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18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 1/29 Uma leitura da obra Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade Por Aloisio Andrade Oliveira Ilustrações: Rubens Lima AS PEDRAS DE DRUMMOND Carlos Drummond de Andrade é frequentemente considerado o grande poeta brasileiro do século XX, tendo produzido obras poéticas, crônicas e contos. Drummond manteve relações com grandes nomes da cultura nacional e insistiu na produção de uma poesia inquietante e indagativa desde a década de 1920 até à morte, em 1987, deixando inclusive obras prontas para a publicação após seu falecimento. O autor iniciou sua trajetória literária com uma poesia notadamente individualista, irônica, repleta de um humor sarcástico ao gosto dos poemas-piada da primeira fase do Modernismo (1922-1930), como comprova o poema “No meio do caminho", um de seus textos mais comentados. Drummond enxergava-se como um sujeito destinado à inadequação com a vida comum, imprestável e desconexo com a realidade de um mundo torto, conforme enuncia no “Poema de sete faces", primeiro texto de sua primeira obra, Alguma poesia: “Vai, Carlos! ser gauche na vida", vaticina a própria voz poética sobre si valendo-se da voz de um anjo negro que vive nas sombras. Na década de 40, livros como Sentimento do mundo (1940) e A rosa do povo (1945) revelam um trânsito na construção de sua obra, que de individualista passa a um coletivismo com viés socialista. Especialmente nesses dois livros, o que se vê é uma poesia participante, engajada e de caráter social, que chama a atenção para os horrores da Segunda Guerra Mundial, os abusos e as atrocidades trazidos pelos regimes fascistas. A dolorosa consciência da insuficiência do “eu" diante da Grande Guerra leva o poeta a substituir os problemas pessoais pelas dificuldades de ordem coletiva. Trata-se de um testemunho poético que pretende acionar e conscientizar os demais, mas no fundo o poeta (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 2/29 se sabe atônito e incapaz de transformar completamente essa realidade horrorosa da guerra, da fome e das injustiças sociais. Em versos conhecidos, o poeta diz ter apenas duas mãos e o sentimento do mundo, recusando-se a cantar um mundo caduco, revelando a insuficiência da poesia para revolucionar a sociedade. Ainda assim, o poeta se irmana aos demais, na esperança de que suas expectativas de solidariedade e comunhão em prol de um mundo melhor e mais justo se concretizem. Em Claro enigma (1951), um Carlos Drummond de Andrade mais reflexivo e maduro surge para o público leitor, desencantado com as lutas ideológicas e com a tímida possibilidade que antes havia para a renovação dos ideais sociais. Os críticos literários apontam uma mudança nos rumos poéticos do autor, que experimenta hesitações quanto aos caminhos da luta política, bem como ao valor e à veracidade das ideologias que antes defendia. Em obras como A rosa do povo, Drummond mostrava-se intensamente preocupado com as mortes trazidas pela devastação da Europa, com as notícias da barbárie que chegavam por fotos e relatos dos combates, além dos problemas humanitários e políticos naquela realidade bipartida entre capitalismo e socialismo. Se não chega a se aventurar em um ativismo nas ruas ou em protestos combativos, vive ao menos o conflito burguês da falsa sensação de segurança de um funcionário público oriundo de uma família tradicional do interior de Minas Gerais, de linhagem aristocrática e outrora rica. Já em Claro enigma, o autor apresenta sinceras dúvidas quanto ao sentido da história, além de questionamentos sobre a possibilidade de engajamento social que beneficie toda a humanidade. A obra se divide nas seguintes partes: I. Entre lobo e cão; II. Notícias amorosas; III. O menino e os homens; IV. Selo de Minas; V. Os lábios cerrados; e VI. A máquina do mundo. Apesar da divisão aparentemente temática, as partes contêm poemas que se voltam para assuntos contínuos ao longo da obra. Expressões como “lirismo meditativo", “poesia movida por inquietudes voltadas para o ser", “poemas voltados para reflexões existenciais", “tom crepuscular" e “obra de caráter filosófico" são usadas para categorizar panoramicamente a reunião de textos em Claro enigma, comprovando o deslocamento de rumo na construção literária de Drummond. No lugar do engajamento político, surge uma atitude de desengano e de fria indiferença; em vez da coletividade se ajuntando para tentar resolver os problemas do mundo, conforme sugeria nos poemas de sua fase mais social, são apresentadas as imagens da dissolução, da precariedade, do vazio. Note-se a epígrafe utilizada na obra, extraída de um poema de Paul Valéry: “Les événements m’ennuient"(Os acontecimentos me entediam). Ora, há pouco eles o excitavam, mas naquele momento não passam de acontecimentos aparentemente sem muita razão. A penumbra, a ausência e o desencontro amoroso trazidos pela maturidade do poeta vão permear essa fase de sua produção poética. Trata-se de um amadurecimento existencial, mas também maturação de sentidos e sensações, já que Drummond chegava à beira dos cinquenta anos de idade na época da publicação de Claro enigma. É como se a (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 3/29 experiência acumulada pelos anos melancolicamente não fizesse tanto sentido quanto se esperasse, como se a audácia de entender os mistérios da vida não passasse de uma pretensão fantasiosa. À segurança da maturidade interpõe-se a inquietude ainda mais forte que a da juventude e o ímpeto de escrever poesia. Mesmo que secretamente o poeta anteveja a possibilidade futura de esquecimento de seu legado poético, é capaz de brincar com a futura e questionável recepção de seus textos (): Legado Que lembrança darei ao país que me deu tudo que lembro e sei, tudo quanto senti? Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu minha incerta medalha, e a meu nome se ri. E mereço esperar mais do que os outros, eu? Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti. Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu, a vagar, taciturno, entre o talvez e o se. Não deixarei de mim nenhum canto radioso, uma voz matinal palpitando na bruma e que arranque de alguém seu mais secreto espinho. De tudo quanto foi meu passo caprichoso na vida, restará, pois o resto se esfuma, uma pedra que havia em meio do caminho. No poema, Orfeu, o filho de Apolo cuja lira e canto hipnotizavam a natureza e os monstros, caminha entre o “talvez" e o “se", a dúvida e a possibilidade, a incerteza dos novos tempos, e assim a voz poética afirma que nem um canto radioso, reminiscência de sua poética, permanecerá para que alguém se lembre dele. “Uma pedra que havia em meio do caminho", o símbolo do impedimento e do obstáculo sempre encontrado, seja qual for o percurso escolhido, metáfora existencial que ressoa em toda a produção do autor, seria afinal seu cáustico legado. (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 4/29 UM DRUMMOND MAIS ENIGMÁTICO Em suas primeiras obras nos anos 30 e 40, Carlos Drummond de Andrade registrou os acontecimentos cotidianos, o desenrolar material e espiritual do mundo com uma perspectiva distanciada. O “eu" e o “mundo" seriam os polos entre os quais o poeta divagaria. Com o passar dos anos, o vínculo entre o ser e a realidade exterior parece legitimar a sua criação literária, ainda que sobressaia uma natural desconfiança em relação ao que todos dizem, ou ao que ele próprio faz enquanto ser humano. A poesia deixa de ser apenas um registro escrito, e se torna a própria vivência do mundo, a experimentação imediata de uma realidade exterior, subjetivadaatravés do processo de escrita. No plano estético, mais do que reviver o mundo, Drummond parece conhecer o mundo naquele instante da escrita. Assim, o autor irrompe da mera anotação da realidade para uma reflexão que, mais do que metafísica, torna-se materialidade, ou seja, texto poético. A personalidade lírica de Drummond, portanto, oscilaria sempre entre a preocupação com os problemas sociais e a preocupação com as questões individuais. Assim, se há continuamente marcas biográficas, dados pessoais e registros confessionais nos poemas drummondianos, essas marcas constituem projeções da realidade exterior no âmbito individual. (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 5/29 Mapeiam-se geralmente alguns eixos temáticos fundamentais na sua poética e enumerá-los ajuda a entender os rumos de sua obra literária. Por exemplo, a poesia sobre o próprio fazer poético ocupa sempre um patamar de destaque, tendo em vista que descobrir o sentido da poesia poderia significar o próprio sentido inalcançável de existir. A poesia social como denúncia das barreiras erguidas entre o “eu" e o “outro", como dito, põe-se em lugar central principalmente ao longo dos anos 40, mas nunca deixa de ser também um dos focos do autor. O problema da falta de comunicação entre os seres e o exercício do amor como alívio momentâneo para essa condição de isolamento são temáticas igualmente frequentes; e sobre a ambivalência do par que se forma entre “desejo amoroso" e “solidão" há inúmeros versos de Drummond. A inevitável passagem do tempo que faz o poeta separar o que é apenas transitório do que é elemento essencial é outro componente da literatura desse autor inquieto com as lembranças que lhe mostram novas perspectivas sobre os velhos sentimentos. Desponta nessa fase não somente a exploração das memórias afetivas e existenciais, mas também a consciência acerca da sua origem aristocrática rural, descendente que era de famílias fazendeiras do interior de Minas: à memória pessoal mescla-se a memória coletiva a partir de uma consciência de classe que incomoda o poeta. A autoanálise, o remorso, a incerteza, a busca por se conhecer e se situar no mundo, a insatisfação consigo mesmo, a nostalgia de um “eu" pretérito que é tão próximo e contraditoriamente inalcançável e a necessidade imediata de organizar a memória são temas que se intercalam numa poética que consegue, ao mesmo tempo, ser modernista – ora flertando com as inovações vanguardistas dos companheiros do Modernismo, ora se atendo ao coloquial e anedótico – e clássica, valendo-se, para isso, de referências intertextuais canônicas e formas fixas consagradas. Formalmente, a gravidade de Drummond sentida em Claro enigma é percebida também nas escolhas lexicais e estruturais dos poemas. Na obra, há nove sonetos, essa forma tão combatida pelos radicais modernistas dos anos 1920 e 1930. A redondilha maior – o verso de sete sílabas poéticas –, o verso decassílabo e o alexandrino com doze sílabas poéticas, esquemas tradicionais de rimas emparelhadas ou alternadas, o léxico arcaizante e o gosto pelo uso de termos lusitanos, além do tom melancólico da poesia elegíaca, contrastam com o verso livre rebelde e iconoclasta do poeta gauche. Destacam- se também reverberações poéticas de Dante e Camões nos textos de Claro enigma, além de alusões mitológicas. O modernismo de Drummond reveste-se de um classicismo proposital, e essa postura pode ser vista como um desafio, resgatando o tradicional quando muitos modernistas ainda glorificavam a liberdade estética e a espontaneidade. Ao adotar moldes antigos e até considerados ultrapassados, o poeta demonstra não apenas consciência e preocupação com aspectos estéticos, mas também o compromisso de fazê-lo de maneira inovadora. O soneto “Oficina irritada" ilustra a tonalidade formal da coletânea dos poemas aqui apresentada, bem como uma irreverência propositalmente cínica que permeia alguns poemas da obra: (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 6/29 Oficina irritada Eu quero compor um soneto duro como poeta algum ousara escrever. Eu quero pintar um soneto escuro, seco, abafado, difícil de ler. Quero que meu soneto, no futuro, não desperte em ninguém nenhum prazer. E que, no seu maligno ar imaturo, ao mesmo tempo saiba ser, não ser. Esse meu verbo antipático e impuro há de pungir, há de fazer sofrer, tendão de Vênus sob o pedicuro. Ninguém o lembrará: tiro no muro, cão mijando no caos, enquanto Arcturo, claro enigma, se deixa surpreender. Metalinguisticamente, o autor estrutura o soneto na forma mais conhecida em Língua Portuguesa, com dois quartetos e dois tercetos em versos decassílabos rimados, mas enunciados de maneira seca, dura, abafada, “difícil de ler", ou seja, exigindo dedicação de leitura para ser interpretado. Trata-se de um “soneto escuro", isto é, com temática pouco evidente, desprazeroso e, ironicamente, imaturo. O terceto “Esse meu verbo antipático e impuro / há de pungir, há de fazer sofrer, / tendão de Vênus sob o pedicuro." revela a pretensão do autor de criar uma enigmática construção poética impossível de ser definida em sua totalidade, já que a deusa do amor tendo seus ligamentos nervosos tratados por um especialista em tirar calos