Ministério da Defesa
paquistanês afirmou que ataques de drones nos EUA ao longo dos
últimos cinco anos, resultaram em 2.160 mortes de terroristas e 67
mortes de não combatentes. A última estatística fez com que alguns
paquistaneses se referissem aos ataques como crimes de guerra,
uma vez que as vítimas não representavam qualquer ameaça para
os interesses de segurança americanos.
Mas apesar dos avanços tecnológicos, o elemento humano não
pode ser removido da espionagem. A falta de uma presença militar
no terreno limita a capacidade de drones para adquirir inteligência
crítica. Uma operação humana de contra-insurgência no Iraque
pode optar por eliminar ou prender combatentes, mas um robô
aéreo não pode prender ninguém; ele só pode executar missões de
caçador-assassino e eliminar o alvo. Andrew Callam argumenta em
uma matéria da International Affairs Review de 2010 que
especialistas em inteligência concordam que é quase sempre
melhor prender terroristas do que matá-los. Um militante capturado
pode dar inteligência. Homens mortos não podem.
Com menos fontes de inteligência, drones têm dificuldade em
identificar seus alvos corretos. Com apenas dicas de informantes
locais para passar, que podem estar explorando os ataques, a fim
de eliminar um rival, os erros tornam-se frequentes. Mesmo com
câmeras de alta resolução, é difícil identificar um alvo quando
olhando para ele de cima. Poucos meses depois do 11 de setembro,
o piloto de um Predator avistou um homem vestindo robes
ostentosos na parte oriental do Afeganistão. Seus oficiais
acreditavam que o homem fosse Osama Bin Laden e ordenou ao
piloto que disparasse. A vítima foi posteriormente identificada como
um morador que teve a infelicidade de usar vestes elegantes.
Infelizmente, ele não é um caso avulso: com a taxa de uma morte
civil para cada três mortes de militantes, os danos colaterais se
espalham por toda parte. Alguns especialistas alegam que esses
ataques de drones criam mais terroristas do que eliminam.
Além disso, a velocidade de espionagem e guerra acelerou a
uma velocidade inimaginável. Se Francis Walsingham
encomendasse um assassinato no exterior, poderia levar semanas
para ele ser realizado e suas chances de sucesso eram baixas.
Hoje, um oficial do Controle Aéreo da Marinha pode identificar um
alvo com seu laptop, liberar uma aeronave, e pedir um ataque
cirúrgico em quase qualquer lugar do mundo em questão de
minutos. O processo é tão rápido que é quase como um jogo de
videogame, com o público e os militares isolados da realidade da
morte. Embora o maior benefício dos drones seja que menos
homens e mulheres voltam para a América em sacos para
cadáveres, mesmo essa vantagem tem um lado negativo. Quando
os americanos não são pessoalmente afetados pelo pedágio de
guerra, eles são menos propensos a opor-se a uma ação agressiva.
Como argumenta o colunista do The New York Times Roger Cohen:
"Pode se tornar difícil distinguir entre ir para a guerra e ir para o
trabalho." A "guerra sem custo" corrói os controles e equilíbrios
políticos que são características da guerra em uma sociedade
democrática.
A espionagem evoluiu significativamente ao longo dos séculos.
Os dois espiões de Israel que se infiltraram em Jericho há 3.000
anos fizeram pouco além de assumir identidades falsas e caminhar
para a cidade. Seus guardas não tinham como confirmar ou negar o
seu álibi; não haviam carteiras de identidade, scanners de retina ou
pastas de inteligência para detê-los. Francis Walsingham criou uma
sofisticada rede de espionagem em todo o mundo mediterrâneo,
mas ele esteve muitas vezes à mercê de um relatório escrito por um
marinheiro ou mercante com níveis duvidosos de alfabetização.
Espionagem era vista como algo sinistro e baixo. Qualquer busca de
informações ocorrida foi feita de forma cavalheiresca e honrada. Tão
tarde quanto o século XIX, adidos militares europeus informavam
sobre as atividades militares nos seus países de acolhimento, mas
não era esperado que se dedicassem ao serviço secreto. Eles eram
desencorajados do menor envolvimento em tais atividades e
pensavam em si mesmos como convidados ou investigadores,mas
nada secreto.
Isso tudo mudou com a urbanização e industrialização da
Europa. Em 1800, Londres tinha menos de um milhão de habitantes;
um século depois Londres e Paris tinham crescido para cidades de
4,7 e 3,6 milhões de cidadãos, respectivamente, com Berlim,
Moscou, São Petersburgo e Viena não muito atrás. O telégrafo, o
telefone, a tecnologia sem fio de Guglielmo Marconi, e aviões dos
irmãos Wright, tudo aconteceu nesse período. Na primeira década
do século XX, temores de uma guerra iminente, espiões
estrangeiros, e o crescimento dos impérios coloniais
intercontinentais levou países europeus a desenvolverem agências
formais de espionagem governamental. Em 1904, a Grã-Bretanha
formou a Diretoria de Operações Militares, com três seções da nova
diretoria dedicada à inteligência: MO2 foi a Seção de Inteligência
Estrangeira, MO3 a Seção de Administração e deveres especiais,
Mo4 a Seção topográfica.