e outras enfermidades dos pés não condiz com uma bela imagem poética. O “tiro no muro" e o “cão mijando no caos" são imagens que também desfazem os referenciais do real em substância metafórica sem explicação objetiva, enquanto a estrela nomeada como Arcturo é surpreendida como um “claro enigma", uma evidente contradição que aponta para o propósito maior do poeta ao realizar tal soneto: não fazer sentido. Em Drummond, o enigma é uma interrogação poética, por isso não se soluciona, e é tarefa do poeta reconhecer suas formas de atuação, o momento particular em que tal enigma se desdobra em perguntas. São as sugestões provocadas pelos enigmas que frequentemente motivam a escrita desse poeta. Temos, portanto, um paradoxo insolúvel: como pode um enigma ser claro, se é um enigma? A clareza aqui não estaria (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 7/29 propriamente vinculada à elucidação, mas à evidência e à familiaridade que tal enigma evoca no próprio autor. Assim, o “enigma claro" não significa necessariamente a explicação, mas a certeza de que ele existe – é um enigma evidente. A “oficina irritada" de Drummond é o exercício sofrido – o ofício aborrecido de fazer versos –, por isso há o praze-roso desgosto em realizar um soneto difícil de decifrar. Uma referência mitológica ajuda a criar algum vínculo de significação, pois Arcturo seria Icário, um ateniense a quem Dionísio escolheu para ensinar a arte de fazer o vinho. Viajando a Ática e transportando o vinho num odre feito de pele de cabra, oferece-o a pastores que, embriagando-se, creem ter sido envenenados. Eles então assassinam Arcturo. Seu fiel cão, Maera, conduz a virgem Erigona, filha dele, até o local onde o tinham enterrado. Desgostosa, ela se enforca próximo no local onde jazia seu pai. Dionísio, apiedado, transformou os três em estrelas: Icário no Boieiro, também conhecido como Arcturo, uma estrela muito brilhante usada como referência celestial por vários astrônomos, Erigona na Constelação de Virgem e Maera em Procion. Nas cerimônias das vindimas – participando do culto de Dionísio – Icário, Erigona e Maera eram adorados com libações. O “cão mijando no caos" pode fazer alusão a esse triste episódio da morte, mas também à fidelidade do poeta à confusão e à desordem, além da metamorfose motivada pela embriaguez dos sentidos e pela força etílica do vinho poético. DRUMMOND E A MEMÓRIA DO SER Na produção literária de Drummond, observa-se uma incansávelinvocação da palavra poética como reflexo do que pode a vida alcançar, e do que o “eu" pode pensar sobre a experiência mundana. As reflexões metalinguísticas indicam, em sua obra, que as ideias e (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 8/29 sensações não existem separadas da sua representação. Assim, os lugares-comuns, quando descritos e experimentados como poesia, tornam-se manifestações mais autênticas dos acontecimentos resgatados a partir da memória: Memória Amar o perdido deixa confundido este coração. Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não. As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão. O olvido, o esquecimento dos acontecimentos pretéritos, torna tudo distante, mas daí a beleza de reviver o que está perdido, e a despeito do “sem sentido apelo do Não", a finitude acaba por conferir sentido à experiência vivida, já que “as coisas findas", “muito mais que lindas", permanecerão ao serem transmutadas em matéria poética. O mesmo ocorre com o saber acumulado ao longo da existência: A ingaia ciência A madureza, essa terrível prenda que alguém nos dá, raptando-nos, com ela, todo sabor gratuito de oferenda sob a glacialidade de uma estela (), a madureza vê, posto que a venda interrompa a surpresa da janela, o círculo vazio, onde se estenda, e que o mundo converte numa cela. A madureza sabe o preço exato (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 9/29 dos amores, dos ócios, dos quebrantos, e nada pode contra sua ciência e nem contra si mesma. O agudo olfato, o agudo olhar, a mão, livre de encantos, se destroem no sonho da existência. O adjetivo “gaio" vem do provençal, língua usada pelos trovadores da literatura medieval, e significa “alegre", “jovial" e geralmente é acompanhado da palavra “ciência". “Gaia ciência" alude ao nascimento da poesia moderna na Provença durante o século XII, e corresponde à habilidade técnica e ao espírito livre requeridos para a escrita poética. Quando, em “A ingaia ciência", a palavra vem acompanhada do prefixo “in-", cria-se uma marca de negação. Assim, tem-se o ingrato e desagradável saber, a ciência acerca do desprazer trazido pelo envelhecimento. Mesmo vendada, a madureza, a ciência, ou seja, o saber que se acumula após tantas experiências de vida, é um círculo vazio, e nada pode contra sua sabedoria, a ciência da maturidade – note-se aqui o jogo de sentidos com o termo “ciência". A mão está livre de encantos, e o olfato e o olhar agudos são destruídos no sonho da vida. O desencanto é a temática desse soneto, contrariando o senso comum que exalta as glórias que supostamente se colheria após uma vida repleta de momentos importantes e de reflexões. Quanto à tal angústia trazida por meio da contemplação do “eu", o professor e crítico Antonio Candido explica exemplarmente uma de suas causas, objeto constante da poesia drummondiana: O passado, trazido pela memória afetiva, oferece farrapos de seres contidos virtualmente no eu inicial, que se tornou, dentre tantos outros possíveis, apenas o eu insatisfatório que é. Ora, o passado é algo ambíguo, sendo ao mesmo tempo a vida que se consumou (impedindo outras formas de vida) e o conhecimento da vida, que permite pensar outra vida mais plena (). Candido liga a insatisfação com o presente a um dos grandes motivos poéticos do autor. Surge daí uma sensação de náusea porque, em Claro enigma, a serenidade trazida pela maturidade se alia a certo niilismo, à aceitação do nada como método de enfrentamento da velhice e da ausência de respostas para as indagações frequentes do poeta, conforme delineia “Tarde de maio": Tarde de maio Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de seus mortos, assim te levo comigo, tarde de maio, quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra, outra chama, não perceptível, e tão mais devastadora, surdamente lavrava sob meus traços cômicos, (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 10/29 e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantes e condenadas, no solo ardente, porções de minh’alma nunca antes nem nunca mais aferidas em sua nobreza sem fruto. Mas os primitivos imploram à relíquia saúde e chuva, colheita, fim do inimigo, não sei que portentos. Eu nada te peço a ti, tarde de maio, senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível, sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém que, precisamente, volve o rosto, e passa… Outono é a estação em que ocorrem tais crises, e em maio, tantas vezes, morremos. Para renascer, eu sei, numa fictícia primavera, já então espectrais sob o aveludado da casca, trazendo na sombra a aderência das resinas fúnebres com que nos ungiram, e nas vestes a poeira do carro fúnebre, tarde de maio, em que desaparecemos, sem que ninguém, o amor inclusive, pusesse reparo. E os que o vissem não saberiam dizer: se era um préstito lutuoso, arrastado, poeirento, ou um desfile carnavalesco. Nem houve testemunha. Não há nunca testemunhas. Há desatentos. Curiosos, muitos. Quem reconhece o drama, quando se precipita, sem máscara? Se morro de amor, todos o ignoram e negam. O próprio amor se desconhece e maltrata. O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados; não está certo de ser amor, há tanto lavou a memória das impurezas de barro e folha em que repousava. E resta, perdida no ar, por que melhor se conserve, uma particular tristeza, a imprimir seu selo nas nuvens. A expressão disjecta membra, usada pelo autor, refere-se aos fragmentos dispersos que sobrevivem de poemas e manuscritos antigos, e acaba por resumir o modo como enxerga a própria obra: em vez de incêndios, ou seja, lampejos de sentimentos, porções desmembradas da sua alma. O começo do poema demonstra uma peculiar visão sobre o tempo e a memória, metaforizada pelo maxilar inferior carregado como herança e como um fardo. A “tarde de maio" seria o outono sem fim que se instalou no ser; é o sinal da derrota que se converte em sinal de beleza, mas que é passageira e, portanto, também sem sentido. A fictícia primavera seria o bastante para o renascimento do “eu", mas há resina, (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 11/29 poeira, sombra cobrindo o ser, e o que sobrou foi uma tristeza que se mostra nas nuvens: a contemplação da voz poética do “eu" e do mundo continua esbarrando sempre em melancolia e ausência de sentidos. A memória desgastada parece fazer cada vez menos sentido, enquanto o amor se desconhece e se esconde. O LIRISMO MEDITATIVO Na procura constante e dificultosa da poesia, os fatos cotidianos surgem na produção literária drummondiana de maneira interiorizada. Esse é o modo como o autor tenta entender e, principalmente, sentir o mundo ao seu redor. A mediação entre o mundo exterior e o interior se dá por meio do pensamento. O exercício de pensar, em Drummond, volta-se mesmo para o próprio ato de pensar o pensamento, ou melhor, pensar a poesia valendo-se do pensamento. Dessa maneira, o mundo repercute no eu lírico, e tal reverberação se transforma em lirismo, em texto poético. Em Claro enigma, dos poemas-piada e do tom ironicamente despretensioso e debochado dos primeiros textos, o autor passa a uma acentuada desconfiança, a uma quase natural inquietude diante de uma realidade que aparenta estar calma, mas que esconde em si convulsões sociais e angústias de toda natureza. Éassim que o poeta percebe o real, de modo mais indagativo do que responsivo. O poema “Perguntas" evoca tal noção, e do convívio com um fantasma – espectro que na verdade é o próprio eu lírico em confronto consigo – surge uma resposta que representa mais uma indagação do que uma solução: Perguntas Numa incerta hora fria perguntei ao fantasma que força nos prendia, ele a mim, que presumo estar livre de tudo, eu a ele, gasoso, todavia palpável na sombra que projeta sobre meu ser inteiro: um ao outro, cativos desse mesmo princípio ou desse mesmo enigma que distrai ou concentra e renova e matiza, prolongando-a no espaço, (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 12/29 uma angústia do tempo. Perguntei-lhe em seguida o segredo de nosso convívio sem contato, de estarmos ali quedos, eu em face do espelho, e o espelho devolvendo uma diversa imagem, mas sempre evocativa do primeiro retrato que compõe de si mesma a alma predestinada a um tipo de aventura terrestre, cotidiana. Perguntei-lhe depois por que tanto insistia nos mares mais exíguos em distribuir navios desse calado irreal, sem rota ou pensamento de atingir qualquer porto, propícios a naufrágio mais que a navegação; nos frios alcantis de meu serro natal, desde muito derruído, em acordar memórias de vaqueiros e vozes, magras reses, caminhos onde a bosta de vaca é o único ornamento, e o coqueiro-de-espinho desolado se alteia. Perguntei-lhe por fim a razão sem razão de me inclinar aflito sobre restos de restos, de onde nenhum alento vem refrescar a febre deste repensamento; (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 13/29 sobre esse chão de ruínas imóveis, militares na sua rigidez que o orvalho matutino já não banha ou conforta. No voo que desfere, silente e melancólico, rumo da eternidade, ele apenas responde (se acaso é responder a mistérios, somar-lhes um mistério mais alto): Amar, depois de perder. Note-se que a resposta é, segundo a voz lírica, novo mistério, porque não é o bastante para acalentar o “eu". Numa hora fria, ou seja, de reflexão, desse outro “eu" que projeta uma sombra – uma angústia, algum tipo de pesar – surge o enigma, o ponto sobre o qual essa coletânea de textos se sustenta. O espelho devolve a imagem da voz poética a si mesma, e nele o autor vai enxergar seu passado acordado pelos indícios rurais e mineiros, como a bosta de vaca, os vaqueiros e o gado, os “restos de restos". O “amar, depois de perder" significaria a consciência da impossibilidade de resgatar aquele passado sobre o qual o olhar agora se detém, e talvez até o compreenda, mas que está longínquo, inalcançável. Trata-se de uma nostalgia recorrente em Drummond essa profunda consciência amarga e contraditoriamente satisfatória sobre a inexperiência da juventude e sobre as peculiaridades de uma época pretérita que nunca mais reviverá, senão atravessando-a com esses versos melancólicos. Aparentemente, é preciso perder para amar, ou é necessário um distanciamento para saber valorizar até mesmo as dores e agonias íntimas como experiência vivida. O tempo é uma matéria sempre presente, segundo se lê