Outros governos europeus tomaram nota. As comissões
especiais sugeriram a formação de agências de serviços secretos
para servir como uma barreira entre os serviços militares e espiões
estrangeiros; para assumir o comando de contraespionagem; e agir
como um intermediário entre os departamentos de serviços militares
e os agentes no exterior. A rainha, o Kaiser e o Czar, todos
construíram redes de espionagem extensas e permanentes no
exterior. A figura mais exemplar foi Sidney Reilly, o agente britânico
chefe em St. Petersburg, na primeira década do século XX. Ele era
fluente em várias línguas e provia a Inteligência Naval britânica com
informações sobre a frota russa do Extremo Leste, na véspera da
Guerra Russo-Japonesa, em 1904. Embora os registros sobre ele
sejam exagerados, alega-se que ele exerceu mais poder, autoridade
e influência do que qualquer outro espião. Ele era um assassino
especialista, que desempenhava as suas atribuições "esfaqueando,
disparando e estrangulando", e que tinha "onze passaportes e uma
esposa para ir com cada um."
A arte da espionagem provavelmente atingiu sua apoteose
durante a Guerra Fria. Os EUA e a URSS gastaram bilhões de
dólares recrutando, equipando e treinando agentes e espiões, e
despachando-os para subestações em todo o mundo. Eles reuniam
informações sobre seus inimigos e realizavam missões destrutivas,
sequestro ou assassinato de políticos, matando agentes rivais,
subornando-os a desertar, ou realizando sabotagem. Histórias de
espiões infiltrados são lendárias. Em 1950, Julius Rosenberg, um
engenheiro civil e comunista, foi acusado de passar informações a
um agente russo. Eventualmente, ele e sua esposa Ethel foram
sentenciados sob a Lei de Espionagem. Nenhum deles divulgou
qualquer informação ou nomeou associados. Eles foram enviados
para a cadeira elétrica em 1953.
Enquanto a espionagem mudou drasticamente com o vigésimo
primeiro século da tecnologia, alguns aspectos da profissão são
surpreendentemente low-tech. Primeiro de tudo, os informantes
locais sem treinamento são absolutamente cruciais para qualquer
missão, não importa quantos drones com câmeras de alta resolução
estejam voando. A maioria dos trabalhos de espionagem estrangeira
é feita por moradores, já que cerca de noventa por cento dos
funcionários da CIA vivem e trabalham nos EUA. Aqueles que estão
no exterior ficam perto da embaixada e agarram-se firmemente a
imunidade diplomática, já que eles provavelmente não se
encaixariam na sociedade local de qualquer maneira. Robert Evans
observa que a maioria dos americanos são encarregados de casos
para gerenciar os estrangeiros que realizam a espionagem real. A
garçonete ou o pastor local tem muito mais conhecimento da área
do que o melhor dos espiões estrangeiros. Caso em questão:
quando Seal Team Six confirmou a morte de Bin Laden em
Abbottabad, fizeram-no por corresponder o seu sangue com o DNA
de familiares. Como é que eles têm o sangue da família na mão?
Em razão da CIA executar um programa de vacinação em
Abbottabad e checar cada gota de sangue para determinar se a
família Bin Laden estava por perto. A operação foi executada por um
médico paquistanês que comandou o programa.
"Armadilhas de mel" também continuam a funcionar bem e elas
não precisam de qualquer tecnologia moderna para torná-las mais
eficientes. Em 2009, o ex-vice-prefeito de Londres, Ian Clement,
admitiu que foi seduzido por uma agente secreta chinesa. Os dois
se conheceram quando ele estava acompanhando uma delegação
do Reino Unido para os Jogos Olímpicos de Pequim para
"estabelecer contatos com investidores potenciais" para as
Olimpíadas de 2012 em Londres. Ele conheceu uma mulher chinesa
atraente em uma festa exclusiva na noite de abertura dos Jogos
Olímpicos de 2008 na China e decidiu construir um contato pessoal
com ela. Depois de algumas bebidas, ele foi para o seu quarto de
hotel, onde logo caiu inconsciente. Clement acordou horas depois,
descobrindo que seu Blackberry tinha desaparecido. A mulher "tinha
vasculhado documentos confidenciais e baixado detalhes sobre
como o capital era executado a partir de seu smartphone
BlackBerry." Isso aconteceu apesar da MI6 ter informado a sua
delegação que o Ministério da Segurança chinês frequentemente
utilizava "armadilhas de mel" em alvos desafortunados para extrair
informações.
"Eu caí no truque mais velho do livro", disse ele. "Eu nunca
pensei por um minuto que eu seria pego nele."
Que um "velho truque" ainda funciona - e é muito usado hoje - é,
talvez, a verdadeira lição de espionagem na era moderna. Táticas
podem ter mudado em resposta à proliferação de novas tecnologias,
mas as estratégias são atemporais. Na verdade, as estratégias
antigas podem ser até mais eficazes do que as mais novas.