no trecho do poema “Carta": [...] Vai-se tornando o tempo estranhamente longo à medida que encurta. O que ontem disparava, desbordado alazão, hoje se paralisa em esfinge de mármore, (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 14/29 e até o sono, o sono que era grato e era absurdo é um dormir acordado numa planície grave. [...] Juntamente ao tempo e à memória, a consciência acerca da fragilidade humana e do desnorteio em que a humanidade imerge acompanham a poética drummondiana. O mundo é torto e o poeta sabe disso. A deformação do “eu" segue a instabilidade do real. O autor segue preocupado com as relações humanas, refletindo sobre os condicionamentos do mundo sobre si e em como ele, enquanto um poeta, enxerga e condiciona esse mesmo mundo. Uma interessante e divertida estratégia para avaliar o homem em sua admirável falta de sentido é exteriorizar-se através do olhar de um bovino, animal afinal que o faz resgatar perspectivas rurais sobre a ação de existir: Um boi vê os homens Tão delicados (mais que um arbusto) e correm e correm de um para outro lado, sempre esquecidos de alguma coisa. Certamente, falta-lhes não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves, até sinistros. Coitados, dir-se-ia não escutam nem o canto do ar nem os segredos do feno, como também parecem não enxergar o que é visível e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes e no rasto da tristeza chegam à crueldade. Toda a expressão deles mora nos olhos – e perde-se a um simples baixar de cílios, a uma sombra. Nada nos pelos, nos extremos de inconcebível fragilidade, e como neles há pouca montanha, e que secura e que reentrâncias e que impossibilidade de se organizarem em formas calmas, permanentes e necessárias. Têm, talvez, certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem perdoar a agitação incômoda e o translúcido vazio interior que os torna tão pobres e carecidos de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme (que sabemos nós?), sons que se despedaçam e tombam no campo como pedras aflitas e queimam a erva e a água, e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade. (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 15/29 Os homens – diz o boi – correm de um lado para o outro, frágeis e arrogantes, sem atributos especiais; isolados em si mesmos, não enxergando a materialidade do real, não entendendo a unidade do mundo nem a comunhão entre as coisas da natureza. A “impossibilidade de se organizarem em formas calmas, permanentes e necessárias" faz assim dos homens seres transitórios, abandonando uns aos outros, daí o vazio que os distingue. O desejo, o amor e o ciúme surgem como essências básicas do ser, “sons que se despedaçam e tombam no campo como pedras aflitas". A “verdade" do boi resume a terceirização da perspectiva da voz poética sobre a realidade humana, ao mesmo tempo absurda e fascinante. A estranheza humana é, desse modo, observada por um poeta que tenta alcançar o fundamento da existência, mas esbarra sempre na autocontemplação de suas cismas e de suas meditações sobre o mundo. AMAR, DESAMAR, AMAR Enquanto no plano social o sentimento de insuficiência do “eu" leva o poeta a querer completar-se pela adesão ao próximo, substituindo os problemas pessoais pelos problemas coletivos, no plano pessoal, os limites objetivos do mundo interpõem-se entre o poeta e as revelações essenciais que se tornam inacessíveis. Surgem os obstáculos para o afeto, para a compreensão do outro, para o próprio entendimento do mundo ao seu redor. Surge também a essencialidade e a dor trazidas pelo amor, configurada em meditação poética: (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 16/29 Amar Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar? sempre, e até de olhos vidrados, amar? Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar? amar o que o mar traz à praia, o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia? Amar solenemente as palmas do deserto, o que é entrega ou adoração expectante, e amar o inóspito, o áspero, um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta, distribuídopelas coisas pérfidas ou nulas, doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na concha vazia do amor a procura medrosa, paciente, de mais e mais amor. Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita. O amor é sentimento inevitável, é o essencial, e ainda que haja falta, ame-se tal falta, diz o poeta. O “amor sem conta, / distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, / doação ilimitada a uma completa ingratidão" nem pode ser visto como uma sujeição à falta de sentidos para o mundo, tampouco como solução para as dores causadas pelas incertezas, mas decerto é algo tão imperativo que a “sede infinita" de amor é o desfecho desse poema amoroso. Igualmente, em um conhecido soneto chamado “Fraga e sombra", o amor torna-se a tônica não só da afetividade recebida, mas da pausa para a realidade, o escapismo, a fuga do real consumada em erotismo: (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 17/29 Fraga e sombra A sombra azul da tarde nos confrange. Baixa, severa, a luz crepuscular. Um sino toca, e não saber quem tange é como se este som nascesse do ar. Música breve, noite longa. O alfanje que sono e sonho ceifa devagar mal se desenha, fino, ante a falange das nuvens esquecidas de passar. Os dois apenas, entre céu e terra, sentimos o espetáculo do mundo, feito de mar ausente e abstrata serra. E calcamos em nós, sob o profundo instinto de existir, outra mais pura vontade de anular a criatura. Há no soneto uma paisagem bucólica e há também o desapego dos amantes quanto ao que ela poderia representar: “Os dois apenas, entre céu e terra, / sentimos o espetáculo do mundo". A fraga, o despenhadeiro, e a sombra que ele projeta são símbolos do prazer carnal que sacia momentaneamente os instintos, a “vontade de anular a criatura" por meio do deleite sensual. O título refere-se ao penhasco onde se abismam as convulsões amorosas e à sombra que tanto é projeção do desejo, inundando a paisagem, quanto é o refúgio em que os amantes anulam-se. A maturidade, a despeito de não ter trazido conforto espiritual ou segurança de viver naturalmente sem grandes dilemas, trouxe ao poeta de Claro enigma o amor novamente, como visto em “Campo de flores": Campo de flores Deus me deu um amor no tempo de madureza, quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme. Deus – ou foi talvez o Diabo – deu-me este amor maduro, e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor. Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos e outros acrescento aos que amor já criou. Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 18/29 e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou. Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia e cansado de mim julgava que era o mundo um vácuo atormentado, um sistema de erros. Amanhecem de novo as antigas manhãs que não vivi jamais, pois jamais me sorriram. Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra imensa e contraída como letra no muro e só hoje presente. Deus me deu um amor porque o mereci. De tantos que já tive ou tiveram em mim, o sumo se espremeu para fazer um vinho ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo. E o tempo que levou uma rosa indecisa a tirar sua cor dessas chamas extintas era o tempo mais justo. Era tempo de terra. Onde não há jardim, as flores nascem de um secreto investimento em formas improváveis. Hoje tenho um amor e me faço espaçoso para arrecadar as alfaias de muitos amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes, e ao vê-los amorosos e transidos em torno, o sagrado terror converto em jubilação. Seu grão de angústia amor já me oferece na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura e o mistério que além faz os seres preciosos à visão extasiada. Mas, porque me tocou um amor crepuscular, há que amar diferente. De uma grave paciência ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia tenha dilacerado a melhor doação. Há que amar e calar. Para fora do tempo arrasto meus despojos e estou vivo na luz que baixa e me confunde. (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 19/29 Os “mitos pretéritos" do amor, segundo a voz poética, ressurgem, e o “eu" sabe que aquele sentimento e aquele desejo vêm numa hora em que é estranho colher os frutos de tal sentimento. O “amor crepuscular" do poeta exige-lhe nova postura, pois não se trata mais de um sentimento repleto de convulsões ou demandas juvenis; trata-se, sim, de um sentimento que necessita de nova postura e nova reflexão. É um amor improvável e deleitoso, talvez inédito – “Onde não há jardim, as flores nascem de um secreto investimento em formas improváveis" –, mas seguramente o desejo por ele trazido acende uma nova avaliação sobre as relações humanas para esse poeta tão interessado em devassar o sentido das coisas e das sensações. MINEIRIDADE, FAMÍLIA E HISTÓRIA Se por um lado Carlos Drummond de Andrade firma-se como conhecido poeta social da literatura contemporânea, por outro, curiosamente também aborda a temática da família como grupo e tradição. As inquietudes pessoais vão ao encontro da poesia familiar, um importante fator de articulação entre o individual e o coletivo. Nos poemas com essa temática, são corriqueiras as imagens ligadas aos mortos, aos ancestrais, à permanência de antepassados no presente e, sobretudo, a uma fixação pela figura do pai e, em torno dela, pela atmosfera patriarcal da tradicional família mineira. O pai, a antiga casa, a cidade do interior e os parentes falecidos representam o passado resgatado naquele instante com distanciamento, mas também a partir de uma profunda consciência de classe. Em redondilhas maiores, o autor constrói um longo poema chamado “A mesa", no qual descreve um fantasmagórico reencontro entre o patriarca e os filhos, todos envelhecidos, durante uma refeição simbólica. O poeta vai traçando um a um o perfil dos irmãos, desvendando-lhes os comportamentos e personalidades, em meio a iguarias e pratos típicos de Minas, reavivando os sabores da culinária típica e dos perfis humanos do âmbito interiorano. Enquanto se bebe cachaça e se come peru com farofa, torresmo, tutu de feijão, o pai, o velho que não gostava de festa, vai reparando, por meio da voz do poeta, nos filhos e filhas, até que a vista vai parar justamente no autor: [...] ali ao canto da mesa, não por humilde, talvez por ser o rei dos vaidosos e se pelar por incômodas posições de tipo gauche, ali me vês tu. Que tal? Fica tranquilo: trabalho. Afinal, a boa vida ficou apenas: a vida (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 20/29 (e nem era assim tão boa e nem se fez muito má). Pois ele sou eu. Repara: tenho todos os defeitos que não farejei em ti, e nem os tenho que tinhas, quanto mais as qualidades. Não importa: sou teu filho com ser uma negativa maneira de te afirmar. Lá que brigamos, brigamos, opa! que não foi brinquedo, mas os caminhos do amor, só amor sabe trilhá-los. Tão ralo prazer te dei, nenhum, talvez… ou senão, esperança de prazer, é, pode ser que te desse a neutra satisfação de alguém sentir que seu filho, de tão inútil, seria sequer um sujeito ruim. Não sou um sujeito ruim. Descansa, se o suspeitavas, mas não sou lá essas coisas. Alguns afetos recortam o meu coração chateado. Se me chateio? demais. Esse é meu mal. Não herdei de ti essa balda. Bem, não me olhes tão longo tempo, que há muitos a ver ainda. [...] Nota-se uma tensão relativa ao desajuste com o pai. O poeta, reconhecendo-se afinal e definitivamente como gauche, parece livrar-se de um pesar ou uma angústia e experimentaruma catarse, ao reencontrar o pai num plano etéreo e admitir seus erros, sem deixar de censurar a falta de paciência paterna e o tradicionalismo familiar. Ao contrário das expectativas negativas, presta contas ao pai e diz não ser um sujeito de todo perdido, apesar de aparentar reviver alguma parcela de culpa por não ter conseguido expressar qualquer tipo de arrependimento em vida a ele. A mãe, por sua vez, aparece no poema homenageada em sua simplicidade, mas como um espectro que se anulou diante das necessidades familiares. A figura materna é retratada como aquela que apenas cedeu, (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 21/29 e por isso é vista como angelical, de uma pureza sagrada, bem como um símbolo daquela opressão patriarcal que por vezes se vê como antiquada e impositiva. Das mãos da mãe surgem os doces típicos e os sabores afetivos, e a mesa “de madeira mais de lei que qualquer lei da república", rígida em sua estrutura e em sua composição, assim como aquela família, capaz de sustentar todo o peso dos sofrimentos e comoções, surge enfim vazia: [...] Oh que ceia mais celeste e que gozo mais do chão! Quem preparou? que inconteste vocação de sacrifício pôs a mesa, teve os filhos? quem se apagou? quem pagou a pena deste