Dois peritos militares da história que concordariam são Sun Tzu,
que conhecemos na introdução do livro, e Carl Von Clausewitz,
estrategista do século XIX, que cresceu à sombra das guerras
napoleônicas. Clausewitz viu enormes exércitos se chocarem em
todo o continente europeu, tendo sido um soldado desde a
adolescência. Ele acreditava que os números superiores em
combate direto contra o centro de gravidade do inimigo era a melhor
forma de alcançar vitórias militares. A luta era a chave para o
sucesso, não espionagem ou diplomacia. Eliminar um exército
inimigo significava a vitória total, e não tomá-lo intacto. Mas Sun Tzu
realizou uma conceituação mais ampla da guerra. Ele estava
preocupado com a condução da guerra no mais alto nível
estratégico. O estrategista taoísta - mesmo tendo muito em comum
com Clausewitz, principalmente ao entender a importância da moral
da tropa e dando aos homens uma razão para lutar - defendeu um
método de "guerra total", em que a diplomacia e guerra estão
perfeitamente ligadas ao derrotar o seu inimigo sem derramamento
de sangue, com foco na estratégia de conquista social, econômica e
política. Ele viu uma relação mais estreita entre a política e a guerra,
acreditando que o melhor meio para alcançar a vitória é fazê-la sem
ao menos lutar. Ao limitar a ambição e utilizar aspectos políticos,
sociais e econômicos, um general pode manter uma vitória de longa
duração, que muda o inimigo e inibe a sua capacidade de lutar.
Suas ideias são atemporais e ainda são relevantes para
combater as táticas de guerrilha no Afeganistão e no Iraque hoje.
Quando esses insurgentes revertem a táticas que colocam em risco
a vontade da população, táticas subversivas e limitadas de Sun Tzu
são mais eficazes do que os números superiores de Clausewitz.
Guerra total é o melhor meio para combater uma ameaça que é não
linear e imprevisível. Sua concepção de guerra foi adotada ainda
pelos comandantes da OTAN e da ISAF. Eles perceberam que
ganhar a vontade do povo em negligenciar um porto seguro ao
Talibã era crucial. Eles mudaram suas forças de um papel rigoroso
de combate para esforços de construção da nação e
desenvolvimento de instituições econômicas e políticas. O general
Stanley McChrystal observou que o uso excessivo da força pode
alienar a população. Assim, erradicar os campos de papoula e
substituí-los com fazendas viáveis dissociadasdo comércio
internacional de drogas é uma parte de sua estratégia de guerra
total, juntamente com a luta contra insurgentes.
A sabedoria militar de 2.500 anos de idade de Sun Tzu ainda é
pertinente hoje, mas suas palavras sobre espionagem são ainda
mais relevantes. Ele disse: "Se você conhece seus inimigos e
conhece a si mesmo, você não se verá em perigo em cem
batalhas... Se você não conhece os seus inimigos nem a si mesmo,
você estará em perigo em todas as batalhas." E espiões
determinam se um exército pode ou não conhecer seu inimigo.
Sem a inteligência fornecida por espiões, os exércitos caem.
Quando eles têm essa inteligência, ela pode salvar o destino de
uma nação inteira, como vimos várias vezes neste livro. Quer se
trate de Richard Sorge garantindo o sucesso do Exército Vermelho
contra a invasão de Moscou da Alemanha, os esforços de Nancy
Wake no Dia-D, Francis Walsingham garantindo a defesa Inglesa
contra a Armada Espanhola, ou George Koval salvando o programa
nuclear soviético, todos esses espiões mudaram radicalmente o
curso da história, mesmo que sejam, em grande parte,
desconhecidos ou mesmo esquecidos.
Talvez o maior legado desses espiões é que eles tomaram um
impulso humano normal, mas elevaram-se a alturas extraordinárias.
Todas as pessoas são propensas a sigilo e fofocas, e adoram a
sensação de saber informações privilegiadas. Mas a maioria dessas
informações é trivial e de pouco interesse fora de um pequeno
círculo de amigos ou familiares. Não é assim com esses espiões -
eles traficavam informações que realmente valiam a pena guardar
com suas vidas. Muito poucos membros da humanidade podem
sentir essa mesma satisfação.
Como diz John Updike: "desde a infância, todos nós somos
espiões; a vergonha não é esta, mas que os segredos a serem
descobertos são tão insignificantes e poucos".
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Sobre o Autor
Michael Rank é doutorando em história do Oriente Médio. Ele já
estudou turco, árabe, persa, armênio e francês, mas ainda pode
usar um sotaque do Meio Oeste se for necessário. Ele também
trabalhou como jornalista em Istambul por quase uma década e fez
reportagens sobre religião e os direitos humanos.
Ele é o autor do best-seller # 1 na Amazon "From Muhammed to
Burj Khalifa: A Crash Course in 2,000 Years of Middle East History "
e " History's Most Insane Rulers: Lunatics, Eccentrics, and
Megalomaniacs From Emperor Caligula to Kim Jong Il. "
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	Espiões, Espionagem e Operações Secretas - Da Grécia Antiga à Guerra Fria
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	Capítulo 5 | Sir Francis Walsingham (1532-1590) | A Serviço Secreto de Sua Majestade Elizabeth
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