trabalho? quem foi a mão invisível que traçou este arabesco de flor em torno ao pudim, como se traça uma auréola? quem tem auréola? quem não a tem, pois que, sendo de ouro, cuida logo em reparti-la, e se pensa melhor faz? quem senta do lado esquerdo, assim curvada? que branca, mas que branca mais que branca tarja de cabelos brancos retira a cor das laranjas, anula o pó do café, cassa o brilho aos serafins? quem é toda luz e é branca? Decerto não pressentias como o branco pode ser uma tinta mais diversa da mesma brancura… Alvura elaborada na ausência de ti, mas ficou perfeita, concreta, fria, lunar. Como pode nossa festa ser de um só que não de dois? Os dois ora estais reunidos numa aliança bem maior (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 22/29 que o simples elo da terra. Estais juntos nesta mesa de madeira mais de lei que qualquer lei da república. Estais acima de nós, acima deste jantar para o qual vos convocamos por muito – enfim – vos querermos e, amando, nos iludirmos junto da mesa vazia. [...] Já no poema “Os bens e o sangue", a mineiridade e o tradicionalismo familiar são retratados por meio do registro coral de vozes do passado que ressurgem no texto: apontamentos, lançamento de notas, diário e testamento de uma só vez materializam-se no poema. Valendo-se de uma prosa cartorial e arcaica, o autor revolve o passado por meio da enumeração de posses, lavras de ouro, fazendas e bois: [...] e trocaremos lavras por matas, lavras por títulos, lavras por mulas, lavras por mulatas e arriatas, ˜q trocar é nosso fraco e lucrar é nosso forte. Mas fique esclarecido: somos levados menos por gosto do sempre negócio ˜q no sentido de nossa remota descendência ainda mal debuxada no longe dos serros. De nossa mente lavamos o ouro como de nossa alma um dia os erros se lavarão na pia da penitência. E filhos netos bisnetos tataranetos despojados dos bens mais sólidos e rutilantes portanto os mais completos irão tomando a pouco e pouco desapego de toda fortuna e concentrando seu fervor numa riqueza só, abstrata e una. [...] O apogeu dos antepassados mineiros vai se transformando na própria história e natureza da região, e aos poucos se torna apenas memória da decadência daqueles que gozaram de riquezas e ostentavam orgulhosamente suas casas, suas tradições e os usos e costumes regionais. De nada lhes valeram o ouro, as terras e os escravos, já que foram dizimados por pragas, doenças e falta de sabedoria administrativa. Na memória instalada na consciência do sujeito lírico, culpas e frustrações dos ancestrais se confundem com as dele, a escutar o eco daqueles que lhe deixaram como maior herança esse olhar crítico e contestador acerca da aristocracia rural mineira: (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 23/29 [...] – Ó meu, ó nosso filho de cem anos depois, que não sabes viver nem conheces os bois pelos seus nomes tradicionais… nem suas cores marcadas em padrões eternos desde o Egito. Ó filho pobre, e descorçoado, e finito, ó inapto para as cavalhadas e os trabalhos brutais com a faca, o formão, o couro… Ó tal como quiséramos para tristeza nossa e consumação das eras, para o fim de tudo que foi grande! Ó desejado, ó poeta de uma poesia que se furta e se expande à maneira de um lago de pez e resíduos letais… És nosso fim natural e somos teu adubo, tua explicação e tua mais singela virtude… Pois carecia que um de nós nos recusasse para melhor servir-nos. Face a face te contemplamos, e é teu esse primeiro e úmido beijo em nossa boca de barro e de sarro. Na poesia de Drummond, ocorre uma particularização do histórico, ou seja, o poeta traduz em subjetividade os acontecimentos de âmbito coletivo, e, quanto a Minas, tal recurso envolve um profundo senso de desencanto mesclado a uma aguda consciência acerca de ações políticas estéreis que deixaram, apesar de tudo, seu registro no tempo. Ao analisar cenários de Ouro Preto, por exemplo, em “Estampas de Vila Rica", registra liricamente as lembranças da dor do período da Inconfidência Mineira, desferindo ao final um dos versos emblemáticos que sintetiza o viés analítico e poético adotado pelo autor nos textos de Claro enigma, “toda história é remorso": Estampas de Vila Rica [...] V. MUSEU DA INCONFIDÊNCIA São palavras no chão e memória nos autos. As casas inda restam, os amores, mais não. E restam poucas roupas, (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 24/29 sobrepeliz de pároco, a vara de um juiz, anjos, púrpuras, ecos. Macia flor de olvido, sem aroma governas o tempo ingovernável. Muros pranteiam. Só. Toda história é remorso. DRUMMOND E A MÁQUINA DO MUNDO Outro longo e fundamental poema de Claro enigma chama-se “A máquina do mundo". A máquina do mundo é a alegoria do conhecimento do pleno funcionamento do universo inteiro. Para entender tal comparação, é interessante evidenciar duas intertextualidades presentes no texto: os poemas épicos A Divina Comédia, de Dante Alighieri (1304-1321), e Os lusíadas, de Camões (1572). Em A Divina Comédia, Dante, autor envolvido por uma cosmovisão teocêntrica, encontra-se com o poeta clássico Virgílio para buscar a amada falecida, Beatriz. Ele atravessa o Inferno e o Purgatório até chegar ao Paraíso, onde se junta à amada. Dante segue com Beatriz pelas esferas divinais, até atingir o final da jornada, a partir da qual Beatriz não pode mais seguir. O poeta continua o caminho até lhe ser concedida a visão de Deus, por intercessão da Virgem Maria. O ser sagrado é configurado como três círculos, apresentando ao poeta a Santíssima Trindade, e lhe é concedida a compreensão das naturezas divina e humana. No início do poema, ao começar a longa jornada rumo ao Paraíso, Dante escreve: [...] Da nossa vida, em meio da jornada, Achei-me numa selva tenebrosa, Tendo perdido a verdadeira estrada. [...] () Já em Os lusíadas, Camões apresenta de modo grandioso a grande jornada de Vasco da Gama rumo às Índias, representativa da heroica trajetória ultramarina portuguesa no século XV. No desfecho, Vasco da Gama é guiado pela ninfa Tétis até a máquina do mundo, na qual o navegante presencia a visão das esferas celestiais. Eles caminham por (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 25/29 matos densos até que Tétis lhe apresenta um globo que brilha planando no ar, rodeado por outras esferas – aqui Camões segue o modelo astronômico ptolomaico, segundo o qual a Terra estaria parada no centro do universo e os outros corpos celestes estariam abaixo da esfera das estrelas fixas, girando ao redor dela. Tétis diz: [...] Vês aqui a grande máquina do Mundo, Etérea e elemental, que fabricada Assi foi do Saber, alto e profundo, Que é sem princípio e meta limitada. Quem cerca em derredor este rotundo Globo e sua superfícia tão limada, É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende, Que a tanto o engenho humano não se estende. Este orbe que, primeiro, vai cercando Os outros mais pequenos que em si tem, Que está com luz tão clara radiando Que a vista cega e a mente vil também, Empíreo se nomeia, onde logrando Puras almas estão daquele Bem Tamanho, que ele só se entende e alcança, De quem não há no mundo semelhança. [...] () A máquina do mundo sintetiza todo saber inatingível a qualquer ser humano, porque, para Camões, trata-se da própria figuração de Deus, ininteligível e inacessível aos homens comuns. Em “A máquina do mundo", Drummond resgata as jornadas construídas por esses autores, mas, enquanto em Os lusíadas o navegante Vasco da Gama torna-se o herói português, o que é justificado pela revelação divina do funcionamento do universo, e Dante torna-se digno de receber a sabedoria divina, os dois experimentando revelações que justificam a longa e penosa jornada, a revelação ofertada ao poeta mineiro traduz-se em uma antiepifania, pois ele desiste de compreender o mundo. Assim começa o poema: A máquina do mundo E como eu palmilhasse vagamente (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 26/29 uma estrada de Minas, pedregosa, e no fecho da tarde um sino rouco se misturasse ao som de meus sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no céu de chumbo, e suas formas pretas lentamente se fossem diluindo na escuridão maior, vinda dos montes e de meu próprio ser desenganado, a máquina do mundo se entreabriu para quem de a romper já se esquivava e só de o ter pensado se carpia. Abriu-se majestosa e circunspecta, sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável pelas pupilas gastas na inspeção contínua e dolorosa do deserto, e pela mente exausta de mentar toda uma realidade que transcende a própria imagem sua debuxada no rosto do mistério, nos abismos. [...] A jornada pela selva escura de Dante converte-se em estrada pedregosa, ecoando novamente a já mencionada “pedra no meio do caminho", reverberando os infinitos obstáculos metaforizados na poética de Drummond. A máquina se oferece ao poeta – cuja “mente exausta de mentar", ou seja, de pensar – recusa a curiosa oferta de saber. Os sentidos e as intuições do poeta são convidados ao espetáculo do conhecimento, e a natureza mítica das coisas quer se revelar a ele. A máquina apela ao interlocutor, ofertando a total explicação da vida, “as paixões e os impulsos e os tormentos", as “verdades altas mais que todos os monumentos erguidos à verdade", mas o poeta hesita e a máquina se retrai: [...] Mas, como eu relutasse em responder (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 27/29 a tal apelo assim maravilhoso, pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio, a esperança mais mínima – esse anelo de ver desvanecida a treva espessa que entre os raios do sol inda se filtra; como defuntas crenças convocadas presto e fremente não se produzissem a de novo tingir a neutra face que vou pelos caminhos demonstrando, e como se outro ser, não mais aquele habitante de mim há tantos anos, passasse a comandar minha vontade que, já de si volúvel, se cerrava semelhante a essas flores reticentes em si mesmas abertas e fechadas; como se um dom tardio já não fora apetecível, antes despiciendo, baixei os olhos, incurioso, lasso, desdenhando colher a coisa oferta que se abria gratuita a meu engenho. A treva mais estrita já pousara sobre a estrada de Minas, pedregosa, e a máquina do mundo, repelida, se foi miudamente recompondo, enquanto eu, avaliando o que perdera, seguia vagaroso, de mãos pensas. O mineiro que caminha pela estrada pedregosa ao final prossegue de mãos vazias – sem sentido, sem soluções, sem o que fazer; ele está desencantado e nem a oferta sedutora de saberes inigualáveis o acalenta. Para receber a verdade totalizante que a máquina deseja lhe ofertar, seria necessário que o poeta abandonasse seu negativismo, sua subjetividade, ou seja, o que ele tem de particular. O poeta está enovelado por sentimentos de introspecção e renúncia, e à busca não concluída junta-se a procura de um conhecimento jamais encontrado. (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 28/29 Há uma circularidade no poema, porque ele retorna à estrada de Minas, ou simplesmente compreende que seu percurso nela não pode cessar. O retorno ao ponto de partida denota uma impossibilidade de superar a condição inicial de dúvida, recusando a transcendência e a comunhão com revelações divinas. Ao invés do êxtase de uma visão mística, opta pelo caminho difícil com as “mãos pensas", abanando sem razões ou sentidos alcançáveis. Frouxo e sem curiosidade, o poeta nega o conhecimento gratuito, recusando uma realidade sobrenatural. Ao poeta, estende-se à frente a estrada e, junto a ela, a pedra, as indagações e a desconfiança diante de respostas fáceis oferecidas sem serem requisitadas. A máquina brilhava, e luminescente e explícita, tornara-se o enigma renunciado por ele – o claro enigma sem solução. REFERÊNCIAS A CONSTELAÇÃO do Boieiro. Disponível em: . ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. Disponível em: . ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. ARRIGUCI, Davi. Drummond Meditativo. In.: O guardador de segredos. Disponível em: . (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html 18/04/2020 Estudo de Obras https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/ 29/29 CAMÕES, Luís Vaz de. Os lusíadas. Disponível em: . CANDIDO, Antonio. Inquietudes na poesia de Drummond. In.: Vários escritos. Disponível em: . LUCENA, Mônica Jácome de. Ressentimento e melancolia na poética drummondiana de Claro enigma. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Brasília, Instituto de Letras, Departamento de Teoria Literária e Literatura. Brasília, 2013. Disponível em: . MOURA, Murilo Marcondes de (Org.). Cadernos de leituras – Carlos Drummond de Andrade: orientação para o trabalho em sala de aula. Disponível em: . OLIVEIRA, Ana Lúcia M. de. Figurações alegóricas da máquina do mundo. UERJ. Disponível em: . (exer https://digital.bernoulli.com.br/estudodeobras/claroenigma/exercicio.html